quinta-feira, 13 de junho de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XVI


PAISAGEM DO SILÊNCIO

Tenho a janela para os céus aberta,
e entre a renda dos ramos da mangueira,
- timidamente a luz do luar se esgueira
e anda na sombra, vagamente, incerta.

A noite está de estrelas recoberta
e a "via-láctea..." a esparramar-se, inteira,
- parece uma florida trepadeira
abrindo os astros na amplidão deserta...

Sob a sombra das árvores, - no chão,
as rodelas de luz, tremeluzindo,
lembram moedas de prata em profusão...

É profundo o silêncio... tudo em calma...
Chego a ter a impressão de estar ouvindo
o rumor dos meus sonhos na minha alma!…

PAR CONSTANTE

Dia dois... uma festa... Era o mês de janeiro...
Festa da minha vida... A noite azul, brilhante...
Chegaste... E eu fui teu par... fui o teu par primeiro...
Dançamos... (como é bom lembrar aquele instante!)

Tu, tão linda, nem sei... Eu, feliz, petulante,
um pouco petulante, sim... mas cavalheiro...
Dançamos toda a noite... E fui teu par constante...
Nem só teu par constante... Eu fui teu par primeiro...

Quantas cousas te disse... E assim juntos, os dois,
com os meus olhos nos teus - afinal, quem diria
o mundo que ainda havia de surgir depois?

Quem diria ao nos ver, talvez, aquele instante,
que o nosso par  feliz, constante aquele dia,
seria a vida inteira e sempre um par constante!

PASSIONAL

És lânguida e amorosa quando estás sozinha
e em teu corpo perfeito este amor apoteosas!
Nos teus olhos distantes, tudo se adivinha
e há em teu beijo um sabor encarnado de rosas!

Nasceste com certeza para ser rainha,
e o serias na certa, das mais poderosas!
- no entanto, aqui te tenho escrava, e sendo minha
cabes toda e inteirinha em minhas mãos nervosas!

Os teus cabelos louros, soltos sobre o leito
espalham-se  em meu ombro, emolduram teu rosto,
e, quando assim te sinto abatida em meu peito

os teus olhos castanhos, místicos, oblongos,
vão morrendo em desmaios roxos de sol posto
sob a noite de seda dos teus cílios longos!

PENSANDO NELA
  
Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
longe de mim, no entanto, em que estará pensando?
- quem sabe se a sonhar, debruçada à janela
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando...

Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando...

Invejaria o luar... É tarde, estou sozinho,
ela dorme talvez, e não sabe que ao lado
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho...

Nem vê meu pensamento entrar pela janela
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado
este verso de amor que fiz, pensando nela!

PÔR DE SOL
                                  ( Aquarelas )

Pelo vão da janela escancarada
Tenho os olhos pousados no horizonte,
até que atrás da terra o luar desponte
na noite só de estrelas pontilhada...

Lá embaixo - como a fita de uma estrada
sob a arcada mourisca de uma ponte
as águas cristalinas de uma fonte
são o espelho da tarde iluminada...

Há chilreios na sombra do arvoredo
e no ouvido das árvores passando
o vento diz baixinho algum segredo...

Multiplicam-se as sombras nas quebradas.
e as nuvens lembram na distância, um bando
de pétalas de luz, ensanguentadas!

PRESSENTIMENTO

O fim do nosso amor pressenti - na agonia
das tuas próprias cartas, rápidas, pequenas...
- se nem tantas, com carinho imenso te escrevia
tão poucas me chegavam por resposta apenas...

Nas cartas que a sofrer, te escrevia, às dezenas
adiava a realidade sempre, dia a dia,
procurando iludir em vão as minhas penas
muito embora eu soubesse o quanto me iludia!

Hoje... já não foi mais surpresa para mim,
dizes (como quem tem piedade), que é melhor
não continuarmos mais... e tens razão: é o fim...

Há muito eu o esperava e o pressentia no ar...
Chegou... que hei de fazer?... Foi bom... Seria Pior
se ele não viesse nunca... e eu ficasse a esperar…

PRIMEIRO AMOR

Quando te vi naquela tarde eu era
uma criança, talvez - tinha quinze anos;
- não sabia, da vida, os desenganos
que à nossa frente vão ficando à espera...

Estava no esplendor da primavera
e num mar de ilusões erguia planos...
No peito, não guardava estes profanos
sentimentos, que o mundo aos poucos, gera...

Foi assim que te vi... e então julgava
que a vida era melhor do que eu pensava
e me sentia mais feliz que um rei...

Mas um dia... Não sei por que... Partiste...
- E eu que era alegre, me tornei triste
e a tristeza em meus versos transbordei !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

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