terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A Língua Tupi

O Tupi foi a língua não européia que mais influenciou o português brasileiro. Existem aproximadamente 10.000 palavras derivadas do tupi que os brasileiros usam no seu dia-a-dia. Expressões, palavras e nomes de lugares como “ficar com nhemnhemnhem”, “jaguar”, “Ibirapuera”, “pindaíba”, “pereba”, “peteca”, “mingau” e “cucuia” são, entre outras, herança lingüística da verdadeira língua brasileira, chamada pelos próprios índios de “Nhe´engatu” (língua boa) ou Língua Brasílica, como era chamada pelos jesuítas que aqui aportaram no século XVI.

Antes da colonização, o Tupi e suas variantes dialetais eram falados em quase toda costa do Brasil e é rara, senão nenhuma, língua nativa no mundo que teve abrangência territorial tão grande. Sendo uma língua estritamente oral, o Tupi só foi sistematizado em registro escrito pelos jesuítas, em especial pelo Pe. Anchieta, o primeiro gramático da língua, que deixou um vasto conjunto de obras escritas na língua do nativo.

Como grande parte dos colonos vinham para o Brasil sem mulheres e passaram a conviver com mulheres indígenas, ocorreu de o Tupi ser a língua materna de seus filhos. Atualmente o Brasil seria um país bilíngüe, a exemplo do Paraguai onde se fala o espanhol e o guarani, caso o Tupi não tivesse sido proibido em 1758 pelo Marques de Pombal. Naquela época, de cada quatro brasileiros, três falavam Tupi.

Em poucos países americanos uma língua foi tão espalhada territorialmente como o Tupi antigo do Brasil. Ele era a língua da maioria dos membros da administração colonial, dos índios, dos africanos e europeus e tinham um papel fundamental na unificação da colônia portuguesa na América.

O Tupi proporcionou centenas de termos ao português brasileiro, foi importante para a literatura do período colonial, romântica e moderna e é um elemento central da afirmação de uma identidade cultural brasileira. O Tupi foi a língua que mais deu origem a nomes geográficos no Brasil: várias cidades, regiões e cidades tem nomes derivados do Tupi. Cidades como “Sorocaba” e “Jundiaí” (que significam, respectivamente, “Terra Fendida” e “Rio do Bagre”), apenas para mencionar duas entre muitas, tiveram suas designações em Tupi devido à suas características físico-geográficas.

A influência do Tupi é também percebida na culinária, na fauna e em expressões cotidianas no Brasil, sendo a língua não-européia mais importante na formação do português brasileiro.

Características do Tupi
A língua tupi não conhece flexões. Os vários conceitos gramaticais são expressos:

1) por prefixos e sufixos;
2) pela ordem das palavras;
3) pela duplicação do tema;
4) ou por partículas especiais.

Não há artigo definido nem indefinido.

A distinção dos sexos, quando necessária, traduz-se por palavras equivalentes a "macho" e "fêmea". Há, porém, palavras diferentes para distinguir as relações de parentesco do homem e da mulher. Assim, "filho" com referência ao homem é (t)a'ýra; com referência à mulher é membýra. A distinção leva ainda em conta o sexo do parente intermediário: "tio", irmão do pai, é o mesmo que "pai": (t)úba; já "tio", irmão da mãe, é tutýra. Há também a idade relativa: (t)ybýra é o irmão mais moço do homem; (t)ykeýra, irmão mais velho do homem.

Homens e mulheres usam linguagens diferentes: por exemplo, "sim", dito pelo homem, é pá; dito pela mulher, é e'e~.

Não existe diferença entre singular e plural nos substantivos e adjetivos. No tupi colonial, sob a influência do bilingüismo, o indefinido (s)etá, "muitos", tendia a tomar a função de plural.
São escassos no Tupi nomes abstratos relacionados com qualidades, como "injustiça", "bondade", "cor", "beleza", "distância", "tamanho", etc.

A índole concreta da língua evidencia-se ainda nos prefixos classificatórios — como a para coisas "arredondadas", pó para as compridas, pý para as largas, apé para as de superfície igual. Assim, tanto sýma quanto asýma significam "liso", mas asýma reserva-se para qualificar os objetos lisos que sejam arredondados: ybá asýma "fruta lisa".

Os substantivos e adjetivos referentes a estados da alma e qualidades interiores são amiúde meras descrições das concomitâncias nos órgãos do corpo ou nos sentidos externos: olhos, ouvidos, boca, nariz, mãos, pés, entranhas, etc.: îesarekó "considerar" ou "ter olhos em"; tesaetá "muitos olhos" ou muito cuidado; tesapóra "olhos saltados" ou "extasiado".

Nos pronomes, nenhuma distinção de gênero gramatical. Em contrapartida existe o desdobramento do pronome "nós": um que inclui a 2ª pessoa (eu ou nós & tu ou vós) e outro que exclui a 2ª pessoa (eu & ele ou eles s/ tu nem vós). Também um pronome reflexivo de 3ª pessoa o, distintivo do relativo i. Crf. latim suus e eius.
Os pronomes e os prefixos verbais são a chave da língua. Antepostos aos substantivos, os pronomes servem de possessivos. Antepostos a adjetivos, ou pospostos a substantivos e pronomes, formam os chamados verbos predicativos, dispensando o verbo "ser", que a língua tupi ignora.

O genitivo obtém-se pela simples justaposição dos dois substantivos em ordem inversa à do português: gûyrati~: "bico de pássaro"; de gûyrá "pássaro" e ti~ "bico".

O aposto, como em português, vem em segundo lugar: abá-gûyrá: "homem-pássaro"; de abá "homem" e gûyrá "pássaro".

Não há categoria de tempo gramatical ou relativo. O verbo na sua forma simples significa a ação completa ou perfeita em qualquer tempo, principalmente no passado.

Também a conjugação perifrásica realça a duração da ação verbal. Mas é o verbo auxiliar, correspondente ao nosso "estar", que vai para o gerúndio, e não o principal: anhe'éng gûitekóbo: "estou falando", lit. "falo estando".

É muito desenvolvida a linguagem afetiva. Partículas especiais exprimem os sentimentos com que a pessoa que fala acompanha a sua própria evolução; enfado, desgosto, raiva, desprezo, carinho, louvor, saudade, dúvida, interrogação, certeza, meia certeza, opinião baseada em informação de outrem, etc.

