domingo, 7 de outubro de 2018

Antonio Brás Constante (Fim de semana na praia)

Eis que aí está você. Bermudão e chinelos. Um sol maravilhoso. Curtindo a brisa marinha. Veio com a esposa e os filhos para um fim de semana em família. A casa você comprou no inverno, quando os preços eram menores.

O primeiro ritual ao chegar na praia é ir molhar os pés na beira do mar. Não que dê sorte ou azar: é mais para a pessoa entrar no clima do lugar. Sentir-se como batizado, para poder aproveitar as delícias de um feriado regido por sol, areia e um mar azul e
límpido. Após a cerimônia de “lava-pés”, você volta ao carro e descarrega todas as suas tralhas, abrindo a casa para arejá-la. A manhã já está na metade. O momento certo para colocar a churrasqueira para funcionar.

Nesse momento você se sente um verdadeiro rei. O pau de mexer o carvão é seu cetro real. O banquinho de madeira, seu trono. A carne crua e temperada a sua frente e a latinha de cerveja são suas riquezas e as moscas à sua volta os ladrões, que atacam todos os reinos e devem ser repudiados com sua toalha de limpar as mãos. Mas, mesmo onde reina a paz mais intensa, acabam surgindo os piores dissabores. E eles chegam buzinando e fazendo alarde.

Você ainda não sabe quem são? Os seus parentes! Apareceram de surpresa para te fazer companhia na praia. Afinal, para eles, praia sem parentes não é praia. Costumam vir aos bandos, de forma predatória. Chegam, comem e bebem tudo que encontram e se mandam sem ajudar a pagar a conta. Os parentes são a maldição de qualquer homem casado. Ou que tenha algum irmão ou irmã casada. Pode ocorrer também em famílias com muitos tios. Ou seja, todos nós, seres humanos, estamos sujeitos a sermos vítimas dessa situação.

Até o momento, nenhum dos parentes homens foi até onde você se encontra. Alguns abanaram de longe. Eles sentiram o cheiro do serviço e irão esperar até que a carne esteja quase assada, para então se aproximar e comer os aperitivos com farofa. Nesse meio-tempo irão se saciar com as cervejas que você estocou na geladeira. Alguns já se adonaram das redes e outros colocaram as mochilas no seu quarto, perguntando de forma descarada se podem usar a cama para descansar.

Você tenta conhecer todos que estão ali presentes. Mas alguns são estranhos, pois são convidados dos seus parentes. Isto mesmo, uma mania de parente é convidar amigos deles para passar o fim de semana na sua casa de praia.

O almoço corre como o esperado, ou seja, você servindo a carne e todo resto comendo. A cerveja acaba e sua esposa lhe pede para ir comprar mais. Você se nega e acontece a primeira briga do casal. Toda a parentada fica do lado de sua esposa. Afinal, o insensível é você, que não quer atender o pedido dela. Depois de muita discussão, você finalmente vai buscar a cerveja. Vários parentes seus vão junto, porém sem levar as carteiras de dinheiro. Note que eles não vão com você por serem bonzinhos, mas sim para impedir que compre alguma marca de cerveja barata.

Chega a tarde, você pede para sua esposa lhe passar o bronzeador, mas ela te vira o rosto. Ainda está chateada com a história da cerveja. Principalmente depois de a parentada ter enchido a cabeça dela. Agora você percebe que está sozinho; sua esposa passou para o lado do inimigo.

Quando resolve ir à praia, descobre que o seu bronzeador foi totalmente utilizado, que pegaram seus calções de banho e sumiram com suas toalhas. Até seus óculos de sol desapareceram. Acaba indo de bermudão mesmo, sem nenhum protetor no corpo e sentindo o brilho do sol machucar seus olhos.

O tormento dura todo feriado. No último dia, ao final da tarde, todos vão embora, deixando a casa toda suja e bagunçada para você ajeitar. Afinal, eles não são os donos da casa. Você fica parado na frente do mar. Todo queimado de sol, endividado, cansado, chateado, de mal com a patroa e, o que é pior nessa situação toda, sem ter como dar o troco neles.

O melhor a fazer é vender a casa de praia e usar o dinheiro para viajar para outro estado, bem longe e de avião. Assim você finalmente terá férias de verdade e, quem sabe, até traga umas lembrancinhas, para que seus entes queridos morram de inveja.

