A ROTINA É SEMPRE A MESMA. Você conhece uma garota de fechar o comércio na rua, e, logo em seguida, papo vai, papo vem, faz um convite para um barzinho. O ponto de encontro é logo na esquina. Entram. Sentam. Consomem uma dúzia de cervejas. Comem umas porçõezinhas de batatas –, isso quando ela não cisma de querer um pratão de filé no palito acompanhado de um refrigerante estupidamente gelado. Se você recusa, é tachado, de supetão, de pão duro, mão fechada e miserável. Depois de uma longa conversa fiada (ela já calibrada pelos vapores do álcool) se sai vencedor fazendo direitinho a cabeça zonza da princesa.
Na sequência, você manda o convite. Ela, atordoada, aceita. Em contínuo, você conduz a beldade para conhecer o seu famoso apartamento. Ela sonha coisa mais sutil, tipo curtir um motel de primeira, desses caros de beira de estrada, com cama redonda, banheira de hidromassagem, sauna à vapor, TV a cabo, frigobar, teto solar para ver estrelas coladinho um no outro. Todavia, acaba se conformando diante da evidência de que não está vivendo um conto de fadas nem é uma Cinderela que perdeu um de seus sapatinhos de vidro e um príncipe encantado aparecerá, de repente, montado num pangaré para devolvê-lo.
Fora do aconchego das mesas, entra em cena outra historinha de natureza cômica. A do carro. Você sai com ela, a galera, em peso, juntada em deslumbres. É medido cada centímetro do corpo da figura, dos pés à cabeça. Sem se importar com essa bobeira, igual um Zé Mané, você passa de cabeça erguida, nariz empinado, sem dar confiança, arrastando pelo braço um violão de marca, ou melhor, um baita de um Boeing ultramoderno. Você nota, no fio da nuca, que todos sentem uma pontinha de inveja e ciúme. A maioria baba e fica de queixo caído, principalmente os coitados que se fazem acompanhar de uma chusma de tribufus imponentes.
Umas malvestidas que não deixam, nem por um momento (a feia mania, dos quinze minutos), ou seja, de levantarem os traseiros das cadeiras para irem até a toalete com a balela de retocarem as maquiagens. Na cabeça da desconhecida que você fisgou, passa um filme alinhado, sonante e superbonito. Ela supõe que vai se acomodar numa Mercedes, ou numa Lamborghini igual ao do Roberto Carlos. E você, chato de galochas, pobretão, continua em frente, caminhando entre os últimos tipos estacionados ao longo da alameda, um molho de chaves balançando na mão direita.
Entrementes, seu corpo esquelético estanca. Você a surpreende aplicando um beijo de língua na boca. Enlouquecida, doida para se soltar, quando ela pensa que sairá um segundo, você disfarça e marcha adiante:
“— Com certeza – deduz a gata na sua loira ignorância – esse infeliz vai direto para o ponto de ônibus –, ou então, deverá chamar um Uber.”
O que a deixa deveras intrigada é um pormenor simples, quase imperceptível. Quando vocês saíram para a rua, ela percebeu (e você também), havia um táxi parado em frente. Decididamente, seria o “busu” que os levaria até o apê.
Pensando nessa ideia, uma vez mais ela se encolhe em seu descontentamento e se conforma com a tristeza lúgubre da situação. Vem, a galope, se aproximando, uma nova decepção. Uma espécie de tortura repulsiva que a contraria mais um pouco aborrecendo profundamente o seu coração. Você, do nada, estanca os passos ao lado (não só se inabilita seguir adiante, abre correndo a porta, como se fugisse de alguém) de um fusca – um fusquinha branco, inteiraço, mas um fusca. Um automóvel largado no distante, onde Judas perdeu as botas. Ficaria importuno e maçante, você sair de um lugar tão bem frequentado com uma deusa à tira colo e se aboletar dentro de um fusca:
“— Dos males, o pior” – tenta se confortar a si mesma a inimitável dondoca –, enquanto opta por abrir a janela do carona. Fica na tentativa somente. O mecanismo que abaixa e suspende o vidro, faz tempo, emperrou e você não teve dinheiro para mandar consertar: “— No apartamento deve ser um pouco melhor” – conclui, a vestal, esperançosa –, olhando para os lados, como uma criança enlouquecida diante de um brinquedo quebrado. Ledo engano! No que você rotulou de apê, quase a deidade tem um piripaque junto com um ataque de histeria. Pensa em gritar. Sente uma necessidade quase sexual de berrar, de vociferar à plenos pulmões, mas acha que, se o fizer, seu companheiro que conhecera a menos de três horas, poderá perder a linha e lhe aplicar uns belos tabefes em meio às fuças.
