sábado, 29 de junho de 2019

Belmiro Braga (Poemas Avulsos)


A MULHER

Ela, dos 15 aos 20, nos enleia,
dos 20 aos 25, nos encanta,
dos 25 aos 30, não há feia
e, dos 30 aos 40, não há santa.

Dos 40 aos 50, ainda é sereia,
dos 50 aos 60, desencanta:
– Se for solteira – o próprio céu odeia,
se casada – de nada mais se espanta.

Dos 60 aos 70, não descrevo;
embora guarde n´alma um doce enlevo,
traz nos olhos da mágoa o espesso véu...

Seja avó, seja tia ou seja sogra,
toda velhinha meus carinhos logra
por lembrar minha Mãe que está no céu...

A UM PINTASSILGO

Por que vens tu cantar, ó passarinho,
por entre as folhas úmidas de orvalho,
no flóreo jasmineiro meu vizinho
E mesmo em frente à mesa onde trabalho?

Por que não vais vigiar teu fofo ninho
(Não te zangues comigo, eu não te ralho)
a balançar à margem do caminho,
qual rosa escura num recurvo galho?

Tu tens em que cuidar; por isso, voa 
e deixa-me sozinho... Esse teu canto,
embora sendo alegre, me magoa...

Não te demoras, vai! Deixa-me agora,
que o teu gorjeio me faz mal, porquanto
nunca se canta ao lado de quem chora…

CONTRARIEDADE

– A um certo cinema fui
e me assentei junto ao Rui.*

E a sua cabeça – um mundo
de tanto saber profundo –
não me deixou ver o rosto
do meu amor... Que desgosto!

Amo ao grande Rui com ânsia,
mas naquela circunstância...
Que nunca tal me aconteça!

Porque a verdade é verdade:
Eu cheguei a ter vontade
de ver o Rui...sem cabeça...

*Esses versos são uma referência à cabeça de Rui Barbosa, que o impediu de ver uma moça, sentada à sua frente, num cinema no centro do Rio de Janeiro.

NOSSA VIDA É UMA BALANÇA...

Nossa vida é uma balança
Com duas conchas iguais:
Numa a alegria descansa,
Noutra descansam os ais.

Como são afortunadas
As almas que podem ter
Nas conchas equilibradas
Igual dor, igual prazer.

Minhas conchas em porfia
Não se equilibram jamais:
Sempre a dos risos vazia
E sempre cheia a dos ais.

QUADRAS A SEU CÃO TERRA-NOVA “PRÍNCIPE”

Pela estrada da vida subi morros,
desci ladeiras e, afinal, te digo:
se entre os amigos encontrei cachorros,
entre os cachorros encontrei-te, amigo!

Para insultar alguém, hoje recorro
a novos nomes feios, porque vi
que elogio a quem chame de cachorro,
depois que este cachorro conheci.

RESPOSTA À NOTÍCIA DE UM CONTRATO DE CASAMENTO

À notícia bato palmas
E mando um conselho aos dois:
Primeiro casem as almas
E os corpos casem depois,
Que eu tenho os olhos cansados
De ver (uma mil talvez)
Dentro de corpos casados
Almas em plena viuvez.

RETROSPECTO

Cinquenta anos já fiz, e não fiz nada
neste meus longos cinquenta anos, feitos
de pesares, de angustias, de despeitos,
a boca sorridente e a alma enlutada.

A estrada do Dever foi minha estrada,
da Virtude segui os sãos preceitos,
e nem honras, nem glórias, nem proveitos
encontro ao fim da aspérrima jornada...

Vivi sonhando com manhãs radiosas,
com bosques verdes, pássaros e ninhos,
e deu-me a vida noites tormentosas,

e deu-me campos mortos e maninhos...
Cinquenta anos vivi semeando rosas,
cinquenta anos vivi colhendo espinhos…

SEMANA AMOROSA

Viu-a domingo. Segunda,
narrou-lhe em cheirosa carta
a sua paixão profunda.
Na terça, esperou; na quarta
recebeu este postal:
– Vem à quinta! e o moço, besta,
toma quinta por quintal,
e vai à quinta na sexta...
E no sábado essa funda
paixonite estava extinta,
e, triste, chorava a tunda
que apanhou sexta na quinta!

SOBRE UM ORADOR MAÇANTE

Indo a uma das cidades das margens do Paraibuna, Belmiro viu-se constantemente assediado por um literato com fumaças de orador.

Um certo orador maçante,
das margens do Paraibuna,
ao falar, de instante a instante,
vai esmurrando a tribuna,
e quem o conhece, sente,
por mais ingênuo e simplório,
que os murros são simplesmente
para acordar o auditório.

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