Estou na sala Da Vinci, no Louvre. Aqui penetrei encaminado por uma seta que dizia "Sala Da Vinci". É como se fosse uma indicação para uma grande avenida no trânsito de uma cidade. Não que a seta seja apelativa ou extraordinária. Mas reconheço que nela está escrito implicitamente algo mais. É como se sob aquelas letras estivesse escrito: "Preparem o seu coração para um encontro histórico com a Gioconda e seu indecifrável sorriso". E tanto é assim que as pessoas desembocam nesta sala e estacionam diante de um único quadro - o da Mona Lisa.
Do lado esquerda da Gioconda, dezesseis quadros de renascentistas de primeiro time. Do lado direito, dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros. E na frente, mais dez Ticianos, além de Veroneses, Tintorettos e vários outros quadros do próprio Da Vinci.
Mas não adianta, ninguém os olha.
Estou fascinado com este ritual, E escandalizado com o que a informação dirigida faz com a gente. Agora, por exemplo, acabou de acorrer aos pés da Mona Lisa um grupo de japoneses: caladinhos, comportadinhos, agrupadinhos diante do quadro. A guia fala-fala-fala e eles tiram-tiram-tiram fotos num plic-plic-plic de câmeras sem flash. Sim, que é proibido foto com flash, conforme está desenhado num cartaz para qualquer um entender.
E lá se foram os japoneses. A guia os arrastou para fora da sala e não os deixou ver nenhum outro quadro. E assim as pessoas vão chegando sem se dar conta de que sobre a porta da entrada há um gigantesco Veronese, Bodas de Caná. É singularíssimo, porque o veneziano misturou a festa de Caná com a "última ceia". Cristo está lá no meio da mesa, num cenário greco-romano. O pintor coloou a escravaria no plano superior da tela e ali há uma festança com a presença até de animais.
Entrou agora na sala outro grupo. São espanhóis e italianos. "Veja só os olhos dela", diz um à sua esposa, exibindo o original senso crítico. "De qualquer lado que se olha, ela nos olha", diz outro parecendo ainda mais esperto. "Mas, que sorriso!", acrescentou outro ainda. E se vão.
Ao lado esquerdo da Mona Lisa reencontro-me com dois quadros de Da Vinci. Mas como as pessoas não foram treinadas para se extasiar diante deles, são deixados inteiramente para mim. São A Virgem dos Rochedos e São João Batista. Este último me intriga particularmente. É que este São João assim andrógino tem uma graça especial. E mais: tem o rosto muito semelhante ao de Santa Ana, do quadro Santa Ana, a Virgem e o Menino, no qual Freud andou vendo coisas tão fantásticas, que se não explicam o quadro pelo menos mostram como o psicanalista era imaginoso.
Chegou um bando de garotos ingleses-escoceses-irlandeses, vermelhinhos, agitadinhos, de uniforme. Também foram postos diante da Mona Lisa como diante do retrato de um ancestral importante. Só diante dela. O guia falava entusiasmado como se estivesse ante o quadro de uma batalha. E ele ali, talvez, achando graça da situação.
Enquanto isto ocorre, estou enamorado da Belle Ferronière, do próprio Da Vinci, que embora possa ser a própria Mona Lisa de perfil, ninguém olha.
Chegou agora um grupo de jovens surdos-mudos holandeses. Postaram-se ali perplexos, o guia falou com as mãos e foram-se. Cheou um grupo de africanos. E repete-se o ritual. E ali na parede os vários Rafaéis, outros Da Vincis, do lado esquerdo os dezesseis renascentistas de primeira linha, do lado direito os dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros e na frente mais dez Ticianos, além dos Veroneses, Tintorettos etc., que ninguém vê.
O ser humano é fascinante. E banal. Vêm para ver. Não vêem nem o que vêem, nem o que deviam ver. Entende-se. Aquele cordão de isolamento em torno da Mona Lisa aumenta sua sacralidade. E tem um vigia especial. E um alarme especial contra rouba. Quem por ali passou defronte dela acionando sua câmera, pode voltar para a Oceania, Osaka e Alasca com a noção de dever cumprido. Quando disseram que viram a Mona Lisa, serão mais respeitados pelos vizinhos.
