Quase sempre estávamos sentadas nas ribanceiras, ou nas pedras lisas das redondezas, ou caminhando ao longo do rio, pisando aquelas areias ribeirinhas, ou passeando de barco, rio acima, rio abaixo, contando intermináveis histórias para nosso pai que nos ouvia atentamente e, às vezes, rindo, como se disséssemos as palavras mais engraçadas do mundo. Retirávamos nossas histórias do mais fundo de nossa memória de crianças nascidas na beira do rio e nos sentíamos como pequenos animais indomesticáveis, livres e puros. Ele nos ouvia, calado, muito pensativo, como se disséssemos grandes e irrefutáveis verdades, como se fôssemos sábios antigos, a quem estivessem confiados todos os segredos da Terra. Para que não falássemos nós apenas, permitíamos que ele fizesse perguntas, que interrompesse nossas narrações, que fizesse reparos, quando nos deixássemos levar pela pura imaginação. Mesmo assim, ele permanecia calado ou sorridente, os olhos brilhando de muita alegria. Então, alguma de nós fazia perguntas, muito tolas, às vezes, para forçá-lo a falar, a perguntar, ao menos. Mas ele apenas sorria ou levava a sério o que estávamos fazendo, como se fôssemos criaturas superdotadas, incapazes de dizer tolices, como se não fôssemos apenas suas filhas, mas criaturas de outro mundo, que tivessem vindo com a exclusiva missão de contar-lhe histórias.
À noite, na nossa cabana, iluminada pela lua e pelas estrelas, ele escrevia como um louco, sem parar, apressadamente, enchia cadernos e mais cadernos, enquanto dormíamos, cansadas da tagarelice e dos passeios diurnos, incrivelmente felizes, como se tivéssemos praticado os melhores atos do viver, como se tivéssemos erigido pirâmides, repletas de alívio, como se tivéssemos jogado fora os grandes fardos que pesavam dentro de nossas cabeças. Muitas vezes, quando acordávamos, ele ainda estava a escrever, com a mão esquerda, os olhos quase pregados no papel, sonolento.
Muitas das histórias que contávamos eram essencialmente horrorosas, cruéis, desumanas, e nos faziam sofrer muito e chorar demais. Sofríamos e chorávamos juntos, nós e ele. E nos compadecíamos uns dos outros, nós dele e ele de nós. E era pior, mil vezes pior do que a solidão. Ele então nos prometia brinquedos, para que não nos atormentássemos tanto. Jurava que desceria o São Francisco em busca de pérolas, de caracóis, de querubins, de totens e mil outras coisas que desconhecíamos. E saíamos juntos na nossa barca, descíamos o grande rio, dias e noites sobre as águas, na direção do mar que nunca víramos, esperançosas de encontrar na foz não o que ele nos havia prometido, mas nossa mãe perdida ou levada por pescadores aventureiros, causa maior de todo o nosso tormento. Contávamos então histórias de sereias, de serpentes marinhas, de grutas no fundo do mar e, quando sentíamos saudades de nossa cabana, abandonávamos a barca e regressávamos, esquecidas do mar desconhecido, dos brinquedos prometidos e de nossa mãe perdida, caminhando às margens do rio. E corríamos, brincávamos e contávamos histórias de peregrinos e perdidos. Quando cansávamos, deitávamos-nos nas ribanceiras solitárias, sonhávamos com morcegos violadores de virgens, acordávamos, assustadas, gritando estranhas palavras, e passávamos a contar histórias tão alarmantes quanto nossos sonhos. Nosso pai se retorcia, abria e fechava os olhos, resmungava e voltava a roncar. E, quando regressávamos, fazíamos uma festa em cada lugar: na cabana, dentro do rio, debaixo das árvores, nas ribanceiras, no alto dos coqueiros. Fantasiávamos-nos de mil maneiras, imitando os pássaros, os peixes, as serpentes e os quadrúpedes.
