sábado, 11 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Erupções de Harmonia)


Moacyr de Almeida, Raul de Leoni e Augusto dos Anjos, eis três dos meus poetas preferidos. Por uma estranha coincidência, são poetas de um único livro. Moacyr, publicou apenas “Gritos Bárbaros”.

Raul de Leoni, “Luz Mediterrânea”, e Augusto dos Anjos, (um dos poetas que mais se vendem no Brasil) é o autor de “Eu, e Outras Poesias”.

Moacyr morreu adolescente, pode-se dizer. Consumiu-o a tuberculose. Nasceu a 22 de abril de 1902 e faleceu a 30 de abril de 1925, com apenas 23 anos. Poderia estar hoje ainda, em nosso convívio, e seria um homem maduro na casa dos 60 anos.

Em 1926, tendo nascido em 1895 morria em Itaipava, perto de Petrópolis, outro extraordinário poeta, Raul de Leoni, vítima do mesmo mal. Raul de Leoni era sete anos mais velho que Moacyr de Almeida, e viveria uns anos mais, morrendo com 31 anos.

De certa forma, se identificavam.

Em Moacyr, o poder verbal era mais empolgante. Em Leoni, a introspeção filosófica, mais profunda. Ambos humanistas. Um, voltava-se mais para o céu, a natureza, os astros; há nos seus cantos ou gritos, qualquer coisa de anímico.

O outro, voltava-se mais para as criaturas, para a vida, a terra.

A “Ode A Um Poeta Morto”, que Raul de Leoni escreveu em memória de Bilac poderia ser repetida, e talvez com maior propriedade, diante do túmulo de Moacyr de Almeida:

“Semeador de harmonia e de beleza
que num glorioso túmulo repousas,
tua alma foi um cântico diverso
cheio de eterna música das coisas:
- uma voz superior da natureza
uma idéia sonora do Universo.”


Eis Moacyr: “Uma idéia sonora do Universo”. Mais do que isto, como ele próprio se definiu, ao referir-se a Wagner: “Erupções de harmonia!”

Agripino Griecco que foi o primeiro, senão dos primeiros que apadrinharam com entusiasmo e ternura a obra do poeta adolescente, escreveu com uma acuidade singular:

“Moacyr tinha o gosto da natureza sobrenatural e a humanidade sobre-humana”

* * *

Moacyr era um mago das palavras. Embebedava-se com sua sonoridade, suas combinações, suas metáforas. E manejava-as com a habilidade de um esgrimista, comprazendo-se nesse “tinir de espadas contra espadas”, com seu tilintar de metais. Era “wagneriano”. Há na sua poesia um sentido orquestral, místico e mítico. Difícil será se precisar, para o poeta, os limites entre a realidade e a ficção. Vivia no seu mundo super imaginativo.

Como Beethoven, preferia às vezes o convívio das árvores ao dos homens. Foi ele que escreveu:

“A musica em um país de belezas estranhas” e para ele, com a música:
“Deus se desfaz em sons e torna-se visível!”.


Lembra às vezes Castro Alves, Augusto dos Anjos, outros que tiveram seu destino. Se para Raul de Leoni, as idéias eram seres, para Moacyr, eram seres as próprias palavras. Fazia-as cantar e dançar, e, seus poemas parecem-nos picadeiros mágicos onde as exibia, sonoras, coloridas, empolgantes. Movimentava-as, como marionetes, ao jogo de seus dedos.

O gosto da sonoridade lhe era inato. Ele não escrevia as palavras: gritava-as, exclamava-as, soluçava-as. Seu livro se chamou por isto: “Gritos Bárbaros”.

E dividiu-o em três partes:

Voz dos abismos
Soluços do deserto
Clamor dos séculos


A palavra em sua poesia, é voz, é grito, é soluço. Curioso: ninguém consegue ler Moacyr de Almeida em silêncio. Instintivamente começamos a balbuciar as palavras, aumentamos a voz, e de repente, quando nos apercebemos do fato, já estamos saboreando a beleza sonora dos versos declamando-os, arrebatados por suas cintilações de ouro e chamas.

Em seu soneto “Prece”, confessa que se inclui entre aqueles que

“sentindo o travo das angústias, vão
enchendo o mundo de um clamor infindo
rebentando num grito o coração.”


Este outro soneto dá idéia de sua força criadora, do seu processo de composição e da paixão pelas palavras musicais:

BEDUÍNO

Olha o imenso deserto em que vivo chorando...
Nunca a sombra do amor desceu sobre os meus dias!
Dorme o meu coração, cheio de um tédio infando
num túmulo de fogo e de areias bravias...