Grande número de palavras (substantivos adjetivos, verbos e preposições) leva os os prefixos t-, s- ou r-.
Em princípio, pode-se dizer que t- refere-se a "gente", e s- a "coisa", isto é, tudo o que não é humano: animais, plantas, etc. Aos substantivos, t- e s- prefixam-se na função de "possuidor". Por exemplo: obá: rosto(s.) > tobá: rosto (de gente) - sobá: rosto (de coisa)

Ao contrário que muitos acreditam, não existe uma língua tupi-guarani. A língua guarani, apesar de muito se assemelhar com o tupi, tem palavras e peculiaridades distintas. O que existe é o tronco lingüístico Tupi-Guarani, que engloba, entre outras, as línguas Tupi e Guarani.

Fonte:
http://www.terrasemmal.com.br/tupi.html
http://www.terrasemmal.com.br/mais/tupi.html

Luis Vaz de Camões (c. 1524 - 1580)

Príncipe dos poetas portugueses, autor imortal dos LUSÍADAS

Após a morte de Luís Camões, o diplomata e escritor espanhol Valera, que por esse tempo esteve em Portugal, escreveu que Os Lusíadas «son el mayor obstáculo à la fusion de todas las partes de esta Península. Camões se levanta entre Portugal y España qual firme muro, más difícil de derrubar que todas las plazas y los castillos todos».

As informações sobre a sua biografia são relativamente escassas e pouco seguras, apoiando-se num número limitado de documentos e breves referências dos seus contemporâneos. A própria data do seu nascimento, assim como o local, é incerta, tendo sido deduzida a partir de uma Carta de Perdão real de 1553. A sua família teria ascendência galega, embora se tenha fixado em Portugal séculos antes. Pensa-se que estudou em Coimbra, mas não se conserva qualquer registo seu nos arquivos universitários.

- Serviu como soldado em Ceuta, por volta de 1549-1551, aí perdendo um olho.
- Em 1552, de regresso a Lisboa, esteve preso durante oito meses por ter ferido, numa rixa, Gonçalo Borges, um funcionário da corte.
- Data do ano seguinte a referida Carta de Perdão, ligada a essa ocorrência. Nesse mesmo ano, seguiu para a Índia.
- Nos anos seguintes, serviu no Oriente, ora como soldado, ora como funcionário, pensando-se que esteve mesmo em território chinês, onde teria exercido o cargo de Provedor dos Defuntos e Ausentes, a partir de 1558.
- Em 1560 estava de novo em Goa, convivendo com algumas das figuras importantes do seu tempo (como o vice-rei D. Francisco Coutinho ou Garcia de Orta).
- Em 1569 iniciou o regresso a Lisboa. No ano seguinte, o historiador Diogo do Couto, amigo do poeta, encontrou-o em Moçambique, onde vivia na penúria. Juntamente com outros antigos companheiros, conseguiu o seu regresso a Portugal, onde desembarcou em 1570.
- Dois anos depois, D. Sebastião concedeu-lhe uma tença, recompensando os seus serviços no Oriente e o poema épico que entretanto publicara, Os Lusíadas.
- Camões morreu a 10 de Junho de 1580, ao que se diz, na miséria. No entanto, é difícil distinguir aquilo que é realidade, daquilo que é mito e lenda romântica, criados em torno da sua vida.

Da obra de Camões foram publicados, em vida do poeta, três poemas líricos, uma ode ao Conde de Redondo, um soneto a D. Leonis Pereira, capitão de Malaca, e o poema épico Os Lusíadas. Foram ainda representadas as peças teatrais Comédia dos Anfitriões, Comédia de Filodemo e Comédia de El-Rei Seleuco. As duas primeiras peças foram publicadas em 1587 e a terceira, apenas em 1645, integrando o volume das Rimas de Luís de Camões, compilação de poesias líricas antes dispersas por cancioneiros, e cuja atribuição a Camões foi feita, em alguns casos, sem critérios rigorosos. Um volume que o poeta preparou, intitulado Parnaso, foi-lhe roubado.

Na poesia lírica, constituída por redondilhas, sonetos, canções, odes, oitavas, tercetos, sextinas, elegias e éclogas, Camões conciliou a tradição renascentista (sob forte influência de Petrarca, no soneto) com alguns aspectos maneiristas. Noutras composições, aproveitou elementos da tradição lírica nacional, numa linha que vinha já dos trovadores e da poesia palaciana, como por exemplo nas redondilhas «Descalça vai para a fonte» (dedicadas a Lianor), «Perdigão perdeu a pena», ou «Aquela cativa» (que dedicou a uma sua escrava negra). É no tom pessoal que conferiu às tendências de inspiração italiana e na renovação da lírica mais tradicional que reside parte do seu génio.

Na poesia lírica avultam os poemas de temática amorosa, em que se tem procurado solução para as muitas lacunas em relação à vida e personalidade do poeta. É o caso da sua relação amorosa com Dinamene, uma amada chinesa que surge em alguns dos seus poemas, nomeadamente no conhecido soneto «Alma minha gentil que te partiste», ou de outras composições, que ilustram a sua experiência de guerra e do Oriente, como a canção «Junto dum seco, duro, estéril monte».

No tratamento dado ao tema do amor é possível encontrar, não apenas a adopção do conceito platónico do amor (herdado da tradição cristã e da tradição e influência petrarquista) com os seus princípios básicos de identificação do sujeito com o objecto de amor («Transforma-se o amador na cousa amada»), de anulação do desejo físico («Pede-me o desejo, Dama, que vos veja / Não entende o que pede; está enganado.») e da ausência como forma de apurar o amor, mas também o conflito com a vivência sensual desse mesmo amor. Assim, o amor surge, à maneira petrarquista, como fonte de contradições, tão bem expressas no justamente célebre soneto «Amor é fogo que arde sem se ver», entre a vida e a morte, a água e o fogo, a esperança e o desengano, inefável, mas, assim mesmo, fundamental à vida humana. A concepção da mulher, outro tema essencial da lírica camoniana, em íntima ligação com a temática amorosa e com o tratamento dado à natureza (que, classicamente vista como harmoniosa e amena, a ela se associa, como fonte de imagens e metáforas, como termo comparativo de superlativação da beleza da mulher, e, à maneira das cantigas de amigo, como cenário e/ou confidente do drama amoroso), oscila igualmente entre o pólo platónico (ideal de beleza física, espelho da beleza interior, manifestação no mundo sensível da Beleza do mundo inteligível), representado pelo modelo de Laura, que é predominante (vejam-se a propósito os sonetos «Ondados fios de ouro reluzente» e «Um mover d'olhos, brando e piedoso»), e o modelo renascentista de Vénus.

Temas mais abstractos como o do desconcerto do mundo (expresso no soneto «Verdade, Amor, Razão, Merecimento» ou na esparsa «Os bons vi sempre passar/no mundo graves tormentos»), a passagem inexorável do tempo com todas as mudanças implicadas, sempre negativas do ponto de vista pessoal (como observa Camões no soneto «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades»), as considerações de ordem autobiográfica (como nos sonetos «Erros meus, má fortuna, amor ardente» ou «O dia em que eu nasci, moura e pereça», que transmitem a concepção desesperançada, pessimista, da vida própria), são outros temas dominantes da poesia lírica de Camões.

