terça-feira, 8 de maio de 2018

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) III


ETERNAMENTE APAIXONADO

Só tu que me fazes esquecer,
Aquele amor de outrora.
Faz tanto tempo, 
Que isso passou.
Desde os tempos de escola.
Ela era linda apesar de adolescente,
Vivia alegre e sorria a toa. 
Com seus olhos belos...
E sua tez bem clara.
Igual a ela, 
Não conheci outra pessoa 

Adolescentes iguais a mim. 
Vivíamos encantados,
Todos nos queríamos. 
Que ela nos desse um sorriso,
Um beijo ou qualquer... 
Outro agrado.

Mas ela sempre,
Não nos dava esperanças.
Mesmo assim apesar de tudo,
Um dia que foi maravilhoso.
Ela não sorriu
Perguntou-me: 
- Queres ser
meu namorado? 
Desde aquele dia... 
Eu me tornei eternamente apaixonado 

SAI SEM PENSAR EM NADA

Sai de casa sem pensar em nada.
Mais o impossível aconteceu!
Ao passar na esquina,
Por acaso encontrei a mulher;
Que me esqueceu.

Sorriu para mim com um sorriso triste...
Daqueles que não escondem a dor;

Extraída de um coração partido.
Demonstrando mágoas.
E cicatrizes...
Causadas por um novo amor.

E ao me reconhecer.
Chamou meu nome;
E em minutos contou sua vida.
De seus olhos azuis lágrimas rolaram;
Demonstrando sinal de arrependida.

E pedindo perdão disse-me assim:
- Depois que te deixei foi que compreendi!
Que sempre te amei.
E daquele dia em diante, só vegetei...
E não mais vivi.

NOITE DE INVERNO 

Era noite de inverno o vento rugia, 
A noite era longa e o frio também. 
Minh’alma coitada de tanto sofrer... 
Chorava e gemia com saudade de alguém. 

Esse alguém que no passado... 
Estava ao meu lado e sorria feliz, 
E dizia me amar, foi embora sem deixar um adeus... 
Desapareceu para nunca mais voltar. 

E o tempo passou rápido e veloz, 
Meus cabelos escarneceram. 
E as rugas em meu rosto mostram isto também. 
Que envelheci por dentro e por fora, 
Mais o que mais me devora... 
È a saudade daquela que eu sempre amei.

PALAVRAS INDEVIDAS

No dia em que ela me disse adeus, 
E foi embora senti...
Meu ser morrer de tanta dor.
Até porque ela esquecera,
Que tinha sido eu o seu primeiro amor.

Quantos beijos trocados em delírios,
Quantas palavras de amor foram sentidas.
Quantas felicidades...
Nesses momentos maravilhosos,
E por uma só palavra foram destruídas.

Hoje sinto que era ela aquela que nasceu,
Com o objetivo para me fazer feliz.
Mas por uma simples atitude...
E uma palavra indevida por mim proferida,
Destruiu meu sonho... 
E toda minha vida.

ALENTO

Procuro nesta vida complicada e dura,
Um certo alento, para ser feliz.
Sempre a procura de um alguém!
Que me ajude a amá-la,
Com seu carinho e afeto,
Tenho certeza que serei menos infeliz.

Sonho com ela um sonho de menino,
Puro divino como o lírio em flor.
O importante para mim e encontrá-la,

Porque assim encontrarei...
O meu primeiro e único amor.

OUÇO ISSO COM TRISTEZA

Porque ainda temas em dizer me, que me amas,
E que o teu amor é o mais puro do mundo!
E que a minha fisionomia está sempre diante de ti,
E por isso não podes esquecer-me nem por um segundo.

Ouço isso com tristeza prima da hipocrisia,
Pois quando estávamos juntos, fingias amar-me!
Usando uma formula que na verdade!
Eu já conhecia.

Acredito teres algum curso de teatro!
Ou quem sabe vês muita novela...
No momento vejo-te como uma atriz,
Representando o papel duma delas.

A INFORMÁTICA

Como é importante a informática,
Uma invenção de real valor,
Na era moderna como seria difícil,
Sem esse gênio o computador.

O homem moderno fica atrapalhado,
Quando esse gênio envelhece e por isso fica ás vezes parado,
Necessitando é claro de uma revisão,
Quando isso acontece,
O nosso gênio precisa de algumas peças de reposição.

Homem moderno fica sem saber o que fazer,
Quando o sistema fica sem funcionar,
Fica varias horas se lamentando, até o mesmo voltar.

Ele fica louco e se estressa,
Quando acontece algum dissabor, ele grita, esbraveja...
Quando encontra algum vírus no computador.

Mas tudo fica bem e maravilhoso
Quando o nosso gênio com saúde está...
Então o homem cheio de alegria,
Aciona o amigo para trabalhar.

Fonte: O Poeta

Contos e Lendas do Mundo (Índia: Modo correto)

Um Monge de grande devoção e instruído, atravessava uma vez um rio em um barco quando ao passar ao lado de uma pequena ilhota, ouviu uma voz de um homem que muito torpemente tentava elevar suas preces. No interior do monge não pode mais que entristecer-se.

- Como era possível que alguém fora capaz de entoar tão mal aqueles mantras? Talvez aquele homem ignorava que os mantras deviam ser recitados com entonação adequada, com ritmo e musicalidade precisas, com pronuncia perfeita.

Decidiu então ser generoso e desviando-se de seu rumo aproximou-se a ilhota para instruir aquele homem sobre a importância da correta execução dos mantras. Não era em vão que se considerava um grande especialista e aqueles mantras não tinham para ele qualquer segredo.

Quando desembarcou na ilhota, pode ver um pobre homem de aspecto sossegado cantando alguns mantras um pouco sem acerto. O monge, com serena paciência, dedicou algumas horas a instruir minuciosamente a aquele indivíduo que a cada momento mostrava efusivas mostras de agradecimento a seu instrutor. Quando entendeu que por fim aquele sujeito poderia recitar os mantras com certa capacidade despediu-se dele, advertindo-lhe:

- E lembre-se meu bom amigo, é tal a potência de estes mantras que sua correta pronuncia permite que um homem seja capaz de caminhar sobre as águas.

Mas apenas havia percorrido alguns metros com seu barco, ouviu a voz daquele homem a recitar os mantras ainda pior que antes.

- Que horror. Há pessoas que são incapazes de aprender nada de nada, assim pensou o monge.

- Ei, monge - escutou atrás de si uma voz muito perto.

Ao voltar-se viu ao pobre homem que, caminhando sobre a as águas, aproximava-se de seu barco e perguntava:

- Nobre monge, já esqueci-me tua instruções sobre o modo correto de recitar os mantras. Serias, tão amável de repeti-lo novamente?

