A BENJAMIN CONSTANT
Eu te agradeço, Benjamim Constant,
eu te agradeço todo o bem de outrora,
que há tantos anos feito, eu sinto agora
e sentirão os cegos do amanhã.
Toda a Luz do Saber, fulgente aurora,
com que me batizaste a alma pagã.
E os teus esforços que pusemos fora,
a troco apenas de promessa vã.
Eu te agradeço as expressões sinceras,
que dia e noite vens me repetindo,
certa de que és ainda o que antes eras.
Eu te agradeço o labutar infindo,
pelo qual te entendi e amei deveras.
E, sendo cega, pude ver-te lindo!
BENDITA CEGUEIRA
Não vi ciscar a terra o pintainho,
nem vi no lago espreguiçar-se a lua.
Não vi num ramo balouçar-se o ninho,
nem no dorso do mar vi a falua.
Não vi, em frente, o rumo ao meu caminho...
Vi ruidosa e deserta cada rua...
Meu ser em toda a parte vi sozinho...
Não vi o mato verde, a pedra nua...
Mas se não vi a graça de uma flor,
Nem plumagem de pássaro cantor,
Bendigo o que não vi, para bem meu...
Não vi o olhar de quem renega...
E a dor de minha mãe ao ver-me cega...
E o rosto de meu pai, quando morreu...
INGRATA
Buganvília, minha amada,
onde pássaros cantores
vinham em tarde rosada
cantar cantigas de amores.
Foi junto ao muro plantada.
Guardei-a dos malfeitores.
Por ser assim, bem cuidada,
dava-me todas as flores...
E um dia fiquei tão triste,
Por ver que em tudo o que existe,
sempre existe a ingratidão!
Pela parede subiu,
e do outro lado floriu,
distante da minha mão.
MEU QUARTO DE BANHO
O meu quarto de banho era um riacho
que atrás do meu casebre se estendia
e ali formava um cristalino tacho
que a natureza cuidadosa enchia.
Ramalhada por teto, areia em baixo.
E paredes de palha luzidia
retirada ao coqueiro, ainda em cacho,
onde insistente um bem-te-vi mentia...
O cabide era o tronco dos ingás.
Sobre pedras, nas margens embutidas,
que sabonete bom, raspas de juás!
Esse rio em que virgem me banhei,
por entre as tranças de cipó floridas,
foi bem a pia em que me batizei.
MEUS VERSOS
Estes meus versos não terão beleza.
São versos pobres e descoloridos;
mortiça chama, sobre a campa acesa,
resto de instantes sem amor vividos.
Lembram grilhões a que tenho a alma presa;
morrão de cinza de meus tempos idos;
foram cantados a embalar tristeza,
não foram feitos para serem lidos.
São versos nossos, meus e teus somente.
Verdade nossa, muito nossa e crua.
Não pode ouvi-la, quem amor não sente.
História amarga que não foi contada,
e encerra apenas a minha vida e a tua.
Tu, menos eu, mais eu, sem ti. Mais nada.
MINHA ESCOLA
Minha escola! Existia só aquela
no tempo em que estudei. Jovem. Tranquila.
— Por sabê-la dos cegos — a pupila,
dia por dia se me fez mais bela.
Podem ir vê-la, porém nunca ouvi-la;
torce a verdade, é fina e tagarela,
com falar afetado, ela é singela.
Como eu a soube amar e sei senti-la!
Pintaram-lhe de rosa a alta figura.
Sofre, porém, de mal que não tem cura...
E’ velha já, cem anos faz agora.
Quanta alegria e garbo na fachada!
E lá por dentro, quanta dor guardada!
— Muita gente há feliz assim, por fora.
TREVA E LUZ
Quem diz que o cego não vê luz, não pensa
que o Pai dá tudo a todos igualmente;
que entre o vidente e o cego, a diferença
é que um vê tudo, e outro tudo sente.
A luz, com seu poder de onipresença,
a maior invenção do Onipotente,
vários efeitos de uma Causa imensa,
está em toda parte, em toda gente.
Não é por não ver luz que há gente cega;
mas por falhas de um órgão que a conquiste;
isto é verdade que jamais se nega.
Concordo que a cegueira é cruz pesada,
mas se alguém nada vê por não ter vista,
quem tem vista, sem luz, já não vê nada.
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