No entanto, foi com Os Lusíadas que Camões, embora postumamente, alcançou a glória. Poema épico, seguindo os modelos clássicos e renascentistas, pretende fixar para a posteridade os grandes feitos dos portugueses no Oriente. Aproveitando a mitologia greco-romana, fundindo-a com elementos cristãos, o que, na época, e mesmo mais tarde, gerou alguma controvérsia, Camões relata a viagem de Vasco da Gama, tomando-a como pretexto para a narração da história de Portugal, intercalando episódios narrativos com outros de cariz mais lírico, como é o caso do da «Linda Inês». Os Lusíadas vieram a ser considerados o grande poema épico nacional. Toda a obra de Camões, de resto, influenciou a posterior literatura portuguesa, de forma particular durante o Romantismo, criando muitos mitos ligados à sua vida, mas também noutras épocas, inclusivamente a actual. No século XIX, alguns escritores e pensadores realistas colaboraram na preparação das comemorações do terceiro centenário da sua morte, pretendendo que a figura de Camões permitisse uma renovação política e espiritual de Portugal.

Amplamente traduzido e admirado, é considerado por muitos a figura cimeira da língua e da literatura portuguesas. São suas a colectânea das Rimas (1595, obra lírica), o Auto dos Anfitriões, o Auto de Filodemo (1587), o Auto de El-Rei Seleuco (1645) e Os Lusíadas (1572)

Canto lll (20-21)

Eis aqui, quase cume de cabeça
De Europa toda, o reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floreça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora; elá na ardente
África estar quieto o não consente

Esta é a ditosa pátria minha amada
À qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lira, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela antam os íncolas primeiros.

Além de Poeta, Luis Vaz de Camões foi um grande guerreiro, tendo combatido no Norte de África, onde cegou do olho direito, e na Índia (Goa). Morreu a 10 de Junho de 1580, pouco tempo antes de Portugal perder a independência. Conta-se que, ao exalar o último suspiro, terá exclamado angustiado: “Ao menos morro com a Pátria”.

Camões teria nascido em Coimbra em 1524, filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo. A vida deste grande homem foi uma vida de aventuras e adversidades.
A sua cultura clássica abarcou tanto os poetas latinos como os filósofos gregos. Além destes, Dante e Petraca eram os seus autores predilectos. A Geografia, a História Antiga, tanto dos Romanos e dos Gregos como dos povos da Península Ibérica, a Astronomia e as artes militares, tudo ele conhecia e, mais do que conhecia, tinha sempre presente, pois afigura-se quase certo que as paráfrases de versos latinos escritos na Ásia e na África foram feitas de momória. É pouco provável que os preciosos livros da época andassem na bagagem de Camões, que, apesar da nobreza da sua família, foi um pobre soldado endividado, tendo permanecido dezassete anos afastado da Pátria.

Mas a vida de Luís de Camões não foi só o estudo. Em Coimbra, quando contava menos de vinte anos, misturava já os prazeres do espírito com os do corpo. Autores portugueses afirmam que o poeta aprendeu nessa época a arte de conquistar os corações femininos, tornando-se ainda mais invejado pelos fidalgos que, apesar de terem fortuna, não conseguiam o seu êxito junto das belas damas da nobreza.

Depois de ter frequentado durante curto tempo a corte de D. João 111, partiu para em 1547 para Ceuta, onde ali perdeu seu olho direitos numa escaramuça com os árabes.

Três anos depois, regressou a Portugal, onde teve vários duelos e rixas, numa delas feriu gravemente um servidor do Paço Real. Custou-lhe isto um ano de prisão, durante o qual compôs o primeiro canto dos Lusíadas.

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Toprobana,
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles que por obras valerosas
Se vão de lei da Morte libertando

- Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.


Em 1553, segue para Goa, na armada de Fernão Álvares Cabral (filho de Pedro Álvares Cabral) e ai toma parte em várias expedições militares, batendo-se como sempre, valentemente. Da Índia vai para Macau, onde escreve mais de seis cantos do poema. Aí foi nomeado para o cargo de Provedor-Mor dos defuntos e Ausentes em Macau, e antes de entrar no exercício das suas funções, Luís de Camões participou em várias campanhas militares: atacou beduínos na Arábia, tomou parte em batalhas contra nativos que combatiam os portugueses, esteve em expedições no Vietname e em Malaca, actividades que soube descrever no seu poema, tirando delas conclusões que ainda hoje continuam válidas:

A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando

É chamado a Goa. Naufraga na costa do Camboja, junto à foz do rio Mekong e salva-se, nadando com um braço e erguendo o outro acima das vagas, o manuscrito dos Lusíadas. Chegado a Goa, sofre acusações caluniosas e é preso novamente.

Em Goa, Luís de Camões convidou cinco nobres portugueses para um banquete em sua casa. Estes ficaram surpreendidos por lhes serem apresentados pratos cheios de folhas manuscritas de poesia, em vez de iguarias que esperavam. O Poeta e nobre soldado, com humor e uma nota de tristeza, anunciou-lhes o seu deplorável estado de finanças:

Se não quereis padecer
Uma ou duas horas tristes,
Sabeis que haveis de fazer ?
Volveros por dó veniste,
Que aqui não há que comer ...

A muito custo consegue justificar-se, recuperando a liberdade, mas ainda passa por grandes trabalhos e baldões, ante de iniciar o regresso a Portugal.

De um capitão de uma nau conseguiu passagem gratuita até Moçambique, onde esperava encontrar a protecção de um amigo. Porém, as suas esperanças frustraram-se e a situação tornou-se-lhe catastrófica. Quem o encontro nessas tristes circunstâncias foi o historiador Diogo do Couto, que faz referências ao caso nas suas “Décadas da Índia”: “Em Moçambique achamos aquele Príncipe dos Poetas, Luís de Camões, tão pobre que comia de amigos, e, para se embarcar para o Reino, lhe juntámos toda a roupa que houve mister, e não faltou quem lhe desse de comer. E aquele Inverno que esteve em Moçambique, acabando de aperfeiçoar as suas Lusíadas para as imprimir, foi escrevendo muito em um livro, que intitulava Parnaso de Luís de Camões, livro de muita erudição, doutrina e filosofia, o qual lhe furtaram. E nunca pude saber, no Reino, dele, por muito que inquiri. E foi um furto notável”.