Fonte:
Constante, Antonio Brás.  Hoje é o seu aniversário! “Prepare-se” : e outras histórias. Porto Alegre, RS : AGE, 2009.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) II




TROVADOR

Não sei se trovador já nasce feito, 
ou se ele é feito apenas por amor; 
sei que ele lembra muito o amor-perfeito,
se nos encanta, assim como essa flor.

Qualquer das duas formas, com efeito,
talvez nem interfira em seu valor,
pois na flor ou poesia vale é o jeito
encantador que o deu seu criador.

No amor-perfeito o belo é sempre assim,
quer ele nasça num nobre jardim, 
ou num  quintal bem rude e desprezado.

E o trovador em sua poesia,
tem que insuflar amor, com estesia,
para exaltar alguém apaixonado!

IDOSO   
(01 de Outubro – Dia Internacional do Idoso)

Fui chegando aos sessenta, devagar;
bem depois aos setenta, incrivelmente.
Sem saber até aonde ia chegar
alcancei os oitenta, bem contente.

Com meu Deus continuo a caminhar,
mas com olhos voltados ao presente,
que vem tomando um rumo singular,
que ao idoso é bastante diferente...

Bem próximo da casa dos noventa,
peço ao Senhor deveras  humildade
para aceitar o que inda está por vir...

Que toque o coração de quem inventa,
para que façam o bem à humanidade...
E eu só semeie amor até partir…

CARTAS DE DEUS

Meus filhos são as cartas carinhosas
que Deus constantemente me encaminha,
com advertências por demais valiosas,
tendo por intuito me manter na linha...

Seus conselhos são lindos como as rosas;
e é raro haver algum que me apezinha;
no  geral são só frases amorosas
por meio de carícia comezinha...

Os afagos e beijos dos meus filhos, 
tomando a forma até de trocadilhos
e aforismos, alegram o meu humor...

E ainda estou aos poucos entendendo
que as cartinhas de Deus que eu ando lendo,
sugerem é que eu aumente o meu amor!

JARDIM SECRETO

Eu também tenho o meu jardim secreto,
tal qual o mundo inteiro, com certeza...
Mas só porque não sou nada discreto,
o meu “secreto” some na esperteza...

Quem lê meus versos tudo sabe, exceto,
talvez o que eu não disse por lerdeza,
porque o que escrevo eu mesmo interpreto     
no meu viver de inteira singeleza.

Se eu disse que te amei, também te disse 
que tudo o mais que eu fiz foi só tolice,
pois nunca mais eu tive um outro amor .

O que faltou dizer, eu digo agora:
eu sonho com teus beijos toda hora;
és a razão de eu ser um sonhador!

DIA DA ÁRVORE
(21 de Setembro – Dia da Árvore)

Árvore, quanta beleza 
tu pões em nosso ambiente,
por isto dele és princesa
para mim e toda gente! 

És sombra na Natureza,
se faz calor inclemente, 
e às aves tu és defesa
das trevas ao sol nascente.

Com tuas flores e frutos
dás imensos contributos
para suprir nossa veia...

Por isto sempre me lembro
deste Vinte e Um de Setembro,
Data que te homenageia!

SONHOS

Não ponha, não, limites nos teus sonhos,
se queres ser feliz a vida inteira!
Não falo nos maus sonhos enfadonhos,
dos pesadelos que não há quem queira.

Refiro-me a ter sonhos tão risonhos,
que enriqueçam de ideia alvissareira... 
E por mais que sejamos inda bisonhos,
nos elevam na vida e na carreira.

Mas sonhemos,  dormindo ou acordados,  
se estivermos ou não enamorados;
nesta vida o que importa é bem sonhar...

Com um mundo melhor, com mais justiça,
muita bondade...,  e com menor cobiça,
para que Deus nos possa abençoar!

HOMEM

Um homem de verdade não despreza
o filho que gerou e pôs na terra;
pelo contrário, é genitor que preza
a bênção que essa graça em si encerra.

O homem como tal, ajoelha e reza,
pedindo a Deus, que é bom e nunca erra,
para jamais ser pai que menospreza
o filho que a família até descerra!