Fonte:

Observação: Este conto, adaptado ao cristianismo, foi escrito por Leon Tolstói, não recordo bem o título, creio ser "Os Três Eremitas" ou "Os Três Monges". O enredo é o mesmo, só que eram três monges que entoavam o Padre Nosso erroneamente (JF) 

domingo, 6 de maio de 2018

Stanislaw Ponte Preta (Fábula dos Dois Leões)


Diz que eram dois leões que fugiram do Jardim Zoológico. Na hora da fuga cada um tomou um rumo, para despistar os perseguidores. Um dos leões foi para as matas da Tijuca e outro foi para o centro da cidade. Procuraram os leões de todo jeito mas ninguém encontrou. Tinham sumido, que nem o leite.

Vai daí, depois de uma semana, para surpresa geral, o leão que voltou foi justamente o que fugira para as matas da Tijuca. Voltou magro, faminto e alquebrado. Foi preciso pedir a um deputado do PTB que arranjasse vaga para ele no Jardim Zoológico outra vez, porque ninguém via vantagem em reintegrar um leão tão carcomido assim. E, como deputado do PTB arranja sempre colocação para quem não interessa colocar, o leão foi reconduzido à sua jaula.

Passaram-se oito meses e ninguém mais se lembrava do leão que fugira para o centro da cidade quando, lá um dia, o bruto foi recapturado. Voltou para o Jardim Zoológico gordo, sadio, vendendo saúde. Apresentava aquele ar próspero do Augusto Frederico Schmidt que, para certas coisas, também é leão.

Mal ficaram juntos de novo, o leão que fugira para as florestas da Tijuca disse pro coleguinha: — Puxa, rapaz, como é que você conseguiu ficar na cidade esse tempo todo e ainda voltar com essa saúde? Eu, que fugi para as matas da Tijuca, tive que pedir arrego, porque quase não encontrava o que comer, como é então que você... vá, diz como foi.

 O outro leão então explicou: — Eu meti os peitos e fui me esconder numa repartição pública. Cada dia eu comia um funcionário e ninguém dava por falta dele.

— E por que voltou pra cá? Tinham acabado os funcionários?

— Nada disso. O que não acaba no Brasil é funcionário público. É que eu cometi um erro gravíssimo. Comi o diretor, idem um chefe de seção, funcionários diversos, ninguém dava por falta. No dia em que eu comi o cara que servia o cafezinho... me apanharam.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. “Primo Altamirando e Elas”, 
Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1961

Leandro Bertoldo Silva (Alforria Literária: Uma Nova Forma de Pensar Literatura!)

Começo esta apresentação com um pensamento de Mia Couto:

“O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro”.

O meu nome é Leandro Bertoldo Silva e eu sou escritor independente. Sou o criador da Árvore das Letras – um espaço de linguagem, leitura e escrita – e do selo Alforria Literária pelo qual publico os meus livros.

Durante o ano de 2017 e já início de 2018, recebi alguns contatos de leitores interessados em adquirirem os meus livros “Janelas da Alma: uma tempestade íntima, um conflito, um retorno” e “Entrelinhas Contos mínimos”. Curioso que todas as pessoas, e isso já vêm acontecendo há algum tempo, querem comprar os livros diretamente comigo, embora estejam disponíveis para venda na maioria das lojas online espalhadas pela internet e em plataformas de autopublicação. Isso é totalmente compreensível, uma vez que no final o livro sai a um preço muito alto para o leitor, e estamos falando do livro físico, que é a preferência de 10 a cada 10 leitores que me procuram…

Isso reforçou o meu posicionamento e a minha escolha de ser um escritor independente, a partir do momento que, por outro lado, eu recusei a proposta de contrato de duas editoras por não achar vantagem ao analisar todas as condições, e me ver preso simplesmente ao ego de ter os meus livros expostos em livrarias.

Foi assim que ganhou força a ideia da “Alforria Literária”, um selo criado por mim e pelo qual publico os meus livros, decidido a trilhar um caminho diferente, onde eu possa assumir todas as etapas do meu trabalho – da escrita à distribuição dos livros.

Nada tenho contra as editoras e as plataformas de autopublicação; apenas acredito em outras possibilidades, ainda mais na realidade de hoje em que a vida exige mais consciências. Por isso, na minha natureza de enxergar propósito em tudo o que faço, estou desenvolvendo a minha própria publicação sob demanda, na qual os meus livros são impressos em papel ecológico, primeiramente a capa personalizada com tinta feita de fibras de material orgânico, mas já com o pensamento para que o miolo do livro siga o mesmo padrão – tudo a seu tempo.

Esse processo já está sendo desenvolvido através da aquisição de uma verdadeira “máquina de fazer livros”, em que a sintonia entre literatura e ecologia está presente, como se verá.

MEU PROPÓSITO LITERÁRIO

Vivemos no Brasil uma crise editorial muito grande, e essa crise não é somente financeira, mas mercadológica, eu diria, até, midiática. Isso porque a maioria das editoras tradicionais valoriza apenas o que é “vendável”. Não há problema nisso se entendermos que são empresas e, como tais, privilegiam o lucro. Mas a troco de quê? O que elas devolvem ao consumidor-leitor é que é um grande questionamento, pois basta entrarmos em livrarias para nos depararmos com uma imensa quantidade de livros traduzidos e os chamados “best-sellers”. E os novos escritores? Quase sempre ficam sem espaço. Ou escrevem o que as editoras querem vender ou possuem um alto poder de investimento, o que nem sempre é possível. As consequências são terríveis, pois isso contribui, entre outras coisas, para o sumiço de uma literatura genuinamente brasileira que ficou no passado.

O escritor moçambicano Mia Couto, em uma entrevista recente, diz que até às décadas de 60/70 a literatura brasileira ainda era vista como referência para os próprios brasileiros e para outros países, como em África, por exemplo. Ele cita Jorge Amado e todo o seu universo místico, de religiosidade, capoeira, que tem raízes africanas. Cita, ainda, em outro contexto, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Manoel de Barros, entre outros. Hoje já não há mais essas referências. Segundo ele, “chegam as novelas, mas não chegam os livros”. Ora, se não chegam os livros, não chegam os autores. E para um momento em que, através das inúmeras plataformas de autopublicação existentes, surgem a cada dia tantos “escritores”, onde eles estão? É claro que quantidade não é sinônimo de qualidade, mas em meio a tantos há de ter alguém, e esse alguém não é um só, são muitos.

É neste contexto que surge a Alforria Literária com o claro propósito de liberdade.

POR QUE ALFORRIA LITERÁRIA?

A Alforria Literária é mais do que um selo ou uma marca editorial, é um caminho que eu escolhi para mim enquanto escritor. E sabe por quê? Porque escolhi ser livre! Porque decidi assumir que eu sou, assim como você também é, criador da sua própria realidade. Se há uma expressão que possa definir a Alforria Literária, é: POR QUE NÃO?

Por que aceitar o que boa parte das pessoas diz sobre o caminho que a escrita e a carreira literária deveriam trilhar? Não posso ser o criador da minha própria experiência? Não posso eu definir o que eu quero e “como” eu quero? Sei que muitos pensarão: “porque é assim! Porque se você estiver fora das editoras e das lojas você estará fora do jogo”. Será?

