sexta-feira, 28 de junho de 2019

Carlos Drummond de Andrade (Prazer em Conhecê-lo)


— Puxa, vocês ainda não se conhecem? Este é o Marques, amigo velho de guerra. E este aqui é o Silva, um amigão.

— Ah, muito prazer em conhecê-lo.

— Oh, o prazer é todo meu.

— Perdão, todo seu, não. Me deixe sentir também um grande, um enorme prazer em conhecê-lo, rapaz. O Inácio sempre me diz maravilhas a seu respeito.

— O Inácio também põe você nas nuvens. Por isso, é natural que eu sinta o maior prazer em conhecê-lo.

— Bem, já diminuiu um pouco, e eu fico satisfeito com isso. Sempre deixou algum prazer para mim. Me desculpe, mas por que o seu prazer é maior?

— Que é isso, vocês estão discutindo para saber quem ficou mais contente do que o outro, por serem apresentados?

— Não, Inácio, a gente não está discutindo coisa nenhuma, não é, Silva? A gente está apenas apurando quem simpatizou mais com o outro, e o Silva quer ganhar de mim, mas eu não quero perder para o Silva.

— É, o Marques tem razão. Só que eu não disse que o meu prazer em ficar conhecendo ele é maior do que o dele ao ficar me conhecendo. Não quis duvidar do prazer dele. Quando falei que sentia o maior, eu me referia a mim mesmo, é o maior que eu sinto, não estou comparando com o dele. Embora eu ache que o Marques é tão bacana que é natural que eu me alegre mais em ficar amigo dele do que ele em ficar meu amigo.

— Ora, Silva, se eu sou bacana não sei, mas você é. Tudo que o Inácio me conta a seu respeito demonstra a maior bacanidade. Como é que eu também não posso ter uma grande alegria me aproximando de um cara tão legal?

— Não sou tão legal quanto você pensa, Marques, mas posso garantir que sei apreciar os verdadeiros valores, e não vejo absurdo nenhum em reconhecer as altas qualidades de você.

— Absurdo? Quem falou em absurdo? É claro que eu fico muito feliz por saber que você me admira, embora haja nisso excesso de generosidade de sua parte, e também da parte do Inácio, que andou lhe falando coisas a meu respeito. O que eu não entendo é que você não me permita apreciar também à altura as suas excelentes qualidades.

— Ei, gente, que papo mais estranho esse que vocês estão levando. Cada um quer ser mais admirador do que o outro, e discutem por causa disso? Digamos que vocês empataram, pronto.

— Não é bem isso, Inácio. Você não entendeu o meu ponto de vista. No fundo, o Marques está duvidando da minha sinceridade em admirá-lo, e veio com essa história de que eu quero todo o prazer de nossas relações só para mim. Aí tem ironia.

— Eu não disse isso.

— Disse sem dizer. Pensou.

— Como é que você pode ler no meu pensamento?

— Viu? Ele está se traindo, Inácio. Não posso ler fisicamente o que está lá dentro da cabeça, mas que está escrito, está. A prova é que ele se defende alegando que não há leitura possível.

— Sabe de uma coisa? Você envenena tudo.

— Eu, enveneno? Tem coragem de me atirar uma ofensa dessas? 

— Calma, pessoal! Mal se conheceram e já estão que nem galos de briga!

— Não escutou o que ele me disse, Inácio?

— Olhe aqui, Inácio, viu o que ele está dizendo?

— Não vi, não escutei, nem entendi nada. O que eu não posso admitir é que dois amigos meus se desentendam por excesso de admiração recíproca. É o cúmulo! Parem com isso imediatamente!

— Ah, é? Então você fica neutro diante de uma situação como esta, em que fui insultado quando fazia os maiores rapapés a esse sujeito?

— Sujeito é você, seu atrevido! E você, Inácio, você me decepcionou. Ter coragem de me apresentar um tipo dessa espécie!

— Perdão, eu…

— Agora não adianta, você estragou o meu dia!

— Pensa que o meu também não foi estragado? Que prazer posso eu sentir em travar conhecimento com um insolente como você?

— Pois fique sabendo que não tive nenhum, absolutamente nenhum prazer em conhecê-lo. Pelo contrário: tive o maior desprazer!

— O desprazer foi todo meu! Maior do que tudo!

— Fique com o seu desprazer que eu fico com o meu. Bolas para você e para o Inácio.

— Pra vocês também! Pra vocês também!

— Dois cretinos que vocês são! Burrada minha querer que os dois se conhecessem! Aliás, também sou uma besta, confesso sem o menor prazer!

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

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