Camões voltou a Lisboa com Diogo do Couto, chegando por ocasião da grande peste que dizimou a população (1568 / 1569). Aí, teve conhecimento de que uma das suas grandes amadas havia morrido cedo, com vinte cinco anos, quando ele ainda estava em Macau. Assim, escreveu Camões, provavelmente em memória de D. Catarina de Ataíde:

Perfeita formosura em terra idade
Qual flor que antecipada foi colhida
Murchada está da mão da morte dura

Em 1572, sai a primeira edição dos Lusíadas, tendo o rei D. Sebastião lhe concedido uma tença anual de quinze mil reis.

Os últimos tempos da vida de Camões, foram amargurados pelas enfermidades e pela miséria. Um escravo de nome Jau, que trouxera de Goa, salvou-o de morrer de fome, pois segundo reza tradição, todas as noites ia esmolar para ele, pelas ruas de Lisboa. Em 10 de Junho de 1580, expirou numa miserável enxerga, dentro de uma barraca de madeira, para os lados do Campo Santana. Foi um dos maiores poetas que a humanidade teve, e que era ao mesmo tempo notável homem de ciência em História, em Geografia, em Humanidades Clássicas e em Literatura Geral.

O seu poema espelha a alma portuguesa com a sua feição sonhadora e amorosa, o seu entusiasmo, o seu espírito de aventura, o seu belicoso ardor.

Camões criou um estilo seu, enriquecendo a Língua Portuguesa do seu tempo com formas elegantes e originais, que ainda hoje são admiradas e estudadas.

Para servir-vos, braço às armas feito;
Para cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece ser a vós aceito,
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto é céu concede, e o vosso peito
Digna empresa tomar de ser cantada
- Como a pressaga mente vaticina,
Olhando a vossa inclinação divina -,

O fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandre em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja.

Fonte:
Trabalho e Pesquisa de Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal
http://www.caestamosnos.org/Pesquisas_Carlos_Leite_Ribeiro/Dia_de_Camoes.html

Luis Vaz de Camões (Soneto)

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Fonte:
Luis Vaz de Camões. Sonetos e Redondilhas. Ediouro.
http://www.sonetos.com.br/

Artur de Azevedo (Conto: História de um Soneto)

Antes de entrar definitivamente na vida prática, Ludgero Baptista, hoje um dos nossos industriais de polpa, fazia versos. Eram rimas inofensivas; entretanto, um dos seus sonetos - um, pelo menos - foi escrito com más tenções, e, se alguma desculpa tem o poeta, deve-a unicamente aos seus vinte e três anos, idade em que o homem não sabe medir bem as conseqüências dos seus atos... nem dos seus versos.

Havia naquele tempo, como ainda as há, e em maior número, talvez, uma senhora casada, por nome Laura Rosa, um nome de flor, a qual se comprazia em arrastar atrás de si uma chusma de corações masculinos, e cuja formosura fazia sensação em toda a parte aonde a levava o marido, um tal comendador Rosa, muito dado a festas e espetáculos.

Ludgero encontrou-a um dia no Jockey Club, e aconteceu-lhe o mesmo que a todos os rapazes do seu gênero: enamorou-se dela. Dali por diante não perdia corrida de cavalos em que Laura Rosa estivesse, e, ou fosse que realmente os olhos da formosa dama lhe prometessem mais do que deviam, ou fosse natural filáucia de namorado jovem, ele considerou-se autorizado a empregar algumas diligências, a fim de que os seus amores saíssem do período ingrato do platonismo, e entrassem numa situação mais positiva.

Para isso, recorreu à musa, que não abandona o poeta nessas emergências exóticas, e escreveu o soneto em questão. Era nada mais nem menos que uma injúria, até certo ponto atenuada pela rima e pelo metro; mas, como se sabe, os fazedores de versos tiveram, em todos os tempos, o privilégio de insultar as senhoras, sem que a moral pública os responsabilizasse por isso.

Eis aqui o soneto, que se intitulava:

SÚPLICA

Desde o dia feliz em que, pasmado,
Pela primeira vez te vi, senhora,
Um sentimento no meu peito mora
Feito de angústia e feito de pecado.

Não creias que ninguém houvesse amado
Tão loucamente como eu te amo agora,
Nem mesmo, oh! linda Laura, no de outrora
Cavalheiresco tempo celebrado!

Para que finde o meu suplício airoso,
Ou me concede o mendigado beijo,
Este martírio transformado em gozo,

Ou revela ao teu dono o meu desejo:
Talvez ele me faça venturoso,
Dando-me a doce morte, enfim, que almejo!
Ludgero Baptista assinou esse desaforo com as iniciais do seu nome, L.B., e publicou-o na revista literária Nova Aurora, órgão especial dos "novos" daquela época.

Publicado o soneto, mandou o poeta entregar um número do periódico à "linda Laura", procurando, naturalmente, ocasião em que o comendador Rosa não estava em casa, e tendo o cuidado de chamar, com um traço de lápis vermelho, a atenção da moça para os versos em que tão indiscretamente ia envolvido o nome dela.

Não sei qual foi o resultado obtido por Ludgero, nem isso importa à narrativa; creio, entretanto, que a súplica não foi atendida: nem Laura Rosa lhe deu aquele "mendigado beijo", que era um eufemismo bandalho, nem disse nada ao seu dono, e ainda bem, porque se o poeta não logrou a ventura que almejava, também não perdeu a vida, que aproveitou mais tarde, nem mesmo apanhou a sova que merecia.

O caso é que o nosso homem tomou juízo, e abriu mão de todas as suas veleidades poéticas, para cuidar de coisas mais sérias e mais úteis.

A fortuna sorriu-lhe. Aos trinta anos, estava ele senhor de algumas centenas de contos de réis, e aos trinta e sete principiou a sentir, pela primeira vez, necessidade de constituir família.

Isso coincidiu com o encontrar, em casa de uma família de amigos, a interessante Blandina, moça pobre, que realizava perfeitamente o seu ideal, quer no moral, quer no físico.

Blandina contava apenas vinte e três primaveras, justamente a idade que ele tinha quando escrevera a "Súplica"; mas, não obstante essa diferença de quatorze anos, o casamento não lhes pareceu desproporcionado: queriam-se deveras.

Ela talvez fosse um pouco romântica, cheia de mistérios e devaneios, sequiosa do imprevisto e do ignorado; mas esse defeito, se o era, não repugnava ao que em Ludgero ficara do sonhador de outrora.

Casaram-se.

Casaram-se, e foram excepcionalmente felizes durante os dez primeiros anos; mas passado esse tempo, ele que estava às portas do semicentenário e poderia passar por mais velho, ao passo que ela não parecia ter ainda os seus trinta e três, julgou que sua mulher já não o amava como dantes...

