quarta-feira, 12 de julho de 2023

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) Capítulo 1

Apresentação da obra


Isadora de Pampa e Bahia, é um romance que dei início entre 2000 e 2001, quando recém, aos poucos, descobria que havia nascido para escrever.

A vontade em compor uma bela história era grande, mas a experiência, quase nula. Por esta razão, fui desenvolvendo os capítulos como pude.

A ideia era boa, mas cheia de mal traçadas linhas.  

Ainda muito imatura para dar continuidade ao romance, guardei os trechos escritos numa gaveta. Hoje, no pen drive, quase esquecido.

Até que, pouco tempo atrás, alguns amigos que conheciam a base da história começaram a me cobrar:

- “E o Isadora de Pampa e Bahia? Não desiste, a ideia é bacana.”  

Outros, mesmo não conhecendo nada da história, mas sentindo-se atraídos pelo título, disseram ter curiosidade em ler o romance. Então, aqui estou eu, tão diferente daquela menina lá do passado. Porém, ainda mais apaixonada pelas letras, atualizando a obra.

Isadora de Pampa e Bahia é uma obra centralizada entre as paisagens da cultura do Rio Grande do Sul, e que, no transcorrer das trajetórias dos personagens, tem uma breve, porém significativa passagem pelo Estado da Bahia.

A história se passa na década de 60, e tem como protagonista a Isadora, prenda bonita, filha do senhor Antônio, fazendeiro cultivador de arroz e de dona Ana, uma recatada dona de casa.

Isadora cresceu na fazenda, sem conhecer a cidade. Apesar disso, trazia em si um espírito libertário, pouco obediente às regras de sua época. É uma personagem que não pode ser chamada de “a mocinha da história”. É bela, livre, virtuosa, por vezes, incoerente e, acima de tudo, determinada a amar quem desejar, trabalhar no que escolher, ser uma mulher plena em todas as esferas da sua vida. Este é um romance que fala sobre patriarcado, submissão, amizade, espiritualidade, mas acima de tudo, sobre o empoderamento feminino.  

Escrever esta obra que será publicada capítulo a capítulo, no formato folhetim como faziam Fiódor Dostoiévski, Charles Dickens, Machado de Assis e outros autores do século XIX, época em que quase não haviam escritoras, porque escrever era algo inconveniente e pecaminoso às mulheres, para mim é algo mágico. É como se eu estivesse voltando no tempo e fazendo justiça por todas as mulheres que tiveram o sonho de escrever, mas não puderam porque essa era uma prática quase que exclusivamente dada aos homens! Quando algumas cometiam essa ousadia, como foi o caso das irmãs Brontê, tinham que assinar um pseudônimo masculino. Hoje, as mulheres podem escrever, mas ainda há muito preconceito velado em relação ao ser feminino. Em plena modernidade, as mulheres ainda precisam provar o seu potencial. E isso é inadmissível!
 
Então, com vocês, ISADORA DE PAMPA E BAHIA.

Espero que gostem.


Com amor,
Jaqueline Machado – ACL – 22 – ALMURS - 132

Data – 12.07.23


Dedicatória
 
Dedico esta obra à Roberta, minha amada irmã, ao meu amigo José Luiz Muller, e à querida amiga Lúcia Barcelos, que tem revisado todas as minhas produções literárias.

Cito aqui esses nomes, entre tantos outros apoiadores e leitores, porque essas pessoas me incentivaram a "tirar essa obra da gaveta" e compartilhar.

GRATIDÃO!

EPÍGRAFE

O que é a vida? E do que ela é feita?
Só os encantos de Isadora têm as respostas.


