(À mesa, semblantes severos. Tios e tias de luto. O patriarca se fora e mal ousavam falar. Para a morte, alguns eufemismos: partir, passar para, descansar. E lá merecia o velho feroz algum descanso, pensava a adolescente retirada no meio da noite do leito morno e quase surpreendida em sua doce lascívia das mãos curiosas sob os lençóis? Ainda bem que no dia seguinte, deveria apresentar o trabalho de pesquisa sobre a Guerra do Irã (ou seria Iraque?). Quase nada pesquisara, mesmo pela Internet, pois a Pat fizera quinze anos na véspera e batera pé para a festinha na cobertura ser no mesmo dia, não no sábado. A mãe não pudera com a birra, temendo ser catalogada de atrasada, em relação à sua própria, que não ousara proibi-la ao ser comparada à da Pat, tão "in". Combinação de meninas: uma citava a mãe da outra para conseguir qualquer coisa... Cada mãe, temente de ser "out" e perder o amor da filhota mimada.
Levanta os olhos de grandes pestanas douradas, meio desfocados. Avalia os comensais. Um deles faz o mesmo e a apanha na teia de aranha que se instala entre ambos, de imediato. Ele aponta com o queixo, os demais, faz movimentos cômicos, taxando-os de chatos. Ela aquiesce mudamente, sorriso a meio, pronto para desmanchar-se se alguém a surpreendesse no mudo colóquio.
Ele apanha farinha e escreve "fofa", sobre o feijão frio. Ela devagar, lambe os lábios, coração disparado. Pat lhe dissera, com a sabedoria das mocinhas de quinze anos, que os homens ficavam maluquinhos quando viam a ponta da língua. Por isso chamavam as mulheres de gatinhas. Ele arregala mais ainda os olhos sombreados, passa as mãos pelo queixo onde espetam centenas de fios de barba. Também fora acordado no meio da noite para o enterro do avô. O telefone vibrara logo após uma "petit mort". Seqüente a um grande gozo.
Subitamente, deixa o sapato do pé direito cair, sem alarde algum. Mocassim fácil de tirar. Estende a perna e deixa o pé descansar sobre as coxas úmidas da adolescente. Esbarra com calças jeans. Ela estremece. Ele escreve com a farinha: "Tira". A garota o interroga com o olhar. Escreve então, da mesma farinheira: Como?
O moço ri. Apanha uma pokã. Descasca-a sem pressa. Pega dois gomos e mostra-os com calma à quase menina. Entreabre-os. Coloca entre eles, o polegar. A garota estremece de prazer. O coração parece que desceu e pulsa nela, lá em baixo, entre os gomos túmidos.
Tenta, sob a toalha de linho, imensa, fazer o mínimo possível de gestos, muito devagar, vai desabotoando os botões de metal. A calça apenas cobre o púbis. Consegue ir levantando as nádegas. Puxa as pernas da calça. Noite abafada na sala de fazenda, sem ventiladores. Acomoda o pé invasor. Segura-o como se isso bastasse para impedir um abuso maior. Mas tem vontade de acariciar o pé, um mini corpo. Quando se distrai, é tocada, qual uma corda de violão. Estremece e geme. Todos a olham, de súbito. Está vermelha. A mãe pergunta, preocupada:
— O que foi?
Ela fala baixinho, só para a inquisidora ouvir:
— Cólicas...
O pé já se recolhera. A mãe se aproxima e pergunta alto: Onde ela vai dormir? A tia mais velha conversa com outra, decidem logo e ela é convidada a ir tomar banho, antes de deitar-se. As adultas agora estão num canto, falando de absorventes, coisas de mulher. O primo primogênito apanha os gomos do desejo e os põe na boca. Todos se levantam. A empregada, ao recolher a louça, vê sobre o feijão escuro, a frase: Que pena! No quarto da donzela, sob o chuveiro, ela revê esses gomos sumarentos ao fechar os olhos. E com os olhos dos dedos, imita os dedos do sedutor.
Em pé, na varanda, ele pensa na fêmea madura que deixara à sua espera. Enquanto come os últimos gomos da dourada pokã...
(*) Forma como é grafada nas feiras livres e nos mercados do interior do estado de S. Paulo a tangerina poncã.
Fonte:
http://www.clevanepessoa.net/blog.php
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