Perdi o encanto - disse ele aos seus botões - tenho agora os cabelos grisalhos, engordei muito, sofro de reumatismo, e Blandina conserva a mocidade, a beleza e a elegância que tinha na ocasião do nosso primeiro encontro... O nosso enlace não era, mas tornou-se desigual... Para sermos felizes até a morte, fora preciso que envelhecêssemos juntos, como Filêmon e Báucis...

Efetivamente, Blandina, que, durante os primeiros dez anos de casada nunca reparou que seu marido ressonava alto, não o podia agora suportar, queixando-se de não poder dormir ao som de um rabecão. Ao mesmo tempo deixava-se absorver, horas esquecidas, em longas cismas, e suspirava de instante a instante, como se alguma coisa lhe faltasse...

Ludgero inquietou-se, e começou a observar com olhos ciumentos o que se passava em torno de si. Não lhe tardou perceber que a sua casa era constantemente rondada por um rapazola, que poderia ser seu filho e, mesmo, filho de sua mulher. De uma feita, deu com ele à esquina entregando uma carta à cozinheira; escondeu-se, entrou em casa de mansinho, sem ser visto, e interceptou a missiva no momento preciso em que esta passava das mãos da intermediária para as de sua mulher.

Ludgero tomou a mão de Blandina, que tremia como varas verdes, e levou-a para o interior do seu gabinete.

- Quem é aquele sujeitinho que te mandou esta carta?

- Não sei - respondeu ela, e desatou a chorar.

- Por que choras?

- Choro, porque não tenho culpa. Não sei quem me escreveu... Desconfio de um mocinho impertinente que costuma passar por aqui e me cumprimenta com um sorriso muito amável quando me vê à janela... Juro-te que eu devolvia essa carta sem abrir!...

- Abro-a eu! - disse Ludgero, engasgado pela comoção - e rasgou o invólucro. Estava dentro um soneto, escrito em papel ridículo, cercado de florinhas e rendilhado nos cantos.

Ao ler o primeiro verso,

Desde o dia feliz em que, pasmado,

o marido reconheceu logo o seu velho soneto, que tinha sido copiado, palavra por palavra, sofrendo apenas uma alteração no segundo quarteto: o nome de "Laura" fora substituído pelo de "Blandina", o que, aliás, desfigurava o verso, evidenciando que o copista era inteiramente hóspede em metrificação.

Ludgero deu uma gargalhada.

- De que te ris?... Que há que te faça rir? - perguntou Blandina.

- Ri-me, porque o teu infeliz namorado te mandou um soneto que não é dele, e sim meu!

- Teu?

- Sim! A coincidência é notável... Vais ver!

Ludgero abriu uma gaveta, e tirou de dentro dela o número amarelado da Nova Aurora, em que vinha estampada a sua "Súplica".

- Aqui tens! Olha! Compara! Está assinado com as minhas iniciais!

- Tu fazias versos?

- Fazia-os, e ainda os farei, se quiser - tanto assim, que vou escrever outro soneto em resposta a este, e hás de tu copiá-lo com tua letra, e eu mesmo o entregarei ao tal mocinho.

- Está dito!

A prontidão com que Blandina proferiu esse "está dito" foi a melhor prova que Ludgero teve de que poderia continuar a conservá-la junto de si. O mesmo não sucedeu à cozinheira, que foi posta na rua.

No dia seguinte estava escrita a resposta. Blandina copiou-a, e, na mesma tarde, quando o rapazola, parado à esquina, interrogava as janelas, Ludgero aproximou-se dele, e disse-lhe:

- Jovem, aqui tem a resposta de minha mulher ao seu soneto. Espero que, depois de lê-la, o meu amiguinho não me rondará mais a porta; mas, se continuar, previno-o de que o mato a bengaladas!...

O rapazola fugiu, e não consta que reaparecesse no bairro. Foi esta a:

RESPOSTA

Para satisfazer ao seu pedido,
Na parte da denúncia e não do beijo,
Revelei a meu dono o seu desejo.
Os versos entreguei a meu marido.

Este em vez de ficar enfurecido,
E de agarrar um ferro malfazejo,
Tomou a coisa à conta de gracejo,
E pôs-se a rir como um perdido!

Pois se é ele o autor do tal soneto!
O senhor copiou-o da Nova Aurora,
Estragando-lhe apenas um quarteto...

Ele, que a Musa já mandou embora,
Cede-lhe os versos (discrição prometo),
Mas não quer sociedade na senhora.

Blandina Baptista
Blandina leu todos os versos antigos de seu marido, e perdoou-lhe os cabelos grisalhos, o abdômen, o reumatismo e, até, o ressonar alto: adora-o.

Ludgero descobriu que o rapazola era filho de Laura Rosa; provavelmente, encontrou o soneto entre os papéis da mãe, que já não existia...

O ex-poeta viu em tudo isso uma espécie de punição, e, como tem os seus momentos de filosofia barata, pensa muitas vezes que um homem pode ser ferido, mais dia menos dia, pela própria arma que forja com intenção maligna, mesmo quando essa arma seja simplesmente um mau soneto.

Artur Azevedo. Contos. Ed. Escala. Col. Grandes Obras.
http://www.sonetos.com.br/hdus.php

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Sidónio Muralha (1920 - 1982)


Quando Tudo Aconteceu...

