sexta-feira, 14 de julho de 2023

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) Capítulo 2: Noite de Super Lua

A dez passos do portão de saída da fazenda, ficava o "Peleando contra o Trago”, armazém antigo do seu Feliciano, um senhor gordo, de idade avançada e bigode largo. O armazém era ponto de encontro dos homens em suas horas livres.

Ali, eles se reuniam para acender o fogo de chão, tomar mate, e preparar o velho e bom churrasco. Em suas rodas de conversa, assim como sempre fizeram os pescadores à beira do cais, contavam causos. Nem tanto sobre o mar, mas, principalmente, sobre as famosas lendas do Rio Grande, que para muitos, não eram lendas. Alguns nem conheciam o significado desta palavra: LENDA. Os moradores da região costumavam crer em seres das culturas folclóricas. Talvez, tais seres não sejam exatamente como dizem, mas que existem, existem, sim! Afirmava o povo.

A noite estava iluminada por uma Super Lua, e os viventes, inspirados, reunidos ao redor do balcão do armazém entraram noite adentro contando as tais estórias ou histórias como muitos acreditavam ser.

Todos sabem que esses contos são cheios de personagens interessantes, e o protagonista da noite foi o Pedro, pois em noite de lua cheia ele nunca se juntava aos amigos.

Seu Feliciano, Juca, Simão e Juliano sempre notavam a ausência dele quando as noites se faziam claras.

- Pedro não veio hoje. - disse o dono do bar saindo detrás do balcão, puxando conversa.

- E o motivo a gente já sabe. – disse Juca, enquanto saboreava uma tira de carne assada.

- Será que ele anda adoentado? - pergunta Arlindo, um velho agregado da fazenda Boitatá, terras vizinhas à "Prenda Bonita”.

- Mas o amigo Arlindo não sabe? - perguntou Juca.

Feliciano toma a frente da prosa e começa a contar as razões que levavam Pedro a sumir em noites de lua cheia.

- Pedro vem de uma família grande. Seus pais, que trabalhavam como lavradores aqui na redondeza, tiveram sete filhas mulheres. No oitavo e último parto, nasceu ele: o bendito fruto entre as mulheres...

- E o que tem demais nisso? - perguntou Arlindo.
 
- Quando um casal tem sete filhas, o oitavo,  se for homem, depois de adulto, vira lobisomem. Ah, e o mesmo vale para as mulheres. Eu acho...

- Verdade. - afirma Juca - Aqui ninguém duvida disso.

- Uns dizem terem visto o boitatá. Outros, contam histórias sobre lobisomem. Mas eu não acredito nessas coisas. - retruca Arlindo.

- Pois devia! - continua seu Feliciano - Há muitos anos Pedro vem se embrenhando por esses matos em noite de lua grande. E, depois, adivinha? Vira bicho e sai à caça. À caça de humanos. Dizem que em seus trajetos, ele vai parando de casa em casa para ouvir por detrás das janelas dos quartos, os gemidos dos casais se amando.

“Lobisomem é bicho solitário e por isso inveja os homens que podem ter esposas. Numa dessas andanças, mal sabia ele que por trás da janela de um dos quartos pelos quais passava e nada escutava, exceto algumas orações vez e outra, vivia Rosinha, admiradora secreta do Pedro lobisomem. Mesmo correndo riscos, certa noite, depois de ouvir incessantes uivos, Rosinha, uma flor de morena, resolve investigar o caso e acaba por descobrir o segredo de Pedro. Pelas frestas da janela assistiu a sua transformação. Encantada, certa madrugada esperou seus pais pegarem no sono, pulou a janela do quarto e, vestida com uma camisola vermelha e uma flor no cabelo, partiu seguindo os rastros do seu lobo uivante.

“Ao se deparar com o monstro, sorriu, despiu-se e, sem temor algum se entregou à fera.

“Os dois viveram um duradouro caso de amor. Mas o tempo foi passando, as novidades daquela experiência foram se esfriando. E Rosinha, preocupada com o seu futuro, achou por bem arranjar um noivo de verdade. Alguém que pudesse lhe oferecer um lar e filhos. O lobisomem Pedro descobriu a traição e armou uma emboscada para o casal enquanto passeavam numa noite de verão. Resultado: a fera matou os dois a golpes de machado.”

- Rosinha e o noivo foram mortos por ladrões! - exclamou Arlindo.

- Os pais da moça inventaram essa história de ladrões assassinos a fim de proteger a reputação da filha. - afirma seu Feliciano.

- Quem pode afirmar que essa história é verdadeira? - indaga Arlindo.

- A vó gorda.

- A benzedeira da região?

- Sim. - afirma o dono do estabelecimento.

O rapaz, pensativo, encerra as perguntas.  

- Pobre da Rosinha! - falou Juca em tom de lamentação - Posso imaginar a triste cena...  

Simão e Juliano não acreditavam na veracidade do crime, mas não opinaram. Preferiram ficar só a escutar o caso contado e recontado pelo dono do bar que, ao repetir o conto, sempre acrescentava algo a mais à história.

Fantasia ou realidade, o caso da moça com o lobisomem invadiu a madrugada. Os demais andantes que foram chegando para saborear a carne, o mate e a boa cachaça da região, também entraram na discussão sobre as verdades e mentiras do caso ou causo.

Só que naquela noite de lua cheia, a única verdade consumada é que Pedro, frequentador assíduo do churrasco que os peões faziam todas as sextas-feiras à noite no armazém, não apareceu.
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continua…
Fonte:
Texto enviado pela autora.

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