‘Se milhares de pessoas estão indo por aqui, então vá por ali…’

Não me recordo onde eu li essa frase, mas ela tem para mim muito mais sentido, além de dialogar com a minha pergunta: POR QUE NÃO?

Ouço e leio constantemente variações de uma mesma versão que é a seguinte pergunta: ‘o que as editoras querem?’ É incrível como que o sistema com suas redes gigantescas nos pressionam e tenta nos convencer de que a maneira delas é mais do que a melhor, mas a única. E mais impressionante ainda é como boa parte das pessoas acreditam nisso e vai abandonando o prazer de guiar a própria vida e a própria escrita num verdadeiro desejo mimético. Passam a achar que é mais fácil adaptar ao que os outros consideram bom para elas do que tentar descobrir por si mesmas e abrir novas possibilidades e caminhos. E com isso, quantos escritores vão abdicando de um fundamento básico, ou pelo menos deveria ser, que é a total e absoluta liberdade de criar, não apenas o conteúdo, mas a forma…

Deixa eu dizer uma coisa: não há satisfação maior do que ser criador da nossa própria experiência, e a pergunta que eu faço através da Alforria Literária é absolutamente o contrário em relação à variação acima. Mais importante do que pensar de que há lugar para todos, é saber que esse lugar nunca será o mesmo.

O SIGNIFICADO DA MARCA ALFORRIA LITERÁRIA


O desenho representa um pince-nez, modelo de óculos utilizado até início do século XX, que utilizava uma pinça para prender na ossatura do nariz (nez = nariz).


De modo mais direto e objetivo faz referência, ao mesmo tempo homenagem, ao grande escritor Machado de Assis (1839-1908), que utilizava um pince-nez, presente em quase todas as suas fotografias.

Indica a perspicácia característica do observador do mundo, que transcreve sua visão em forma de letra. Indica o olhar profundo que enxerga a realidade além das aparências. Enfatiza mesmo o olho, janela para o mundo, espelho da alma. Neste caso, Machado de Assis é um escritor que enxerga longe, lança luz onde havia sombras. Este é um ótimo sentido para melhor compreender a Alforria Literária.

Mas há uma complementação dessa ideia trazida pelo filósofo e psicanalista Ângelo Pereira Campos que enriquece muito a Alforria Literária através de uma antiquíssima simbologia: o Olho de Hórus.


Símbolo da divindade egípcia, Hórus, filho de Osíris.  Hórus é o deus com cabeça de falcão. Não por acaso, o falcão encontra-se entre os animais de maior acuidade visual. Sua visão alcança uma pequena presa em até dois quilômetros de distância.

Os olhos de Hórus, na mitologia egípcia, sinalizam o Sol e a Lua. Trata-se de uma metáfora da luminosidade, do dia e da noite. Em batalha contra Set, Hórus perde o olho esquerdo, símbolo da Lua.

Neste caso, o olho representado na imagem da Alforria Literária é o direito, símbolo do Sol. Portanto, uma referência direta à luz, à claridade, logo, ao esclarecimento que a literatura nos ajuda a construir ao longo de nossa formação, que, claramente, dura a vida inteira. Desse mesmo modo, encontramos nestas metáforas literárias um sentido maior para a clarividência, que está a nos impulsionar para a liberdade, para a alforria.

A MÁQUINA DE LIVROS “PAULA BRITO”



O aspecto fundamental da Alforria Literária é eu ser a minha própria produção sob demanda, ou seja, eu mesmo editar e publicar os meus livros e poder enviá-los para qualquer lugar do Brasil. Para isso, foi confeccionada a minha primeira “máquina de livros”, que carinhosamente chamei de ‘Paula Brito’, em alusão a Francisco de Paula Brito, proprietário de uma livraria no antigo Lago do Rocio no século XIX, atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. Mulato, autodidata e oriundo de meio humilde, Paula Brito trabalhou como tipógrafo, impressor de livros e jornais, fundando a Marmota Fluminense numa época em que o analfabetismo era gigantesco em nosso país. Além disso, sua importância foi fundamental para acolher um mocinho acanhado, também mulato, brilhante e que faria história: Machado de Assis…

Essa máquina foi cuidadosamente feita com madeira de Ipê reaproveitada de sobra de demolição e guardada por muitos anos. As mãos talentosas que a moldaram são de Egídio Souza, um luthier que, para quem não sabe, é um termo derivado do francês ‘luth’, que significa ‘alaúde’. Ele dá nome ao profissional especializado em construir instrumentos de corda, tudo feito de forma artesanal, um a um. Trata-se de uma das profissões mais antigas e que já está em extinção, mas que eu tive a sorte de conhecer um e de ter se tornado um amigo. Ainda sobre o propósito das coisas, não poderia ser maior uma vez que se institui uma parceria entre a literatura e a música, sendo eu um escritor inteiramente musical.

Isso vem mostrar que quando as coisas estão em sintonia com nossos desejos elas ganham força! A “máquina Paula Brito” está linda e já estou pronto para distribuir diretamente os meus livros que guardam outras surpresas… Um dos meus objetivos é que o livro em si, além do seu conteúdo literário — que é o meu trabalho de escritor — seja um objeto de arte digno de ser admirado e guardado.

PROCESSO DE COLAGEM



Foi realizado com muito sucesso o primeiro teste com a máquina de livros. A capa é de papel ecológico (ver detalhe) e faz parte da proposta da Alforria Literária. O projeto das capas ainda está sendo estudado para se chegar a um padrão de letras e tamanhos para a melhor apresentação possível, primando pela beleza, irreverência e elegância do exemplar. Para o teste foi utilizado no miolo o papel sulfite 75g. O utilizado no livro será o Off-set A5 75g. Utilizei uma cola especial de luthieria para fixar as folhas na lombada, o que torna o livro muito resistente.

Quer saber mais, falar diretamente comigo, agendar uma palestra gratuita em sua escola ou empresa, ou mesmo uma roda de conversa com alunos falando sobre literatura?

Envie um email para alforrialiteraria@hotmail.com
Conheça minha página em www.facebook.com/leandrobertoldosilva
Me siga no instagram: @leandrobertoldosilva

Fonte:

sábado, 5 de maio de 2018

Trova 299 - Matusalém Dias de Moura (Vitória/ES)


Gislaine Canales (Glosas Diversas) 1

MÃOS NOS OMBROS

MOTE:
Na dureza dos escombros,
quando as dores se equivalem,
amizade é mão nos ombros
embora os ombros não falem.
(Flávio R. Stefani)

GLOSA:
Na dureza dos escombros,
nos descaminhos da vida,
as lembranças são assombros
de uma esperança perdida!

Nos consolam os amigos,
quando as dores se equivalem,
livrando-nos dos perigos...
Que os amigos nos embalem!

Veremos com desassombros
os problemas dos caminhos...
Amizade é mão nos ombros
em gestos só de carinhos!

Esses gestos de ternura,
mais que os outros todos, valem,
pois falam de forma pura,
embora os ombros não falem.