Mal entra outro grupo de turistas para repetir o ritual, percebo que Mona Lisa me olha por sobre o ombro de um deles e sorri realmente.
Agora sei do que ri a Mona Lisa.
Do lado esquerda da Gioconda, dezesseis quadros de renascentistas de primeiro time. Do lado direito, dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros. E na frente, mais dez Ticianos, além de Veroneses, Tintorettos e vários outros quadros do próprio Da Vinci.
Mas não adianta, ninguém os olha.
Estou fascinado com este ritual, E escandalizado com o que a informação dirigida faz com a gente. Agora, por exemplo, acabou de acorrer aos pés da Mona Lisa um grupo de japoneses: caladinhos, comportadinhos, agrupadinhos diante do quadro. A guia fala-fala-fala e eles tiram-tiram-tiram fotos num plic-plic-plic de câmeras sem flash. Sim, que é proibido foto com flash, conforme está desenhado num cartaz para qualquer um entender.
E lá se foram os japoneses. A guia os arrastou para fora da sala e não os deixou ver nenhum outro quadro. E assim as pessoas vão chegando sem se dar conta de que sobre a porta da entrada há um gigantesco Veronese, Bodas de Caná. É singularíssimo, porque o veneziano misturou a festa de Caná com a "última ceia". Cristo está lá no meio da mesa, num cenário greco-romano. O pintor coloou a escravaria no plano superior da tela e ali há uma festança com a presença até de animais.
Entrou agora na sala outro grupo. São espanhóis e italianos. "Veja só os olhos dela", diz um à sua esposa, exibindo o original senso crítico. "De qualquer lado que se olha, ela nos olha", diz outro parecendo ainda mais esperto. "Mas, que sorriso!", acrescentou outro ainda. E se vão.
Ao lado esquerdo da Mona Lisa reencontro-me com dois quadros de Da Vinci. Mas como as pessoas não foram treinadas para se extasiar diante deles, são deixados inteiramente para mim. São A Virgem dos Rochedos e São João Batista. Este último me intriga particularmente. É que este São João assim andrógino tem uma graça especial. E mais: tem o rosto muito semelhante ao de Santa Ana, do quadro Santa Ana, a Virgem e o Menino, no qual Freud andou vendo coisas tão fantásticas, que se não explicam o quadro pelo menos mostram como o psicanalista era imaginoso.
Chegou um bando de garotos ingleses-escoceses-irlandeses, vermelhinhos, agitadinhos, de uniforme. Também foram postos diante da Mona Lisa como diante do retrato de um ancestral importante. Só diante dela. O guia falava entusiasmado como se estivesse ante o quadro de uma batalha. E ele ali, talvez, achando graça da situação.
Enquanto isto ocorre, estou enamorado da Belle Ferronière, do próprio Da Vinci, que embora possa ser a própria Mona Lisa de perfil, ninguém olha.
Chegou agora um grupo de jovens surdos-mudos holandeses. Postaram-se ali perplexos, o guia falou com as mãos e foram-se. Cheou um grupo de africanos. E repete-se o ritual. E ali na parede os vários Rafaéis, outros Da Vincis, do lado esquerdo os dezesseis renascentistas de primeira linha, do lado direito os dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros e na frente mais dez Ticianos, além dos Veroneses, Tintorettos etc., que ninguém vê.
O ser humano é fascinante. E banal. Vêm para ver. Não vêem nem o que vêem, nem o que deviam ver. Entende-se. Aquele cordão de isolamento em torno da Mona Lisa aumenta sua sacralidade. E tem um vigia especial. E um alarme especial contra rouba. Quem por ali passou defronte dela acionando sua câmera, pode voltar para a Oceania, Osaka e Alasca com a noção de dever cumprido. Quando disseram que viram a Mona Lisa, serão mais respeitados pelos vizinhos.
Mal entra outro grupo de turistas para repetir o ritual, percebo que Mona Lisa me olha por sobre o ombro de um deles e sorri realmente.
Agora sei do que ri a Mona Lisa.
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