quinta-feira, 20 de junho de 2019

Nicanor Parra (Poesias Dispersas)


A MONTANHA RUSSA

Durante meio século
A poesia foi
O paraíso do bobo solene.
Até que cheguei eu
E me instalei com minha montanha russa.

Subam, se quiserem.
Claro que não me responsabilizo se descerem
Botando sangue pela boca e pelo nariz.

A SORTE

A sorte não ama a quem a ama.
Esta pequena folha de louro
Chegou com anos de atraso.
Quando eu a queria
Para me tornar querido
De uma dama de lábios violeta
Me foi negada várias vezes
E agora me dão quando estou velho.
Agora que não me serve para nada.

Agora que não me serve para nada.
Lançam-me a folha ao rosto
Quase
         como
                 uma
                       pazada
                                 de
                                     terra…

ATENÇÃO

Aos jovens apaixonados
Que cortejam belas donzelas
Nos jardins dos mosteiros
Faço saber com toda a franqueza
Que no amor
                   por mais casto
Ou inocente que pareça no começo
costumam surgir complicações.

Concorda-se plenamente
Que o amor é mais doce que o mel.

Mas é bom advertir
Que no jardim há luzes e sombras
Além de sorrisos
No jardim há desgostos e lágrimas
No jardim não há só verdade
Mas também um pouco de mentira.

CRONOS

Em Santiago do Chile
Os
    dias
          são
               interminavelmente
                                           longos:
Várias eternidades num só dia.

Nos deslocamos em lombo de mula
Como os vendedores de cochayuyo: *
A gente boceja. E volta a bocejar.

No entanto as semanas são curtas
Os meses passam a todo vapor
Eosanosparecequevoaram.
_____________________
* Cochayuyo, é uma alga marinha comestível.

O HOMEM IMAGINÁRIO

O homem imaginário
vive numa mansão imaginária
rodeada de árvores imaginárias
à margem de um rio imaginário

Dos muros que são imaginários
pendem antigos quadros imaginários
irreparáveis rachaduras imaginárias
que representam feitos imaginários
ocorridos em mundos imaginários
em lugares e tempos imaginários

Todas as tardes tardes imaginárias
sobe as escadas imaginárias
e se debruça na varanda imaginária
olhando a paisagem imaginária
que consiste num vale imaginário
circundado de colinas imaginárias

Sombras imaginárias
vêm pelo caminho imaginário
entoando canções imaginárias
à morte do sol imaginário

E nas noites de lua imaginária
sonha com a mulher imaginária
que o brindou com amor imaginário
volta a sentir essa mesma dor
esse mesmo prazer imaginário
e volta a palpitar
o coração do homem imaginário

PAI NOSSO

Pai nosso que estás no céu
Cheio de todo tipo de problemas
Com o cenho franzido
Como se fosses um homem vulgar e comum
Não penses em nós.

Compreendemos que sofres
Porque não podes consertar as coisas.
Sabemos que o Demônio não te deixa tranquilo
Desconstruindo o que constróis.

Ele se ri de ti
Mas nós choramos contigo:
Não te preocupes com suas risadas diabólicas.

Pai nosso que estás onde estás
Rodeado de anjos desleais
Sinceramente: não sofras mais por nós
Tens de perceber
Que os deuses não são infalíveis
E que nós perdoamos tudo.

Fonte:
Nicanor Parra. Parranda Larga - Antología Poética. Santiago/Chile: Alfaguara, 2010. (tradução: Carlos Machado)

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