MORADA NA TROVA

MOTE:
Pode o amor, banhado em sonhos,
construir morada nova,
nos braços sempre risonhos
dos quatro versos da trova.
(Flávio R. Stefani)

GLOSA:
Pode o amor, banhado em sonhos,
renovar-se, reviver,
mudando os dias tristonhos,
num eterno renascer.

E, assim, feliz e faceiro,
construir morada nova,
e seus dotes de engenheiro,
na construção, pôr à prova.

Apressar dias tardonhos
e atirar-se com alegria,
nos braços sempre risonhos
de ternura da poesia.

Essa morada bonita,
que a felicidade aprova,
tem a beleza infinita
dos quatro versos da trova.

OS VERSOS QUE EU SONHO

MOTE:
Meu conflito e meu fracasso
é que as trovas que eu componho
têm sempre os versos que faço,
e nunca os versos que eu sonho.
(Izo Goldman)

GLOSA:
Meu conflito e meu fracasso
vivem sempre dentro em mim...
Caminho, passo-antepasso,
e não atinjo meu fim!

O que me tira a alegria,
é que as trovas que eu componho
não fazem brilhar meu dia,
e muito amor, nelas, ponho!

Sinto aumentar meu cansaço,
pois minhas trovas somente,
têm sempre os versos que faço
que surgem da minha mente.

Minha sensibilidade
é pouca, isso eu suponho,
pois escrevo a realidade
e nunca os versos que eu sonho.

MORRE MENOS

MOTE:
Meus sentimentos diversos
prendo em poemas pequenos.
– Quem na vida deixa versos
parece que morre menos...
(Luiz Otávio)

GLOSA:
Meus sentimentos diversos
são a minha inspiração,
eles surgem sempre imersos
em ternura e emoção!

Sou feliz fazendo assim:
prendo em poemas pequenos
o que há de melhor em mim,
os meus sentimentos plenos.

Não tem destinos inversos
quem ama e escreve, também!
– Quem na vida deixa versos
"sempre deixa algo pra alguém"!

Mesmo na hora do adeus,
o poeta em seus acenos,
sendo um quase semideus,
parece que morre menos…

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas VI. 
In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós.
 http://www.portalcen.org. abril de 2003.

Oscar Wilde (O Filho da Estrela)

Era uma vez dois pobres lenhadores que estavam indo para casa através de uma grande floresta de pinheiros. Era inverno, e fazia um frio terrível. A neve estava alta no chão e recobria os ramos das árvores; o gelo ia estourando os raminhos mais tenros, enquanto passavam; e quando chegaram à Torrente da Montanha ela estava pairando no ar, imóvel, pois o Rei do Gelo já a beijara.

O frio era tão intenso que nem mesmo os animais e os pássaros sabiam o que pensar.

- Uuuhh! – rosnou o Lobo, enquanto capengava entre as plantas rasteiras, com o rabo entre as pernas. – Isso é o que o que chamo de tempo realmente péssimo. Por que será que o governo não faz alguma coisa?

- Piu! Piu! Piu! – chilrearam os Pintarroxos. – A velha Terra morreu e foi embrulhada em uma mortalha branca.

- A Terra vai se casar, e esse é seu vestido de noiva – sussurrou uma Pomba-rola para outra.

Seus pezinhos cor-de-rosa estavam congelados, mas as pombas achavam que era seu dever encarar tudo com certo romantismo.

- Que bobagem! – grunhiu o Lobo. – Estou dizendo que é culpa do Governo, e se não me acreditarem, eu as comerei.

O Lobo sempre tomava atitudes muito práticas, e jamais deixou de encontrar bons argumentos.

- Bom, de minha parte – disse o Pica-pau, um filósofo nato -, procuro teorias atômicas para minhas explicações. Quando uma coisa é assim, ela é assim mesmo e, no momento, elas estão muito frias.

E estava terrivelmente frio. Os Esquilinhos, que viviam dentro de um pinheiro muito alto, e os Coelhos se enrolavam em suas tocas, sem ousar se quer olhar para fora. As únicas que pareciam estar se divertindo eram as grandes Corujas chifrudas. Suas penas estavam durinhas com a geada, mas elas não se importavam, e virando seus grandes olhos amarelos, chamavam umas às outras pela floresta:

- Tu-uit! Tu-ú! Tu-uit! Tu-ú! Que tempo ótimo está fazendo!

E ela iam os dois Lenhadores, soprando com força os dedos, e batendo com suas enormes botas ferradas neve congelada. Uma vez eles caíram num monte de neve mais fundo e saíram parecendo dois moleiros quando moem farinha e ficam todos brancos, e outra vez escorregaram no gelo liso da água congelada dos pântanos, a lenha dos feixes, e eles tiveram de apanhá-la e tornar a amarrá-la; e ainda uma outra vez pensaram que estivessem perdidos e ficaram apavorados, pois sabiam o quanto a Neve é cruel para com aqueles que dormem em seus braços. Mas continuaram confiando no bom São Martinho, que zela pelos viajantes, voltaram atrás pisando nas próprias pegadas, e começaram a andar com muita cautela, até chegarem à fímbria da floresta e verem, lá embaixo no vale, as luzes da aldeia onde moravam.

Eles ficaram tão contentes de se salvarem que riram alto e a Terra pareceu-lhes uma flor de prata, e a Lua uma flor de ouro.

No entanto, depois eles ficaram triste, pois se lembraram do quanto eram pobres, e um disse ao outro:

- Por que nos alegramos, se a vida é para os ricos e não para gente como nós? Melhor seria se tivéssemos morrido de frio na floresta, ou que alguma fera selvagem nos tivesse atacado e matado.

- É verdade que alguns têm muito, enquanto outros têm pouco – respondeu seu companheiro. – A injustiça é distribuída por todo o mundo, e não há divisão equitativa de nada, a não ser de tristeza.

Mas, enquanto se queixavam de sua miséria, aconteceu uma coisa estranha. Caiu do céu uma estrela muito brilhante e muito bonita. Ela escorregou pelo lado do céu, passando por outras estrelas em seu caminho, e enquanto os dois a observavam deslumbrados, ela pareceu-lhes cair atrás de uma moita de chorões que ficava bem junto a um aprisco não mais distante do que o alcance de uma pedra que arremessassem.

- Ora! Eis ali uma pilha de ouro para aquele que a achar – gritaram eles, e saíram correndo, de tal modo ansiavam eles pelo ouro.

Um deles correu mais rápido do que o outro e passou-lhe a frente, forçando seu caminho pelos chorões até que saiu do outro lado onde – que surpresa! – realmente havia uma coisa dourada na neve branca. Então ele correu e, curvando-se, pôs as duas mãos em cima dela: era um manto de tecido dourado, curiosamente bordado com estrelas e enrolado com muitas dobras. Ele gritou para seu companheiro que encontrara o tesouro caído do céu, e quando o camarada chegou, ambos ficaram sentados no chão e foram soltando as dobras do manto, a fim de dividirem as moedas de ouro. Mas ai!, não havia lá dentro nem ouro, nem prata nem tesouro de espécie alguma, mas apenas um criancinha adormecida.

