segunda-feira, 10 de julho de 2023

Sílvio Romero (A Raposinha)

(Folclore do Sergipe)


Foi um dia, saiu um príncipe a correr terras atrás de arranjar um remédio para seu pai que estava cego. Depois de muito andar, o príncipe passou por uma cidade e viu uns homens estarem dando de cacete num defunto. Chegou perto e perguntou porque faziam aquilo. Responderam-lhe que aquele homem tinha-lhes ficado a dever, e que por isso estava apanhando, depois de morto, segundo o costume da terra.

O príncipe, que ouvia isto, pegou e pagou todas as dívidas do defunto e o mandou enterrar. Seguiu sua viagem. Adiante encontrou uma raposinha, que lhe disse:

«Aonde vai, meu príncipe honrado?»

O moço respondeu: «Ando caçando um remédio para meu pai que ficou cego.»

A raposinha então lhe disse: «Para isto só há agora um remédio, que é botar nos olhos do rei um pouquinho de sujidade de um papagaio do reino dos papagaios. Meu príncipe, vá ao reino dos papagaios, entre à meia noite, no lugar onde eles estão, deixe os papagaios bonitos e faladores que estão em gaiolas muito ricas, e pegue num papagaio triste e velho que está lá num canto, numa gaiola de pau, velha e feia. »

O príncipe seguiu. Quando chegou no reino dos papagaios, ficou embasbacado de ver tantas e tão ricas gaiolas de diamantes, de ouro e de prata; nem procurou o papagaio velho e sujo que estava lá num canto; agarrou na gaiola mais bonita que viu, e partiu para trás.

Quando ia saindo o papagaio deu um grito, acordaram os guardas, e o perseguiram, até pega-lo.

«O que queres com este papagaio?! Hás de morrer,» disseram os guardas.

O príncipe, com muito medo, lhes contou a historia de seu pai; então eles disseram:

«Pois bem; só te damos o papagaio se tu fores ao reino das espadas, e trouxeres de lá uma espada.»

O moço, muito triste, aceitou e partiu. Chegando adiante lhe apareceu a mesma raposinha, e lhe disse: «Então, meu príncipe honrado, o que tem, que vai tão triste?»

O moço lhe contou o que lhe tinha acontecido; e a raposa respondeu: «Eu não lhe disse!? Você para que foi pegar num papagaio bonito, deixando o velho e feio? Pois bem; vá ao reino das espadas; entre à meia noite. Você lá há de ver muitas espadas de todas as qualidades, de ouro, de brilhante e de prata, não pegue em nenhuma. Lá num canto tem uma espada velha e enferrujada; pegue nessa.»

O moço seguiu. Quando chegou ao reino das espadas, ficou embasbacado, vendo tantas espadas e tão ricas. De teimoso, disse: «Ora tanta espada rica, e eu hei de pegar numa ferrugenta?»

Pegou logo na mais bonita que viu. Quando ia saindo, a espada deu um trinco tão forte que os guardas acordaram, pegaram o moço e o quiseram levar ao rei.

0 príncipe contou então a sua história, e os guardas, com pena, disseram: «Nós só lhe damos uma espada se você for ao reino dos cavalos e trouxer de lá um cavalo.»

O moço seguiu muito desapontado. Adiante numa encruzilhada encontrou a raposinha: «Aonde vai, meu príncipe honrado?»

O moço contou tudo. «Ah! eu não lhe disse!? Por que não seguiu o meu conselho? Vá no reino dos cavalos, e entre à meia noite. Você lá há de encontrar muitos cavalos gordos e de todas as cores, todos aparelhados, não pegue em nenhum. Lá num canto está um cavalo velho e feio, pegue nesse.»

O moço seguiu. Quando entrou no reino dos cavalos caiu-lhe o queixo no chão: «Ora tantos cavalos bonitos, e eu hei de ficar com um diabo velho e magro?»

E pegou num dos mais gordos e lindos. O cavalo deu um relincho tão grande que os guardas acordaram e prenderam o príncipe. Ele, com muito susto, contou toda a sua história.

Os guardas responderam: «Pois sim; nós lhe damos um cavalo se você for furtar a filha do rei.»

Aí o moço disse: «Então me deem um cavalo para ir montado.»

Eles concederam.

O moço seguiu; quando ia adiante, lhe apareceu outra vez a raposinha: «Onde vai, meu príncipe honrado?»

Ele contou tudo. A raposa disse: «Pois veja: eu sou a alma daquele homem que estava apanhando de cacete depois de morto e de que você pagou as dívidas; ando-lhe protegendo, mas você não quer fazer caso dos meus conselhos, e, por isso, tem andado sempre em perigo… Vá montado neste cavalo; chegue à meia noite no palácio do rei, pegue a moça e bote na garupa, largue a rédea a toda a brida; passe pelo reino dos cavalos para lhe darem o seu, pelo das espadas para lhe darem a sua, e pelo dos papagaios para levar também o seu, e vá voando para casa de seu pai, que ele vai mal. Nunca entre por veredas, nem preste ouvidos a ninguém até à casa. Adeus, que é esta a última vez que lhe apareço.»

O príncipe partiu. Chegando no palácio, furtou a moça; chegando no reino dos cavalos, recebeu o seu; no das espadas, a sua, e no dos papagaios, o seu. Seguiu sempre na carreira. Adiante encontrou uns moços que andavam à sua procura, e eram seus irmãos que vinham buscar novas dele. Os irmãos, quando o viram com objetos tão ricos, ficaram com inveja e formaram o plano de o matar para rouba-lo. Começaram a convence-lo de que devia deixar a estrada real e seguir por uns atalhos para os ladrões não lhe fazerem mal vendo-o com aquelas coisas tão belas e ricas.

Ele caiu na esparrela, e os irmãos o atiraram dentro de uma gruta no mato onde ele tinha ido beber água. Tomaram-lhe a moça, o cavalo, a espada e o papagaio. Largaram-se para a casa muito alegres, pensando que o irmão estava morto.

Mas tudo aquilo chegando a palácio, entrou a marear-se, e a ficar estragado. A moça não quis mais comer nem falar; meteu a cabeça debaixo da asa e não quis mais falar; a espada ficou enferrujada, e o cavalo começou a emagrecer.

Quando o moço estava quase a morrer na furna, apareceu a raposinha, que o tirou para fora, e o botou outra vez no caminho. Ele seguiu e chegou até ao palácio de seu pai. Quando já ia chegando a espada deu um trinco, e começou logo a brilhar, o papagaio voou e foi cair-lhe no ombro, a moça deu uma gargalhada e falou, e o cavalo engordou de repente.

O príncipe entrou e foi logo botando um pouco de sujidade do papagaio nos olhos do pai, que ficou logo vendo, e muito alegre. O príncipe se casou com a princesa que tinha furtado, e os seus irmãos foram castigados por causa de sua falsidade.

Fonte:
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Lisboa/Portugal: Nova Livraria Internacional, 1885.
Disponível em Domínio Público.
Atualização do português por J.Feldman

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