– 1920: Em 28 de Julho, Sidónio Muralha nasce na Madragoa, Lisboa, filho do jornalista socialista Pedro Muralha.
– 1941: Publica BECO, poesia político-social.
– 1942: Com a chancela do “Novo Cancioneiro”, publica PASSAGEM DE NÍVEL, outros poemas de intervenção
– 1943: Desembarca no Congo Belga, em exílio voluntário. Ali chegará a ser diretor geral da Unilever Internacional (SM estudara Ciências Econômicas e Financeiras em Lisboa e, mais tarde, estudará Administração de Empresas na Universidade de Louvain, na Bélgica).
– 1944: Casa, por procuração (ela em Portugal, ele no Congo) com Maria Fernanda d’Almeida. O casal terá quatro filhos: Alexandre, José Ricardo, Beatriz e Mário Jorge.
– 1950: Durante umas férias em Portugal, SM promove a edição de COMPANHEIRA DOS HOMENS, novos poemas político-sociais; e também do seu primeiro livro de poemas para crianças: BICHOS, BICHINHOS E BICHAROCOS.
– 1960: Pressionados pela efervescência política, os Muralha se afastam do Congo e, durante dois anos, irão morar em Bruxelas. Neste período, contratado pela Unilever, SM viaja constantemente pelo mundo, prestando assessoria econômica a mercados financeiros. Estagia e trabalha em Bofatá, Guiné-Bissau, Ostende, Dakar, Londres e Paris.
– 1961: SM chega sozinho ao Brasil (a família virá mais tarde). Em São Paulo, com o escritor Fernando Correia da Silva e o pintor Fernando Lemos (ambos portugueses) funda a Editora Giroflé, que irá revolucionar e criar um novo padrão para as publicações dirigidas às crianças. Apoio integral de intelectuais e artistas brasileiros, sucesso de crítica e fracasso de bilheteria.
– 1962: A TELEVISÃO DA BICHARADA, poemas para crianças, chancela Giroflé, recebe o I Prêmio da Bienal do Livro de São Paulo. Entretanto, SM continua trabalhando para a Unilever no Brasil, prestando assessorias financeiras, proferindo conferências pelo país todo. Sempre bem sucedido.
– 1963: SM publica OS OLHOS DAS CRIANÇAS.
– 1974: Ao embarcar para visitar o Portugal libertado, SM declara: “Voltar não voltarei. Sempre lá estive.”
– 1976: SM recebe o “Prêmio Meio Ambiente na Literatura Infantil” pelo seu livro VALÉRIA E A VIDA.
– 1978: Falecimento de Maria Fernanda d’Almeida Muralha.
– 1979: SM recebe o “Prémio Portugal 79 – Livro para Crianças” pelo seu HELENA E A COTOVIA. Casa com a médica obstetra Dra. Helen Butler, com quem passa a viver em Curitiba.
– 1982: A 8 de dezembro falece em Curitiba, Paraná, Brasil. Sidónio Muralha foi um dos precursores do neo-realismo português com BECO (1941). Publicou 21 livros em prosa (contos, um romance, ensaio e depoimento) e versos para adultos e 15 para crianças, por editoras portuguesas e brasileiras. É considerado um dos melhores poetas para crianças em língua portuguesa.

Aventuras Venturosas

Perseguido pela polícia política salazarista, resolveu embarcar com Alexandre Cabral para o Congo Belga. Como não falavam francês, contrataram uma professora com quem treinaram arduamente uma conversa-padrão até decorarem todas as respostas, sem se preocuparem em entender as perguntas... Com evidente surpresa, conseguiram o emprego.

Sidónio era campeão de pingue-pongue e durante a longa viagem marítima, mobilizou os passageiros para investirem em apostas na sua performance com a saltitante bolinha branca. Vitorioso nas disputas conseguiu algum dinheiro que o ajudou a se manter nos primeiros e difíceis tempos de África.

Ele mesmo conta, do seu jeito saboroso, suas primeiras experiências africanas e o desenrolar destas aventuras de exílio:

Quando fui para o Congo, depois de uma conferência de Bento de Jesus Caraça, acompanhado de Alexandre Cabral e perseguidos pela polícia política, conseguimos um emprego, graças ao Soeiro Pereira Gomes (Soeiro Pereira Gomes, que também trabalhou e viveu em África, escreveu um romance notável, ESTEIROS, na beira-Tejo os meninos sem infância. Morreu, de mal incurável, durante a clandestinidade antifascista, solidão.), nosso querido camarada e amigo, na Unilever Internacional (quarto trust mundial, ironia do destino). Fui nomeado gerente de uma loja em Bukavu. Um dia, de repente, apareceu de “Cadillac” um indivíduo chamado Charles Jacquemart, o qual me perguntou que fazia eu ali como gerente, pois, como português, eu deveria estar atrás do balcão, a pesar cebola e batata e a cortar presunto. Pensei esmurrá-lo, mas isso colocar-me-ia na situação de ter de regressar a Portugal, de onde, depois, o Salazar nunca me deixaria sair. E decidi ir cortar presunto. Foram tempos difíceis e dolorosos. Então, prometi a mim mesmo arrebatar o lugar a esse diretor-geral que me havia ofendido. Segui cursos de especialização e freqüentava a Universidade de Lovaina, sempre que ia de férias. Galguei setecentos e vinte lugares e, sete anos depois, estava ao lado desse diretor-geral, como diretor comercial. Quando ele foi de férias escrevi um relatório sobre as suas atitudes desumanas, em relação ao pessoal, e acerca das inúmeras irregularidades cometidas. De Londres, recebi uma carta a nomear-me diretor-geral. Lembrei, mais tarde, a esse indivíduo que os portugueses eram para ser arremessados atrás dos balcões e ordenei-lhe que saísse imediatamente.

Escolhi o Brasil, sobretudo por causa da língua. Mas não acredito na existência de coisa mais trágica que o exílio.”


Entre as altas finanças, a administração exigente e a poesia chamante, viveu sempre de modo intenso e contrastante. Pulou, na mesma semana, da floresta úmida para alguma metrópole sofisticada. Voou entre a África e a Europa conseguindo pernoitar e produzir, em alguns dias intervalados, na selva e Paris, em Bruxelas ou em alguma aldeola perdida. Nunca perto da repetitiva monotonia...

Certa vez contou que fez: “em oito meses oitenta e oito mil quilômetros de avião e vinte e sete mil de estradas” supervisionando várias equipes por todo o Brasil. Dizia e repetia enfaticamente: “A disciplina, a economia de meios, o ordenar as idéias e emoções de maneira harmoniosa e ao mesmo tempo direta, confundem por vezes no meu espírito poesia e organização. Existe em organização uma necessidade de criatividade e de pesquisa que não é incompatível com a poesia. As duas podem ajudar a salvar o mundo».

Viveu intensamente. Viajou incansavelmente. Organizou obsessivamente. Poetou constantemente .

Megafone no Beco

Com pouco mais de 20 anos, em 1941, Sidónio Muralha publicou seu primeiro livro - BECO - reunindo poemas de protesto social, de indignação com a ditadura salazarista, incorporando-se ao neo-realismo que então se iniciava e congregava poetas que ainda nem se conheciam, mas que bradavam - isolada e convictamente - pela justiça.

Em 1942, veio PASSAGEM DE NÍVEL e em 1950 COMPANHEIRA DOS HOMENS, mantendo a sublinhação denunciante das injustiças, soltando gritos raivosos com o descaso com os pobres, os velhos, os negros, as mulheres. Odes indignadas e loas compassivas a todos os marginalizados.

Luís Carlos, jornalista aposentado, comunista de carteirinha, se comove todas às vezes que relê algum destes poemas. Tem todos estes livros (e mais os outros que nunca foram mui divulgados e conhecidos...) em sua estante e em noites de insônia leva algum deles para a sua cabeceira. Então, lê- meditativamente- até a aurora se anunciar ou o sono chegar e o derrubar.