Disseram então um ao outro:

- Esse é um final amargo para nossas esperanças, e em sequer boa fortuna nós temos, pois que adianta uma criança a um homem? Vamos deixá-la aqui e continuar nosso caminho, pois nós somos pobres, e já temos nossos próprios filhos, cujo o pão não podemos dar a outros.

- Não, é um ato de maldade deixar a criança para morrer aqui na neve, e muito embora eu seja tão pobre quanto você, e tenha muitas bocas para alimentar, e muito pouco na panela, mesmo assim eu o levarei para casa, e minha mulher há de cuidar dele.

E com muito carinho pegou a criança, enrolou o manto em volta dela para protegê-la do vento impiedoso, e foi descendo a colina para a aldeia, com seu camarada espantado diante de sua imensa tolice e da moleza de seu coração.

- Você ficou com a criança, então me dê o manto, pois é justo que compartilhemos tudo.

- Não, pois o manto não é nem seu nem meu, mas da própria criança – e desejando-lhe que fosse com Deus, foi para sua casa e bateu na porta.

Quando sua mulher abriu a porta e viu que o marido voltara para casa a salvo, ela jogou os braços em torno do pescoço dele e o beijou, tirou-lhe das costas o feixe de lenha de lenha, limpado a neve de suas botas e pediu-lhe que entrasse. Porém ele disse:

- Encontrei uma coisa na floresta e trouxe para que você cuide dela – e não arredou pé da soleira da porta.

- O que é? – exclamou ela. – Mostre-me, pois a casa está vazia e temos necessidade de muitas coisas.

E ele, atirando o manto para as costas mostrou-lhe a criança adormecida.

- Ai, marido! – murmurou ela. – Será que já não temos bastante filhos, e você ainda precisa trazer um enjeitadinho para nossa lareira? Quem sabe se ele não pode trazer má sorte? Quem zelará por nós? E quem nos alimentará?

- Ora, Deus cuida até dos pardais, e os alimenta – respondeu ele.

- E os pardais não morrem de fome no inverno? – perguntou-lhe a mulher. – E não é inverno agora? – e o marido não respondeu nada, mas não arredou o pé da soleira da porta. Um vento cortante entrou pela porta aberta fazendo a mulher tremer. Ela teve um arrepio e disse:

- Por que não fecha essa porta? O vento que entra está gelado, e eu estou com frio.

- Na casa em que o coração é duro não é sempre gelado o vento? – perguntou ele.

A mulher não respondeu nada, mas chegou mais perto do fogo.

Depois de algum tempo ela olhou para ele, com os olhos marejados de lágrimas, e ele logo entrou e colocou a criança nos braços dela; ela a beijou, colocando-a na caminha onde estava deitada o caçula do casal. Na manhã seguinte, o Lenhador pegou o curioso manto dourado e colocou-o em uma grande arca; também guardou um grande fio de contas de âmbar que estava no pescoço da criança.

E assim o Filho-da-Estrela foi criado com os filhos do Lenhador, sentando-se à mesma que eles, sendo seu companheiro de brincadeiras.

A cada ano ele ficava mais bonito, de modo que todos os que moravam na aldeia ficavam maravilhados, pois enquanto os outros eram morenos de cabelos negros, ele era branco e delicado como marfim lavrado, e seus cachos pareciam pétalas de junquilhos. Seus lábios também pareciam pétalas de alguma flor rubra, e seus olhos eram como violetas que nascem junto ao regato de água pura, e seu corpo era como o narciso que cresce no campo onde não chega a foice.

Porém essa beleza o fez mau, pois tornou-o orgulhoso, cruel e egoísta. Os filhos do Lenhador e as outras crianças da aldeia ele desprezava, dizendo que eram de pais humildes, enquanto ele era nobre, já que nascera de um Estrela; e por isso dizia-se amo de todos eles, tratando-os como seus servos. Não tinha piedade para com os pobres, ou os que eram cegos, aleijados, ou de algum modo deficientes, antes atirando pedras neles para espantá-los em direção à estrada , dizendo-lhe que fossem mendigar seu pão em outra parte. De modo que ninguém, a não ser os bandidos, costumavam vir à aldeia para pedir esmolas. Ele parecia, na verdade, enamorado da beleza, debochando dos fracos e feios, menosprezando-os de todo modo. Mas amava a si mesmo, e no verão, quando não havia vento, ficava deitado junto ao poço do pomar do padre, olhando par o fundo a fim de ver seu próprio rosto, rindo do prazer que sentia em ser tão belo.

Muitas vezes o Lenhador e sua mulher o repreenderam dizendo:

- Nós não o tratamos como você trata os outros que estão desamparados e não têm quem o socorra. Por que razão é tão cruel para com todos aqueles que precisam de piedade?

Mas o Filho-da-Estrela não dava atenção às suas palavras, e franzindo a testa e fazendo um muxoxo, voltava para a companhia dos outros meninos, para ser o chefe. Seus companheiros o seguiam, pois ele era lindo, rápido na corrida, sabia dançar, tocar flauta e fazer música. Onde quer que o Filho-da-Estrela os levasse, eles o seguiam, e o que quer que o Filho-da-Estrela lhes mandassem fazer, eles faziam. Quando ele furava com um junco pontudo os olhos da toupeira, eles riam; e quando ele atirava pedras em algum leproso, eles também riam. Em todas as coisas era ele quem os guiava, e seus corações foram ficando tão duros quanto o dele.

- Olhem! Lá está sentada uma mendiga imunda debaixo daquela linda castanheira, com suas folhas verdes. Venham, vamos expulsá-la daqui, pois é feia e mal-enjambrada.

Então ele se aproximou, atirando-lhe umas pedras e caçoou dela; ela ficou apavorada, mas nem por um instante tirou dele o seu olhar. Quando o Lenhador, que estava cortando lenha ali por perto, viu o que o Filho-da-Estrela estava fazendo, veio correndo e repreendeu-lhe, dizendo:

- Você tem mesmo um coração de pedra e não sabe o que é piedade, pois que mal lhe fez essa pobre mulher para que você a trate desse modo?

O Filho-da-Estrela ficou rubro de raiva, bateu com o pé no chão e disse:

- Quem é você para questionar o que eu faço? Eu não sou seu filho para ter de obedecê-lo.

- É verdade – respondeu o Lenhador -, mas eu tive pena de você quando o encontrei na florestas.

Quando a mendiga ouviu essas palavras, deu um grito e caiu desmaiada. O Lenhador carregou-a para sua casa, sua mulher cuidou dela, e quando ela voltou a si do desmaio deles puseram comida e bebida na frente dela e disseram que se reconfortasse.

Sem querer comer nem beber, disse ela ao Lenhador:

- O senhor não disse que a criança foi achada na floresta? E não faz hoje exatamente dez anos?

Então disse o Lenhador:

- Sim, foi na floresta que o encontrei, e faz hoje exatamente dez anos.

