sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Mensagem na Garrafa – 50 -


Oswaldo Montenegro
(Oswaldo Viveiros Montenegro)
Rio de Janeiro/RJ (1956)

METADE

Que a força do medo que tenho 
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito 
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, 
mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe 
seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada, 
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida 
e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo 
Não sejam ouvidas como prece 
nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta 
A um homem  inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, 
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora 
Se transforme  na calma e na paz que eu mereço,
Que essa tensão que me corroe por dentro 
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso 
e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, 
que o convívio comigo mesmo 
Se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto 
o doce sorriso  que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, 
a outra metade eu não sei…

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria 
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, 
mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, 
mesmo que ela não saiba,
e que ninguém a tente complicar 
porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia 
e a outra metade, a canção.

E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor 
e a outra metade… também.

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