domingo, 2 de outubro de 2011

Varal de Poesias da UNIFAMMA, de Maringá (Poesias Finalistas)


1. lugar:

PATCHWORK
Perpétua Conceição da Cunha Amorim (Franca, SP)


Cá com os meus botões
Alinhavo sentimentos rotos
Num emaranhado de cores
Desafiando o tempo e as diretrizes
Abarrotados de promessas descumpridas
Cinzas de um carnaval vencido
Sem data
Sem valia

Com linha de cor forte
Cirzo as emendas do ontem
Num tecido fino de espera.
Desenho arabescos
E sigo o ponto atrás das correntes
Sem nó
Sem dó

Cá com as minha dúvidas
Teço os dias e desfaço as noites
Com agulhas impiedosamente cegas.
A rotina sangra-me as mãos
Sangrando continuo
Sem prumo
Sem rumo

2º lugar

DICIONÁRIO
Lucas Corrêa Mendes (Araguaína To)


Vindo da uva, vinho tinto,
Quebra do ovo, vida do pinto,
Busca do álcool, alcance da fuga,
Sina do copo, bebida à culpa.

O risco que desce o rapel,
O risco que mancha o papel,
O que descreve o próprio umbigo,
O que escreve o ambíguo.

A pele da presa na unha do predador,
A fé presa na palavra do pregador,
O peso da amizade que se preza,
O preço da novidade que prega peça.

A venda que cobre os olhos do vendado,
A venda que cobra o valor do vendido,
A escolha que provoca o rejeitado,
A escola que promove o escolhido.

Ter sorte pra ser mais amado,
Ser forte pra ter menos risco,
A fala que manifesta o falado,
A falha responsável pelo falido.

O freio da beleza, baque da imagem,
O feio da leveza, peso sem gravidade,
O feito certeiro e ultrapassado virou “ex-ato”,
O defeito, eterno condenado, foi humanizado.

O desejo tímido é “sub-atração”,
A antipatia em demasia é “multi-implicação”,
A atitude, nua, sem endereço, não alcançada,
A altitude do baixo da rua pro tropeço no engano da calçada.

A palavra que, distraída, emudece o ato,
A razão, que se diz traída, muda o que falo,
O som da palavra que combina...
Equivale ao poder da rima.

3º lugar

POEMINHA PRA QUEM TEM MEDO DE AMAR
Andréa Cristina Francisco (Mogi das Cruzes, SP)


Quem tem medo de amar
tem coração que nem coração de passarinho
que se assusta fácil
e sai voando fugido

É menino triste
que pensa que Amor é gaiola

- Amor é gaiola não, menino,
gaiola é medo
Respira firme
que Amor é ipê!

4º lugar

FANTASMAS
Simone Alves Pedersen (Vinhedo, SP)


Com o passar dos anos:
A minha biografia amarelou
Como meus dentes;
A memória embranqueceu
Como meus cabelos;
O passado escureceu
Como o futuro.
Os filhos cresceram
Casaram-se e mudaram-se.
O cachorro morreu.
O gato também.
Até o pó se retirou
Para lugares onde abrem as janelas.
A televisão antes me incomodava,
Agora preciso de aparelho para ouvi-la,
Minha única companhia.
Não tenho mais bagunça para organizar,
Não recebo visitas para me estressar,
Não gasto com pizzas nem refrigerantes,
Que sumiam nas mãos dos adolescentes.
Nem o telefone toca.
O despertador sim! Faço questão de saber que horas são...
Apesar de dormir menos com o passar dos anos
E estar acordada quando o galo acorda o relógio,
Tenho um rádio que fica ligado o dia todo.
As vozes dos radialistas afastam os meus fantasmas,
Que ficam espreitando, esperando,
A hora que me deito...
É quando eles se aproximam.
Sentam-se na minha cama,
Seguram a minha mão e choram comigo.
O nome deles?
Arrependimento, fracasso e solidão.

5º lugar

DE SECAS E VERDES
Francisco Ferreira (Betim, MG)


Cantador, se quiseres cantar;
vê que te não aconselho,
os tempos são difíceis!
Mas se imperativo for,
que cantes aleluias
às alegrias da chuva nova
na poeira velha e o cheiro bom
do bom barro de telha branco.
Ou o ocre dos ceramistas,
o branco das terracotas
e o ocre dos santeiros
nos cheiros molhados dos terreiros.

Não é que te queira ensinar
o ofício – de padre dizer missa –
(longe de mim).
É que os tempos são de seca,
são difíceis.
O mundo está sinistro.
Digo isto só para parecer mais jovial.

Mas se quiseres calar
(veja que não te censuro)
se acaso, porém, insistires,
que cantes a paz.
As harmonias de abelhas e vespas
e formigas em seu fatigar
– operárias em construção –
na produção de alimentos
e no tornar fronteiras mais seguras.
Vidas mais úteis, vidinhas miúdas...
Ah, cantador, se os governos
fossem assim, tão eficientes!
Seríamos formigas maiores
e mais úteis, te garanto!
E nossas vidas, melhores.

Não que me queira queixar
é que a seca destes tempos sombrios
tornou agreste a minha alma
e desertificou o meu espírito.
O nosso destino de veredas
é alimentar rios.

Se, calado, quiseres cantar e depois emudecer,
(veja que não te pressiono, nem apresso),
já que, por ti, tenho tanto apreço.
É que nestes tempos secos
de dificuldades, cantar é dorido.