Maria Lúcia, professora liberal e liberada, não segura seu espanto com a estereotipia gritona e gritante dos versos e imagens. Leu por exigência escolar, fez a prova, declarou clara e explicitamente a sua opinião e foi reprovada. No ano seguinte releu os mesmos livros, elogiou no exame engolindo a sem-gracice e conseguiu a nota almejada. Às vezes, apanha um volume na biblioteca pública, folheia, se detém aqui ou ali e se pergunta o que Saramago ou o Álvaro Cunhal realmente diriam...

Sidónio Muralha fez várias profissões de fé. Uma delas: “Escrever é participar.”

Mais maduro, em 1963 publicou OS OLHOS DAS CRIANÇAS, 25 poemas embalados em requintado projeto gráfico. Neles se depara com a tristeza infinda pela solidão e miséria das crianças espalhadas pelo mundo. Desfilam garotos esfarrapados carregando o silêncio, despertando mal-estares em “implacáveis paisagens” . Flashes líricos e nostálgicos se mesclam com crianças indesejadas que “fustigam o rosto da cidade.”

O jornalista Luís Carlos copiou com tinta preta e letras imensas os versos que mais lhe tocaram deste livro e dependurou sobre a sua escrivaninha para se recordar sempre da premência do que deve fazer:

Olham os poetas as crianças das vielas
mas não pedem cançonetas mas não pedem baladas
o que elas pedem é que gritemos por elas
as crianças sem livros sem ternura sem janelas
as crianças dos versos que são como pedradas
.”

A professora Maria Lúcia se debruçou na janela e cantarolou uma cantiga de antigamente. Lúdica, brincante, risonha. Depois, mansamente caminhou até à sua estante, vasculhou e encontrou o que desejava ler naquela exato momento. Se enroscou na poltrona aveludada e mergulhou nos sonetos de Florbela Espanca...

Quase uma década depois, em 1972, Sidónio publicou O PÁSSARO FERIDO, reunindo muitos poemas e poucas crônicas. Neste pequeno volume, vagueia pelas saudades e reconhecimentos: dele mesmo, de cidades, amigos. Adentra por espantos jubilosos: “Não tenho tempo para ter idade.”, por ternuras contidas, usa de demolidora ironia com heróis pouco heróicos, ousa novas buscas.

No pórtico se lê outra profissão de fé: “Nasci homem, antes de ser poeta. Minha poesia nunca trairá os homens, meus companheiros. Se eles sofrem, ela, que faz parte de mim, sofre com eles e tem movimentos de fúria e de raiva como os bichos encurralados.”

Pela primeira vez, o velho jornalista e a jovem professora que nem se conheciam, concordaram.

Só Sabia o Sabiá

Sidónio cocoricou e começou a poetar para crianças. Em 1950 publicou BICHOS, BICHINHOS E BICHAROCOS uma coletânea divertida, onde se acriança, espanta, brinca, busca aliterações, segue brigas, surpreende. Verseja breve ou se estende por poemas compostos por várias estrofes, sem temer que a criança-leitora desista de chegar ao longínquo final...

Certa vez, perguntado, respondeu: “ Sempre me interessei pelas crianças e dou tudo o que de melhor para dar quando escrevo para elas...Quando escrevo, vejo desfilar imagens da infância que gostaria de ter tido mas não tive, porque custava muito caro. Quero entregar às crianças de hoje o que gostaria de ter recebido. Se não lhes dou mais e melhor é porque não sei. É tudo.”

Audaciou, criou, brincou. Em A TELEVISÃO DA BICHARADA, de 1962 - sem dúvida seu melhor livro - desconserta com os inesperados risonhos:
Boa Noite.
A zebra quis
ir passear
mas a infeliz
foi para a cama
- teve que se deitar
porque estava de pijama.


quebra os preconceitos, aplaude a miscigenação (tão ao gosto luso), se encanta com o novo resultado:

Se é branca a gata gatinha
e é preto o gato gatão
como é que são os gatinhos?
- os gatinhos eles são,
são todos aos quadradinhos
.”

produz o puro deleite ao narrar a oferenda, um lenço colorido, que a girafa deu ao seu marido:

Que alegria!
- disse o marido -
ponha a pata
nesta pata,
com um pescoço
tão comprido
você não podia
ter-me comprado
uma gravata
.”

Sempre humorado, abençoadamente politicamente incorreto nestes momentos criançais, ludicamente conta a conversa entre dois tatus gagos, descreve a imensidão do elefante ou o encantamento vaidoso do cardeal ao ver sua própria imagem espelhada... Não é conivente com as mentiranças natalinas e jocosamente adentra pelo sotaque espanhol dum peru nascido no Peru, cujo destino fatal é conclusivo: “se não houvesse Natais, haveria perus a mais.”

Nestes poemas, irresistível é o ritmo chamante, bailante, sensual, convidativo para os olhos se debruçarem na leitura e os pés e as mãos marcarem os pontos de parada e de andada.

A floresta
acordada
pela madrugada
de um dia
de festa
abria
a saia rodada


ou

partiu do canteiro
e o marinheiro
partiu,
partiu o navio,
partiu o marinheiro
.”

O velho jornalista Luís Carlos vagueou seguindo seu cigarro aceso, espiralou a fumaça e quis que ela também lhe trouxesse a suave boniteza reencontrada:

- mas do cachimbo saíram a voar
um colibri,
dois colibris
três colibris
.”

A jovem professora Maria Lúcia festejou a alegria e a poesia descobertas naquele doce e ocasional momento e dizendo pela primeira vez:
Era um sábio o sabiá.”

sabendo que assim falava do sabiá Sidónio Muralha, que até então tão mal conhecia e tão pouco sabia...

Em A DANÇA DOS PICAPAUS, lançado em 1976, Sidónio continua encantando e provocando, num jogo inusitado entre vários bicharocos , respostas inusitadas da criança-leitora. Propondo que ela faça a prova dos nove se acreditar que a onça é um gato crescido, lendo anúncios chorosos de quem enfrentou agruras dolorosas:
Urso procura mel
que não tenha abelhas
”.

chamando para o movimento contínuo ao se deixar levar pela irresistível sonoridade:
Quebra-se o ovo da rola
sai uma rola do ovo
que bota um ovo de rola
e tudo começa de novo.


VOA, PÁSSARO, VOA, lançado em 1978, é a edição portuguesa destes dois deliciosos livros poemais publicados no Brasil. Reúne as 16 poesias da TELEVISÃO DA BICHARADA , outras 10 da DANÇA DOS PICAPAUS e agrega dois inéditos... FILM EN COULEUR, de 1981, também reimprime poemas da TELEVISÃO DA BICHARADA e alguns outros pedindo tradução urgente para as crianças que - ainda - só lêem em português.

Importante é assinalar que o parceiro visual, o ilustrador e programador gráfico mais constante do poeta Sidónio foi o artista plástico Fernando Lemos, também nascido nas terras lusitanas.