Tu, que eu amo, jamais com teu olhar tão brando
tornarás num vergel este areal de agonias,
com teus beijos florindo o áspero chão nefando,
com teus risos enchendo o espaço de harmonias!

Sofro em tédios de brasa e clarões de martírios...
Ah! Mas tu que és irmã das fontes e dos lírios
e que espero ajoelhado e de braços abertos,

não virás a este amor de beduíno e maldito,
em cuja fronte pesa a aflição do infinito,
em cujo beijo amarga a areia dos desertos...


Mago da palavra, manejava-a como um gladiador romano às adagas metálicas. Há faíscas e lampejos imortais em suas estrofes, em seus versos, em suas rimas. O tom é interjetivo, as imagens, condoreiras. Sua linguagem estala no ar como um chicote, e descobre diante de nós horizontes infinitos, oceânicos.

Sim, a idéia do mar nos ocorre muitas vezes ao ler os seus versos, ao se perceber a imensidade de seu espírito. Ele próprio num soneto de amor, antológico, deixa escapar o grito:

- “Sou oceano!”

E vale a pena relembrar o soneto todo, rico de força, de elan, de beleza.

DOMADORA DO OCEANO

Eis a teus pés o oceano... É teu o oceano!
Deusa do mar teu vulto aclara os mares,
esguio como um ciato romano
nervoso, como a chama dos altares...

A alma das vagas, no ímpeto vesano
ajoelha ante os teus olhos estelares...
Eis a teus pés o oceano... É teu o oceano!
Cobre-o, como verde sol dos teus olhares!

Sou o oceano!... És a aurora! Eis-me de joelhos
ainda ferido nos tufões adversos
lacerado em relâmpagos vermelhos!

Sou teu, divina! E em meus gritos medonhos,
lanço a teus pés a espuma de meus versos
e as pérolas de fogo de meus sonhos!


Como uma cigarra, Moacyr não morreu de tuberculose: morreu de cantar. Estourou. Sua tensão interior era demasiada para o arcabouço físico que a natureza lhe dera. Não pode resistir às altas pressões de seu próprio gênio.

É o que reconhece aliás, Pinheiro de Lemos, em artigo que lhe dedicou:

“Em seu invólucro frágil e precário de evidente candidato à consumação, turbilhonava um vórtice de violências.”

Eu diria: ele todo era uma sonora catedral, de altas torres e coloridos vitrais, a que Deus se esquecera de dar convenientes alicerces, e que se transformou por isso, em luz e canto.

Mas quem lhe traçou melhor, e incisivamente, o p erfil foi o velho Agripino Griecco, em, poucas frases.

“Mal distinguia entre a lenda e a história, o real e irreal, o abstrato e o concreto. Possuía uma imaginação de visionário e até de alucinado. Traia, não raro, algo de um vidente estático.”

Exato: um “vidente estático!” Moacyr de Almeida, era, não apenas o poeta, mas o vate, no sentido de possuir o dom da antevisão. Não apenas transfigurava a realidade, mas vaticinava profeticamente.

Assim como mergulhava no ontem, buscando temas para sua criação, projetava-se no amanhã, em antevisões.

O presente, não era o “estado” natural de sua imaginação. Sua poesia é intemporal.

Seu espírito fez viagens maravilhosas, e como um Sheerazade moderno, transformou em poesia todas as suas descobertas e impressões.

Andou pelo Velho Oriente, pela Índia, esteve na Palestina, na Arábia, no Egito. Chegou à longínqua Sibéria, e se condoeu da sorte dos escravos e perseguidos. Exaltou a América, sua terra. Entrou historia adentro: conviveu com os mais diversos personagens: Homero, Vercingetorix, Átila, Ésquilo, Aníbal, Napoleão. Visitou os Astecas pré-colombianos, e conheceu o país das lendárias Walkírias.

Em “Luta nas selvas” e “Incêndio na floresta” nos dá uma visão da floresta brasileira como só Vicente de Carvalho, antes conseguira, nas estrofes de “Fugindo ao cativeiro”.

Incrível é que, com apenas 23 anos, tenha realizado tanto.

No Brasil, como ele, só Álvares de Azevedo e Castro Alves, ou talvez aquele sergipano extraordinário, Tobias Barreto, tiveram também cintilações de gênio.

Sol que não chegou a amanhecer, que não explodiu em alvorada, iluminou, entretanto, todo o horizonte da poesia brasileira com a sua luz poderosa.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

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