Marcão sorri debruçado na janela do seu apartamento no nono andar. São mais de 11 da noite e o movimento da cidade nesta quarta-feira é pequeno. Meio de semana, tempo chuvoso. Uma quietude quebrada apenas por um distante ronco de motocicleta e dos pingos da chuva na vidraça.
Um CD na sala toca uma música leve que se harmoniza perfeitamente com o visual, o som e o cheiro da cidade quase pronta para dormir. A música também se identifica com o estado de espírito de Marcão.
Seu sorriso é sereno. Desligou-se. Os cotovelos no parapeito, as mãos cruzadas, O queixo apoiado nos polegares. As luminárias destacam o chuvisco sobre as copas das árvores. |
Marcão não quer pensar em nada. O que passou é passado – e o que virá? Se é que virá, se é que vai estar aqui para ver... Passa a analisar cada peça deste cenário. Nunca havia passado pela sua cabeça que aquele é um momento único. Marcão filosofa: nada do que agora é se iguala ao que foi e ao que será, mesmo que milésimos de segundo separem estas três etapas.
Muda de assunto porque o que pensou não foi nada original. Se lembra da música do Lulu Santos (Nada do que foi será...) e percebe o plágio filosófico. Os cotovelos continuam no parapeito e a chuva fina faz cantiga de uma nota só na janela.
Meia-noite sem lua, céu negro. Marcão agora é parte do concreto desta cidade. O que há de concreto é só o que se pode ver e pegar. O real e o físico sobrepõem-se às divagações. A música no CD já não enleva e Marcão já colocou seu espírito no devido lugar. Sai o Marcão com suas imaginações e retorna o Marcão prático.
Fecha a janela, fecha a cortina, quinta-feira chegou.
Fonte:
Antonio Roberto de Paula. Da minha janela. Maringá/PR: Gráfica Sthampa, 2003.
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