Um homem de verdade tem que honrar
a integridade com a qual nasceu
e dar o exemplo para o filho seu.

Não pode ser assim, por conseguinte, 
um pai que represente até um acinte,
gerando um filho e não o querer criar!

Fonte:
Poemas enviados pelo autor

Vinicius de Moraes (A Casa Materna)


Há, desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna. As grades do portão têm uma velha ferrugem e o trinco se oculta num lugar que só a mão filial conhece. O jardim pequeno parece mais verde e úmido que os demais, com suas palmas, tinhorões e samambaias que a mão filial, fiel a um gesto de infância, desfolha ao longo da haste. 

É sempre quieta a casa materna, mesmo aos domingos, quando as mãos filiais se pousam sobre a mesa farta do almoço, repetindo uma antiga imagem. Há um tradicional silêncio em suas salas e um dorido repouso em suas poltronas. O assoalho encerado, sobre o qual ainda escorrega o fantasma da cachorrinha preta, guarda as mesmas manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras. As coisas vivem como em prece, nos mesmos lugares onde as situaram as mãos maternas quando eram moças e lisas. Rostos irmãos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem mudamente. O piano fechado, com uma longa tira de flanela sobre as teclas, repete ainda passadas valsas, de quando as mãos maternas careciam sonhar. 

A casa materna é o espelho de outras, em pequenas coisas que o olhar filial admirava ao tempo em que tudo era belo: o licoreiro magro, a bandeja triste, o absurdo bibelô. E tem um corredor à escuta, de cujo teto à noite pende uma luz morta, com negras aberturas para quartos cheios de sombra. Na estante junto à escada há um Tesouro da juventude com o dorso puído de tato e de tempo. Foi ali que o olhar filial primeiro viu a forma gráfica de algo que passaria a ser para ele a forma suprema da beleza: o verso. 

Na escada há o degrau que estala e anuncia aos ouvidos maternos a presença dos passos filiais. Pois a casa materna se divide em dois mundos: o térreo, onde se processa a vida presente, e o de cima, onde vive a memória. Embaixo há sempre coisas fabulosas na geladeira e no armário da copa: roquefort amassado, ovos frescos, mangas-espadas, untuosas compotas, bolos de chocolate, biscoitos de araruta - pois não há lugar mais propício do que a casa materna para uma boa ceia noturna. E porque é uma casa velha, há sempre uma barata que aparece e é morta com uma repugnância que vem de longe. Em cima ficam os guardados antigos, os livros que lembram a infância, o pequeno oratório em frente ao qual ninguém, a não ser a figura materna sabe por que, queima às vezes uma vela votiva. E a cama onde a figura paterna repousava de sua agitação diurna. Hoje, vazia. 

A imagem paterna persiste no interior da casa materna. Seu violão dorme encostado junto à vitrola. Seu corpo como que se marca ainda na velha poltrona da sala e como que se pode ouvir ainda o brando ronco de sua sesta dominical. Ausente para sempre da casa materna, a figura paterna parece mergulhá-la docemente na eternidade, enquanto as mãos maternas se fazem mais lentas e as mãos filiais mais unidas em torno à grande mesa, onde já agora vibram também vozes infantis.

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para viver um grande amor.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Luiz Damo (São Francisco de Assis em Trovas)

4 de Outubro - Dia de São Francisco de Assis


Neste mundo aonde os valores
se concentram sobre o ter,
sejam fontes de esplendores
as luzes que vêm do ser.

No caminho sempre andemos
sem pedras a nos ferir,
ou, nós dele as afastemos,
ou, não vamos prosseguir.

São Francisco, padroeiro,
dos poetas, trovadores,
deixaste no mundo inteiro
legiões de seguidores.

Grande mestre me permita
fazer sempre esta oração,
enquanto meu ser medita
vem guiar minha missão.

Ó Senhor! Fazei de mim,
um instrumento de paz,
nele o mundo sinta, enfim,
que sois Vós quem vida traz.

Aonde houver o desespero,
seja a esperança levada
e na dúvida, co’esmero,
a fé seja praticada.

Aonde apenas tem tristeza
possa levar a alegria
e na discórdia e frieza
o amor sempre aqueça o dia.

Aonde só trevas prosperam
que eu leve a luz e o calor
e aonde os erros preponderam
leve a verdade, Senhor!

