segunda-feira, 24 de julho de 2023

Edy Soares (Cristais Poéticos) VIII


COADJUVANTES

Qual nuvem dançante ao vento;
Criança pobre mulamba;
Palhaço gritante, alegre;
Malabarista na corda bamba.

Qual vespa que beija a flor
Ou lua que o céu prateia;
Amantes que dão amor;
Pássaro triste que gorjeia.

Festeiro poeta ou ator,
Levo a vida segurando as rédeas,
Mesmo em momentos de dor,
Faço dos dramas minhas comédias.

Somos todos atores em cena,
Responsáveis pela decupagem*,
Não há ator principal;
Somos coadjuvantes em um longa metragem.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
Decupagem - do francês décotipage, derivado do verbo découper, recortar - no cinema
e na comunicação, a divisão do planejamento de uma filmagem em planos e cortes.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

EPITÁFIO

O texto pode até ser grande,
Histórias diversas e esparsas,
Encontros, desencontros,
Flores, amores, mordaças.

A vida se escreve lentamente,
Com derrotas e vitórias,
Fracassos e glórias,
Com o tempo que passa.

Há vidas que,
Imaturas se acabam,
Outras perduram,
Insistem na permanência.

Alguns exaltados
Vagueiam no abstrato.
Embasado em crenças.

Outros preferem o concreto,
Não trocam o incerto
Pela lucidez do que pensa.

Há quem se perde
E quem se adapta,
Mas com a mesma sentença:
UM BREVE EPITÁFIO NA LÁPIDE.

Todos em uma viagem sem volta,
Escrevendo a história a partir da partida,
Lapidando, com tropeços, as pedras
Encontradas na estrada da vida.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

O REI BÊBADO

Há quem diga que má companhia faz o viciado.
A sobriedade do "bêbado" é o que mais me assombra.
Vejo-o sóbrio, velhaco e o povo enganado.
Na "lucidez" desse ébrio, o perigo nos ronda.

Quem pensa que o homem do gole não é um velhaco,
Quem não se preocupa com o que o ébrio apronta,
Há de ver no fim da festa, as garrafas aos cacos
E o garçom exigindo que paguemos a conta.

Beberrão que, de esperto, embola o que fala,
Nunca perde o equilíbrio e se preciso, se cala,
Jamais deixa pegadas nos botequins onde passa.

Nunca fica perdido ou caído nos cantos.
Não cambaleia e sabe escolher os seus bancos.
Usa terno e gravatas e é o rei da manguaça.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

POR ONDE ANDEI

Por onde andei
Não falei de você
Nem do meu coração
Pra não lembrar meu passado.

E todas as outras coisas que vivi
Em cada uma delas, aprendi.
Cada minuto é novo,
Nada É igual ao que se foi.

Quero pensar que amanhã,
Junto com o sol, vai renascer
Um novo dia e a esperança
é motivo pra eu querer continuar.

E se eu voltei
Sem falar como estou,
É Porque nem eu sei
Se recolhi meus pedaços.

Se um dia errei, foi sem querer,
Preciso mais um tempo pra entender.
Nada de recomeço!

Se um novo dia vai chegar,
Vamos deixá-lo responder.
Carrego em mim as cicatrizes
E cada uma faz lembrar você.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

RELATO DE UM MENDIGO

Vagando na noite, pobre vagabundo,
Mulambo faminto, intruso no mundo,
Não é dono de nada, nem tem endereço
E é sempre excluído, avesso do avesso.

É fruto caído que o fruteiro não colhe.
É quase indigente que ninguém acolhe.
Enjeitado na igreja e nos bares na vida,
Recolhe o que sobra, adormece onde pisa,

Da vida que traz,
De tudo que faz,
Melhor ser esquecido,
Se a outra vida viver,
Se puder escolher,
Talvez seja:
Eu declino!

Fonte:
Enviado pelo poeta.
Edy Soares. Flores no deserto. Vila Velha/ES: Ed. do Autor, 2015.

Nenhum comentário: