sábado, 8 de junho de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XV


NUANCE

O céu lembra uma taça fina de cristal
sobre o mundo emborcada,
e a tarde,
lá na beira do horizonte
(talvez a imagem seja um tanto louca)
parece a marca rubra de uma boca
sobre o cristal manchada…

NÚPCIAS PAGÃS
  
Braços dados, nós dois, vamos sozinhos...
O teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos
debruados de jasmins e samambaias

Há queixumes de amor na alma dos ninhos
e as nuvens lembram danças de cambraias...
- na minha mão ansiosa de carinhos
tonta de amor, a tua mão, desmaias...

Andamos sobre painas... entre alfombras...
E à luz frouxa da tarde em desalento
misturam-se no chão as nossas sombras

- Aqui... Há rosas soltas, desfolhadas...
Nada receies, meu amor - é o vento
em marcha nupcial pelas ramadas !

O BALÃO

Azul e cor-de-rosa, amarelo e encarnado
- um palhaço de gás, feito em papel cetim...
Ei-lo pronto e já aceso, o bojo arredondado
não tarda há de ser erguer pela amplidão sem sim...

A criançada da rua ajoelha-se ao seu lado
e ele arqueja ao calor da chama carmesim...
Há vivas!... Alegria!.. . E pelo céu, listrado
de louros foguetões, ei-lo ascendendo enfim...

Vai subindo contente, sem parar, sem rumo,
até que num momento, entre as luzes bordadas
no céu, - cai desmaiado, em vômitos de fumo...

Então... Põe-se a descer sereno... De repente
as crianças de outra rua atiram-lhe pedradas...
E o balão cai do céu como cai toda gente!...

O DESTINO DE UMA FLOR 

Era um lindo botão
aquele, o do meu jardim...

Para enfeitar a jarra da tua vaidade
tu o cortaste da roseira
sem necessidade,
- a roseira de uma alma que floresce em mim...

E na jarra da tua vaidade
o botão foi se abrindo, e aos poucos se fez flor
ao sol de uma ilusão... e na felicidade
de enfeitar teu amor. , .

Foi assim,
que algum tempo viveu esplêndida e viçosa
a rosa,
até que foi cansando o teu olhar...

E ontem, quando a apanhaste para pôr uma outra,
- outro lindo botão no seu lugar,
depois que tanto tempo a deixaste esquecida:
- ao toque da tua mão
por encanto desfez-se em pétalas no chão
a flor da minha vida !

E só tu, não soubeste ver naquela flor
o fim de um grande amor!

O MEU TORMENTO

O meu tormento é  adivinhar  pisadas
de um outro que passou antes de mim,
e que já andou talvez pelas estradas
por onde sigo atormentado assim...

É o de pensar que só te achei agora
e surpreender-me, às vezes, a supor
que o grande amor que me inspiraste, mora
na mesma casa de um antigo amor...

É imaginar também que os teus desejos
a outra alma estranha já fizeram louca,
e que a doce champanha dos teus beijos
fez transbordar de beijos outra boca!

É pensar... (doloroso é o pensamento
quando o encho assim com meus tormentos vãos)
- que carícias ficaram, como o vento,
a roçar, invisíveis, tuas mãos…

O VERBO AMAR 

Te amei: - era de longe que eu te olhava
e de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente
sente, que a alma da gente faz escrava...

Te amava: - como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar... E te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava!

Te amo: - e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo... e eu, vou te amando...

Te amar é mais que um verbo, é a minha lei:
- e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!

OS VERSOS QUE TE DOU 

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
- eu farei versos...e serei feliz...

E hei de faze-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
- esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escuta-los - sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revive-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
- hás de rever, chorando, o nosso amor,
- hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres - teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá, novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou!…

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

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