- E que sinais encontrou com ele? – gritou ele. – Não trazia ele no pescoço um colar de âmbar? Não estava ele enrolado em manta de tecido de ouro bordado com estrelas?

- É verdade – respondeu o Lenhador - foi exatamente assim como disse – e, pegando o colar e a manta na arca, mostrou-os a ela.

- Ele é meu filhinho que eu perdi na floresta. Peço-lhe que mande logo chamá-lo, pois eu tenho andado por todo o mundo à procura dele.

Então o Lenhador e sua mulher saíram e chamaram o Filho-da-Estrela dizendo-lhe:

- Entre em casa, e lá há de encontrar sua mãe, que o espera.

Ele entrou correndo, espantado e muito alegre. Porém ao ver quem esperava lá dentro, ele riu com desdém dizendo: 

- Bem, aonde esta minha mãe? Pois aqui não vejo ninguém se não essa mendiga.

E a mulher respondeu-lhe.

- Sou eu a sua mãe.

- Está louca, como pode dizer uma coisa dessas – gritou o Filho-da-Estrela com raiva. – Eu não sou filho seu, pois você não passa de uma mendiga. É muito feia e andrajosa, portanto, sai já daqui, e não me deixe tornar a ver sua cara horrenda.

- Não você é realmente o meu filhinho, que perdi na floresta – gritou ela, e caiu de joelhos, estendendo-lhe os braços. - Os ladrões o tiraram de mim, e o deixaram lá para morrer – murmurou ela - mas eu o reconheci quando o vi, e reconheci também os sinais, o manto de tecido dourado e o colar de âmbar. Por isso, suplico-lhe que venha comigo, pois vaguei pelo mundo inteiro à sua procura. Venha comigo, meu filho, pois preciso do seu amor. Mas o filho da estrela não se moveu de onde estava; ao contrário, fechou contra ela as portas do coração, e não se ouvia nenhum outro som a não ser o da mulher soluçando de dor. Finalmente ele falou, e sua voz era dura e amarga: 

- Se você fosse de fato minha mãe - disse ele - teria sido melhor que ficasse longe, e não que estivesse vindo aqui para trazer-me vergonha, pois eu pensava que era filho de uma Estrela, e não de uma mendiga, como está dizendo. Por isso vá-se embora, e não quero vê-la nunca mais. 

- Ai! meu filho - exclamou ela - não quer dar-me um beijo, antes que eu parta? Pois sofri muito para encontrá-lo. 

- Não - disse o Filho da Estrela – porque você é muito feia e eu preferiria beijar uma víbora ou um sapo. Então a mulher levantou-se e encaminhou-se para a floresta, chorando desesperadamente. E, quando o Filho da Estrela viu que ela tinha partido, ficou contente e correu de volta a seus companheiros, para continuar a brincar com eles. Mas, quando o viram chegar, debocharam dele e disseram: 

- Você é feio como o sapo e nojento como a víbora. Vá-se embora, porque não queremos que brinque conosco. E expulsaram-o do jardim.

E o Filho da Estrela enfureceu-se e disse a si próprio: - Mas o que foi que eles me disseram? Vou ao poço olhar-me na água, e ela falará da minha beleza. 

Foi então até o poço e olhou-se na água ,e oh!, sua face era a face de um sapo, e seu corpo era como a de uma víbora. E ele se atirou na grama e chorou, e disse a si próprio: - Certamente, isso me aconteceu por causa do meu pecado. Pois neguei minha mãe e mandei-a embora; fui orgulhoso e cruel para com ela. Por isso, devo procurá-la pelo mundo inteiro, e não descansarei até encontrá-la. 

E então chegou até ele a filhinha do lenhador, que colocou a mão em seu ombro e disse: - Que importância tem que tenha perdido sua beleza? Fique conosco,e não zombaremos de você. 

E ele disse: - Não, pois fui cruel com minha mãe e, como punição, este mal me foi enviado. Agora, tenho que partir e procurar pelo mundo afora até encontrá-la, para que ela me perdoe. 

E ele foi correndo para a floresta a chamar pela mãe, mas não obteve resposta. Durante o resto do dia ele a chamou e, quando o sol se pôs, deitou-se para dormir num leito de folhas. Os pássaros e os animais fugiam dele, pois se lembravam de sua crueldade, e ele ficou sozinho, apenas com o sapo, que o velava, e a víbora, que rastejava lentamente ao seu redor. Ao amanhecer, levantou-se, colheu algumas frutas ácidas das árvores, comeu-as e seguiu seu caminho pela floresta, chorando amargamente. E todos que encontravam perguntava se tinham visto sua mãe. Disse à Toupeira: - Você, que pode andar por dentro da terra, me diga: minha mãe esta lá? 

E a toupeira respondeu: - Você furou meus olhos. Como posso saber? 

Perguntou ao Pintarroxo: - Você, que pode voar a cima das copas das árvores altas e pode ver o mundo inteiro: pode ver minha mãe? 

E o Pintarroxo respondeu: – Você me cortou as asas para divertir. Como posso voar? 

E Perguntou ao pequeno Esquilo, que morava no abeto e vivia sozinho: - Onde está minha mãe? 

E o Esquilo respondeu: - Você matou minha mãe. Está procurando a sua para matá-la também? 

O Filho da Estrela chorou e baixou a cabeça, e pediu perdão às criaturas de Deus, e continuou através da floresta, em busca da mendiga. E, quando passava pelas aldeias, as crianças zombavam dele e atiravam-lhe pedras, e os aldeãos não permitiam sequer que dormisse nos celeiros, temendo que pudesse contaminar com bolor o trigo ali guardado, tão feio era seu aspecto. Os criados enxotavam-no, e ninguém tinha pena dele. Não ouviu falar em parte alguma da mendiga que era sua mãe, embora vagasse pelo mundo durante três anos, e muitas vezes parecesse vê-la na estrada, à sua frente, e chamasse por ela, e corresse atrás dela até que as pedras aguçadas lhe cortavam os pés até sangrar. Mas não conseguia alcançá-la, e os que moravam à beira do caminho sempre negavam tê-la visto, ou alguém parecido, e riam do seu desespero. 

Durante três anos vagou pelo mundo, e no mundo não havia nem amor, nem bondade, nem caridade para ele, mas era exatamente o mundo que criara para si nos dias do seu grande orgulho. E, no começo de uma noite, chegou à porta de uma cidade protegida por muros, às margens de um rio, e mesmo exausto e com os pés doloridos tentou entrar nela. Mas os soldados que estavam de guarda cruzaram as alabardas à sua frente e disseram-lhe asperamente: - O que quer nesta cidade? 

- Estou procurando minha mãe - respondeu ele - e suplico-lhes que me deixem entrar, pois talvez ela esteja nesta cidade. 

Mas eles riam dele, e um deles sacudiu a barba negra, apoiou o escudo no chão e exclamou: - Na certa, sua mãe não ficará satisfeita quando o vir, pois você é mais feio que o sapo do pântano, ou a víbora que se arrasta pelo charco. Caia fora daqui. Caia fora daqui. Sua mãe não mora nesta cidade. 

