sábado, 7 de janeiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 4a. Parte


" BICHOS ? DEUSES ? "

... E para continuar a viver
tivemos que sair de nós
e voltar à nossa primitiva condição
de bichos...

- Éramos apenas dois bichos...
(ou Deuses?)

... Nem podia ser mesmo humana
tão grande felicidade…

" BOCÓ "

Você não pode ficar zangada, amor,
quando eu chamo você de boba,
quando eu digo que você tem um arzinho bocó,
um desajeitado jeito de quem ainda
não foi colhida
pela vida...

Agora, vou confessar:
gosto de você assim
com todas as pequeninas coisas, tão você,
ingênuas, comovidas...

E quer saber por quê?
- Eu já estava mesmo ficando cansado
das "sabidas"…

" CICERONE "

No primeiro dia em que te vi
tu me olhaste
como se já me trouxesses em teus olhos...

Ou como se andasses sobre nuvens
ou como se eu não tivesse os pés no chão...
......................................................

e eu te segui
porque compreendi
que tu eras a Cicerone do Paraíso…

" CINDERELA "

Brincaste de Cinderela em meu Destino.
Eu fiz o Príncipe Encantado
em tua imaginação
e em teu amor.
...............................................

Que não acordes de teu sonho deslumbrado
para te convenceres que ofertaste apenas
o coração
à um pobre trovador…

Quando acordei
já te encontrei de olhos abertos
me espiando...

Curiosidade a tua!
querias ver com certeza como eu sou
sonhando contigo!

" ...DE VIDRO "

Pudessem ser de vidro estes versos
para quebrá-los. como quem quebra
um frasco inútil, vazio,
que teima em guardar um recalcitrante perfume
como um desafio…

" DESCONFIANÇA... "

Que vale a vida afinal
quando chegamos a este ponto?
Deixou de ser romance:
é crônica banal
ou conto.

Vale a pena seguir ?
Sem aquele entusiasmo
aquelas ânsias,
sem aquela força de querer,
só para continuar, e se repetir...
( mais pelo hábito da vida
que pela alegria de viver ?)

Vale a pena continuar ?
Ou é melhor fugir ( fugir ou parar
que são formas diferentes de morrer...)

Já de nada me espanto,
talvez seja tudo paradoxal
mas começo a desconfiar que está chegando esse momento
extraordinário,
em que devo me recolher para ouvir o canto
de meu coração solitário…

" DESCOBERTA "

De repente
seus olhos se encheram de passado
inexplicavelmente...

e eu percebi, com amargor,
que não havia presente
( nem haveria futuro )
em nosso amor…

"DO OUTRO LADO "

Quando enfim abri os olhos
debruçado sobre ti, eu olhava teus cabelos finos
tão leves, como um tênue mistério em tua nuca...
E o pequenino lóbulo de tua orelha
onde pendurei o brinco do meu beijo.

E fiquei a pensar que estava ali, tão presente
em ti
e nem me vias...

...Tu estavas do outro lado,
em toda parte de minha vida,
e nem sabias…

" DUALIDADE "

Sei que é Amor, meu amor...porque o desejo
o meu próprio desejo tão violento,
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,
quando estás junto a mim, quando te vejo.

É um clarim a vibrar como um harpejo,
misto de impulso e de deslumbramento.
Sei que é Amor, meu amor...porque o desejo
é desejo e ternura a um só momento.

Beijo-te a boca, as mãos, e hei de beijar-te
nessa dupla emoção, (violento e terno)
em que a minha alma inteira se reparte,

- e a perceber em meu estranho ardor,
que há uma luta entre o efêmero e o eterno,
entre um demônio e um anjo em todo Amor!

" DUETO "

Bendita sejas tu, que escancaraste
uma janela em minha solidão,
e trouxeste com a luz, esse contraste
de luz e sombra em que meus passos vão...

Bendita sejas tu, que me encontraste
como um mendigo a te estender a mão,
e que inteira te deste, e assim, tornaste
milionário o meu pobre coração...

Bendita sejas tu, que, de repente
fizeste renascer um sol no poente
reacendendo esse ardor com que arremeto

e com que espero novamente a vida,
e transformaste, sem saber, querida,
a cantiga do só... num canto em dueto !
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Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

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