Aonde houver ódio que eu leve
o amor puro e verdadeiro
e o perdão para quem deve,
sendo eterno mensageiro.

Ó Mestre, Deus e Senhor!
Fazei que eu procure mais,
consolar quem vive à dor
que buscar consolos tais.

Entender as diferenças
que vibrar nas semelhanças,
amar quem nas desavenças
me usurpar as esperanças.

Porque é dando, que se alcança,
pelo gesto, a recompensa,
quando posto na balança
e obtivermos a sentença.

É perdoando que vemos
crescer sob a luz fraterna
a vida e morrendo a temos
renovada, plena e eterna.

Fonte:
Luiz Damo. Celebrando com trovas. 
Caxias do Sul/RS: L.D., 2018.

Canteiro de Trovas do Riso n. 2



Ao ver uma triste cena,
quantos, sem vergonha alguma,
ficam dizendo: – que pena!
… sem terem pena nenhuma.
Antônio Aleixo

O inquérito começou
e o inspetor é interrogado:
– O cadáver, como o achou?
– Morto, senhor delegado!
Antônio Tortato

“Um só minuto, querido,
levarei a me aprontar!”
– E esse minuto comprido
como me custa esperar…
Aparício Fernandes

Certas noivas enfeitadas
com flores de laranjeiras
são pérolas cultivadas
que parecem verdadeiras!
Archimimo Lapagesse

“Nada se perde” – alguém disse,
mas essa frase é suspeita:
– perca você a burrice,
que a ninguém ela aproveita…
Ariston Teles

Há trovas tão engraçadas
e tão repletas de “humor”,
que, às vezes, damos risadas,
não delas, mas sim do autor…
Benny Silva

“Vamos dormir” – os nubentes
disseram aos convidados.
E passaram, tão contentes,
a noite inteira acordados…
Colbert Rangel Coelho

A confissão de Maria
teve soberbo arremate:
o confessor se benzia
vermelho como um tomate…
Durval Mendonça

Magro, triste, macerado,
frio, flácido, funéreo,
parece um feto barbado
nascido num cemitério.
Emílio de Meneses

Mulher que muito se pinta,
para ter boa aparência,
ou se casa antes do trinta
ou então – abre falência…
Francisco Madureira

Contraste fenomenal
na vida não vi jamais:
o avô está muito mal,
e a neta “boa” demais…
Heraldo Lisboa

Quem se julga muito grande,
vê-se através da vaidade.
Quem se julga pequenino,
é modéstia ou é verdade…
Hormino Lyra

Eis a donzela a passar,
exuberante e formosa.
E alguém, num tolo indagar:
– “Você está boa, Rosa?…”
Ildefonso de Paula

Os postes enfileirados,
muito negros, luzidios,
espreitam desconfiados,
os vira-latas vadios…
Iraci do Nascimento e Silva

– Vai nascer, meu Deus, compadre,
chame o médico ligeiro!
Não, diz o pai, chame o padre:
nós vamos casar primeiro!
Ivan Ribeiro da Conceição

Quem casa, por certo, pensa 
numa vida de ventura;
mas será que isto compensa
a sogra que a gente atura?
Ivo dos Santos Castro

A maioria das mulheres
vestem-se para exibir
suas formas provocantes,
e não para se encobrir…
Ivo Loiola

O cura de Santarém
é milagroso de fato:
os afilhados que tem 
são-lhe o perfeito retrato…
João Rangel Coelho

Ai de mim, se ela souber
porque raivoso acordei…
Era um sonho de mulher,
e mulher com que sonhei!
José Maria Machado de Araújo

“Cinquenta anos, seu doutor!”
– Eu lhe disse com coragem.
“Ajeite aqui o motor,
que eu cuido da lanternagem”.
Magdalena Léa

Tua sorte, companheiro,
à de mais ninguém se iguala:
Tens saúde, tens dinheiro…
e uma mulher que não fala!
Paulo Emílio Pinto

Existem colégios tais,
em que – justiça se faça – 
em vez das notas mensais,
quem tem mais nota é que passa…
Sérgio Fonseca

Milhões de verdades cabem
neste pensamento agudo:
– As mulheres nada sabem,
porém adivinham tudo!…
Vasco de Castro Lima 

Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história e antologia.