E o outro, que empunhava um estandarte amarelo, perguntou-lhe: - Quem é a sua mãe, e porque está procurando por ela? 

E ele respondeu: - Minha mãe é uma mendiga como eu, e a maltratei, e imploro que me deixem passar, para que ela possa perdoar-me, se é que se deteve nesta cidade. 

Mas eles não deixaram, e picaram-no com suas lanças. E, quando ele ia embora, chorando, chegou um cavaleiro com uma armadura ornada em flores de ouro, cujo elmo ostentava um leão alado, e perguntou aos soldados quem estava querendo entrar. E eles responderam:- É um mendigo filho de uma mendiga, e nós o enxotamos. 

- Não - exclamou ele, rindo - Venderemos essa coisa nojenta como escravo, e seu preço será o preço de uma jarra de vinho.

E um velho mal-encarado que ia passando disse: - Eu o compro por este preço - e, após pagar o preço, tomou o Filho da Estrela pela mão e entrou com ele na cidade. depois de percorrer muitas ruas, chegaram a uma portinhola que se abria em uma parede coberta por um pé de romã. O velho tocou a porta com um anel de jaspe burilado e ela se abriu, e os dois desceram cinco degraus de bronze, até chegarem a um jardim cheio de papoulas negras e jarros de barro verdes. O velho tirou do turbante uma faixa de seca estampada, vendou com ela os olhos do Filho da Estrela e o fez andar à sua frente. E, quando a faixa lhe foi retirada dos olhos, o Filho da Estrela encontrou-se numa masmorra, iluminada por uma lanterna feita de chifre. E o velho colocou à sua frente um pedaço de pão embolorado e disse: - Coma. – E um copo com um pouco de água salobra e disse: - Beba. E, depois que ele comeu e bebeu, o velho saiu, fechando a porta atrás de si e trancando-a com uma corrente de ferro. 

Na manhã seguinte, o velho, que na verdade era o mais astuto dos mágicos da Líbia e aprendera sua arte com um daqueles que moravam nos túmulos do Nilo, dirigiu-se a ele, zangado, e disse: - Em um bosque próximos aos portões desta cidade de infiéis há três moedas de ouro. Uma é de ouro branco, outra de ouro amarelo, e o ouro da terceira é vermelho. Hoje, você deve trazer-me a de ouro branco e, se não trouxer, lhe darei cem chibatadas. Vá depressa, e ao pôr-do-sol estarei à sua espera na entrada do jardim. Mas trate de trazer o ouro branco, do contrário estará mal, pois comprei-o pelo preço de uma jarra de bom vinho. 

Vendou os olhos do Filho da Estrela com a faixa de seda estampada e conduziu-o pela casa e pelo jardim de papoulas, e pelos cinco degraus de bronze. E, abrindo a portinhola com o anel, deixou-o na rua. E o Filho da estrela saiu ela porta da cidade, e chegou ao bosque do qual lhe falara o Mágico. Ora, aquele bosque era belíssimo, visto de fora parecia cheio de pássaros canoros e de flores perfumadas, e o Filho da Estrela entrou nele alegremente. Mas tanta beleza de pouco lhe valeu ,pois onde quer que fosse brotavam do chão e o cercavam ásperas urzes e espinhos penetrantes e urtigas bravas o queimavam e o cardo perfumava-o com seus punhais, de tal forma que se viu numa situação angustiante. Nem conseguiu encontrar em parte alguma a moeda de ouro branco da qual falara o Mágico, embora a procurasse da manhã até o meio-dia, e do meio-dia até a anoitecer. E, ao anoitecer, dirigiu-se para casa, chorando amargamente, pois sabia a sorte que lhe estava reservada. Mas, quando chegou à orla do bosque, ouviu um grito de dor que partia de uma moita. Esquecendo o próprio infortúnio, correu para o local e viu uma pequena lebre presa em uma armadilha que alguém armara. E o Filho da Estrela apiedou-se dela, e libertou-a, e disse-lhe: - Eu mesmo não passo de um escravo, e ainda assim posso dar-lhe a liberdade. 

A Lebre respondeu: - Sem dúvida, você me deu a liberdade, o que lhe posso dar em troca? 

O Filho da Estrela disse-lhe: - Estou procurando uma certa moeda de ouro branco, não consigo encontrá-la e, se não levar para meu amo, ele me açoitará. 

- Venha comigo - disse a Lebre – e eu a darei a você, pois sei onde está escondida, e para quê. 

Então, o Filho da Estrela foi com a Lebre e, oh!, no oco de um grande carvalho encontrou a moeda de ouro branco que estava procurando. Sentiu-se cheio de alegria, e pegou-a, e disse à Lebre: - O serviço que lhe prestei foi muitas vezes retribuído, e a bondade que lhe dediquei foi-me cem vezes paga por você. 

- Não - respondeu a Lebre – apenas agi com você da mesma forma que agiu comigo. 

E afastou-se rapidamente, e o Filho da Estrela voltou para a cidade. À porta da cidade estava sentado um leproso. Tinha o rosto coberto por um capuz de linho cinzento e, através de dois buracos, seus olhos brilhavam como brasas. Quando ele viu o Filho da Estrela se aproximando, bateu numa tigela de madeira, fez soar uma sineta e disse: - Dê-me uma moeda, ou morrerei de fome. Pois me expulsaram da cidade, e ninguém tem piedade de mim. 

- Ai! - exclamou o Filho da Estrela - só tenho uma moeda na bolsa e,e não a levar para meu amo, ele me baterá, pois sou seu escravo. 

Mas o leproso insistiu com ele, e implorou-lhe, até que o filho da Estrela se apiedou e deu-lhe a moeda de ouro branco. E, quando ele chegou à casa do Mágico, ele abriu-lhe a porta, empurrou-o para dentro e disse: - Trouxe a moeda de ouro branco? 

E o Filho da Estrela respondeu: - Não a tenho. 

Então o Mágico avançou sobre ele e bateu-lhe, e colocou diante dele um prato vazio e disse: - Coma. E uma caneca vazia e disse: - Beba. E jogou-o de volta à masmorra. 

Na manhã seguinte o Mágico procurou-o e disse: - Se hoje você não trouxer a moeda de ouro amarelo, continuará meu escravo, e lhe darei trezentas chibatadas. 

Assim, o Filho da Estrela foi para o bosque, e durante todo o dia procurou pela moeda de ouro amarelo, mas não a encontrou em parte alguma. Ao anoitecer sentou-se e começou a chorar, e quando estava chorando chegou até ele a pequena Lebre que salvara da armadilha. E a Lebre disse-lhe: - Por que está chorando, e o que está procurando no bosque? 

E o Filho da Estrela respondeu: - Estou procurando uma moeda de ouro amarelo que está escondida aqui, e se não a encontrar meu amo me baterá, e me conservará como escravo. 

- Siga-me - gritou a Lebre, e correu para dentro do bosque até chegar a uma pequena lagoa. E no fundo da lagoa estava a moeda de ouro amarelo. 