Não seria para menos, se tivesse um faniquito. Na sala, logo ao colocar os pés, se depara com um amontoado de roupas empilhadas sobre o assento da única peça existente: um sofá de três lugares. Pelo chão, sapatos, meias, lenços, cuecas e camisas. Dá uma geral. A cozinha não fica divorciada do barbarismo horripilante. Captura pratos sujos ocupando toda a extensão da pia inox, juntamente com panelas e restos de comidas. Baratas e moscas, aqui e ali, fazem à festa. O banheiro causa nojo. Provoca asco e repugnância. O vaso sanitário totalmente entupido. Para variar, a cordinha da água rebentada e a tampa não vedando a fedentina que exala de dentro dele.
Antes de penetrar na peça, para um xixi básico, sente náuseas. Ensaia vomitar. Mas vomitar onde? Se levantasse o cobridor da latrina, aí é que desmaiaria mesmo, esborrachando o corpo no chão. Resta o quarto. Segue até o umbral. Mais roupas jogadas à esmo. Na única janela, uma toalha azul manchada de água sanitária faz a vez da cortina. Num canto, encostado em um aparelho de tevê dessas do “tempo do ronca”, uma esteira. É nela que o sujeito dorme e se cobre com um lençol. Credo em Cruz! Um funambulesco cheio de buracos medonhos. Dá um passo atrás. Põem as mãos na cabeça e se perde em pensamentos distantes: “— Meu Deus –, sussurra com seus botões. “– O que é que vim fazer neste muquifo”?
E conclui pesarosa: “— Parece que um forte vendaval passou aqui...”
Nesse interregno de tempo você despista. Vai até a cozinha. Abre a geladeira. Passa os cinco dedos numas garrafas de cerveja. Lava dois copos:
— Vem, gatinha... está no ponto...
A infeliz aquiesce, sem emitir uma palavra. Brindam fazendo tim-tim. Você se aproxima do sofá, joga tudo o que está em cima dele para um canto e indica um lugar vago. Ela se acomoda meio temerosa. Depois de algum tempo, a apetitosa se solta, apesar de segurar a urina. Sorve a bebida, e o faz, lentamente, sem, contudo, desviar os olhos do teto. É nessa hora que tudo cai, desmorona, vem abaixo. E VOCÊ, BÊBADO, NÃO ACORDA.
Na sequência, você manda o convite. Ela, atordoada, aceita. Em contínuo, você conduz a beldade para conhecer o seu famoso apartamento. Ela sonha coisa mais sutil, tipo curtir um motel de primeira, desses caros de beira de estrada, com cama redonda, banheira de hidromassagem, sauna à vapor, TV a cabo, frigobar, teto solar para ver estrelas coladinho um no outro. Todavia, acaba se conformando diante da evidência de que não está vivendo um conto de fadas nem é uma Cinderela que perdeu um de seus sapatinhos de vidro e um príncipe encantado aparecerá, de repente, montado num pangaré para devolvê-lo.
Fora do aconchego das mesas, entra em cena outra historinha de natureza cômica. A do carro. Você sai com ela, a galera, em peso, juntada em deslumbres. É medido cada centímetro do corpo da figura, dos pés à cabeça. Sem se importar com essa bobeira, igual um Zé Mané, você passa de cabeça erguida, nariz empinado, sem dar confiança, arrastando pelo braço um violão de marca, ou melhor, um baita de um Boeing ultramoderno. Você nota, no fio da nuca, que todos sentem uma pontinha de inveja e ciúme. A maioria baba e fica de queixo caído, principalmente os coitados que se fazem acompanhar de uma chusma de tribufus imponentes.
Umas malvestidas que não deixam, nem por um momento (a feia mania, dos quinze minutos), ou seja, de levantarem os traseiros das cadeiras para irem até a toalete com a balela de retocarem as maquiagens. Na cabeça da desconhecida que você fisgou, passa um filme alinhado, sonante e superbonito. Ela supõe que vai se acomodar numa Mercedes, ou numa Lamborghini igual ao do Roberto Carlos. E você, chato de galochas, pobretão, continua em frente, caminhando entre os últimos tipos estacionados ao longo da alameda, um molho de chaves balançando na mão direita.