ISADORA

1º CAPÍTULO
Prenda bonita


Em Prenda Bonita, viveu uma bela gaúcha dos olhos negros, brilhantes, cabelos soltos e dona de um sorriso esplendoroso. Seu nome exalava um certo aroma de poder no entoar das sílabas quando pronunciadas no pensar secreto de seus admiradores: I-sa-do-ra... Um nome forte para uma mulher ainda mais forte. Desde a infância, sua beleza chamava a atenção de todos ao seu redor, servindo, inclusive, de inspiração ao seu pai, Antônio Machado, que batizou suas terras com o nome de Prenda Bonita em homenagem a ela. Não só o nome emprestado àquele pedaço de chão fazia alusão à graciosidade de Isa, como era carinhosamente chamada por sua mãe, dona Ana. O chão, encoberto pelo arrozal, dançando faceiro sob o forte compasso do minuano, assemelhava-se ao balancear do seu corpo alvo, feito arroz, feito relva, feito nuvem passageira, desfilando, sem destino, pelos rumos celestiais do firmamento da vida.

Amante da liberdade, Isadora gostava de cavalgar no lombo do tordilho mais robusto da fazenda, que por ela foi batizado de Relâmpago. Cavalgando, desfrutava do prazer que é sentir o vento acariciar o rosto enquanto embaraçava seus cabelos em movimentos aleatórios de pura poesia.

Isadora combinava com aquela natureza. E todo aquele ambiente, naturalmente, rendia-se aos seus encantos de mulher guerreira e sonhadora.

Com simplicidade e alegria, por vezes, se permitia colocar as mãos na terra e ajudar os peões na plantação de arroz e no cultivo de flores, que davam um colorido especial àquele lugar mágico.   

A simplicidade de Isadora fazia dela uma pessoa muito estimada entre os serviçais.

Apesar de ter nascido assim... Em forma de versos e de aspirar e inspirar os perfumes mais agradáveis da natureza, Isadora também trazia ocultadas nas entrelinhas dos poemas que a descreviam, muitas reticências... Pontos de interrogações, versos que não se encaixavam em seu espírito libertário. Ela não obedecia às regras sociais, não se encaixava à vida normativa. E por não saber se encaixar ou servir de exemplo perante as regras de seu tempo, dava vida e asas às sombras. Sombras essas que viviam a mendigar por reflexos de luzes em meio à escuridão que se escondia nas entranhas de sua essência feminina.

E algumas dessas sombras surgiam em forma de mágoas. A mais profunda delas concentrava-se nas atitudes do seu pai, que sempre fora um homem rude e machista.  Ela o respeitava, mas se perdia num mar de dores ao ver o sofrimento da mãe, que vivia sob a égide de um sistema de grosseria e desrespeito promovido pelo esposo.

Ana, em sua juventude, chegou a noivar com um primo em segundo grau, mas um mês após o noivado, o rapaz fugiu com outra.  Sua família tinha posses, mas os negócios não estavam prosperando, e logo a falência bateu à porta de casa. Com isso, o senhor Albino, pai da Aninha, como era chamada pelos familiares, achou por bem casar a filha com um homem rico. Assim, as finanças da família seriam salvas, e ela, por certo, não correria o risco de passar pelo infortúnio da escassez.

Dona Clara, mãe de Aninha, era uma mulher educada, amante dos livros e à frente do seu tempo. Ela foi contra a ideia de casar a única filha para salvar as finanças da família, mas nada pode fazer para impedir a realização do matrimônio. Então, o pai da Ana a conduziu diante do altar e a entregou aos braços de Antônio, um solteirão vinte e poucos anos mais velho do que a menina. O indivíduo tinha um jeito meio grotesco, mas parecia ter um futuro promissor como fazendeiro. Tinha jeito ao lidar com os assuntos ligados aos negócios.  Volta e meia, os dois negociavam algumas compras e vendas. Senhor Albino sabia que o sujeito tinha um certo interesse pela jovem, que aos 16 anos teve que se tornar uma mulher recatada e submissa, vivendo apenas para cumprir com as suas obrigações de dona de casa.

As atitudes do velho Antônio incomodavam Isadora, que nutria em seu coração o sonho de ver sua amada mãe, uma mulher bondosa, já na casa dos 40 anos, desfrutando de uma vida feliz. Apesar da idade, que até poucas décadas atrás era sinônimo da aproximação da velhice, dona Ana conservava uma aparência bastante jovial. A prenda Isadora teve a quem puxar a formosa estampa.

O senhor Antônio tinha pouco mais de 60 anos de idade, mas devido à rabugice e muita “água- benta", parecia mais velho.

Quando jovem, sonhara ter um filho homem para carregá-lo pelas trincheiras do Rio Grande afora.

Mas por complicações pós-parto, dona Ana não pode mais engravidar. O mesmo aconteceu com dona Clara ao lhe dar à luz. Mistérios das hereditariedades da vida.                   

De início, ele se deixou levar por uma breve rejeição. Esperou anos até que a mulher engravidasse e precisava se conformar em saber que não seria pai outra vez.  Mas logo caiu de amores pela filhinha. Seus olhos nunca tinham visto uma criança tão linda e esperta.                                  

Apesar do carinho que sentia pela filha, jamais deixou de lado o autoritarismo. Aos finais de semana abandonava a família para buscar o aconchego das tais “chinas” que residiam no centro da cidade. E com elas gastava boa parte dos lucros ganhos nas colheitas do arroz. Ao retornar ao lar, não permitia nenhum tipo de manifestação de mágoa da esposa. Pelo contrário, ao vê-lo chegar, a mulher devia recebê-lo com água quente na bacia para lavar os pés calejados do marido.

Isadora cresceu assistindo a esse tipo de cena. E ao notar os olhos rasos d’água da mãe, chorava às escondidas pelos cantos da casa. Não fazia ideia das traições cometidas pelo pai, mas percebia a maneira hostil e fria com que ele tratava a própria esposa.

Mais tarde, entre seus 17 e 18 anos, passou a entender com clareza o porquê das coisas.

No entanto, ao tentar alertar a mãe sobre os humilhantes acontecimentos, sentia-se profundamente frustrada ao ver a resignação da mulher com a vida que costumava levar.

- Mãe, a senhora ainda é jovem, bonita, por que suportas tantas humilhações do pai? - perguntava com frequência ao tocar com carinho as mãos da mãe.
 
- Do que estás falando, Isa? Estou bem. Tens muita imaginação nesta tua cabeça.

- Mãe, não sou mais criança. Sei tudo o que está se passando por aqui.

-  Para mim ainda és uma criança. O meu bebê.

- Sei pouco da vida. Mas o pouco que sei já é o suficiente para entender certas coisas - dizia a filha.

- Não estou gostando do teu jeito de falar, Isa. Me pareces ousada demais para a tua idade.

- Que seja, então. - disse, dando de ombros - Jamais entregarei a minha liberdade nas mãos de um marido autoritário. A vida aqui na fazenda não nos permite ver a evolução do mundo lá fora. Mas sei que muitas mulheres vêm lutando para assumirem as rédeas dos seus próprios destinos. Descobri isso com os livros.

- Chega, Isa! Estás a falar como se fosses uma moça sem moral.

- Certo, mãezinha. Não vou prolongar a conversa. Quero apenas ver o seu lindo sorriso iluminar esta casa tão triste.                                                   

Siga o meu conselho: tenta pensar mais na senhora.

- Eu penso, guria. Estou satisfeita em ter saúde para cuidar de ti e do teu pai.

Ana tinha instruções sobre a vida, mesmo assim, sem esperanças, caiu passivamente na condição da esposa humilhada e traída.

Desde moço, Antônio dizia que mulher não necessitava de muitas instruções, precisava apenas saber bordar, cozinhar, cuidar bem dos filhos e jamais ler além do necessário. Ou seja, prenda boa só podia ter interesse por leituras cujos conteúdos não fossem capazes de corromper sua modéstia. Alguns salmos, bulas de medicamentos e receitas culinárias era tudo o que uma mulher precisava ler para ter uma boa instrução.  

Escolheu Ana para esposa por considerá-la muito recatada. Mal sabia ele o quanto ela já havia lido antes de casar.  Dentre as obras favoritas da jovem estavam a Trilogia de “O Tempo e O Vento”, do célebre escritor gaúcho Érico Veríssimo. Seus pais tinham uma biblioteca com mais de mil livros. Mas sem saber onde esconder tantas obras do marido, ela achou por bem selecionar apenas 100 livros e escondê-los antes que o esposo descobrisse a biblioteca que ficava no último cômodo da casa dos sogros. Quando os sogros morreram num acidente de trem, numa viagem de negócios, ele descobriu a biblioteca, e a sua primeira providência foi apanhar as obras, amontoá-las no terreno dos fundos da casa e tocar fogo em tudo.

Por detrás da vidraça da janela do quarto, Aninha viu as mesmas mãos que afagaram seu corpo na noite de núpcias, serem capazes de incendiar uma biblioteca inteira.  Ela, que fazia luto pela morte dos pais, aos prantos, soluçava ao acompanhar impotente aquele universo repleto de histórias e estórias se dissipando em chamas feito corpos de bruxas sentenciadas à morte pela Santa Lei da Inquisição. Em estado de choque, e acometida por uma forte tontura, recuou alguns passos rumo à cama. E imersa nas trevas da dor, abraçou-se à Luzia, boneca de pano que na infância havia ganhado de sua mãe. Muito traumatizada, a partir daquele infame momento, Ana nunca mais buscou reconhecer seus direitos. Seu corpo permanecia vivo, mas sua alma dizimou-se junto ao monte daqueles livros.

Isadora não sabia desse triste acontecimento, mas o pouco que sabia bastava para acender sua revolta em relação ao pai.

Na esperança de ver a mãe feliz, certa vez, ao se deparar com a imagem da Virgem Maria no corredor que dava da sala para a cozinha, ajoelhou-se e, em frente à santa, fez uma promessa:

- Oh, Mãe Santíssima, sei que dentre todas as mulheres fostes tu a mais perfeita a existir na Terra. Por isso a Ti devo amor, devoção, tanto respeito... E prometo-te: um dia hei de fazer da minha mãezinha uma pessoa feliz. Além de mulher, és santa. Conto com teu apoio para realizar essa missão complicada, porém justa, a mais justa de todas as missões.   

Às 19h do decorrer do mesmo dia em que fez a promessa, o velho, recém chegado de viagem, entrou pela porta da sala, de cara fechada, botas, bombacha e chapéu torto na cabeça.

- Ana, anda logo com a comida, tô com o bucho vazio e louco de fome! Disse ele.

- Claro. Só falta aprontar o feijão. Vais te lavar que a mesa já será posta.

Em comparação ao seu habitual comportamento, naquela noite, o velho estava calmo. A família jantou em silêncio e logo depois foram dormir. Mas nem sempre era assim. Normalmente ele exigia saber detalhes sobre como passaram o dia e, depois de satisfeito com as respostas, dava início às reclamações sobre as lidas nas fazendas e o trabalho sempre insuficiente dos agregados. A situação era desoladora, mas a fé da guria Isadora insistia em espalhar perfume de esperança por todo aquele inóspito ambiente.
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continua…

Fonte:
Texto enviado pela autora.

5 comentários:

Dione Charão disse...

Parabéns Jaqueline!!! Lindo teu trabalho! Nos remete a tempos antigos, mas que teimam em continuar, em tantos lugares, nesse belo mundo afora! Sucesso!!!

Anônimo disse...

Parabéns amada amiga.Estou muito feliz.Finalmente Isadora se apresenta de corpo e alma a todos nós amantes da boa leitura.Realmente muito incentivei e sinto-me contemplado ao ver a decisão que tomaste com esta forma de lançamento .Gratidão pela homenagem. Sucesso sempre!

Mara Garin disse...

Tenho muito orgulho de ti, tua escrita tem asas e assim te desejo voos cada vez mais altos e longos. Parabéns Amiga Jaque!

Gisele Wommer disse...

Paranéns Jaque! Belo início de história!

Anônimo disse...

Parabéns, querida Jaqueline! Amando ler tua novela.