- Como posso agradecer-lhe? - Disse o Filho da Estrela – pois esta é a segunda vez que me socorre. 

- Não, foi você que primeiro teve pena de mim - disse a Lebre, e afastou-se correndo. 

O Filho da Estrela pegou a moeda de ouro amarelo, colocou-a na bolsa, e voltou depressa para a cidade. Mas o leproso o viu chegar, correu ao seu encontro, ajoelhou-se e gritou: - Dê-me uma moeda ou morrerei de fome. 

E o Filho da Estrela disse: - Só tenho em minha bolsa uma moeda de ouro amarelo, e se não levá-la ao meu amo ele açoitará e me manterá como seu escravo. 

Mas o leproso lhe suplicou de tal forma que o Filho da Estrela teve piedade dele e deu-lhe a moeda de ouro amarelo. E, quando voltou para casa do Mágico, este abriu a porta e o empurrou para dentro, e disse: - Trouxe a moeda de ouro amarelo? 

E o Filho da estrela respondeu: - Não a trouxe. 

Então o Mágico avançou sobre ele, e bateu-lhe, e prendeu-o com correntes, e o atirou de volta a masmorra. Na manhã seguinte o Mágico voltou e disse-lhe: - Se hoje você me trouxer a moeda de ouro vermelho, eu o libertarei, mas se não trouxer, seguramente o matarei. 

O Filho da Estrela seguiu para o bosque, e durante todo o dia procurou pela moeda de ouro vermelho, mas não a encontrou em parte alguma. E, ao entardecer, sentou-se e chorou, e quando estava chorando aproximou-se dele a pequena Lebre e ele disse a ela porque estava chorando. 

A Lebre disse: - A moeda de ouro vermelha que procura está na caverna ali atrás. Portanto, não chore mais, e alegre-se. 

- Como posso lhe recompensar? - gritou o Filho da Estrela - pois está é a terceira vez que me socorre. 

- Não, você se apiedou de mim primeiro - disse a Lebre, e rapidamente afastou-se correndo. 

O Filho da Estrela entrou na caverna, e no canto mais afastado encontrou a moeda de ouro vermelho. Então, colocou-a na bolsa e correu para a cidade. E o leproso, vendo-o aproximar-se, postou-se no meio da estrada e gritou: - Dê-me esta moeda de ouro vermelho, ou morrerei. 

E o Filho da Estrela apiedou-se dele novamente, e deu-lhe a moeda de ouro vermelho,dizendo: - Sua necessidade é maior do que a minha. – Mas seu coração estava pesado, pois sabia a terrível sorte que o aguardava. Eis porém, que ao passar pela porta da cidade, os guardas inclinaram-se à sua frente e lhe prestaram homenagem, dizendo: - Como é belo o nosso senhor! 

E uma multidão de cidadãos acompanhou-o e gritava: - Certamente não existe ninguém tão formoso no mundo inteiro! 

Então o Filho da Estrela começou a chorar, e disse para si próprio: - Estão zombando de mim e divertindo-se com minha desgraça. 

E tão grande era o ajuntamento de gente que ele perdeu o caminho, e encontrou-se por fim numa grande praça, onde estava o palácio do Rei. E o portão do palácio abriu-se, e os sacerdotes e os altos dignitários da cidade correram ao seu encontro, e inclinaram-se diante dele, e disseram: - És o nosso senhor, pelo qual estávamos esperando, és o filho do rei. 

O Filho da Estrela respondeu-lhes: - Não sou filho de rei, mas o filho de uma pobre mendiga. E, como podem dizer que sou belo, se sei que tenho uma aparência horrível? 

Então aquele cuja armadura tinha gravadas flores de ouro e em cujo elmo se via um leão alado, levantou o escudo e gritou: - Como pode o meu senhor dizer que não é belo? 

E o Filho da Estrela olhou e, oh!, sua face estava como era antes. Sua beleza voltara, e viu em seus olhos o que não tinha visto ainda. E os sacerdotes e os altos dignitários ajoelharam-se e disseram-lhe: - Estava há muito profetizado que neste dia haveria de chegar aquele que reinará sobre nós. Portanto, queira nosso senhor receber esta coroa e este cetro, e seja nosso Rei, em sua justiça e misericórdia. 

Mas ele disse-lhes: - Não sou digno, pois neguei minha mãe que me deu à luz, e não posso descansar até encontrá-la e receber o seu perdão. Portanto, deixem-me ir, pois devo voltar a vagar pelo mundo, e não posso deter-me aqui, embora me ofereçam a coroa e o cetro. 

Ao terminar de falar, desviou o rosto dele, voltando-se para a rua que levava às portas da cidade, e, oh!, entre a multidão que se comprimia em torno dos soldados, viu a mendiga que era sua mãe, e ao seu lado estava o leproso da estrada. Um grito de alegria brotou de seus lábios. Correu para eles e, ajoelhando-se, beijou as chagas dos pés de sua mãe, e molhou-as com lágrimas. Inclinou a cabeça até a areia e, soluçando como alguém cujo coração estivesse a ponto de se partir, disse a ela: - Mãe, reneguei-a na hora do meu orgulho. Aceite-me na hora da minha humildade. Mãe, eu lhe dei o ódio. Dê-me amor. Mãe, eu a rejeitei. Aceite agora o seu filho. 

Mas a mendiga não respondeu uma só palavra. E ele estendeu as mãos, segurou os pés brancos do leproso, e disse-lhe: - Por três vezes dei minha misericórdia. Peça à minha mãe que me fale pelo menos uma vez. Mas o leproso não respondeu uma só palavra. E ele chorou de novo, e disse: – Mãe, meu sofrimento é maior do que posso suportar. Dê-me o seu perdão e deixe-me voltar para a floresta. 

A mendiga pôs a mão em sua cabeça e disse-lhe: - Levante-se. 

E o leproso pôs a mão em sua cabeça, e disse-lhe também: - Levante-se. 

E ele se pôs de pé, e olhou-os, e, oh!, eram o Rei e a Rainha. E a Rainha lhe disse: - Este é o seu pai, a quem você socorreu. - Esta é sua mãe, cujos pés você lavou com suas lágrimas. 

Lançaram-se ao seu pescoço e beijaram-no. Conduziram-no ao palácio e vestiram-no com formosos trajes, colocaram a coroa em sua cabeça, e o cetro em sua mão, e ele reinou sobre a cidade que se erguia à beira do rio, e era seu senhor. Demonstrou a todos muita justiça e misericórdia: desterrou o perverso Mágico, enviou ricos presentes ao lenhador e sua mulher e aos seus filhos conferiu altas honrarias. Não permitiu que ninguém fosse cruel com pássaros ou animais, mas ensinou amor, bondade e caridade, e ao pobre deu pão, e ao nu deu roupas, e houve paz e fartura no país. Mas ele não reinou por muito tempo. Tão grande fora seu sofrimento, e tão amargo o fogo de sua provação, que ao fim de três anos ele morreu. E o que veio depois dele reinou perversamente. 

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