sexta-feira, 14 de julho de 2023

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XXXII


" Tudo Esqueço... "

Tudo posso esquecer em minha vida
inquieta e livre como uma enxurrada:
- a ilusão, num segundo, mais querida...
- a mulher, num segundo, mais amada...

a visão de algum trecho azul da estrada
entre ternos carinhos percorrida;
- uma história que um dia interrompida
nunca mais afinal foi terminada!

Os desejos... os sonhos... os amores...
que julgo eternos, e que por enquanto
despetalam-se e morrem como flores...

Esqueço tudo! O que passou, morreu!
Só não consigo me esquecer no entanto
da primeira mulher que me esqueceu…
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" Último Vestígio "

Tu deves te lembrar: aquela casa antiga
entre o verde bambual e a frondosa mangueira,
- a varanda, a esconder-se sob a trepadeira,
e o riacho a marulhar sua velha cantiga...

As flores... o jardim... a estrada, uma alva esteira
onde nós a sonhar andamos sem fadiga
olhando para o céu - tudo isto, minha amiga,
mudou... A nossa vida é mesmo passageira...

As paisagens de outrora, estranhos transformaram:
- o jardim... o bambual... a estrada, e até nem sei
se as águas do regato os anos não pararam...

Uma coisa, porém, existe, eu vi depois:
- é aquele coração com os nomes que gravei
no tronco da mangueira a relembrar nós dois!…
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"Uma Palavra, Um Gesto..."

Não quiseste, - ou quem sabe? ... vacilaste na hora
em que esperei de ti uma palavra, um gesto...
- bastaria um olhar quando me fui embora,
um olhar... e eu feliz entenderia o resto...

Mas, não. Nem um olhar, num um vago protesto,
em um tremor na voz de quem sofre e não chora...
Ah! teria bastado uma palavra, um gesto,
para tudo, afinal, ser diferente agora...

Parti! levou-me a vida, ao léu, e redemoinho...
Hoje, volto, - e tu me olhas a falar de amor
e me entregas as mãos num gesto de carinho...

E evito teu olhar... E não me manifesto...
- É que, já não te posso dar, seja o que for,
nem mesmo uma palavra de esperança, um gesto…
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" Uma Resposta "

Não sabes a alegria em que fiquei
ao ler o que escreveste - o teu cartão
veio um pouco aquecer meu coração,
que de há muito na sombra sepultei...

A tristeza tornou-se-me uma lei
neste estranho pais da solidão...
- já nem sei como vais, nem como vão
aqueles que há mil anos já deixei...

Não penses mais em mim... Sou como um monge,
- não voltarei jamais para a cidade
e o tempo em que me falas vai bem longe...

Fizeste bem em não me acompanhar...
Tinhas toda razão... Felicidade
só eu mesmo encontrei neste lugar !…
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" Vaidade "

Tua vaidade é como um deus antigo
exige sacrifícios aos seus pés...
Olhar-te, é desafiar algum perigo,
amar-te, é procurar algum revés...

Olhei-te, e desde então teus passos sigo...
Amei-te, e mesmo assim. não sei quem és...
Meu amor, pobre amor, quase o maldigo,
talvez seja outra vitima a teus pés...

Amores, esperanças e desejos
ardem nos castiçais dessa vaidade
ao incenso sensual que há nos teus beijos.. .

Eis que te trago aqui meu coração.
Já de nada me serve, se em verdade
converteu-se a tão fútil religião!
Fonte:
JG de Araújo Jorge. Meus sonetos de amor. RJ: Ed. do Autor, 1961.

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