Mas se, de todo, quiseres te expressar,
que cantes jardins
belezas de moral em cachos,
canteiros floridos de ética,
floradas de justiça
e leiras e leiras de democracia.

Não é que te queira
dizer o que dizer.
É que aqui, ao sul do equador,
são tempos de seca,
qualquer fagulha pode atear incêndios
e tiranias.

6º lugar

CENA MUDA
Nelsi Inês Urnau (Canoas, RS)



Século vinte e um
Família – pedaços. Laços... nenhum!
Às vezes, tantas, se amedrontam...
Não se reúnem, nem unem,
se encontram, se defrontam
conhecidos, estranhos... e a televisão.
Chiclete, bocejo, silêncio, tensão...

Olhos furtivos, lampejos, desejos
pescando imagens. Vidas em conflito,
entre cifras e delitos
de vazios, brios sem fulgor,
incertezas, tristezas e dor...
Em histórias tão banais, tão iguais!

Ceia muda... não há o que dizer.
Ora! Hora assim, tudo perde o sentido.
Qualquer palavra diz pouco
qualquer gesto, risco torto
que inflama a chama
vulcão ambulante morto...

A cena muda
adormece ao cair da chuva.
Enquanto à massa os corpos se reduzem,
as mentes se acalmam e se esquecem...
enquanto a vida continua
disparada na luta crua
em contínua cena muda.
É século vinte e um.

7º lugar

FÚRIA ESCREVINA
Rômulo César Lapenda Rodrigues de Melo (Joinville, SC)


Escrever, escrever furiosamente como quem tem um dragão no intestino, cheio de dor de dente, escrever silenciosamente no silêncio que só o solitário sente, com torpor, com loucura e escrever, escrever, e só depois pensar em viver, a sorrir, a chorar, a sofrer, usar a borracha para morrer no silêncio temente, acordar para escrever, beber, cheirar letras em pó, escrever com a sede dos bêbados, com as ideias dos loucos, com a exata amoralidade dos psicopatas, dormir só para poder não morrer e morrendo de escrever vencer a próxima página, com a imprecisão desconcertante dos gênios, a pureza dos gentios, a safadeza das diabas, a podridão dos vermes, com a segurança dos equilibristas cegos, a pujança dos halterofilistas magros, escrever, escrever e depois apagar, rasgar folhas, costurá-las, remontá-las e escrever, e se for só a escrever, é depois remoer, ver as folhas voarem ao cesto sepulcro, regurgitar a bile no fundo da posta dormente do fígado, escrever feito demente e apagar, rasgar, escrever até o calo do dedo sangrar, escrever feito doente querendo remédio urgente, escrever sem nem pensar, roubando o dízimo da boca do crente, escrever suicidamente, feito cervo na beira do rio, esperando a bocada do crocodilo, escrever mesmo sem pé, nem cabeça doida fervente, os pensamentos dessa nossa gente, escrever, apagar, escrever, mais tarde refogar no caldeirão dos inconsequentes, ser canibal da própria mente, exorcista da alma, pinça em bicho de pé, ataque de tubarão branco, escrever desavisadamente, como quem anda à beira do precipício, cai e na queda, sem suplício, escreve o cair na poeira, e parado ao chão cansado da madrugada inteira, quando nada restar, nem a sobrancelha, há de haver uma letra brilhando pungente.

8º lugar

AH! MAR
Hernany Luiz Tafuri Ferreira Júnior (Juiz de Fora, MG)


ah! mar
inunda-me sem limites
sê céu
sê água
horizonte bem ali adiante.

ah! mar
falta-me coragem
para ser pirata
nesta viagem
hastear bandeira –
busca certeira por teus tesouros –
intenso aceno com lenço
imagem de que não me esqueço
oh! mar imenso
em terra firme permaneço.

mineiro desconfiado
contento-me com água de coco
enquanto contemplo
mar em tudo quanto é lado.

e de sereia em sereia
serei sempre um bobo
que não sairá da areia!

9º lugar

PÉS
Hernany Luiz Tafuri Ferreira Júnior (Juiz de Fora, MG)


Alumbrado,
calado,
caminho apoiado
na palavra
pé:
pé direito à frente
do esquerdo, depois
atrás do pé de
vento que
balança o pé
de fruta: pé
de moleque
descalço, no
encalço da ilusão:
em pé de guerra,
pede para amarrar
o cadarço e continua,
passo a passo,
a subir o pé
de feijão.

10º lugar

MEMÓRIAS
Denivaldo Piaia (Campinas, SP)


O quadro-negro da memória
Guarda frases rabiscadas:
Não pode...
Não deve...
Educação cercada de muros,
Tranca nas portas, vidraças opacas,
Medo.
Incoerentes correntes
Aprisionam sonhos e voos,
Pés pretos de branco jugo
E as porteiras.
Atam mãos sossegadas às suas almas mortas,
Janelas bocejando ao sol fresquinho da manhã.
E o vento venta,
Sopra segredos,
Range lamentos.
Revela histórias e lendas,
Esparrama glória pelas sendas
Assoviando em quinas,
Indiferente, nas esquinas.
Venta vento, ventania,
Em desbocada poesia.
Que leve tudo para bem longe
Soprando nuvens para reinventar formas.
-----

Fonte:
Simone Pedersen

Nenhum comentário: