sexta-feira, 11 de abril de 2008

Raul Pompéia (As Jóias da Coroa)

Manuel Pavia é um malandro que tenta roubar as jóias pertencentes ao duque de Bragança, no inicio parecia que tudo ida dar certo até que..., Mas vejamos esta trama desde do inicio, Paiva era amigo pessoal do duque de Bragança Sardanapolo a ponto de secretamente conseguir programar encontros, às escondidas, para o duque com garotas para fins sexuais inclusive estava negociando com o avo de uma garota de 14 anos certa soma em dinheiro para que ela se deitasse com o duque.

Ao combinar o assalto Pavia solicita a ajuda do criado da casa, Inácio, passando para ele detalhes do plano arquitetado, embora de princípio ficasse temeroso Inácio acaba aceitando participar, ao mesmo tempo em que planejam o assalto Paiva programa o encontro do duque com a garota que desconhece a má intenção de seu avo e o senhor Paiva.

De inicio o assalto é bem sucedido, roubando o senhor Paiva, muitas jóias e um caríssimo anel que pertencia à esposa do arquiduque; O cenário vem bem montado até uma corda na janela simulava a forma que os ladrões entraram, mas na verdade o criado foi quem facilitou a entrada do ladrão das jóias. No dia seguinte ao assalto há uma grande comoção na mansão do duque e toda vizinhança fica sabendo do ocorrido, a policia chega e mal sabe por onde começar a investigação, no entanto o duque de Bragança se mantém calmo todo o tempo.

Chamando o senhor Pavia ao seu gabinete acusa-o veemente de ser o ladrão apresentando enes evidencias para pensar assim, de inicio Pavia nega tentando se escusar mas acaba admitindo, e ameaça contar tudo que sabe da vida errada do duque se for entregue a policia; Os dois conversam algo não revelado pelo autor, voltando para sala o duque entrega Pavia a policia, no entanto o esperto Pavia consegue se livrar da prisão, num acordo onde devolve todas as jóias roubadas.

Há, quanto ao encontro do duque com a garota ele é frustrado por Emilia que revela ser a mãe da garota, e que ela é fruto de um estupro cometido pelo próprio duque há 14 anos atrás.

Fonte:
http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo.php?c=1217
http://raul-pompeia.comprar-livro.com.br/ (imagem)

Nicholas Sparks (O Sorriso das Estrelas)

Existe algo numa lua cheia misteriosa num céu vagamente iluminado pela noite, levando o seu enevoado reflexo sobre o horizonte e sobre as aguas tranquilas de uma costa rochosa, que evoca um sentido profundo de desejo e nostalgia e que nos faz querer apaixonar. À primeira vista, estava à espera de ser uma história comovente sim, mas também uma história de amor previsível. Mas á medida que a história se foi desenrolando, fui descobrindo uma história de amor e sacrifício mais sensível e inspiradora do que alguma coisa que eu já tenha lido. O Sorriso das Estrelas é sem duvida um clássico dentro deste gênero. A protagonista, Adrienne Willis, é uma mulher perto dos sessenta anos e mãe divorciada de três adolescentes. A tragédia abate-se sobre eles quando, a filha de Adrienne perde o marido devido a um cancro e na sua depressão começa a negligenciar os seus dois filhos. Agora, Adrienne chega á conclusão de que está na altura de confidenciar á sua filha um segredo seu que esta escondido há mais de 14 anos. Sendo assim, um dia, durante um chá, Adrienne narrou a história do homem que lhe fez recuperar a esperança e a coragem de viver que ela pensava ter perdido para sempre... o homem que lhe mostrou o verdadeiro significado do amor e que se tornou no seu anjo da guarda para sempre....o homem chamado Paul Flanner.

Três anos depois do seu marido a ter trocado por uma mulher mais nova, Adrienne batalhou como uma bibliotecária em part-time para sobreviver e cuidar do seu pai doente, que exigia assistência médica 24 horas por dia. Então, quando questionada por uma amiga, para ficar á frente de uma estalagem em Rodanthe por um fim de semana, Adrienne aceitou prontamente, esperando alcançar a paz e o relaxamento que ela tanto desejava. Mal ela sabia que um encontro crucial com um completo estranho a esperavam em Rodanthe. Uma terrível tempestade, estava prevista para o dia em que o Dr. Paul Flanner chegou a Rodanthe, para visitar o marido de uma das suas pacientes falecidas. A par de um divórcio complicado e esperando fazer as pazes com o seu distante filho, Paul, assim como Adrienne também estava a tentar curar o seu coração partido. Por isso não foi novidade nenhuma que estas duas almas perdidas procurassem consolação (e amor) uma na outra.Enquanto os dois lutavam para que os seus sentimentos se mantivessem sem serem notados, o ambiente da pequena cidade adormecida, o calor e o acolhimento da estalagem e a intensidade das suas emoções levou a melhor e os dois acabaram nos braços um do outro, alterando assim a vida um do outro para sempre. Mas apesar do desabrochar do amor deles, nem Paul nem Adrienne podiam esquecer as suas responsabilidades perante os seus filhos e foram levados a fazer uma jura de amor de que iriam ficar juntos...um dia. E durante a sua separação, eles mantiveram esta promessa viva, até que um deles acabou por ser levado a cometer um ato menos altruísta que os separou para sempre

Sorriso das Estrelas não é apenas uma historia de amor. É sobre morrer por aquele que amamos e perdoar aquele que morre por nós. É sobre o amor que sobrevive á morte por toda a eternidade. Confirma que o sacrifício é a essência do amor e assim como o Nicholas Sparks diz, mostra que o amor pode acontecer a qualquer um, em qualquer altura e em qualquer idade. Apesar do romance ter sito criticado por ser um dos menos exigentes do Nicholas Sparks e ter sido visto por alguns como uma mera variação do romance As pontes de Madison County, definitivamente tem o seu toque de unicidade e originalidade e o seu próprio charme, distinto de uma outra criação literária. Eu recomendo este livro a todos os que gostem de ler uma pequena mas poderosa obra de ficção. Apesar de poder gostar ou não de historias de amor, tenho a certeza de que irá gostar deste livro, por causa da união de vários elementos que foram utilizados nesta obra. O Sorriso das Estrelas é tudo ele sobre o amor, sacrifício, perdão, esperança e claro, a força para continuar, e estas são emoções que falam uma língua universal. Prepare-se para lagrimas, suspiros e pena....mas principalmente prepare-se para se inspirar para viver...

Fonte:
http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo.php?c=168

Adalberto Chiavenato (Diretrizes Para Leitura, Análise E Interpretação De Textos)

Já no primeiro parágrafo do texto o autor passa a dificuldade de compreensão dos textos filosóficos, mostrando que temos, mas facilidade para entender os textos teóricos, ou seja, no texto literário os leitores defrontam com textos científicos ou filosóficos, o qual os levam ao desanimo, mas deixa claro que são superáveis, não tem a mesma facilidade dos textos literários, cuja leitura revela uma seqüência de raciocínio e o enredo é apresentado dentro dos quadros referenciais e fornecidos pela imaginação.

No caso dos textos de pesquisa positiva, o raciocínio é mais rigoroso, e preciso ter técnica especificas para levantar os dados, no qual deve se acompanhar o encadeamento lógico destes fatos.

Nos textos filosóficos e teóricos o que conta é a razão flexiva, o que exige muita disciplina intelectual para que a mensagem possa ser compreendida.

2. Antes de abordar as diretrizes para leitura e analise de textos, recomenda se atentar para a função dos mesmos em termos de uma teoria geral da comunicação, estabelencendo-se algumas justificativas psicológicas e epistemológicas fundamentais para a adoção destas normas metodológicas e técnicas, tanto para leitura como para redação e textos.

O esquema da teoria geral apresentando pela teoria da comunicação seria uma mensagem entre um emissor e receptor, assim fornecera mais elementos para a compreensão da origem da finalidade de um texto, no entanto para ser transmitida, deve ser medializada, já que a comunicação entre as consciências não pode ser feita diretamente, sendo assim o texto linguagem é o código que cifra a mensagem.

Quando o autor (emissor) escreve um texto ele já havia pensado por tanto o leitor (receptor) ao ler o texto decodifica a mensagem, para então pensá-la e personalizá-la, compreendendo-a: assim se completa a comunicação.
O homem sofre uma série de interferências pessoais e culturais que põem em risco a objetividade da comunicação.

3. As diretrizes metodológicas que são apresentadas a seguir têm apenas objetivos práticos;

DELIMITAÇÃO DA UNIDADE DE LEITURA

Unidade é um setor do texto que forma uma totalidade de sentido, de acordo com esta orientação, a leitura de um texto, quando feita para fins de estudo, deve ser feita por etapas, ou seja, apenas terminada a análise, de uma unidade é que se passará à seguinte.

O estudo da unidade deve ser feito de maneira continua, evitando ? se intervalos de tempo muito grandes entre várias etapas da análise.

ANÁLISE TEXTUAL

Primeira abordagem do texto com vistas á preparação da leitura. Trata-se de uma leitura atenta, mas corrida, sem buscar esgotar toda a compreensão do texto. Deve buscar a visão panorâmica, fazer levantamentos básicos, assinalar todos os pontos possíveis de dúvida.

Primeiro buscar dados sobre o Autor do texto, a seguir o vocabulário, trata se de fazer um levantamento dos conceitos e dos termos que seja fundamental para compreensão do texto ou que sejam desconhecidos do leitor, por outro lado o texto pode fazer referências a fatos históricos, a autores e especialmente a outras doutrinas, cujo o sentido no texto é pressuposto pelo autor mas nem sempre conhecido pelo leitor.

Os esclarecimentos são encontrados em dicionários, textos de história, manuais didáticos, ou monografias especializadas.A analise textual pode ser terminada com uma esquematização do texto cuja finalidade é apresentar uma visão de conjunto da unidade. Toda unidade comporta de três momento: Introdução, desenvolvimento e conclusão.

ANALISE TEMATICA

A analise temática procura ouvir o autor, apreender, sem intervir nele, o conteúdo de sua mensagem. Em primeiro lugar busca-se saber do que fala o texto. A resposta a esta questão revela o tema ou assunto da unidade, Nem sempre ottítulo da unidade da uma idéia fiel do tema.
Avançando um pouco mais na tentativa da apreensão d mensagem do autor, capta se a problematização do tema, não tem como falar de alguma coisa sem apresentar como um problema para aquele que discorre sobre ele.

Na explicação da tese sempre deve ser usada uma proposição, uma oração, um juízo completo e nunca apenas uma expressão, como ocorre no caso do tema.

Associadas ás idéias secundárias, de conteúdo próprio e independentes, completam o pensamento do autor: subtemas e subteses.

Quando se pede resumo de um texto, o que se tem em vista é a síntese das idéias do raciocino e não a mera redução dos parágrafos. O resumo fica melhor se conseguirmos falar com outras palavras desde que não mude a idéia do texto.

A ANÁLISE INTERPRETATIVA

A análise interpretativa é a terceira abordagem do texto com vistas à sua interpretação, mediante a situação das idéias do autor. Interpretar em sentido restrito, é tomar uma posiçõ própria a respeito das idéias enunciadas, é superar a estrita mensagem do texto, é forçar o autor a um dialogoe explorar toda a fecundidade das idéias expostas.

A PROBLEMATIZAÇÃO

Na problematização você tem que retomar todo o texto, tendo em vista o levantamento dos problemas relevates para a reflexão pessoal e principalmente discussão em grupo.

A SINTESE PESSOAL

O leitor tem que fazer uma síntese pessoal do texto, trata se de uma etapa ligada antes à construção lógica de uma redação do que à leitura como tal.

CONCLUSÃO

A leitura analítica ajuda o leitor na formação tanto na sua área especifica de estudo quanto na sua formação filosófica em geral.

Fonte:

Capitão João Brotas (Uma linda manhã)

Ouvimos, vindo lá de fora, o gotejar dos pingos d água. São sons harmoniosos, semelhantes aos acordes de uma magistral orquestra em que não podemos visualizar o regente, mas, apesar de tudo, sentimos a sua presença. Qual maestro, no mundo, teria a bondade de nos abençoar enquanto estivessemos dormindo, para nos proporcionar um despertar maravilhoso?

Esse maestro parece nos dizer, com voz maviosa ressonante nos pingos da chuva: "Bom dia, meu filho, acorde para este novo dia que preparei para você. Ele renova suas esperanças e permite que levante, para enfrentar nova jornada". Entretanto, é lamentável, mas nem todos ouvem, porque poucos estão preparados para desfrutar a beleza e os benefícios da Natureza. Muitos jovens que adoram curtir a praia em dias de sol quente não entendem a natureza, nem a importância da manhã chuvosa. Talvez apenas o homem do campo agradeça, porque semanas antes, sob o sol escaldante que o jovem desperdiçou inutilmente na praia, ele arou a terra, plantou a semente... Agora, a força extraordinária da Natureza se encarrega de regar e complementar o árduo trabalho do lavrador. Quanto tempo de seu trabalho será necessário ainda, até que venha a colher os frutos do seu plantio?

Normalmente, esperamos resultados imediatos dos nossos esforços, esquecendo que um edifício, por mais alto e luxuoso que seja, teve seu início na construção de uma base sólida. Igualmente, muitas vezes queremos compreender certos fatos da nossa existência, sem ao menos nos deter no esforço de procurar saber quem somos, de onde viemos e para onde iremos. Isto não acontecia com Sócrates, filósofo grego que viveu de 470 a 399 anos antes de Cristo, que se ocupou na tarefa árdua de se conhecer melhor, de descobrir os mistérios da natureza humana e ensinar o que aprendeu a outros. Ainda hoje, também podemos colher os ensinamentos maravilhosos deixados pelo plantio de Jesus Cristo, que há mais de 2.000 anos regou o solo com o sangue do seu sacrifício. E Ele dizia: "Conhecereis a verdade e ela vos libertará". Referia-se à libertação das falsidades que impedem o homem de conhecer a si próprio e ao semelhante.

Dessa maneira, podemos concluir que uma manhã chuvosa pode ser o prenúncio de um solo fértil que germinará bons frutos, alimentos necessários ao nosso sustento material. Podemos concluir ainda que, esforçando-nos para nos conhecer, podemos aproveitar melhor as energias emanadas da luz dos ensinamentos dos mais sábios. Portanto, nosso fortalecimento espiritual depende dos nossos atos, de nossas posturas e de nossos esforços, em nos tornarmos menos vaidosos, menos egoístas e cada vez mais úteis aos semelhantes.

Que a próxima manhã seja calma, serena, ensolarada ou até mesmo chuvosa, mas nos faça refletir no passado, a viver no presente e a planejar o futuro, pois determinados atos antes praticados não devem ser esquecidos e sim analisados, tomados como ensinamentos para que desfrutemos hoje da sabedoria que nos permite planejar um futuro melhor, mais promissor a nós mesmos e a todos que nos cercam.

Oxalá, possam todos desfrutar das bênçãos da Natureza, como fiéis lavradores, esforçados no amor e na conquista da sabedoria, para que também possamos agradecer, em harmonia de uma só voz afinada, ao grande maestro do Universo, nosso Deus, pela bela e maravilhosa manhã, seja ela como for...

O capitão João Brotas é integrante da 14ª CSM (Circunscrição do Serviço Militar) de Sorocaba e da Nupep Cultural

Fonte:
http://www.diariodesorocaba.com.br/noticias/not.php?id=6359
Colaboração de Douglas Lara
http://www.sorocaba.com.br/acontece

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Geary Hobson (A literatura nativa norte-americana: recordações e renovação)

Em 1969, o comitê de ficção do prestigioso Prêmio Pulitzer de Literatura concedeu a sua distinção anual a N. Scott Momaday, jovem professor de inglês da Universidade Stanford na Califórnia, pelo seu livro intitulado House Made of Dawn.

O fato de que o romance de Momaday lidou quase que exclusivamente com nativos americanos não escapou à atenção dos meios de comunicação ou dos leitores e estudiosos da literatura contemporânea, nem os antecedentes indígenas kiowa do autor. Conforme ressaltaram os artigos dos jornais, desde que Oliver LaFarge recebeu o mesmo prêmio por Laughing Boy, exatamente 40 anos antes, um romance dos chamados "indígenas" não recebia tal distinção. No entanto, enquanto LaFarge era um homem branco escrevendo sobre os índios, Momaday era um índio; o primeiro nativo americano laureado com o Pulitzer.

Naquele mesmo ano, 1969, outro jovem escritor, um advogado sioux de nome Vine Deloria Jr., publicou Custer Died for Your Sins, cujo subtítulo era "An Indian Manifesto". Ele examinou de forma incisiva as atitudes norte-americanas da época em relação aos assuntos nativos americanos, surgindo quase simultaneamente com American Indian Speaks, uma antologia literária de vários jovens e promissores índios americanos, dentre eles Simon J. Ortiz, James Welch, Phil George, Janet Campbell e Grey Cohoe, todos os quais haviam sido publicados apenas vagamente até então.

Esses desenvolvimentos que estimularam interesse novo ou renovado pela literatura nativa americana contemporânea foram acompanhados pelo surgimento naquela época de duas obras de conhecimento geral sobre o assunto, Man's Rise to Civilization (1968), de Peter Farb, e Bury My Heart at Wounded Knee (1970) de Dee Brown. Cada qual atingiu uma corrente receptiva no gosto popular norte-americano e as estatísticas demonstram que, ainda hoje, cerca de 30 anos depois, sua popularidade permanece.

Serenamente, surgiram outros livros e outros autores. "Ceremony, de Leslie Marmon, A Winter in the Blood, de Welch, as ficções pós-modernas de Gerald Vizenor e a poesia de Paula Gunn Allen, Simon J. Ortiz e Linda Hogan deram lugar, ao longo dos anos, a escritores mais novos, como os romancistas Sherman Alexie, Greg Sarris e Thomas King e os poetas Kimberly Blaeser, Janice Gould e Janet McAdams.

Em 1992, um grupo de acadêmicos e ativistas norte-americanos criou um festival internacional de escritores, que reúne 360 artistas de nove países, principalmente dos Estados Unidos. Cerca de metade desse número já publicou pelo menos um livro: ficção, drama, autobiografia ou até livros de culinária. A partir dessa convocação, surgiram duas organizações: o Círculo de Escritores Nativos das Américas e um grupo mentor, Wordcraft Circle, que reúne os escritores nativos americanos estabelecidos com talentosos aprendizes.

A cada ano desde 1992, o Círculo dos Escritores Nativos apresentou prêmios para "primeiros livros" de poesia e de ficção. Para aqueles que imaginam qual será o futuro da literatura nativa americana, esses livros premiados oferecem resposta ampla e positiva. Observe-se, por exemplo, um jovem artista como o poeta chippewa Blaeser, cuja evocativa coletânea inicial de versos, Trailing You (1995), seguiu-se por uma obra apreciada de conhecimento, um estudo da prosa complexa e até surpreendente do colega escritor nativo americano, o satírico pós-mordernista Gerald Vizenor.

De fato, a expansão da criatividade e do interesse na literatura nativa americana é muito mais que uma explosão. Ela representa, coletivamente, um renascimento. Mais de uma geração após o seu início, ela é uma parte da literatura norte-americana como renovação, ou continuação. Ela traz reminiscências.

Pode-se melhor ilustrar o fenômeno do renascimento através da experiência de uma sala de aula voltando muitos anos no tempo. Meus alunos leram cópias de poemas de índios mohawk da parte setentrional do Estado de Nova Iorque e o tema voltou-se para os diversos escritores nativos americanos em outras partes do país. Um estudante, provavelmente refletindo o pensamento de diversos na sala, espantou-se: "não é maravilhoso como a literatura nativa americana emergiu tão repentinamente no cenário?"

A questão soou atordoante na época e assim permanece na minha memória. Porque a literatura nativa americana não "emergiu" simplesmente. Como a vida e a cultura da qual é parte, ela tem séculos de idade. Suas raízes são profundas na nossa terra; profundas demais para que meros cinco séculos de influência de outras civilizações modifiquem-na de forma duradoura, completa e irrevogável.

Reminiscências, continuidade, renovação. Os nativos americanos se acostumaram a contar suas histórias e suas formas de vida através de processos intrincados de contar histórias comprovados pelo tempo. Somente nas últimas décadas, os acadêmicos identificaram essas formas de contar histórias como "tradição oral". Por milênios, os nativos americanos carregaram suas tradições desta forma. Para nada mais que uma geração antes da extinção, como escreveu Momaday, há sempre mais a ser lembrado pelas pessoas devido a essa ligação tênue. Ao relembrar, tem havido força, continuidade e renovação ao longo das gerações.

Nas palavras do poeta do povo acoma Simon J. Ortiz, "os índios estão em toda parte". Desde o Refúgio Savala de Sonora, no México, até a Montanha Mary Tall, da tribo koyukon do Alasca; do país navajo de Geraldine Keams e Larry Emerson até o nordeste do Maine de Joseph Bruchac, os nativos americanos estão escrevendo sobre si próprios e sobre seu povo. Seus escritos são baseados em terra firme, nutridos por raízes fortes e têm flores crescentes invencíveis.

É interessante notar que, mesmo na forma escrita, em inglês, a literatura nativa americana é bastante venerável na estrutura da própria literatura norte-americana, remontando ao início do século XIX, quando os primeiros escritores (dentre eles, William Apess, da tribo pequod, George Copway (ojibway) e o chefe Elias Johnson (tuscarora) publicaram livros relacionados às suas culturas tribais. Há também evidências de que muitas tribos possuíam variantes de linguagem escrita muito antes de Sequoyah alfabetizar a nação cherokee virtualmente do dia para a noite. Ainda que os livros dos índios delaware e da Confederação iroquois fossem repassados oralmente por muitas gerações, no início eles foram reproduzidos em diversas formas escritas. Ironicamente, mesmo quando escritores norte-americanos como James Fenimore Cooper e Henry Wadsworth Longfellow apresentaram o índio americano a partir das suas perspectivas, os nativos americanos estavam escrevendo seus próprios livros e, nesse processo, desenvolvendo literatura.

Se, no começo, a literatura nativa americana consistia em contar histórias (ou, como definiríamos, ficção), uma ampla mudança teve lugar na segunda metade do século XIX, principalmente com o desenvolvimento do sistema de reservas indígenas nos anos 1870 e 1880. A biografia e a auto-biografia tornaram-se a forma mais popular e permaneceram dominantes até o século XX.

Essas biografias eram muitas vezes escritas por outros; antropólogos ou poetas registravam e editavam as histórias de vida de nativos americanos que eram encontrados nas estradas dos séculos XIX e XX. Talvez o mais famoso deles seja Black Elk Speaks (1932), de John G. Neihardt. De acordo com Neihardt, Alce Negro contou a história ao seu filho no idioma oglala lakota. O filho então a traduziu para inglês para Neihardt, que então a reescreveu. Era uma prática comum, com muitos exemplos em meados do século passado, presentes entre tribos desde crows e cheyenne no extremo norte dos Estados Unidos até os apaches e navajos no sudoeste.

Naturalmente, nem todos os relatos pessoais eram "contados" a outra pessoa. Apareceram alguns escritores individuais, dentre eles Charles A. Eastman, um médico santee sioux treinado em universidade que escreveu livros como Indian Boyhood (1902) e The Soul of the Indian (1911), e o Chefe Luther Urso em Pé, autor de My People The Sioux (1928) e Land of the Spotted Eagle (1933). O livro de Momaday The Names, de 1975, foi parte dessa tradição.

À medida que decorria o século XX, a literatura nativa americana ampliou-se para além da biografia e relatos para a ficção, jornalismo e até dramaturgia. D'Arcy McNickle foi o melhor escritor de ficção do período da década de 1930 a 1970, com livros como The Surrounded (1936) e Runner in the Sun (1954). Ele foi também extremamente ativo como proponente de assuntos indígenas. Will Rogers, o popular colunista de jornais norte-americanos que se tornou humorista, cujo período áureo foram os anos 1920 e 1930, foi um índio cherokee, bem como o dramaturgo Lynn Riggs, cujo drama mais famoso, Green Grow the Lilacs (1931), foi transformado no clássico musical da Broadway dos anos 1940, Oklahoma!

Nas primeiras décadas da segunda metade do século, principalmente a partir dos anos 1960, o desenvolvimento da literatura nativa americana deveu-se a diversos periódicos, que incluem publicações mais estabelecidas, como o South Dakota Review e Cimarron Review, e diversas publicações, revistas e editoras menores, dentre elas "Sun Tracks", "Blue Cloud Quarterly" e "Strawberry Press". Os poemas de Hogan, Joy Harjo, William Oandasan e muitos outros apareceram primeiramente nessas e em outras publicações.

Muitos escritores e acadêmicos nativos americanos fizeram suas primeiras aparições escrevendo sobre temas não-indígenas. A primeira empreitada de Momaday foi uma coletânea das obras de Frederick Goddard Tuckerman, um poeta menos conhecido do círculo de Emerson na Massachusetts de meados do século XIX. Louis Owens, que reconsiderou e afirmou extensamente sua herança choctaw/cherokee em seus últimos escritos, começou com estudos sobre as obras de John Steinbeck. (Como parêntese, eu comecei minha carreira na educação, poesia e literatura como especialista em Emerson, Henry David Thoreau e Herman Melville.)

Quem são os escritores nativos americanos? Esta questão preocupou-me por anos, mesmo antes de compilar minha antologia de 1979, The Remembered Earth. Para aquele livro, decidi manter o mais amplo espectro de definição possível. Incluí, por exemplo, Dana Naone, uma jovem e talentosa escritora havaiana nativa, pois nós, nativos americanos do continente, estamos nos tornando cada vez mais conscientes de que, embora os havaianos não sejam índios americanos propriamente falando, eles são, entretanto, nativos americanos em sentido real. De forma não surpreendente, os versos de Naone continham temas e preocupações similares aos de Allen e Silko.

Os antropólogos e historiadores postularam que a inclusão como nativos americanos depende de três critérios essenciais: genéticos, culturais e sociais. A distinção genética é "sangue total", "meio sangue", "um quarto" e assim por diante. Culturalmente, uma pessoa é caracterizada em termos do local de onde ele ou ela é proveniente e suas formas distintas de vida, religião e idioma. Socialmente, alguém é considerado nativo americano devido à forma com que ele ou ela vê o mundo, terra, lar, família e outros aspectos da vida.

Mas, à medida que os anos passam, a identidade torna-se fator menos motivador entre os temas literários que a soberania e, como parte dela, a reivindicação do passado. Os nativos americanos estão preocupados sobre quem são eles enquanto povo e escrevem de perspectiva comunitária (seja o ambiente urbano ou rural) e esse senso de comunidade reafirma e ampara a soberania.

Os romancistas Louise Erdrich e Sherman Alexie e poetas como Linda Hogan e Ray Urso Jovem são exemplos de escritores que, na verdade, estão fazendo o que Charles Dickens fez em Londres há mais de um século. Ou seja, eles estão criando um senso local. A literatura emerge invariavelmente disso e, embora os melhores escritores lutem para serem universais, é o senso local com que estão profundamente imbuídos. Erdrich, poetisa e escritora de ficção, é mais conhecida pela sua tetralogia nativa americana: Love Medicine (1984), The Beet Queen (1986), Tracks (1988) e The Bingo Palace (1994). Ela recentemente trouxe à tona suas raízes ojibwa em The Antelope Wife (1999), um retrato de duas famílias nativas americanas urbanas contemporâneas em comparação com um mosaico de cem anos de história. Os versos da poetisa chickasaw Linda Hogan (ligados ao sul e centro de Oklahoma) concentraram-se na paisagem e na história. Mais recentemente, entretanto, à medida que cresceu e se desenvolveu, ela vem lidando com questões como preservação animal e feminismo.

Alexie, uma das melhores jovens escritoras a misturar realismo e humor sarcástico com forte lirismo ao escrever ficção, poesia e dramaturgia, é mais conhecida por Indian Killer (1996), um romance trágico sobre a busca de um assassino em série em ambiente urbano contemporâneo. Greg Sarris, um escritor californiano nativo de raízes miwok e pomo, atingiu ampla quantidade de leitores com seu primeiro livro Grand Avenue (1994), uma coletânea de contos passados na sua vizinhança multicultural nativa na urbana Santa Rosa, na Califórnia, povoada por gerações de índios pomo, bem como portugueses, mexicanos e afro-americanos. Seu primeiro romance, Watermelon Nights (1998), é uma visão urgente da tradição, crise e renovação em uma família nativa americana. Nos últimos tempos, ele moveu-se também para a dramaturgia.

Em análise final, entretanto, a preocupação mais importante não é se alguém é mais ou menos índio que o seu companheiro índio americano. É muito mais importante que ambos reconheçam sua herança comum e lutem juntos pela melhoria dos nativos americanos no seu todo. Ao final, a literatura que deixamos para a posteridade estará disponível para as pessoas que vieram depois de nós. E, ainda assim, é dever do escritor individual comentar sobre coisas que ele ou ela acredita serem importantes, independentemente do tema da literatura lidar ou não exclusivamente com preocupações nativas americanas. Se não tivéssemos os escritos de Momaday sobre a Rússia, os curtos poemas de Aaron Carr sobre o espaço exterior ou os contos de ficção científica e roteiros de televisão de Russel Bates, a literatura nativa americana seria mais pobre pela sua ausência.

(À medida que os índios escrevem sobre temas diferentes da sua comunidade, diversos escritores não-nativos, antes e depois de Laughing Boy, de Oliver LaFarge, investigaram a vida nativa americana, alguns com muito sucesso. Mais de meio século atrás, Frank Waters elaborou o que pode ser seu melhor romance, The Man Who Killed the Deer (1942), um estudo dos conflitos culturais entre os índios taos do norte do Novo México. Atualmente, ao escrever sua série de romances "best-sellers" centralizados na polícia tribal navajo, Tony Hillerman esforçou-se para aprender a cultura e tradições para criar suas histórias.)

Por fim, os escritores nativos americanos são aqueles de sangue e antecedentes nativos americanos que afirmam sua herança de formas individuais, da mesma forma que os escritores de qualquer cultura. Alguns escrevem sobre a vida reservada, outros descrevem ambientes urbanos. Alguns investigam a história, outros são ferozmente contemporâneos. Joseph Bruchac, que teve enorme influência sobre uma geração de escritores mais jovens como mentor e capacitador, é conhecido hoje como escritor de histórias infantis, tais como Between Earth and Sky (1996) e The Arrow Over the Door (1998), que apresentam lendas tribais em contexto moderno para novas audiências.

"A literatura é uma faceta de uma cultura", escreve Paula Gunn Allen, e, como tal, oferece algo de valor ao povo do qual é parte.

Herança é povo. Povo é terra. Terra é herança. Ao relembrar esses relacionamentos (com o povo, o passado e a terra), renovamos a força de nossa continuidade como povo. A literatura, em todas as suas formas, é nossa forma mais durável de conduzir essa continuidade. Ao fazer literatura, como os cantores e contadores de histórias de antigamente, servimos ao povo bem como a nós mesmos em um duradouro senso de recordação.

Nunca devemos esquecer esses relacionamentos. Nossa terra é nossa força e nosso povo é a terra, uma e única, como sempre foi e sempre será.

A memória é tudo.
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Geary Hobson, poeta e ensaísta de herança cherokee/quapaw, é membro do corpo docente do Departamento de Inglês da Universidade do Oklahoma. Este artigo é uma expansão da introdução do professor Hobson a uma antologia, The Remembered Earth, publicada originalmente por Red Earth Press, Albuquerque, Novo México, 1979, e reimpresso pela Imprensa da Universidade do Novo México em 1981. Ele foi utilizado com permissão do autor.
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Fonte:
http://usinfo.state.gov/journals/itsv/0200/ijsp/ijsp0210.htm

Moacir Scliar (A Majestade do Xingú)

O romance inicia com o narrador, que está na UTI, contando ao doutor a vida de Noel Nutels, que conhecera quando criança em um navio que os trouxe ao Brasil no ano de 1921.

A narrativa transcorre em tom humorístico, apesar do sofrimento do paciente. Protagonista inominado, cultivou uma profunda admiração por Noel, o defensor dos índios, durante toda a sua vida. Começa relembrando o episódio em que Noel, internado num hospital no Rio de Janeiro, no ano de 1973, vítima de câncer na bexiga, pouco antes de sua morte, recebe a visita de quatro generais. ...era a época da ditadura, visitar o Noel, que era uma figura tão respeitada, principalmente na esquerda, poderia repercutir bem na opinião pública, e ao abrir os olhos e ver aqueles quatro generais à sua volta (...) olhou todos, um por um, com aquele olhar debochado dele. Um dos generais perguntou como ele estava. E o Noel que, mesmo morrendo, continuava o gozador de sempre, respondeu: estou como o Brasil, na merda e cercado de generais.

O médico vai fazendo anotações enquanto o narrador pergunta-lhe se ele próprio também encontra-se na merda. Estou na merda, doutor? Não? Não estou na merda? O senhor tem certeza? Na merda, não? Não estou? Que bom, doutor. Não estou na merda, que bom. Prossegue contando-lhe que a vida de Noel Nutels, ele, o narrador, tem toda guardada numa pasta através de reportagens em jornais, fotografias, artigos, publicações. Pede ao doutor para escutá-lo. ...não é por mim, não. É pelo Noel. Não: é pelo senhor. O senhor deve ourvir a história do Noel, doutor. Acho que alguma coisa mudará no senhor depois que ouvir esta história. O navio que os trouxera ao Brasil chamava-se Madeira. Era um cargueiro adaptado para o transporte de imigrantes. Estavam fugindo da Rússia. Vinham do sul da Rússia, da Bessarábia, na fronteira com a Romênia. A região pertencia ao Império Tzarista. Os judeus não podiam sair dali a não ser que fossem ricos. Mas eles não eram ricos. Moravam numa pequena aldeia, num shtetl, de gente pobre: agricultores, artesãos, pequenos comerciantes. Seu pai, sapateiro, mal ganhava para sustentar a família, embora pequena, pois só tinha uma irmã. Seu pai consertava os finos sapatos do conde Alexei. Venerava-lhes os sapatos e as botas, confeccionados em couros macios e raros.

O protagonista lembra-se de que começou a ter pesadelos em que, à noite, um cossaco debochado surgia e calçava de uma bota as botinhas minúsculas que o pai havia feito com as sobras da reforma do conde Alexei. Calçava-as e galopava numa ratazana, rindo deles. O primogênito morrera um mês antes do seu nascimento. O irmão morto tornara-se-lhe um fantasma que vivia por todos os lados. O pogrom, massacre organizado no Império Tzarista, estava por toda parte. Os cossacos surgiam à noite, matando homens, violentando mulheres, queimando casas. Os judeus eram perseguidos. Um dia apareceu na aldeia um homem de Kiev. Trabalhava para uma companhia de colonização agrícola, a Jewish Colonization Association, JCA ou ICA, fundada por filântropos judeus da outra metade da Europa. Poderiam levá-los para a América do Sul, onde as terras eram promissoras. Poderiam ir para o Brasil trabalhar como agricultores. Receberiam todo o apoio. Por essa época o pai de Nutels decidira ir para a Argentina. Buenos Aires prosperava. Mas Salomão Nutels resolveu voltar para a Rússia. Pegou o navio que fazia escala no Recife, acabou vendedor de sapatos.

Em 1917, ele, justo no dia em que o Brasil declarou guerra à Alemanha do kaiser, tomou uma surra, depois de ter sido perseguido ao desembarcar, e perdeu o navio. Fixou-se no Brasil, em Laje do Canhoto, pequena vila de Alagoas, e lá abriu uma loja que vendia de tudo, desde alpiste até penicos de ágata. Em pouco tempo tinha conseguido economizar o suficiente para trazer a mulher e o filho de Ananiev.

Durante a guerra civil, após a Revolução de 1917, a Rússia ficou isolada do resto do mundo. Berta, mulher de Salomão, e o filho ficaram sem ter notícias suas até 1920, quando Salomão Nutels comunicou-lhes que partissem imediatamente para o Brasil. Por essa época, sair da Rússia era muito arriscado, mas mesmo assim partiram. As ameaças do pogrom continuavam. Porém, num certo momento, apareceu um homem na aldeia, chamado Semyon Budyonny, comandante de um esquadrão da cavalaria bolchevique. Imponente, usava um vasto bigode e tinha um olhar feroz. Budyonny apareceu com seus homens e anunciou que a aldeia havia sido libertada pela Revolução. Era o início do socialismo. Um dos homens de Budyonny, Isaac Babel, que ficara hospedado na casa do narrador, indagado sobre o que pensara a respeito de partirem para a América, revelou-se indignado com tal idéia e fez um discurso arrebatado em que defendia o governo bolchevista, pois finalmente todos os oprimidos teriam uma vida decente, enquanto que na América só existiam exploradores.

Anos depois Babel foi preso e veio a morrer num campo de concentração stalinista. A partida da família do narrador para o Brasil foi tranqüila. Em Hamburgo pegaram o navio Madeira rumo ao Brasil. No navio o narrador tornou-se amigo de Noel e assim que o conheceu teve a certeza de que seria seu amigo para o resto da vida. Noel era expansivo, seguro de si. Fazia amizade com todos. Logo tornou-se amigo de um marinheiro russo, homem de esquerda que vivera no Brasil e anos mais tarde continuava defendendo suas idéias com o mesmo fervor. A viagem fora longa e insalubre. O cheiro de urina e vômito no porão, onde passavam as noites, era insuportável. Todos no navio sentiam-se inseguros quanto à nova vida no Brasil. Porém, ao chegarem em Recife, a diversidade de cores, a vegetação tropical e a população alegre deslumbrou-os.

Salomão Nutels apareceu e Berta, ao vê-lo, abraçou-o e chorou, assim como Noel. Todos os demais emigrantes também choraram. Ao perceber o entusiamo de Noel pelos pretinhos brasileiros, de súbito nosso pobre protagonista percebeu que já não o encantara mais. Agora o encantava o Brasil. Salomão convidou a família do narrador para morar em sua casa. Seu pai poderia ajudar-lhe na loja. Seguiram para Laje do Canhoto. Ao conhecer a loja de Salomão, o pai do protagonista recusou-se a trabalhar lá. Não venderia penicos. Decidiu que iriam para São Paulo.

Em São Paulo, fixaram-se em Bom Retiro, bairro de judeus. Seu pai sofreu um acidente e teve de amputar o braço direito. Impossibilitado de continuar no ofício de sapateiro, passou a vender gravatas. Seu pai queria que ele tivesse se formado em Medicina como Noel Nutels. Freqüentou o colégio José de Anchieta. Em três anos sabia tudo sobre o padre José de Anchieta, sobretudo que amava muito os índios, diferentemente da maioria dos colonizadores que os menosprezavam, considerando-os inferiores, especialmente por serem canibais.

O narrador possuía uma imaginação muito fértil e suja. Numa das histórias que imaginava, o braço de seu pai era jantado por antropófagos devido ao ancestral parentesco destes com índios canibais. Imaginava também o padre Anchieta sendo seduzido por uma indiazinha moribunda. Sua mente era povoada por seres descomunais que devoravam profetas e sacerdotes. Sua mente sórdida elocubrava fabulações doentias. Sentia saudade de Noel. Podia escrever-lhe, mas não tinha coragem, então escrevia-lhe só na imaginação.

Seu pai veio a falecer de infarto do miocárdio, sendo-lhe imposto o sustento da família. Precisou largar os estudos e trabalhar o dia inteiro. Trabalhava na pequena loja do seu Isaac. Chamava-se A Majestade, conhecida por loja Não Tem. Vendia miudezas em geral: carretéis de linha, agulhas de crochê, etc. Não soube mais nada de Noel a não ser bem mais tarde quando tornou-se famoso e escreviam sobre ele. Noel foi estudar Medicina em Recife. Os pais também mudaram para lá. A casa onde moravam, dona Berta transformou em pensão. Lá moravam também amigos, como Ariano Suassuna, Capiba e Rubem Braga. Houve um momento em que o narrador tomou consciência da sua ignorância e envergou-se. Começou então a ler.

Lia muito e de tudo, inclusive dicionários. Levava uma vida pacata, não se metia em política. Quanto às mulheres, freqüentava um bordel barato e só. Era muito tímido. Sua vida tornou-se uma rotina. Ia para a loja, que aliás havia comprado do seu Isaac por uma bagatela, espanava o pó, sentava-se atrás do balcão e lia. Vez por outra aparecia um freguês. Em 1937 Noel foi para O Rio com a mãe, já formado em Medicina. Salomão havia falecido. O Brasil vivia a ditadura de Vargas. Noel participou na produção da revista Diretrizes, da qual faziam parte José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado. Por aquela época, em 1938, os intelectuais eram todos comunistas. Os comunistas manifestavam-se com cartazes de protesto. Sarita, uma fervorosa comunista do Bom Retiro, atirou-se cegamente na causa do Comintern, órgão central dos partidos comunistas na Rússia, que apresentou um documento a ser divulgado na sociedade brasileira que dizia que o conflito final seria a oposição entre índios e brancos. O movimento não vingou por falta de adeptos.

Em 1940 Noel casou com uma prima, Elisa. Um ano depois o narrador casou também, com Paulina, filha do vizinho. Através de Sarita, que ia periodicamente ao Rio, ele tinha notícias de Noel. Noel estava trabalhando com saúde pública; queria combater a malária e se envolver em campanhas. A guerra tinha começado. Hitler invadia a União Soviética. Noel e Sarita ouviam a Pirineus, rádio clandestina que os mantinha informados sobre os campos de concentração e outros acontecimentos. O narrador nunca ouviu a Pirineus. Preferia se manter alheio, mergulhado nos livros. Noel ia para as ruas, carregava cartazes de protesto. Em 1935 foi preso como comunista na ditadura Vargas. Nosso narrador não ia para as ruas fazer protesto, porque não tinha coragem.

Por volta de 1944, Noel e a mulher estavam trabalhando na Fundação Brasil Central, fundada pelo ministro João Alberto. Tinham sido contratados para trabalhar com os índios em regiões como o Alto Xingu e o Alto Araguaia, que seriam desbravadas e colonizadas. Noel fora contratado como especialista em malária. O narrador tornou-se pai de um menino: Ezequiel. No Xingu, Noel trabalha como especialista em malária e cuida dos índios. É aceito pela tribo dos Kalapalo após salvar a vida de uma indiazinha que estava quase à morte. Os índios lhe tem afeto e respeito.

Em 1951 Noel ingressa num curso para a campanha nacional contra A Tuberculose. Resolve trabalhar na região dos grandes rios: Tocantins, Xingu e Tapajós. Consegue transporte aéreo e em pouco tempo está dirigindo o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas, para os problemas dos índios. Dedica-se inteiramente a esta missão. João Mortalha, um tipo mau-caráter com passado de assassino, vai para o Xingu disposto a tornar-se proprietário das terras dos índios. Noel, descobrindo-lhe as intenções, expulsa-o da região. Eu podia entender o padre Anchieta cuidando dos índios; o Noel Nutels não. Pela simples razão de que não podia imaginar a mim próprio cuidando dos índios. (...) Eu, o covarde, imóvel; Noel, o corajoso, em movimento. Em constante e dinâmico movimento. O Noel estava virando índio. Índio inquieto a percorrer sem cessar as trilhas do Brasil central. Trilhas que poderiam levar a qualquer lugar, mas nunca passariam por uma loja chamada A Majestade. Nossos caminhos se haviam afastado para sempre.

Nosso protagonista começou a ter problemas em casa: desentendimentos com a mulher, além do Zequi, que se mostrava rebelde. Sarita mudara-se para O Rio e às vezes vinha visitá-los. Percebeu que Ezequiel estava apaixonado por ela. Zequi lia Marx, Lenin e Stalin. Entrou para a célula da Juventude Comunista no Bom Retiro, a célula Zumbi dos Palmares. Os jovens membros da célula, sabendo da amizade do protagonista com Noel, o doutor dos índios, pediram-lhe para que conseguisse um encontro entre eles. O narrador, depois de entrar em pânico, teve uma brilhante idéia: sugeriu-lhes que se correspondessem com Noel. Na loja, deu início à correspondência que Noel supostamente estaria lhes enviando.

Escreveu cartas e mais cartas para a célula Zumbi. Os rapazes extasiavam-se. Aconteceu, porém, que Sarita descobriu a farsa e ameaçou contar tudo a não ser que dali em diante ela mesma passasse a assumir a correspondência. Entraram em acordo. As cartas de Sarita eram chatíssimas, doutrinárias, o que fez com que os rapazes logo se entendiassem. Em pouco tempo, a correspondência encerrou-se. Em 1961 Zequi entrou para a faculdade de Ciências Sociais. Envolvendo-se completamente com política estudantil, tornou-se membro da UNE. Logo passou a fazer parte de um grupo de radicais. Os folhetos clandestinos falavam de guerrilha e luta armada.

E então veio o golpe de 64. Com o golpe militar, mandaram Ezequiel esconder-se no sítio de uma amiga de Paulina. Quanto a Noel, naquele Período dirigia o Serviço de Proteção ao Índio; fora indicado por Darcy Ribeiro. Os militares não acharam nada contra ele. Havia um major anticomunista, major Azevedo, que por motivos particulares estava atrás de Noel. O narrador teve um caso com Iracema, um tipo vulgar, apesar de bonita, que apareceu na loja como representante de tecidos. Foi sua primeira e única paixão. Um dia o narrador sentiu falta da última carta de Noel, que escrevera e não enviara. Iracema confidenciou-lhe, arrependida, ter sido ela a pegar A Carta a pedido do irmão Mortalha, o mesmo Sujeito que Noel havia expulsado do Xingu.

Mortalha queria incriminá-lo e, de posse da carta entregou-a ao major Azevedo que, estranhamente, rasgou-a e jogou fora. Ezequiel foi para a França. Fez mestrado, depois doutorado, e tornou-se professor em Limoges. Não voltou mais. Casou-se com uma francesa e teve dois filhos. A mãe foi para um asilo, completamente esclerosada, e lá faleceu. A irmã Ana tornou-se uma competente psicóloga e enriqueceu. Paulina quis ir embora para Israel. Não voltaria mais.

O narrador levou-a ao aeroporto não sem antes tentar persuadi-la a ficar. Despediram-se e nunca mais a viu. O narrador passou a viver sozinho. Ezequiel quase não escrevia, ao contrário de Paulina que escrevia longas cartas deixando-o a par de suas experiências no Kibutz. Vendeu a loja, que não ia nada bem, além do que, ele imaginava espectros de bugres sob o solo. Vendida a loja, mudou-se para um pequeno apartamento e seus problemas financeiros terminaram.

Certa ocasião escutou no noticiário que Noel estava internado num hospital em estado grave. A notícia deixou-o de tal forma abalado que imediatamente resolveu ir até O Rio visitá-lo. Chegando lá debruçou-se sobre Noel e implorou-lhe que não o abandonasse. Noel estava morrendo. O narrador retirou-se e cinco generais teceram comentários sobre o doente. De volta à casa, imaginou-se abrindo uma loja no Xingu. Iria se chamar A Majestade do Xingu.

Na Majestade do Xingu haveria lugar para o real e para o imaginário. A conjugação perfeira do prático e do mítico. Cansado da viagem, o narrador adormeceu e sonhou que um cossaco, um pogrom, enterrou o salto de sua bota em seu peito. Josiléia, sua empregada, socorreu-o quando acordou sentindo a horrível dor, levando-o para o hospital. Finaliza dizendo que esta é a sua história e que só tem importância porque é um pouquinho a história de Noel Nutels.

Fonte:
http://www.trabalhonota10.com/resumo-de-livros

Música e Literatura (Cancioneiro)

Livro onde estão compiladas peças líricas, acompanhadas ou não de notações musicais, segundo um determinado critério unificador. O termo e conceito são já conhecidos na Antiguidade, no entanto, é na Idade Média que se verifica o grande desenvolvimento deste tipo de antologias. Nos diversos cancioneiros conhecidos é possível encontrar obras que se situam entre os finais dos séculos XIII e XV.

No universo galego-português, são conhecidas três antologias profanas e uma sacra. Do primeiro grupo fazem parte: o Cancioneiro da Ajuda, o mais antigo, assim denominado por se encontrar na biblioteca do Palácio da Ajuda, para onde transitou no principio do século XIX; o Cancioneiro da Vaticana, encontrado em Roma, na biblioteca do Vaticano, durante o reinado de D. João III e, finalmente, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, o mais completo, que anteriormente era conhecido por Cancioneiro Colocci-Brancuti por ter pertencido ao humanista italiano, Ângelo Colocci, e ter sido encontrado, no século XIX, na biblioteca do Conde Brancuti. Os dois últimos são apógrafos, ou seja, cópias posteriores de originais perdidos. O cancioneiro sacro, da autoria de Afonso X, o Sábio, é conhecido por Cantigas de Santa Maria. Nele, o seu autor transforma o amor trovadoresco em devoção à Virgem.

Os cancioneiros, embora fontes parciais já que a produção era superior, são documentos únicos e insubstituíveis que, no entanto, não deixam de colocar alguns problemas aos investigadores, nomeadamente no que respeita aos critérios de compilação. De fato, o princípio de seleção revela-se fundamental, chegando mesmo a ser normativo, já que, é este principio o responsável pela transmissão de uma cultura, de uma estética, de uma escola poética ou mesmo de uma época, como acontece com os cancioneiros provençais e galego-portugueses.

O termo cancioneiro pode ter diversas acepções: para a mais restrita, é uma coleção de textos poéticos selecionados, organizados e ordenados pelo próprio autor que é também o responsável pelas lições do texto. Uma outra, já não tão restrita, considera que cancioneiro diz respeito, também a uma coleção individual, que, no entanto, não teve o autor como responsável pela sua organização. A terceira e mais ampla acepção fala de uma compilação de textos em verso, de vários autores, selecionados e ordenados por um compilador.

No que respeita à ordenação dos textos, esta obedece, geralmente, a critérios cronológicos e de gênero, sendo os segundos mais importantes, já que há uma tentativa de agrupar os textos segundo esses mesmos gêneros. Além destes, nos cancioneiros coletivos, poderá surgir um terceiro critério ligado à importância dos autores: os trovadores maiores em primeiro lugar e os trovadores menores em segundo lugar. Alguns casos há em que o livro fecha com a produção poética do próprio compilador.

Partindo do sentido etimológico, o cancioneiro perfeito é todo aquele que tem um princípio e um fim bem marcados: o princípio por uma rubrica ou título com o nome do autor e o conteúdo do livro, e um epílogo que marca o final. Os cancioneiros coletivos não apresentam uma estrutura muito diferente dos individuais. A única diferença parece ser nos cancioneiros provençais, a apresentação, em prosa, da vida do trovador, antes da apresentação da sua obra. Algumas composições são ainda introduzidas por uma razó, em prosa, que informa quais os fatos que levaram à sua composição. Os cancioneiros galego-portugueses apresentam unicamente o nome e, algumas vezes, a origem e condição social do trovador, no entanto falam da razó, pelo menos no gênero satírico.

Consoante os fins para que se destinam, as características externas dos cancioneiros variam: podem ser grandes ou pequenos; decorados, ou não, com ricas miniaturas; copiados para pergaminho ou, mais tardiamente, para papel; com ou sem notações musicais. Também o número de colunas em que são escritos pode variar.

Fonte:
Maria do Rosário Rosa. Cancioneiro
http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/

Guimarães Rosa (1908 - 1967)

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) a 27 de junho de 1908 e teve como pia batismal uma peça singular talhada em milenar pedra calcária – uma estalagmite arrancada à Gruta do Maquiné. Era o primeiro dos seis filhos de D. Francisca (Chiquitinha) Guimarães Rosa e de Florduardo Pinto Rosa, mais conhecido por "seu Fulô" – comerciante, juiz-de-paz, caçador de onças e contador de estórias.

O nome do pai, de origem germânica – frod (prudente) e hard (forte) –, e o nome da cidade natal, o "burgo do coração" – do latim cordis, genitivo de cor, coração, mais o sufixo anglo-saxônico burgo –, por sua sonoridade, sua força sugestiva e sua origem podem desde cedo ter despertado a curiosidade do menino do interior, introvertido e calado, mas observador de tudo, estimulando-o a se preocupar com a formação das palavras e com seu significado. Esses nomes de quente semântica poderiam ter sido invenção do próprio Guimarães Rosa. Outro aspecto notável de sua obra foi sua preocupação com o ritmo do discurso, desde cedo manifestada, que o ajudaria a compor, mais tarde, juntamente com outros atributos, a magistral prosa-poética rosiana.

A venda do "seu Fulô" era freqüentada pela gente sertaneja, especialmente por vaqueiros que conduziam boiadas a Cordisburgo para embarque nos trens da Central do Brasil com destino a Belo Horizonte, Rio e São Paulo. A contragosto do pai, Joãozito ficava a escutar a um canto do estabelecimento as conversas e as estórias contadas pelos vaqueiros enquanto comiam, bebiam e descansavam. Mais tarde, porém, "seu Fulô" – homem de minguados estudos mas em compensação dotado de inteligência aguda e memória louvável – em muito contribuiria para a elaboração dos livros do primogênito, fornecendo-lhe rico material representado por estórias, casos, relatos de caçadas, cantigas, quadrinhas, informação sobre crimes e demandas e muitas outras coisas vistas e ouvidas na roça.

"Não gosto de falar em infância. É um tempo de coisas boas, mas sempre com pessoas grandes incomodando a gente, intervindo, estragando os prazeres. Recordando o tempo de criança, vejo por lá excesso de adultos, todos eles, os mais queridos, ao modo de policiais do invasor, em terra ocupada. Fui rancoroso e revolucionário permanente, então. Gostava de estudar sozinho e de brincar de geografia. Mas, tempo bom, de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta. Deitar no chão e imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo conhecido como personagem, misturando as melhores coisas vistas e ouvidas."

Aos seis anos, Guimarães Rosa leu o primeiro livro, em francês, LES FEMMES QUI AIMMENT. Aos dez anos, vai para Belo Horizonte, morar com o avô. Está no ginasial, e freqüenta a mesma escola que Carlos Drummond, o futuro amigo.

Segundo seu tio Vicente Guimarães:

Sua posição predileta para leitura era sentado no chão, de pernas cruzadas, a modos de BUDA, com o livro aberto sobre as pernas, curvado até bem próximo deste e com dois pauzinhos nas mãos, batendo sobre as páginas, ora um, depois o outro, compassadamente, em ritmo variado, ligeiro ou mais lento, conforme na leitura se movesse o pensamento.

A miopia – "vista curta" –, que o obrigava a cerrar as pálpebras para melhor ver, somente foi descoberta por acaso pelo Dr. José Lourenço (Dr. Juca), médico do Curvelo, numa visita de amizade que fez à família de Joãozito. A alegria e o deslumbramento do menino usando os óculos do doutor, colega em miopia, foram mais tarde registrados pelo escritor em memorável cena do conto Campo Geral (do livro Manuelzão e Miguilim), quase toda verdadeira, exceção feita para alguns nomes. No real, o Dr. José Lourenço sugeriu aos pais que levassem a criança ao oculista, explicando que ela enxergava tudo fora de foco e recomendando que "por ora era preciso ler o menos possível para não agravar a moléstia". Desde então aumentaram as dificuldades de Joãozito, que precisava se esconder mais e mais para não ser surpreendido, principalmente pelo pai. Só em Belo Horizonte, aos 9 anos, passou a usar óculos.

Aos 7 anos incompletos, Joãozito começou a estudar francês, por conta própria. Em março de 1917, chegava a Cordisburgo, como coadjutor, Frei Canísio Zoetmulder, frade franciscano holandês, com o qual o menino fez amizade imediata. Em companhia do frade, iniciou-se no holandês e deu prosseguimento aos estudos de francês, que iniciara sozinho. Aos 9 anos incompletos, foi morar com os avós em Belo Horizonte, onde terminou o curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena; até então fora aluno da Escola Mestre Candinho, em Cordisburgo. Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del Rei, onde permaneceu por pouco tempo, em regime de internato, visto não ter conseguido adaptar-se – não suportava a comida, retornando a Belo Horizonte matriculou-se no Colégio Arnaldo, de padres alemães e, desde logo, para não perder a oportunidade, tendo se dedicado ao estudo da língua de Goethe, a qual aprendeu em pouco tempo. Sobre seus conhecimentos lingüísticos, assim se expressaria, mais tarde, numa entrevista concedida a uma prima, então estudante no Curvelo:

Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.

Em 1925, matricula-se na Faculdade de Medicina da U.M.G., com apenas 16 anos. Segundo depoimento do Dr. Ismael de Faria, colega de turma do escritor, recentemente falecido, quando cursavam o 2º ano, em 1926, ocorreu a morte de um estudante de Medicina, de nome Oseas, vitimado pela febre amarela. O corpo do estudante foi velado no anfiteatro da Faculdade. Estando Ismael de Faria junto ao ataúde do desventurado Oseas, em companhia de João Guimarães Rosa, teve o ensejo de ouvir deste a comovida exclamação: "As pessoas não morrem, ficam encantadas", que seria repetida 41 anos depois por ocasião de sua posse na Academia Brasileira de Letras.

Sua estréia nas letras se deu em 1929, ainda como estudante. Escreveu quatro contos: Caçador de camurças, Chronos Kai Anagke (título grego, significando Tempo e Destino), O mistério de Highmore Hall e Makiné para um concurso promovido pela revista O Cruzeiro. Todos os contos foram premiados e publicados com ilustrações em 1929-1930, alcançando o autor seu objetivo, que era o de ganhar a recompensa nada desprezível de cem contos de réis. Chegou a confessar, depois, que nessa época escrevia friamente, sem paixão, preso a modelos alheios. Seja como for, essa primeira experiência literária de Guimarães Rosa não poderia dar uma idéia, ainda que pálida, de sua produção futura, confirmando suas próprias palavras em um dos prefácios de Tutaméia:

"Tudo se finge, primeiro; germina autêntico é depois."

Em 27 de junho de 1930, ao completar 22 anos, casa-se com Lígia Cabral Penna, então com apenas 16 anos, que lhe dá duas filhas: Vilma e Agnes. Dura pouco seu primeiro casamento, desfazendo-se uns poucos anos depois. Ainda em 1930, forma-se em Medicina pela U.M.G., tendo sido o orador da turma, escolhido por aclamação pelos 35 colegas. O paraninfo foi o Prof. Samuel Libânio e os professores homenageados foram David Rabelo, Octaviano de Almeida, Octávio Magalhães, Otto Cirne, Rivadávia de Gusmão e Zoroastro Passos. O fac-símile do quadro de formatura encontra-se atualmente na Sala Guimarães Rosa do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, da Faculdade de Medicina da U.F.M.G. No referido quadro de formatura está estampada a clássica legenda, em latim, com os dizeres "FAC QUOD IN TE EST"; figura, também, a reprodução de uma tela do pintor holandês Rembrandt Van Rijn em que é mostrada uma aula de anatomia (A lição de anatomia do Dr. Tulp, datada de 1632).

O discurso do orador da turma, publicado no jornal Minas Geraes, de 22 e 23 de dezembro de 1930, já denunciava, entre outras coisas, o grande interesse lingüístico e a cultura literária clássica de Guimarães Rosa, que começa sua oração argumentando com uma "licção da natureza":

Quando o excesso de seiva levanta a planta jovem a escalar o espaço, só á custa de troncos alheios logra ella chegar á altura – faltando-lhe as raízes, que somente os annos soem improvisar, restar-lhe-á apenas o epiphytismo das orchideas.

Tal a licção da natureza que faz com que a nossa turma não vos traga pela minha bocca a discussão de um thema scientifico, nem ponha nesta despedida these alguma de medicina applicada, que oscillaria, aliás, inevitavelmente, entre a parolagem incolor dos semidoutos e o plagio ingenuo dos compiladores.

Em seguida, evoca a origem medieval das solenidades universitárias:

Venho tão unicamente pedir a palavra de senha ao nosso Paranympho, nesta hora plena de emoção para nós outros, quando o incenso das bellas cousas velhas, desabrochando em nossa alma a flor do tradicionalismo, nos evoca Iena, a douta, e Salamanca, a inesquecível, emquanto o anel symbolico faz-nos sonhar com uma leva de Cavalleiros da Ordem da Esmeralda, que recebessem a investidura ante magica frontaria gothica, fenestrada de ogivas e ventanas e toda colorida de vitraes.

Dando continuidade ao discurso refere-se ao interesse do Prof. Samuel Libânio pelos problemas da gente brasileira:

E a sua sabia eloquencia discursará então, utile dulci, sobre assumptos da maior importancia e mais patente opportunidade, tanto mais que elle, o verdadeiro proágoro de hoje, que levou o seu microscopio de hygienista a quasi todos os estados do Brasil, conhece, melhor que ninguem, as necessidades da nossa gente infectada e as condições do nosso meio infectante.

Mais adiante, continua:

Ninguem entre nós, para bem de todos, representa os exemplares do medico commercializado, taylorizado, standardizado, aperfeiçoadissima machina mercantil de diagnosticos, ‘un industriel, un exploiteur de la vie et de la mort’, no dizer de Alfred Fouillé, para quem nada significam as dôres alheias, tal qual Chill, o abutre kiplinguiano, satisfeito no jangal faminto, por certo de que depressa todos lhe virão a servir de pasto.

Esses justificam a velha frase de Montaigne, ‘Science sans conscience est la ruine de l’âme’, hoje aposentada no archivo dos logares comuns, mas que de verdadeira se faria sublime, si se lhe intercallasse: ‘...et sans amour...’

Porque, dêm-lhe os nomes mais diversos, philantropia tolstoica, altruismo contista, humanitarismo de Kolcsey Ferencz, solidariedade classica ou beneficencia moderna, bondade natural ou caridade theologal, (quanto a nós preferimos chamar-lhe mais simplesmente espirito christão), esse é o sentimento que deverá presidir os nossos actos e orientar as agitações do que seremos amanhã, na vitalidade maxima da expressão, homens no meio dos homens.

Demo-nos por satisfeitos com o facultar-nos a profissão escolhida as melhores opportunidades de praticar a lei fundamental do Christianismo e, já que o mesmo Christo, sabedor das profundezas do egoismo humano, estigmatizou-o no ‘... como a ti mesmo’ do mandamento, ampliemos fóra de medida esse eu comparativo, fazendo com que elle integre em si toda a fraternidade soffredora do universo.

Também, a bondade diligente, a ‘charité efficace’, de Mamoz, será sempre a melhor collaboradora dos clinicos avisados.

De distincto patricio contam que, achando-se moribundo, gostava que os companheiros o abanassem. E a um deles, que se offerecera trazer-lhe modernissimo ventilador electrico, capaz de renovar-lhe continuamente o ar do aposento, respondeu, admiravel no esoterismo profissional e sublime na intuição de curador: ‘ – Obrigado; o que me allivia e conforta, não é o melhor arejamento do quarto, mas sim a solicita solidariedade dos meus amigos...’

Não será a capacidade de esquecer-se um pouquinho de si mesmo em beneficio de outrem (digo um pouquinho porque exigir mais seria platonizar esterilmente) que aureola certas personalidades, creando o iatra verdadeiro, o medico de confiança, o medico da familia?

Ao lado dos sacerdotes e dos estrangeiros, os medicos sempre alcançaram o record indesejavel de principaes personagens do anecdotario mundial.

Satiras, comedias e bufonices não os pouparam.

Era fatal. As anecdotas representam a maneira mais commoda das massas apedrejarem, no escuro do anonymato, os tabus que as constrangem com sua real ou pretensa superioridade.

E Molière, hostilizando durante toda a vida medicos e medicina com tremenda guerra de epigramas, não passou de um speaker genial e corajoso da vox populi do seu tempo.

Contudo, a nossa classe já não ocupa lugar tão destacado no florilegio da truaneria.
A causa? Parece-me simples.

É que as chufas dos Nicoeles não fazem ninguem mais se rir daquelles que se infectaram mortalmente aspirando as mucosidades de creancinhas diphtericas; é que a mordacidade dos Brillons não attinge agora a pleiade dos metralhados nos hospitaes de sangue, quando soccorriam amigos e inimigos; é porque, aos quatro ridiculos medicastros do ‘Amour Médecin’, com longas vestes doutoraes, attitudes hieraticas e palavreado abracadabrante, a nossa imaginação contrapõe involuntariamente os vultos dos sabios abnegados, que experimentaram nos proprios corpos, ‘in anima nobilissima’, os effeitos dos virus que não perdoam; é porque a cerimonia de Argan recebendo o titulo ao som do ‘dignus est intrare’ perde toda a sua hilaridade quando confrontada com a scena real de Pinel, do ‘citoyen Pinel’, arrostando a desconfiança e a ferocidade do Comité de Salvação Pública, para dar aos loucos de Bicêtre o direito de serem tratados como seres humanos!

Senhor, enche a minha alma de amor pela arte e por todas as creaturas. Sustenta a força do meu coração, para que esteja sempre prompto a servir ao pobre e ao rico, ao amigo e ao inimigo, ao bondoso e ao malvado. E faz com que eu não veja sinão o humano, naquelle que soffre!...

E terminando:

Quero apenas repetir convosco, nesta ultima revista de aquem-Rubicão, um velho proverbio slovaco, em que clarinam sustenidos marciaes de encorajamento, mostrando a confiança do auxilio divino e nas forças da natureza:

‘Kdyz je nouze nejvissi, pomoc byva nejblissi!’ (Quando mais terrível é o desespero, é que o socorro já vem perto!).

E, quanto a vós, caro Padrinho, ao apresentar-vos os agradecimentos e as despedidas dos meus collegas, eu lamento não poderem falar-vos todos elles a um tempo, para que sentisseis, na prata das suas vozes, o oiro de seus corações.

Guimarães Rosa vai exercer a profissão em Itaguara, pequena cidade que pertencia ao município de Itaúna (MG), onde permanece cerca de dois anos. Relaciona-se com a comunidade, até mesmo com raizeiros e receitadores, reconhecendo sua importância no atendimento aos pobres e marginalizados, a ponto de se tornar grande amigo de um deles, de nome Manoel Rodrigues de Carvalho, mais conhecido por "seu Nequinha", que morava num grotão enfurnado entre morros, num lugar conhecido por Sarandi. Seu Nequinha era adepto do espiritismo e parece ter inspirado a extraordinária figura do Compadre meu Quelemém, espécie de oráculo sertanejo, personagem do Grande Sertão: Veredas. Ademais, consta que o Dr. Rosa cobrava as visitas que fazia, como médico, pelas distâncias que, a cavalo, tinha de percorrer. No conto Duelo, de Sagarana, o diálogo entre os personagens Cassiano Gomes e Timpim Vinte-e-Um testemunha esse critério – comum entre os médicos que exerciam seu ofício na zona rural – de condicionar o montante da remuneração a ser recebida à distância percorrida para visitar o doente.

Cassiano perguntou:
– Me diz uma coisa, Vinte-e-Um: nas Abóboras tem doutor?
– Tem sim, mas em-antes não tivesse, meu Deus!... Como é que eu, que não sou dono de nada nesta vida, hei de poder pagar seu doutor-médico a trinta mil réis a légua pr’a ele querer vir até cá?!... Já mandei buscar receita-de-informação, e, o resto do cobrinho que o senhor me deu, eu gastei tudo nas meizinhas de botica...

Semelhante critério aplicava-o, também, o Dr. Mimoso a seu ajudante-de-ordens Jimirulino, protagonista do conto – Uai, eu?, de Tutaméia.

Assim a gente vinha, e ia, a essas fazendas, por doentes e adoecidos. Me pagava mais, gratificado, por léguas daquelas, às-usadas. Ele, desarmado, a não ser as antes idéias. Eu – a prumo. Mais meu revólver e o fino punhal. De cotovelo e antebraço, um homem pode dispor. Sou da laia leal. Então, homem que vale por dois não precisa de estar prevenido?"

Segundo depoimento de sua filha Vilma, a extrema sensibilidade do pai, aliada ao sentimento de impotência diante dos males e das dores do mundo (tanto mais quanto os recursos de que dispunha um médico do interior há meio século eram por demais escassos), acabariam por afastá-lo da Medicina.

Duas coisas impressionavam o Guimarães Rosa médico: o parto e a incapacidade de salvar as vítimas da lepra. Duas coisas opostas, mas de grande significado para ele. Segundo a filha Wilma - que lançou na década de 80 o livro RELEMBRAMENTOS, GUIMARÃES ROSA, MEU PAI, uma coletânea de discursos, cartas e entrevistas concedidas pelo escritor -, ele passava horas estudando, queria aprender, rapidamente, a estancar o fluxo do sofrimento humano. Logo constatou que seria uma missão difícil, se não impossível. A falta de recursos médicos e o transbordamento de sua emotividade impediram que ele prosseguisse a carreira de médico. Para a filha, João Guimarães Rosa nasceu para ser escritor. A medicina não foi o seu forte, nem a diplomacia, atividade a que se dedicou a partir de 1934, levado pelo domínio e interesse por idiomas.

Aliás, foi justamente em Itaguara, localidade desprovida até mesmo de luz elétrica, que o futuro escritor se viu obrigado a assistir o parto da própria esposa por ocasião do nascimento de Vilma. Isso porque o farmacêutico de Itaguara, Ary de Lima Coutinho, e seu irmão, médico em Itaúna, Antônio Augusto de Lima Coutinho, chamados com urgência pelo aflito Dr. Rosa, só chegaram quando tudo já estava resolvido. É ainda Vilma quem relata que sua mãe chegou a se esquecer das contrações para apenas se preocupar com o marido – um médico que chorava convulsivamente!

Outra ocorrência curiosa, contada por antigos moradores de Itaguara, diz respeito à atitude do Dr. Rosa quando da chegada de um grupo de ciganos àquela cidade. Valendo-se da ajuda de um amigo, que fazia as vezes de intermediário, o jovem médico procurou aproximar-se daquela gente estranha; uma vez conseguida a almejada aproximação, passava horas envolvido em conversa com os "calões" na "língua disgramada que eles falam", como diria, mais tarde, Manuel Fulô, protagonista do conto Corpo fechado, de Sagarana, que resolveu "viajar no meio da ciganada, por amor de aprender as mamparras lá deles". Também nos contos Faraó e a água do rio, O outro ou o outro e Zingaresca, todos do livro Tutaméia, Guimarães Rosa refere-se com especial carinho a essa gente errante, com seu peculiar modus vivendi, seu temperamento artístico, sua magia, suas artimanhas e negociatas.

Do conto Zingaresca, recolhe-se um fragmento exemplar, falando dos ciganos:

Sobrando por enquanto sossego no sítio do dono novo Zepaz, rumo a rumo com o Re-curral e a Água-boa, semelhantes diversas sortes de pessoas, de contrários lados, iam acudir àquela parte.

A boiada, do norte.

Antes, porém, os ciganos, de roupagem e de linguagem, tribo de gente e a tropa cavalar. Zepaz se irou, ranhou pigarro. Mas esses citavam licença, o ciganão Vai-e-Volta, primaz, sacou um escrito, do antigo sitiante. Tinham alugado ali uma árvore! – o que confirmou o preto Mozart, servo morador: dês que sepultado debaixo do oiti um deles, só para sinalarem onde, ou com figuração pagã, por crerem em espíritos e nas fadas; e pago o preto Mozart para, durado de semana, verter goles de vinho na cova.

Guimarães Rosa, durante a Revolução Constitucionalista de 1932, trabalha como voluntário na Força Pública. Posteriormente, efetiva-se, por concurso. Em 1933, vai para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Segundo depoimento de Mário Palmério, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, o quartel pouco exigia de Guimarães Rosa – "quase que somente a revista médica rotineira, sem mais as dificultosas viagens a cavalo que eram o pão nosso da clínica em Itaguara, e solenidade ou outra, em dia cívico, quando o escolhiam para orador da corporação". Assim, sobrava-lhe tempo para dedicar-se com maior afinco ao estudo de idiomas estrangeiros; ademais, no convívio com velhos milicianos e nas demoradas pesquisas que fazia nos arquivos do quartel, o escritor teria obtido valiosas informações sobre o jaguncismo barranqueiro que até por volta de 1930 existiu na região do Rio São Francisco.

Um amigo do escritor, impressionado com sua cultura e erudição, e, particularmente, com seu notável conhecimento de línguas estrangeiras, lembrou-lhe a possibilidade de prestar concurso para o Itamarati, conseguindo entusiasmá-lo. O então Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria, após alguns preparativos, seguiu para o Rio de Janeiro onde prestou concurso para o Ministério do Exterior, obtendo o segundo lugar. Por essa ocasião, aliás, já era por demais evidente sua falta de "vocação" para o exercício da Medicina, conforme ele próprio confidenciou a seu colega Dr. Pedro Moreira Barbosa, em carta datada de 20 de março de 1934:

Não nasci para isso, penso. Não é esta, digo como dizia Don Juan, sempre 'après avoir couché avec...’ Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.

Antes que os anos 30 terminem, ele participa de outros dois concursos literários. Em 1936, a coletânea de poemas Magma recebe o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Um ano depois, sob o pseudônimo de "Viator", concorre ao prêmio HUMBERTO DE CAMPOS, com o volume intitulado Contos, que em 46, após uma revisão do autor, se transformaria em Sagarana, obra que lhe rendeu vários prêmios e o reconhecimento como um dos mais importantes livros surgidos no Brasil contemporâneo. Os contos de Sagarana apresentam a paisagem mineira em toda a sua beleza selvagem, a vida das fazendas, dos vaqueiros e criadores de gado, mundo que Rosa habitara em sua infância e adolescência. Neste livro, o autor já transpõe a linguagem rica e pitoresca do povo, registra regionalismos, muitos deles jamais escritos na literatura brasileira.

Diga-se de passagem que em entrevista concedida a Günter Lorenz (veja a entrevista após a biografia), Guimarães Rosa lança alguma luz sobre o provável motivo de seu comportamento em relação ao livro em questão, ao lhe dizer em tom confidencial:

Meu começo, foram poesias (...) escrevi um volume nada pequeno de poesias que foram até elogiadas, e que me proporcionaram louvor. Mas aí, eu, quase diria felizmente, comecei a ser absorvido pela minha profissão: eu viajei no mundo, conheci muita coisa, aprendi línguas, acolhi tudo isso em mim, mas não pude mais escrever. Assim se passaram 10 anos até eu poder dedicar-me de novo à literatura. E quando eu revi, então, meus exercícios líricos, achei-os na verdade não ruins de todo, mas também não particularmente convincentes. Sobretudo descobri que a poesia profissional que a gente tem de lançar mão nos poemas pode ser a morte da verdadeira poesia. Por isso eu me voltei para a lenda heróica, o conto fabuloso, a estória simples. Por que isso são coisas que a vida escreve, não a legalidade das chamadas regras poéticas. Então, eu me sentei e comecei a escrever Sagarana.

Em 1938, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo, e segue para a Europa; lá fica conhecendo Aracy Moebius de Carvalho (Ara), que viria a ser sua segunda mulher. Durante a guerra, por várias vezes escapou da morte; ao voltar para casa, uma noite, só encontrou escombros. A superstição e o misticismo acompanhariam o escritor por toda a vida. Ele acreditava na força da lua, respeitava curandeiros, feiticeiros, a umbanda, a quimbanda e o kardecismo. Dizia que pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e negativos, que influíam nas emoções, nos sentimentos e na saúde de seres humanos e animais. Aconselhava os filhos a terem cautela e a fugirem de qualquer pessoa ou lugar que lhes causasse algum tipo de mal estar.

Embora consciente dos perigos que enfrentava, protegeu e facilitou a fuga de judeus perseguidos pelo Nazismo; nessa empresa, contou com a ajuda da mulher, D. Aracy. Em reconhecimento a essa atitude, o diplomata e sua mulher foram homenageados em Israel, em abril de 1985, com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros: o nome do casal foi dado a um bosque que fica ao longo das encostas que dão acesso a Jerusalém. Foi a forma encontrada pelo governo israelense para expressar sua gratidão àqueles que se arriscaram para salvar judeus perseguidos pelo Nazismo por ocasião da 2ª Guerra Mundial.

Segundo D. Aracy, que compareceu a Israel por ocasião da homenagem, seu marido sempre se absteve de comentar o assunto já que tinha muito pudor de falar de si mesmo. Apenas dizia: "Se eu não lhes der o visto, vão acabar morrendo; e aí vou ter um peso em minha consciência." A concessão da homenagem foi precedida por pesquisas rigorosas com tomada de depoimentos dos mais distantes cantos do mundo onde existem sobreviventes do Holocausto.

Com efeito, Guimarães Rosa, na qualidade de cônsul adjunto em Hamburgo, concedia vistos nos passaportes dos judeus, facilitando sua fuga para o Brasil. Os vistos eram proibidos pelo governo brasileiro e pelas autoridades nazistas, exceto quando o passaporte mencionava que o portador era católico. Sabendo disso, a mulher do escritor, D. Aracy, que preparava todos os papéis, conseguia que os passaportes fossem confeccionados sem mencionar a religião do portador e sem a estrela de Davi que os nazistas pregavam nos documentos para identificar os judeus. Nos arquivos do Museu do Holocausto, em Israel, existe um grosso volume de depoimentos de pessoas que afirmam dever a vida ao casal Guimarães Rosa.

Em 1942, quando o Brasil rompe com a Alemanha, Guimarães Rosa é internado em Baden-Baden, juntamente com outros compatriotas, entre os quais se encontrava o pintor pernambucano Cícero Dias, Ficam retidos durante 4 meses e são libertados em troca de diplomatas alemães. Retornando ao Brasil, após rápida passagem pelo Rio de Janeiro, o escritor segue para Bogotá, como Secretário da Embaixada, lá permanecendo até 1944. Sua estada na capital colombiana, fundada em 1538 e situada a uma altitude de 2.600 m, inspirou-lhe o conto Páramo, de cunho autobiográfico, que faz parte do livro póstumo Estas Estórias. O conto se refere à experiência de "morte parcial" vivida pelo protagonista (provavelmente o próprio autor), experiência essa induzida pela solidão, pela saudade dos seus, pelo frio, pela umidade e particularmente pela asfixia resultante da rarefação do ar (soroche – o mal das alturas). Sobre a constrangedora impressão que lhe causava a capital andina, o escritor assim se expressa:

Aconteceu que um homem, ainda moço, ao cabo de uma viagem a ele imposta, vai em muitos anos, se viu chegado ao degredo em cidade estrangeira. Era uma cidade velha, colonial, de vetusta época, e triste, talvez a mais triste de todas, sempre chuvosa e adversa, em hirtas alturas, numa altiplanície na cordilheira, próxima às nuvens, castigada pelo inverno, uma das capitais mais elevadas do mundo. Lá, no hostil espaço, o ar era extenuado e raro, os sinos marcavam as horas no abismático, como falsas paradas do tempo, para abrir lástimas, e os discordiosos rumores humanos apenas realçavam o grande silêncio, um silêncio também morto como se mesmo feito da matéria desmedida das montanhas.

Por lá, rodeados de difusa névoa sombria, altas cinzas, andava um povo de cimérios. Iam, por calhes e vielas, de casas baixas, de um só pavimento, de telhados desiguais, com beirais sombrios, casas em negro e ocre, ou grandes solares, edifícios claustreados, vivendas com varandal à frente, com adufas nas janelas, rexas, gradis de ferro, rótulas mouriscas, mirantes, balcões e altos muros com portinholas, além dos quais se vislumbravam os pátios empedrados, ou, por lúgubres postigos ou por alguma porta deixada aberta, entreviam-se corredores estreitos e escuros, crucifixos, móveis arcaicos. Toda uma pátina sombria. Passavam homens abaçanados e agudos, em roupas escuras, soturnas fisionomias, e velhas de mantilhas negras, ou mulheres índias, descalças, com sombreiros, embiocadas em xales escuros (pañolones), caindo em franjas. E os arredores se povoavam, à guisa de ciprestes, de filas negras de eucaliptos, absurdos, com sua graveolência, com cheiro de sarcófago.

Em dezembro de 1945 o escritor retornou à terra natal depois de longa ausência. Dirigiu-se, inicialmente, à Fazenda Três Barras, em Paraopeba, berço da família Guimarães, então pertencente a seu amigo Dr. Pedro Barbosa e, depois, a cavalo, rumou para Cordisburgo, onde se hospedou no tradicional Argentina Hotel, mais conhecido por Hotel da Nhatina. Nessa oportunidade esteve na casa do Cel. Geraldino Rocha, chefe político e comerciante em Cordisburgo, jogou uma partida de xadrez com o dono da casa (como a partida demorasse muito propôs, diplomaticamente, que fosse decretado o empate), saboreou um licor de jabuticaba e proseou longamente com Cristóvão Rocha, um dos filhos do Cel. Geraldino, que também manifestava pendores literários e que escrevera um belo poema intitulado Gruta de Maquiné. Na crônica-reminiscência intitulada Dois soldadinhos mineiros, contida no livro póstumo Ave, Palavra, o escritor se refere a sua estada na fazenda Três Barras, numa manhã chuvosa do mês de dezembro de 1945. E relembra:

Sob céu diferente, para mim, acha-se neste mundo a das Três Barras, fazenda que foi dos meus...

... a casa, andante e vasta, é entre transmontana e minhota, dizem; casa de muita fábrica. Para o convés – que é a varanda – sobem-se os degraus de pau de alta escada. De lá, muito se vê: a visão filtrada. Ainda pende o sino; que tocavam para chamar os escravos. De antes, tempos. Aliás, parece que o último enforcamento em patíbulo público, em Minas, se deu foi, no Curvelo, com um preto que matara seu senhor, meu trisavô materno. Quando fui menino, nem em escravos se falava mais. Só havia os camaradas, que, à noitinha, se sentavam quietos, na varanda, nos longos bancos, esperando o chá de folhas de laranjeira.

Em 1946, Guimarães Rosa é nomeado chefe-de-gabinete do ministro João Neves da Fontoura e vai a Paris como membro da delegação à Conferência de Paz.

Em 1948, o escritor está novamente em Bogotá como Secretário-Geral da delegação brasileira à IX Conferência Inter-Americana; durante a realização do evento ocorre o assassinato político do prestigioso líder popular Jorge Eliécer Gaitán, fundador do partido Unión Nacional Izquierdista Revolucionaria, de curta mas decisiva duração.

De 1948 a 1950, o escritor encontra-se de novo em Paris, respectivamente como 1º Secretário e Conselheiro da Embaixada. Em 1951, de volta ao Brasil, é novamente nomeado Chefe de Gabinete de João Neves da Fontoura. Em 1953 torna-se Chefe da Divisão de Orçamento e em 1958 é promovido a Ministro de Primeira Classe (cargo correspondente a Embaixador). Em janeiro de 1962, assume a chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras, cargo que exerceria com especial empenho, tendo tomado parte ativa em momentosos casos como os do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas (1966). Em 1969, em homenagem ao seu desempenho como diplomata, seu nome é dado ao pico culminante (2.150 m) da Cordilheira Curupira, situado na fronteira Brasil/Venezuela. O nome de Guimarães Rosa foi sugerido pelo Chanceler Mário Gibson Barbosa, como um reconhecimento do Itamarati àquele que, durante vários anos, foi o chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras da Chancelaria Brasileira.

Guimarães Rosa retorna ao Brasil em 1951. No ano seguinte, faz uma excursão ao Mato Grosso. O resultado é uma reportagem poética: Com o vaqueiro Mariano. Segundo depoimento do próprio Manuel Narde, vulgo Manuelzão, falecido em 5 de maio de 1997, protagonista da novela Uma estória de amor, incluída no volume Manuelzão e Miguilim, durante os dias que passou no sertão, Guimarães Rosa pedia notícia de tudo e tudo anotava "ele perguntava mais que padre" –, tendo consumido "mais de 50 cadernos de espiral, daqueles grandes", com anotações sobre a flora, a fauna e a gente sertaneja usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias...

Em 1952, Guimarães Rosa retorna aos seus "gerais" e participa, juntamente com um grupo de vaqueiros, de uma longa viagem pelo sertão; o objetivo da viagem era levar uma boiada da Fazenda da Sirga (município de Três Marias), de propriedade de Chico Moreira, amigo do escritor, até a Fazenda São Francisco, em Araçaí, localidade vizinha de Cordisburgo, num percurso de 40 léguas. A viagem propriamente dita dura 10 dias, dela participando Manuel Narde, vulgo Manuelzão, falecido em 5 de maio de 1997, protagonista da novela Uma estória de amor, incluída no volume Manuelzão e Miguilim. Segundo depoimento do próprio Manuelzão, durante os dias que passou no sertão, Guimarães Rosa pedia notícia de tudo e tudo anotava – "ele perguntava mais que padre" –, tendo consumido "mais de 50 cadernos de espiral, daqueles grandes", com anotações sobre a flora, a fauna e a gente sertaneja – usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias... A curiosidade inesgotável demonstrada pelo escritor durante essa famosa viagem, aproxima-o dos naturalistas europeus que percorreram o Brasil no século passado e o redescobriram, como é o caso, p. ex., do dinamarquês Peter Wilhelm Lund – "o pai da paleontologia brasileira" – e do extraordinário botânico francês Auguste de Saint-Hilaire. A propósito, o próprio Guimarães Rosa prestou carinhosa homenagem a esses estudiosos ao criar a figura ímpar de "seu Alquiste", ou "Olquiste", que aparece no conto O recado do morro, cuja trama se desenrola, toda ela, em Cordisburgo e arredores:

Seguindo-o, a cavalo, três patrões, entrajados e de limpo aspecto, gente de pessoa. Um, de fora, a quem tratavam por seu Alquiste ou Olquiste – espigo, alemão-rana, com raro cabelim barba-de-milho e cara de barata descascada. O sol faiscava-lhe nos aros dos óculos, mas, tirados os óculos, de grossas lentes, seus olhos se amaciavam num aguado azul, inocente e terno, que até por si semblava rir, aos poucos se acostumando com a forte luz daqueles altos. Calçava botas cor de chocolate, de um novo feitio; por cima da roupa clara, vestia guarda-pó de linho, para verde; traspassava a tiracol as correias da codaque e do binóculo; na cabeça um chapéu-de-palha de abas demais de largas, arranjado ali na roça. Enxacoco e desguisado nos usos, a tudo quanto enxergava dava um mesmo engraçado valor: fosse uma pedrinha, uma pedra, um cipó, uma terra de barranco, um passarinho a tôa, uma moita de carrapicho, um ninhol de vespos."

Ao dito, seu Olquiste estacava, sem jeito, a cavalo não se governava bem.Tomava nota, escrevia, na caderneta: a caso tirava retratos.

Colhia, com duas mãos, a ramagem de qualquer folhinha campã sem serventia para se guardar: de marroio, carqueja, sete-sangrias, amorzinho-seco, pé-de-perdiz, João-da-costa, unha-de-vaca-roxa, olhos-de-porco, copo d’água, língua-de-tucano, língua-de-teiú. Uma hora, revirou a correr atrás, agachado, feito pegador de galinha, tropeçando no bamburral e espichando tombo, só por ter percebido de relance, inho e zinho, fugido no balango de entre as moitas, o orobó de um nhambu.

Saudou, em beira de capão, um tamanduá longo, saído em seu giro incerto; se não o segurassem, ia lá, aceitava o abraço?

Em ensaio crítico sobre Corpo de Baile, o professor Ivan Teixeira afirma que o livro talvez seja o mais enigmático da literatura brasileira. As novelas que o compõem formam um sofisticado conjunto de logogrifos, em que a charada é alçada à condição de revelação poética ou experimento metafísico. Na abertura do livro, intitulada Campo Geral, Guimarães Rosa se detém na investigação da intimidade de uma família isolada no sertão, destacando-se a figura do menino Miguelim e o seu desajuste em relação ao grupo familiar. Campo Geral surge como uma fábula do despertar do autoconhecimento e da apreensão do mundo exterior; e o conjunto das novelas surge como passeio cósmico pela geografia rosiana, que retoma a idéia básica de toda a obra do escritor: o universo está no sertão, e os homens são influenciados pelos astros.

CORPO DE BAILE, a partir da 3ª edição desdobra-se em 3 volumes independentes. A imagem é sugestão de capa preparada pelo próprio Rosa, com um curioso recado: "dois meninos, um deles de 7 e o outro de 8 anos, e uma cachorra". Desistiu disso depois, bem como cortou a indicação de duas novelas Guimarães Rosa retorna ao Brasil em 51. No ano seguinte, faz uma excursão ao Mato Grosso. O resultado é uma reportagem poética: COM O VAQUEIRO MARIANO. Em 1956, no mês de janeiro, reaparece no mercado editorial com as novelas CORPO DE BAILE, onde continua a experiência iniciada em Sagarana. A partir de o Corpo de Baile, a obra de Guimarães Rosa - autor reconhecido como o criador de uma das vertentes da moderna linha de ficção do regionalismo brasileiro - adquire dimensões universalistas, cuja cristalização artística é atingida em Grande Sertão Veredas, lançado em maio de 56. Em ensaio crítico sobre CORPO DE BAILE, o professor Ivan Teixeira afirma que o livro talvez seja o mais enigmático da literatura brasileira. As novelas que o compõem formam um sofisticado conjunto de logogrifos, em que a charada é alçada à condição de revelação poética ou experimento metafísico. Na abertura do livro, intitulada CAMPO GERAL, Guimarães Rosa se detém na investigação da intimidade de uma família isolada no sertão, destacando-se a figura do menino Miguelim e o seu desajuste em relação ao grupo familiar. Campo Geral surge como uma fábula do despertar do autoconhecimento e da apreensão do mundo exterior; e o conjunto das novelas surge como passeio cósmico pela geografia rosiana, que retoma a idéia básica de toda a obra do escritor: o universo está no sertão, e os homens são influenciados pelos astros.

"Mãe, que é que é o mar, mãe? Mar era longe, muito longe dali, espécie de lagoa enorme, um mundo d'água sem fim. Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. 'Pois mãe, então o mar é o que a gente tem saudade?"

Dez anos depois da publicação de Sagarana, Guimarães Rosa comparece novamente no cenário da literatura brasileira com as novelas de Corpo de Baile – longos poemas em prosa, de feição barroca –, 13 em dois volumes (824 páginas). A partir da 3ª edição o livro se desdobra em três volumes autônomos, figurando Corpo de Baile como subtítulo; os três volumes são, respectivamente, Manuelzão e Miguilim, no Urubùquaquá, no Pinhém e Noites do Sertão. Nesse mesmo ano é lançada a 4ª edição de Sagarana (em sua versão definitiva), com ilustrações de Poty. Para surpresa geral, ainda em 1956, no mês de maio, Guimarães Rosa apresenta o romance Grande Sertão: Veredas, causando enorme impacto; devido, sobretudo, às inovações formais, a crítica e os leitores se dividem entre louvações apaixonadas e ataques ferozes. O fato é que ninguém lhe fica indiferente.

Enquanto alguns colocam o livro no pináculo da criação literária nacional, outros não conseguem ir além das primeiras páginas, considerando-o "um matagal indevassável". Em matéria publicada na revista Leitura (outubro, 1958) e intitulada Escritores que não conseguem ler Grande Sertão: Veredas, o poeta Ferreira Gullar alegou que não conseguira ir além das 70 primeiras páginas do romance o qual, a essa altura, começou a lhe parecer "uma história de cangaço contada para lingüistas". Por sua vez o escritor baiano Adonias Filho, também ouvido na ocasião, afirmou: "A obra de Guimarães Rosa, apesar do interesse que possa oferecer, constitui um equívoco literário que necessita ser imediatamente desfeito." Passadas quatro décadas da publicação do livro, a razão parecia estar mesmo com Afonso Arinos de Melo Franco que, já em 1957, "no calor da hora", sentindo o cheiro de obra-prima, advertia, mineiramente:

Cuidado com este livro, pois Grande Sertão: Veredas é como certos casarões velhos, certas igrejas cheias de sombras. No princípio a gente entra e não vê nada. Só contornos difusos, movimentos indecisos, planos atormentados. Mas aos poucos, não é luz nova que chega; é a visão que se habitua. E, com ela, a compreensão admirativa. O imprudente ou sai logo, e perde o que não viu, ou resmunga contra a escuridão, pragueja, dá rabanadas e pontapés. Então arrisca-se chocar inadvertidamente contra coisas que, depois, identificará como muito belas.

A partir de o Corpo de Baile, a obra de Rosa - autor reconhecido como o criador de uma das vertentes da moderna linha de ficção do regionalismo brasileiro - adquire dimensões universalistas, cuja cristalização artística é atingida em Grande Sertão: Veredas, lançado em maio de 56. O terceiro livro de Guimarães Rosa, uma narrativa épica que se estende por 600 páginas, focaliza numa nova dimensão, o ambiente e a gente rude do sertão mineiro. Grande Sertão: Veredas reflete um autor de extraordinária capacidade de transmissão do seu mundo, e foi resultado de um período de dois anos de gestação e parto. A história do amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim é o centro da narrativa. Para Renard Perez, autor de um ensaio sobre Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, além da técnica e da linguagem surpreendentes, deve-se destacar o poder de criação do romancista, e sua aguda análise dos conflitos psicológicos presentes na história.

O lançamento de Grande Sertão: Veredas causa grande impacto no cenário literário brasileiro. O livro é traduzido para diversas línguas e seu sucesso deve-se, sobretudo, às inovações formais. Crítica e público dividem-se entre louvores apaixonados e ataques ferozes. Torna-se um sucesso comercial, além de receber três prêmios nacionais: o Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro; o Carmen Dolores Barbosa, de São Paulo; e o Paula Brito, do Rio de Janeiro. A publicação faz com que Guimarães Rosa seja considerado uma figura singular no panorama da literatura moderna, tornando-se um "caso" nacional. Ele encabeça a lista tríplice, composta ainda por Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, como os melhores romancistas da terceira geração modernista brasileira.

Em 1958, no começo de junho, Guimarães Rosa viaja para Brasília, e escreve para os pais:

Em começo de junho estive em Brasília, pela segunda vez lá passei uns dias. O clima da nova capital é simplesmente delicioso, tanto no inverno quanto no verão. E os trabalhos de construção se adiantam num ritmo e entusiasmo inacreditáveis: parece coisa de russos ou de norte-americanos"... "Mas eu acordava cada manhã para assistir ao nascer do sol e ver um enorme tucano colorido, belíssimo, que vinha, pelo relógio, às 6 hs 15’, comer frutinhas, durante 10’, na copa da alta árvore pegada à casa, uma ‘tucaneira’, como por lá dizem. As chegadas e saídas desse tucano foram uma das cenas mais bonitas e inesquecíveis de minha vida.

A partir de 1958, Guimarães Rosa começa a apresentar problemas de saúde e estes seriam, na verdade, o prenúncio do fim próximo, tanto mais quanto, além da hipertensão arterial, o paciente reunia outros fatores de risco cardiovascular como excesso de peso, vida sedentária e, particularmente, o tabagismo. Era um tabagista contumaz e embora afirme ter abandonado o hábito, em carta dirigida ao amigo Paulo Dantas em dezembro de 1957, na foto tirada em 1966, quando recebia do governador Israel Pinheiro a Medalha da Inconfidência, aparece com um cigarro na mão esquerda. A propósito, na referida carta, o escritor chega mesmo a admitir, explicitamente, sua dependência da nicotina:

... também estive mesmo doente, com apertos de alergia nas vias respiratórias; daí, tive de deixar de fumar (coisa tenebrosa!) e, até hoje (cabo de 34 dias!), a falta de fumar me bota vazio, vago, incapaz de escrever cartas, só no inerte letargo árido dessas fases de desintoxicação. Oh coisa feroz. Enfim, hoje, por causa do Natal chegando e de mais mil-e-tantos motivos, aqui estou eu, heróico e pujante, desafiando a fome-e-sede tabágica das pobrezinhas das células cerebrais. Não repare.

É importante frisar também que, coincidindo com os distúrbios cardiovasculares que se evidenciaram a partir de 1958, Guimarães Rosa parece ter acrescentado a suas leituras espirituais publicações e textos relativos à Ciência Cristã (Christian Science), seita criada nos Estados Unidos em 1879 por Mrs. Mary Baker Eddy e que afirmava a primazia do espírito sobre a matéria – "... the nothingness of matter and the allness of spirit" –, negando categoricamente a existência do pecado, dos sentimentos negativos em geral, da doença e da morte.

Ainda que não publicasse nada até 1962, o interesse e o respeito pela obra rosiana só aumentavam, em relação à crítica e ao público. Unanimidade, o escritor recebe, em 1961, o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. Ele começa a obter reconhecimento no exterior.

Em janeiro de 1962, assume a chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras, cargo que exerceria com especial empenho, tendo tomado parte ativa em momentosos casos como os do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas (1966). Em 1969, em homenagem ao seu desempenho como diplomata, seu nome é dado ao pico culminante (2.150 m) da Cordilheira Curupira, situado na fronteira Brasil/Venezuela. O nome de Guimarães Rosa foi sugerido pelo Chanceler Mário Gibson Barbosa, como um reconhecimento do Itamarati àquele que, durante vários anos, foi o chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras da Chancelaria Brasileira.

Após outro longo período de silêncio, Guimarães Rosa reaparece em 1962 justamente com Primeiras Estórias, uma coletânea de 21 pequenos contos. É um livro sem a vastidão e o caráter sinfônico de Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas, embora estejam presentes, e talvez em grau até mais acentuado, aquelas surpreendentes pesquisas formais. Em carta dirigida ao tradutor J. J. Villard, assim se expressa o escritor a respeito do novo livro (o qual chamava, carinhosamente, de "o amarelinho", numa referência à cor da capa da edição da Livraria José Olympio Editora):

Só aparentemente e enganosamente é que ele se finge de simples e livrinho singelo. Muito mais que uma coleção de estórias místicas, Primeiras Estórias é, e pretende ser, um manual de metafísica, e uma série de poemas modernos. Quase cada palavra nele assume pluralidade de direções e sentidos. Tem de ser tomado de um ângulo poético, anti-racionalista e anti-realista.

Acredita-se que o autor tenha escolhido tanto o formato quanto a temática do novo livro após os distúrbios cardiovasculares de que foi vítima a partir de 1958 e a inevitável crise existencial que se seguiu. Assim, 1958 seria um marco, um divisor de águas; teria havido, a partir de então, uma mudança de perspectiva por parte do escritor que, vendo a saúde periclitar, não mais se permitiu elaborar projetos tão arrojados quanto Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas.

Em maio de 1963, Guimarães Rosa candidata-se pela segunda vez à Academia Brasileira de Letras (a primeira fora em 1957, quando obtivera apenas 10 votos), na vaga deixada por João Neves da Fontoura. A eleição dá-se a 8 de agosto e desta vez é eleito por unanimidade. Mas não é marcada a data da posse, adiada sine die, somente acontecendo quatro anos depois, no dia 16 de novembro de 1967.

Em janeiro de 1965, participa do Congresso de Escritores Latino-Americanos, em Gênova. Como resultado do congresso ficou constituída a Primeira Sociedade de Escritores Latino-Americanos, da qual o próprio Guimarães Rosa e o guatemalteco Miguel Angel Asturias (que em 1967 receberia o Prêmio Nobel de Literatura) foram eleitos vice-presidentes. Durante a realização do referido congresso, Guimarães Rosa, contrariando seus hábitos, concede uma longa entrevista ao alemão Günter Lorenz, durante a qual fala longamente sobre sua obra, sua relação com a língua, sua visão-de-mundo. Até então, sempre que era instado a prestar depoimentos ou conceder entrevistas, remetia o interlocutor a seus textos, à "conversa manuscrita". A entrevista foi publicada como parte de um livro de Lorenz – Dialog mit Lateinamerika, Tubingen e Basiléia, 1970 –, sendo posteriormente traduzida para o português e transcrita no Suplemento Literário do Minas Gerais de 23/3/1974. A linguagem da entrevista (ou melhor, da conversa, como queria Rosa) é rica em paradoxos e imagens e cheia de humor e ironia: o escritor se compara, por exemplo, a certa altura, com um jacaré do Rio São Francisco... Na opinião de Willi Bolle (Guimarães Rosa – artigo de exportação. Humboldt 30:93-99, 1974), o ficcionista:

atrai o interlocutor ao terreno das metáforas, dos paradoxos e das ambigüidades, que conhece como poucos e que lhe servem de camuflagem e proteção. Pode ser considerado então uma pessoa estranha, e alimenta tal imagem, na medida em que isso seja equivalente a ‘profundo’, ‘misterioso’, ‘insondável’. Não quer fornecer esclarecimentos – o que, de fato, é um trabalho que a crítica tem que fazer –, mas indica a perspectiva em que ela deve vê-lo: como feiticeiro da linguagem, como autor metafísico ou como a esfinge da literatura brasileira, diante da qual se reúnem os críticos para solucionar enigmas.

Em abril de 1967, Guimarães Rosa vai ao México na qualidade de representante do Brasil no I Congresso Latino-Americano de Escritores, no qual atua como vice-presidente. Na volta é convidado a fazer parte, juntamente com Jorge Amado e Antônio Olinto, do júri do II Concurso Nacional de Romance Walmap que, pelo valor material do prêmio, é o mais importante do país.

No meio do ano, publica seu último livro, também uma coletânea de contos, Tutaméia. Nova efervescência no meio literário, novo êxito de público. Tutaméia, obra aparentemente hermética, divide a crítica. Uns vêem o livro como "a bomba atômica da literatura brasileira"; outros consideram que em suas páginas encontra-se a "chave estilística da obra de Guimarães Rosa, um resumo didático de sua criação".

Logo após a publicação de Tutaméia, Guimarães Rosa concede uma entrevista a alunos do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, permitindo que a mesma seja gravada. Mostra-se descontraído e inteiramente à vontade, dá risadas e faz os jovens rirem muito mercê de seu inegável senso de humor. Durante a entrevista, tece comentários a respeito dos assuntos os mais diversos, variando da mini-saia, que considerava "uma gracinha", à bomba atômica. Diz-se torcedor do Fluminense F. C., no Rio de Janeiro, e afirma "adorar" música de carnaval, chegando mesmo a cantarolar um verso do samba Não tenho lágrimas, de autoria de Max Bulhões e Milton de Oliveira (gravação original de Patrício Teixeira), gravado para o carnaval de 1938; ademais, confidencia aos estudantes que cultivava o hábito de manter o rádio ligado enquanto escrevia e que o referido samba era muito tocado enquanto preparava a versão primeira de Sagarana. Perguntado a respeito do comportamento atual da mulher e se esse comportamento estaria em desacordo com a condição feminina, admite que não, afirmando que "antigamente havia um exagero, o homem era homem demais e a mulher era mulher demais".15 Indagado se já teria tido muitas desilusões, responde que não e completa: "Acho que a verdade é mais deslumbrante e feérica que qualquer ilusão. Cada porta que se fecha é outra melhor que se abre. É imediato. Sempre tive a capacidade de sentir o valor da pele nova debaixo da pele velha que cai." Instado a emitir um conceito sobre a vida, lembra que seus livros estão cheios desses conceitos, destacando uma frase do conto Lá, nas campinas, de Tutaméia, que diz: "Viver é obrigação sempre imediata". Elogia as gerações jovens, que considerava cada vez mais vivas e inteligentes, confessando que ficava particularmente feliz quando os jovens gostavam de seus livros. Depois de afirmar que "estamos entrando na era da sinceridade", referindo-se às gerações moças, termina a entrevista contando, a pedido dos estudantes, uma piada que julgou apropriada para a ocasião e que pode ser assim resumida: três grandes sábios discutiam os assuntos mais importantes sobre a vida, a realidade, a metafísica etc.; estavam todos dentro de um barril grande, o maior que acharam; de repente, aproximou-se um garoto rolando um arco de barril, veio correndo, esbarrou e virou o barril, e os sábios ficaram inteiramente atordoados e perdidos, sem saber o que estava acontecendo...

Três dias antes da morte o autor decidiu, depois de quatro anos de adiamento, assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras. Os quatro anos de adiamento eram reflexo do medo que sentia da emoção que o momento lhe causaria. Ainda que risse do pressentimento, afirmou no discurso de posse: "...a gente morre é para provar que viveu."

Em 1967, João Guimarães Rosa seria indicado para o prêmio Nobel de Literatura. A indicação, iniciativa dos seus editores alemães, franceses e italianos, foi barrada pela morte do escritor. A obra do brasileiro havia alcançado esferas talvez até hoje desconhecidas. Quando morreu tinha 59 anos. Tinha-se dedicado à medicina, à diplomacia, e, fundamentalmente às suas crenças, descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura brasileira, Rosa começou a escrever aos 38 anos. O autor, com seus experimentos lingüísticos, sua técnica, seu mundo ficcional, renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminhos até então inéditos. Sua obra se impôs não apenas no Brasil, mas alcançou o mundo.

A posse na Academia Brasileira de Letras ocorreu na noite de 16 de novembro de 1967.

No início de sua oração, o novo acadêmico refere-se com grande ternura à terra natal e ao fato de o amigo João Neves tratá-lo, na intimidade, por "Cordisburgo":

Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné, milmaravilha, a das Fadas; e o próprio campo, com vasqueiros cochos de sal ao gado bravo, entre gentis morros ou sob o demais de estrelas, falava-se antes: ‘Os pastos de Vista Alegre’. Santo, um ‘Padre-Mestre’, o Padre João de Santo Antônio, que recorria atarefado a região como missionário voluntário, além de trazer ao raro povo das grotas toda sorte de assistência e ajuda, esbarrou ali, para realumbrar-se e conceber o que tenha sido talvez seu único gesto desengajado, gratuito. Tomada da inspiração da paisagem a loci opportunitas, declarou-se a erguer ao Sagrado Coração de Jesus um templo, naquele mistério geográfico. Fê-lo e fez-se o arraial, a que o fundador chamou ‘O Burgo do Coração’. Só quase coração – pois onde chuva e sol e o claro do ar e o enquadro cedo revelam ser o espaço do mundo primeiro que tudo aberto ao supraordenado: influem, quando menos, uma noção mágica do universo.

Mas por Cordisburgo, igual, verve no sério-lúdico de instantes, me tratava, ele, chefe e o amigo meu, JOÃO NEVES DA FONTOURA. – ‘Vamos ver o que diz Cordisburgo...’ – com o riso arroucado, quente, dirigindo-se nem reto a mim, senão feito a escrutar sua presente sempre cidade natal, ‘no coração do Rio Grande do Sul’.

Já quase ao final do discurso, destaca-se um trecho de pungente beleza, em que fala sobre a fé e a amizade:

João Neves, tão perto o termo, comentávamos, suas filhas e eu, temas desses, de realidade e transcendência; porque agradava-lhe escutar, ainda que não tomando parte. Até que falou: – ‘A vida é inimiga da fé...’ – apenas; ei-lo, ladeira pós ladeira, sem querer fim de estrada. Descobrisse, como Plotino, que ‘a ação é um enfraquecimento da contemplação’; e assim Camus, que ‘viver é o contrário de amar’. Não que a fé seja inimiga da vida. Mas, o que o homem é, depois de tudo, é a soma das vezes em que pôde dominar, em si mesmo, a natureza. Sobre o incompleto feitio que a existência lhe impôs, a forma que ele tentou dar ao próprio e dorido rascunho.

Talvez, também, o recado melhor, dele ouvi, quase in extremis: – ‘Gosto de você mais pelo que você é, do que pelo que você fez por mim...’ Posso calá-lo? Não, porque sincero sei: exata estaria, sim, a recíproca, tanto a ele eu tivesse dito. E porque deve ser esta a comprovação certa de toda verdadeira amizade – impreterida a justiça, na medida afetuosa. Acredito. Nem creio destoante e mal assentado, numa solene inauguração de acadêmico, sem nota de despondência, algum conteúdo de testamento.

E Guimarães Rosa termina, referindo-se à Morte e à morte do amigo que, se vivo, completaria 80 anos, naquela data; invocando o Bhagavad Gita (o canto do bem-aventurado), ele que já se confessara, em carta ao tradutor italiano Edoardo Bizzarri, "impregnado de hinduísmo"; repetindo a frase "as pessoas não morrem, ficam encantadas", que pronunciara pela primeira vez em 1926, diante do ataúde do desventurado estudante Oseas, vitimado pela febre amarela; referindo-se ao buriti (Mauritia vinifera), quase um personagem em sua obra, o majestoso habitante das veredas – cognominado "a palmeira de Deus" –, hoje em processo de extinção mercê do instinto predatório de inescrupulosos que visam o lucro a qualquer preço; e, finalmente, apresentando-se a João Neves como "Cordisburgo", última palavra pública que pronunciou:

Nem agüentaria dobrar mais momentos, nesta festa aniversária – dele, a octogésima, que seria hoje, no plano terreno. Tanto tempo a esperei e fiz que esperásseis. Relevai-me.

Foi há mais de 4 anos, a recém. Vésper luzindo, ele cumprira. De repente, morreu: que é quando um homem vem inteiro pronto de suas próprias profundezas. Morreu, com modéstia. Se passou para o lado claro, fora e acima de suave ramerrão e terríveis balbúrdias.

Mas – o que é um pormenor de ausência. Faz diferença?

‘Choras os que não devias chorar. O homem desperto nem pelos mortos nem pelos vivos se enluta’. – Krishna instrui Arjuna, no Bhagavad Gita. A gente morre é para provar que viveu. Só o epitáfio é fórmula lapidar. Elogio que vale, em si, perfeito único, sumário: João Neves da Fontoura.

Alegremo-nos, suspensas ingentes lâmpadas. E: ‘Sobe a luz sobre o justo e dá-se ao teso coração alegria!’ – desfere então o Salmo. As pessoas não morrem, ficam encantadas.

Soprem-se as oitenta velinhas.

Mas eu murmure e diga, ante macios morros e fortes gerais estrelas, verde o mugibundo buriti, buriti, e a sempre-viva-dos-gerais que miúdo viça e enfeita. O mundo é mágico.

— Ministro, está aqui Cordisburgo.

Quando se ouve a gravação do discurso de Guimarães Rosa nota-se, claramente, ao final do mesmo, sua voz embargada pela emoção – era como se chorasse por dentro. É possível que o novo acadêmico tivesse plena consciência de que chegara sua HORA e sua VEZ. Com efeito, três dias após a posse, em 19-XI-1967, ele morreria subitamente em seu apartamento em Copacabana, sozinho (a esposa fora à missa), mal tendo tempo de chamar por socorro. Na segunda-feira, dia 20, o Jornal da Tarde, de São Paulo, estamparia em sua primeira página uma enorme manchete com os dizeres: "MORRE O MAIOR ESCRITOR".

Desconfio que sou um individualista feroz, mas disciplinadíssimo. Com aversão ao histórico, ao político, ao sociológico. Acho que a vida neste planeta é caos, queda, desordem essencial, irremediável aqui, tudo fora de foco. (Guimarães Rosa)

Em 1985, milhões de telespectadores, em todo o Brasil, tiveram acesso a um seriado baseado no livro, levado ao ar pela Rede Globo de Televisão entre 18 de novembro e 20 de dezembro, num total de 25 capítulos; a direção foi de Walter Avancini que, sem dúvida, deu uma demonstração de coragem e obstinação ao enfrentar tamanho desafio. O seriado foi considerado por muitos como o momento mais elevado da teledramaturgia brasileira. Outros limitaram-se a considerá-lo um marco, ainda que debatível. Numa análise dentro do possível desapaixonada conclui-se que o saldo do empreendimento foi positivo, com passagens de grande força dramática e de rara beleza cênica, destacando-se, à guisa de exemplo, a travessia do arraial do Sucruiú dizimado pela bexiga preta (capítulo 17) – uma travessia que, nas palavras de Riobaldo, durou "só um instantezinho enorme" –, vendo-se as fogueiras ardendo em frente às casas, os doentes desfigurados, os ratos, os jagunços a recitar contritos o Pai-Nosso para exorcizar o mal e, sobretudo, a mulher ensandecida a entoar rezas no meio da rua. Não obstante, o seriado mostrou pontos criticáveis a começar pelo vestuário de cangaceiro nordestino exibido pelos jagunços e pela pronúncia (por vezes ridícula, caricata) de boa parte dos personagens (incluídos muitos dos personagens principais e o próprio narrador) que tentaram mas não conseguiram falar ao modo dos homens e mulheres dos gerais. Pelo contrário, o que se ouviu foi, não raramente, uma fala de caipira paulista entrecortada, vez por outra (e o caso de Otacília, representada pela atriz Ana Helena Berenguer, é exemplar), por pitadas de fala carioca (palatalização da fricativa alveolar surda /s/ que adquire o som de /j/ ou de /x/). Talvez por isso mesmo, muitos dos momentos de maior autenticidade do seriado correram por conta dos coadjuvantes, representados por gente da terra; a propósito, ao saber que muitos deles não eram atores, o diretor de teatro Amir Haddad surpreendeu-se e afirmou: "Então fico com o Pasolini, que preferia os não-atores..." Acrescente-se, ainda, o grave equívoco da cena final quando, coincidindo com a derradeira menção do manuelzinho-da-crôa, surge a atriz Bruna Lombardi (que fez o papel de Diadorim) dando liberdade a um passarinho inteiramente diverso, da ordem Passeriformes.
Ora, o manuelzinho-da-crôa (Charadrius collaris), ave não-Passeriforme da família Charadriidae, vive sempre em casal e pode ser visto como um símbolo da fidelidade conjugal, donde sua importância no contexto do romance dada a forte relação afetiva existente entre Diadorim e Riobaldo, relação essa que pelas emoções que mobiliza tem muitas das características de uma verdadeira relação conjugal, a começar pela exigência de exclusividade por parte de Diadorim. É preciso não esquecer que, na obra rosiana, os menores detalhes são fortemente carregados de significação como, aliás, adverte o próprio Riobaldo-Rosa no Grande Sertão: Veredas: "Não esperdiço palavras. Macaco meu veste roupa."

BIBLIOGRAFIA:
- Magma (1936), poemas. Não chegou a publicá-los.
- Sagarana (1946), contos e novelas regionalistas. Livro de estréia.
- Com o vaqueiro Mariano (1947)
- Corpo de Baile (1956), novelas. (Atualmente publicado em três partes:
- Manuelzão e Miguilim, - No Urubuquaquá, no Pinhém e - Noites do sertão.)
- Grande Sertão: Veredas (1956), romance.
- Primeiras estórias (1962), contos.
- Tutaméia:Terceiras estórias (1967), contos.
- Estas estórias (1969), contos. Obra póstuma.
- Ave, palavra (1970) diversos. Obra póstuma.

Bibliografia sobre o Autor:
Bosi, Alfredo (org.). O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1994.
Faraco, C.E. & Moura, F.M. Língua e literatura.. São Paulo: Ática, 1996. v.3.
Holzemayr, Rosenfield Kathrin. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Ática, 1996. (Roteiro de Leitura).
Macedo, Tânia. Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1996. (Ponto por Ponto).
Perez, Renard. Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.
Rosa, Vilma Guimarães. Relembramentos, Guimarães Rosa, meu pai. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
Santo, Wendel. A construção do romance em Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1996.
Sperber, Suzi Frankl. Guimarães Rosa: signo e sentimento. São Paulo: Ática, 1996. (Ensaio).
Zilberman, R. A Leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1989.
Acervo:
- Os arquivos do autor, abrangendo o período de 1908 a 1971, com aproximadamente 12.000 documentos, foram adquiridos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP).
Homenagem ao Autor:
Museu Guimarães Rosa
Av. Padre João, 744
Cordisburgo - MG - Brasil
Fone: (0 XX 31) 3715-1378

Adaptações:
1969 - Publicação do livro "A João Guimarães Rosa" - (Gráficos Brunner), ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat, com trechos de "Grande Sertão: Veredas". Curta de 09 minutos - Filmoteca da ECA/ USP, direção de Roberto Santos - São Paulo (SP).

1975 - Adaptação dos contos "Corpo Fechado" (do livro "Sagarana"), direção de Lima Duarte, e "Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha" (do livro "Primeiras Estórias"), direção de Kiko Jaess, para o programa Teatro 2, da TV Cultura - São Paulo (SP)

1975 - Adaptação do conto "Sarapalha" (do livro "Sagarana"), direção de Roberto Santos, para Caso Especial, da Rede Globo - Rio de Janeiro (RJ).

1984 - Adaptação de "Noites do Sertão", direção de Carlos Alberto Prates Corrêa - Rio de Janeiro (RJ).

1985 - Adaptação de "Grande Sertão: Veredas" para minissérie da Rede Globo, direção de Walter Avancini - Rio de Janeiro (RJ).

1994 - Rio de Janeiro RJ - Adaptação para o teatro de "Grande Sertão: Veredas", direção de Regina Bertola, no Centro Cultural Banco do Brasil

1994 - Filme "A Terceira Margem do Rio", direção e roteiro de Nelson Pereira dos Santos, baseado em cinco contos do livro "Primeiras Estórias": "A Terceira Margem do Rio", "A Menina de Lá", "Os Irmãos Dagobé", "Seqüência" e "Fatalidade" - Rio de Janeiro (RJ).]

Fontes:
ROCHA, Luiz Otávio Savassi. João Guimarães Rosa: sua hora e sua vez. Cadernos da Pró- Reitoria de Extensão da PUC-MG; v.3, n.Especial; p.45-68, set.1993. Disponível em http://www.medicina.ufmg.br/cememor/rosa.htm
http://www.releituras.com/guimarosa_bio_imp.asp
http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/guimaraesrosa/index.htm
http://www.vermelho.org.br/ (foto)