sábado, 9 de dezembro de 2023

Laé de Souza (Doo Chácara e Casa de Praia)

Nos dias que antecederam ao fechamento do negócio, foi uma agonia. Na primeira visita, a mulher elogiou em demasia e insistia na compra de imediato, sem perspicácia, o que fez o vendedor endurecer no preço e até insinuar aumento. Aos argumentos de falta de recursos, a família mostrou solidariedade. Joanita, sua mulher, prometeu colaborar, reduzindo seus gastos pessoais por uns tempos. Dos filhos. Zinho, se propôs a colaborar com parte da sua mesada. Edileuza prometeu passar de ano e ajudar mais em casa enquanto Gildanésio assegurou que ia ser mais rápido no chuveiro e usar menos o carro do pai para economizar na gasolina. A pintura da casa, se comprada, podia deixar que ele mesmo e alguns amigos cuidariam. A despesa era só de uma caixa de Schincariol e um churrasquinho, orações e promessas, por fim, o vendedor cedeu e aceitou como parte de pagamento o carro (de que a Joanita abriu mão), a bicicleta 10 marchas do Zinho, um terreno imprestável em Juquiá, um pouco de grana e umas promissórias a perder de vista.

Para começar, ninguém cumpriu o prometido. Os amigos do Gildanésio foram sim, mas para participar do churrasco, banhar-se e desperdiçar material. Joanita continua fazendo sua coleção de sapatos e inferniza a vida para comprar um outro carro. Edileuza não está com jeito de quem vai ser aprovada e o Zinho reclama da mesada que não tem aumento.

Nos finais de semana, Joanita se mete naquele fogão a cozinhar para um batalhão de amigos dos três filhos que são mais relaxados que eles, também só gostam de som nas alturas e reclamam da cerveja sem gelo. O coitado para não ouvir mais reclamações, é obrigado a deixar de lado sua soneca, para ajudar a lavar louças.

Vizinhos e amigos aparecem quase sempre. Uns parentes que andavam melo brigados e até alguns que ele desconhecia que tinha, andam a todo amor. Se bem, que já tem uns de cara virada, porque não deu para satisfazer a todos ao mesmo tempo. Uma afilhada de não sei quantos anos atrás, quando ainda morava no interior do Paraná, já ligou dizendo que vai casar e se presenteou, usando a casa para lua-de-mel. Uma prima que sempre foi seu xodó, pediu emprestada para um feriado, com o que ele concordou, mas a Joanita toda enciumada, já avisou que vai aprontar uma boa se a fulana vier pegar a chave. E ela perde a cabeça mesmo. Quando uma amiga dela lhes fez companhia na praia e achou de usar um minúsculo short e em poses sensuais dirigir olhares melosos para ele, Joanita não quis nem saber do tempo de amizade nem se a fulana tinha tomado um pouco a mais. Meteu a dona de volta no ônibus, não sem antes lhe dar uns tabefes. E ainda na volta disse para o marido da tal que cuidasse de sua mulher.

Mas foi só na semana passada quando chegava na casa e viu a rua lotada de carros, som nas alturas, gente que não cabia mais na casa, o chão molhado de bebida, uns caras esquisitos, todos à vontade no sofá, e o seu quarto trancado com um casal que só abriu depois de insistentes batidas e o cara de pau, com brinco na orelha e tatuagem, teve coragem de pedir: "Ô tio, pega uma gelada na cozinha pra nós”, que ele estourou.

Não quis nem saber dos reclamos da Joanita, engrenou a primeira e foi para a chácara dar uma esfriada na cabeça. Chegando lá, encontrou sua churrasqueira acesa, suas cervejas sendo tomadas por uns caras desconhecidos, que se apresentaram como parentes do caseiro e até lhe ofereceram um pedacinho de costela no ponto. Deu ré no carro e na segunda-feira bem cedo, foi colocar um anúncio no jornal:

DOO CASA DE PRAIA E CHÁCARA,
SÓ COM ÔNUS DE ME DEIXAR USAR DE VEZ EM QUANDO E AINDA COM PERMISSÃO DO DONATÁRIO.

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser! SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

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