Entrementes, seu corpo esquelético estanca. Você a surpreende aplicando um beijo de língua na boca. Enlouquecida, doida para se soltar, quando ela pensa que sairá um segundo, você disfarça e marcha adiante:
“— Com certeza – deduz a gata na sua loira ignorância – esse infeliz vai direto para o ponto de ônibus –, ou então, deverá chamar um Uber.”
O que a deixa deveras intrigada é um pormenor simples, quase imperceptível. Quando vocês saíram para a rua, ela percebeu (e você também), havia um táxi parado em frente. Decididamente, seria o “busu” que os levaria até o apê.
Pensando nessa ideia, uma vez mais ela se encolhe em seu descontentamento e se conforma com a tristeza lúgubre da situação. Vem, a galope, se aproximando, uma nova decepção. Uma espécie de tortura repulsiva que a contraria mais um pouco aborrecendo profundamente o seu coração. Você, do nada, estanca os passos ao lado (não só se inabilita seguir adiante, abre correndo a porta, como se fugisse de alguém) de um fusca – um fusquinha branco, inteiraço, mas um fusca. Um automóvel largado no distante, onde Judas perdeu as botas. Ficaria importuno e maçante, você sair de um lugar tão bem frequentado com uma deusa à tira colo e se aboletar dentro de um fusca:
“— Dos males, o pior” – tenta se confortar a si mesma a inimitável dondoca –, enquanto opta por abrir a janela do carona. Fica na tentativa somente. O mecanismo que abaixa e suspende o vidro, faz tempo, emperrou e você não teve dinheiro para mandar consertar: “— No apartamento deve ser um pouco melhor” – conclui, a vestal, esperançosa –, olhando para os lados, como uma criança enlouquecida diante de um brinquedo quebrado. Ledo engano! No que você rotulou de apê, quase a deidade tem um piripaque junto com um ataque de histeria. Pensa em gritar. Sente uma necessidade quase sexual de berrar, de vociferar à plenos pulmões, mas acha que, se o fizer, seu companheiro que conhecera a menos de três horas, poderá perder a linha e lhe aplicar uns belos tabefes em meio às fuças.
Não seria para menos, se tivesse um faniquito. Na sala, logo ao colocar os pés, se depara com um amontoado de roupas empilhadas sobre o assento da única peça existente: um sofá de três lugares. Pelo chão, sapatos, meias, lenços, cuecas e camisas. Dá uma geral. A cozinha não fica divorciada do barbarismo horripilante. Captura pratos sujos ocupando toda a extensão da pia inox, juntamente com panelas e restos de comidas. Baratas e moscas, aqui e ali, fazem à festa. O banheiro causa nojo. Provoca asco e repugnância. O vaso sanitário totalmente entupido. Para variar, a cordinha da água rebentada e a tampa não vedando a fedentina que exala de dentro dele.
Antes de penetrar na peça, para um xixi básico, sente náuseas. Ensaia vomitar. Mas vomitar onde? Se levantasse o cobridor da latrina, aí é que desmaiaria mesmo, esborrachando o corpo no chão. Resta o quarto. Segue até o umbral. Mais roupas jogadas à esmo. Na única janela, uma toalha azul manchada de água sanitária faz a vez da cortina. Num canto, encostado em um aparelho de tevê dessas do “tempo do ronca”, uma esteira. É nela que o sujeito dorme e se cobre com um lençol. Credo em Cruz! Um funambulesco cheio de buracos medonhos. Dá um passo atrás. Põem as mãos na cabeça e se perde em pensamentos distantes: “— Meu Deus –, sussurra com seus botões. “– O que é que vim fazer neste muquifo”?
E conclui pesarosa: “— Parece que um forte vendaval passou aqui...”
Nesse interregno de tempo você despista. Vai até a cozinha. Abre a geladeira. Passa os cinco dedos numas garrafas de cerveja. Lava dois copos:
— Vem, gatinha... está no ponto...
A infeliz aquiesce, sem emitir uma palavra. Brindam fazendo tim-tim. Você se aproxima do sofá, joga tudo o que está em cima dele para um canto e indica um lugar vago. Ela se acomoda meio temerosa. Depois de algum tempo, a apetitosa se solta, apesar de segurar a urina. Sorve a bebida, e o faz, lentamente, sem, contudo, desviar os olhos do teto. É nessa hora que tudo cai, desmorona, vem abaixo. E VOCÊ, BÊBADO, NÃO ACORDA.
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