Muitas vezes, sentados ou deitados debaixo das árvores, dormíamos e sonhávamos transformadas em figuras que jamais imaginávamos possíveis. Quando acordávamos, nosso pai estava escrevendo, como se dormisse, os olhos cerrados. Corríamos para perto dele, olhávamos para o papel e nada entendíamos. Ele se sobressaltava e começava a rir, a rir muito, como se não fosse mais possível deixar de fazê-lo. Nós o acompanhávamos no riso, até que pedíamos a ele que lesse, em voz alta, o que estava escrito. Assustávamos-nos, então, porque havia grande diferença entre o que contáramos e o que ele lia. Pensávamos que tínhamos perdido a memória e chorávamos, desesperadas. Ele ficava triste, chorava também e dizia que, na verdade, não disséramos aquilo, mas que ouvira nossas vozes interiores, enquanto dormíamos. Íamos então tomar banho no rio, para nos tornarmos leves e delgadas, capazes de falar do mais fundo de nós mesmas. Brincávamos com as piranhas, sem medo nenhum, nadando e mergulhando, ele nos protegendo com seu olhar, sentado à beira do rio ou navegando em sua galera, como chamávamos, por brincadeira, cada nova canoa que ele fabricava.
Nessa época vivíamos uma grande crise de medo, que era horrível e nos deixava muito tristes, chorosas, magras, feias, pálidas e lerdas, medo que esquecíamos quando começávamos a contar histórias para nosso pai. Nos nossos céus voavam gigantescos morcegos, em grande algazarra, aos bandos, gritando assustadoramente e batendo as asas com estardalhaço. Sabíamos de sua sede insaciável de seiva, pois as árvores murchavam, secavam, como se um sol de fogo as queimasse, e os frutos apodreciam ou desapareciam, como se invisíveis pássaros sorvessem-lhes o suco, deixando-nos sem alimentos para as ceias da manhã, e as pessoas eram cruelmente raptadas e conduzidas para as alturas mais distantes, em voos espetaculares, onde eram violentadas, exauridas e lançadas, abobalhadas ou sem vida, às beiras dos rios, que desapareciam, os menores, ou se reduziam a riachos, os maiores, como o nosso São Francisco, e os peixes, nossa alimentação predileta, eram devorados aos milhares.
Dizia nosso pai, em momentos de lucidez ou de maior crise, que os tais monstros vinham do norte, afugentados pela matança dos índios. Dizíamos nós, no entanto, que eles vinham de mais longe, das estrelas, pois só apareciam em noites de grande escuridão. Mas pensávamos que nada disso existia, que tudo não passava de fantasia de nosso pai, pois não nos recordávamos de que os tivéssemos visto alguma vez. Críamos até que tudo não passava de mais uma longa história por nós contada, pois costumávamos passar dias, semanas e meses contando uma só história, que absorvia todo o nosso tempo, que tomava conta de nossa vida, que se tornava nossa própria vida.
Um dia, ancorou diante de nossa cabana uma enorme galera e dela descarregaram umas malas antigas. Nosso pai conversou com os desconhecidos, que não pisaram a terra, durante algum tempo, e depois carregou as malas para dentro da cabana. Quando voltamos, a galera já estava perto do mar. Nosso pai nos chamou, abriu as malas e nos mostrou muitos livros, que disse serem as nossas histórias em inglês, francês, alemão, espanhol, russo e outras línguas desconhecidas. Folheamos, um a um, os grossos volumes, rimos das figuras, sem nada entendermos. Ele então começou a olhar para as páginas e a falar umas falas estranhas, mas que logo entendemos. E tal era a pujança de sua voz, que os pássaros pousaram sobre nossas cabeças, silenciosos, e as águas do São Francisco pararam de correr. Foi então que vimos pela primeira vez um monstruoso morcego parado no ar. Não nos assustamos mais. Apenas olhamos para o céu e o vimos subir em direção ao sol, para nunca mais voltar.
Fonte:
Nilto Maciel. Tempos de Mula Preta, contos. Secretaria da Cultura do Ceará: 1981.
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