sexta-feira, 14 de junho de 2019

Luiz Poeta (O Pássaro Azul)




Foi um dia. Uma data perdida numa única página de cores douradamente prazerosas, solta nos sensuais recônditos da memória, cujas imagens desmaiam - agora - trôpegas - na melhor das minhas lembranças.

Era teu corpo no meu a vida inteira. De resto, a afetuosa e tênue luz do sol dourando a prata da chuva, criando estrias de neon na vítrea pele das básculas... e nossa ânsia preguiçosa de discar e pedir mais um gole para o duzentos e dois.

Eram bocas no mesmo copo, beijos nos mesmos lábios, dentes na mesma cereja E palavras nas mesmas línguas deleitosamente camonianas rabiscando duas líricas páginas epidérmicas... e a rubra e doce gota de licor sobre teus seios à meia luz dos nossos olhos úmidos pela leveza da lágrima e pela sublimidade de um único sorriso emanado de duas faces.

Foi um dia por trás das lívidas cortinas esvoaçando sob o gélido sussurro eólico invadindo uma das frestas, tocando a onírica nudez das nossas mais límpidas, visíveis e passionais fantasias.

Depois, aquela ave exótica, de plumas azuis cujo canto diluía-se na beleza de uma imagem única e sublime como nossa estupefação diante da mais eterna felicidade.

Um dia a mais, o brinde a dois e o assobio do toque dos cristais despertando o melhor dos silêncios, sob a hipnótica reciprocidade de duas almas pousadas na pétala do amor...

Subitamente, o inusitado voo e o delicado pouso daquela raríssima borboleta na flor... de plástico... prenunciando o paradoxal artesanato de uma lírica eternidade, subordinada à trama de tantos destinos desconexos...

Tudo era lindo no teu corpo... a insinuante verruguinha na pálpebra, a delicada fissura num dos caninos, a tatuagem de uma rosa no seio, a cicatriz de apendicite no ventre, a ousada picada de inseto no glúteo... puro e excitante encantamento.

Foi um dia cuja etérea lembrança repousa na página de uma antiga agenda de colecionar saudades, que o sopro do vento de uma manhã de outono, como aquela, levou para bem longe.

De resto, o pássaro azul que sumiu no céu outonal de metileno não cantou. Nunca mais...

Fonte:
Livro enviado pelo autor.
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.

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