Em 1981, saiu a ciranda lírica TODAS AS CRIANÇAS DO MUNDO e em 1983 O ROUXINOL E SUA NAMORADA onde- entre namoricos passarinhais e de outros bicharocos, se estende a ternura, a procura da liberdade e se reencontra, espalhados pelas páginas, os trocadilhos divertidos, as aliterações inventivas, o ritmo chamante.

A professora Maria Lúcia sentiu subir a indignação. Se perguntou e não conseguiu se responder porque seus professores, quando ela era ainda uma criança, não leram os poemas infantis de Sidónio Muralha para ela e seus colegas. Teria sorrido, se surpreendido, se espantado, se divertido. Teria simplesmente adorado! Teria se iniciado antes nas delícias da poesia... Festejou o que agora sabia. Sabia o que leria para seus alunos, logo amanhã.

mas onde estava a alegria
mas onde estava a poesia
só sabia
o sabiá.
(...)
- era um sábio o sabiá
.”

Sidónio Muralha foi vanguarda na forma de versejar para crianças. Inventou, brincou, inovou, deleitou. E permanece ocupando um dos primeiros lugares entre os que melhor escreveram poesia infantil, em língua portuguesa, no século 20.

Perdido na Prosa Emperrada

Sidónio Muralha também se dirigiu às crianças pelas veredas da prosa e narrou nove histórias, editadas em Portugal ou no Brasil.

O jornalista Luís Carlos conta - sempre emocionado - aos seus netos O COMPANHEIRO e A AMIZADE BATE À PORTA (ambos de 1975) e CATARINA DE TODOS NÓS (de 1979). Relembra seu próprio fervor quando da Revolução de Abril, faz sua voz ressoar mais forte e firme ao ressaltar o discurso político, os males da colonização, a bravura da camponesa anti-racista.

A professora Maria Lúcia não disfarça sua irritação com o dogmatismo, o maniqueísmo, a discurseira político-ensinante destas histórias. Procura a poesia solta e sábia e só encontra a prosa travada.

Luís Carlos considera fundamental o eixo de VALÉRIA E A VIDA (1976), um brado contra a poluição nefasta. Não duvida, na firmeza de sua crença convicta: tem que se conscientar as crianças. Nada é mais importante num livro que se quer e se pretende livro! Maria Lúcia se espantou com a quantidade de frases feitas que encontrou nestas páginas, com a ausência de sabor, de vitalidade...Se disse: ”decididamente não sou adepta duma história que se encolhe e se estreita para dar passagem ao recado-da- participação. Quero literatura, não manifestos. Para mim e para meus alunos.”

Em SETE CAVALOS NA BERLINDA (1977), Maria Lúcia volteou surpreendida. Nas primeiras páginas soltura e leveza, seguidas dum sensível lirismo...Logo empacou. O texto não a fez cavalgar, galopar, nem trotar como os cavalos. Olhou ressabiada, dispensou a carruagem e pegou um poético e colorido bonde que por ali passava e que prometia lhe fazer chegar num lugar cheiinho de gostosuras e belezuras. Encheu-se de saborosas expectativas...

Luís Carlos guarda há anos, com especial desvelo HELENA E A COTOVIA (1979). Sente-se comovido com os vôos libertadores dos pássaros. Encolhe-se na sua cinzenta poltrona e relembra quantas vezes se deparou com estas imagens...Não, não se importa com a obviedade, com o moralismo explícito, nem com os imensos e intermináveis parágrafos. Persiste na sua insistência convicta: seus netos e todas as crianças-leitoras-do-mundo ainda vão entender a amplitude da libertação dos pássaros e de todas as espécies aprisionadas... Fechou o colarinho impecavelmente branco e refez o nó da gravata.

Sidónio, uma vez perguntado, respondeu o que o levava a escrever para este público: “É importante escrever para as crianças e os jovens como um corredor de estafetas que passa o testemunho, para outros prosseguirem, e depois sai do campo, apaga-se, desaparece, leva com ele a certeza do dever comprido.” Ele optou pela tarefa, não pelo deleite provocativo que a literatura pode trazer.

Publicou ainda OS TRÊS CACHIMBOS, um croquis promissor dum texto não finalizado, o divertido O TREM CHEGOU ATRASADO e um ambíguo A REVOLTA DOS GUARDAS CHUVAS, onde se debate entre o non-sense e a chamada ensinante sobre os males da tirania, sem se resolver sobre o tom buscante.

Sidónio declarou certa feita: “Tanto a prosa como o verso para crianças têm que ter ritmo, têm que saber sentido de humor, têm que saber brincar, encaixar as frases umas nas outras, têm que despertar na criança o desejo criativo”.

A professora Maria Lúcia embasbacou quando leu esta resposta. Empalideceu, enraivou. Achou todos estes elementos na poesia do sabiá poeta. Não na sua prosa. Em alguns momentos encontrou um esboço de humor, de non-sense divertido e soltamente brincante, mas sempre apegado a um pano de fundo politizante. Não sentiu as frases encaixadas, escorrendo deslizantemente pelas páginas impressas. Leu um texto sem fluidez, sem envolvência. Não se seduziu, não embarcou e muito menos se viu com seus ímpetos criativos atonados e aflorados. Encontrou personagens apenas esboçados e o prosador preso, sem voar como já tinha mostrado que podia e sabia em seus encantados poemas.

O jornalista Luís Carlos perplexou. Gostou sempre destas histórias, exatamente porque não cediam às brincadeiras bobas e alienantes e ressaltavam a seriedade dos assuntos focados. Fosse a luta antifascista ou a antipoluição, a solução era sempre libertária. Mais do que demonstrados, muito bem provados. Estes eram os temas certos para se falar com as crianças, se repetiu. Gostou porque os personagens não se debatiam em conflitos ou impasses, tão ao gosto dos moderninhos sem compromissos com a luta maior. Gostou sempre porque os personagens não eram maiores do que a história. Gostou sempre, porque a narrativa é simples, clara, caminha numa reta que sabe onde vai chegar. Como todos os homens que lutam por um mundo mais justo! Luís Carlos apanhou vários volumes da prosa escrita por Sidónio e se dirigiu à casa dos netos para viverem, juntos, um entardecer esclarecedor.

A Editora Giroflé

No início dos anos 60, em São Paulo, alguns intelectuais e artistas portugueses capitaneados por Sidónio Muralha, Fernando Correia da Silva e Fernando Lemos, arregimentaram e se cercaram de vários profissionais liberais brasileiros e de exilados portugueses e se reuniram para formatar uma editora absolutamente original: a GIROFLÉ.

Nas pequenas saletas, o clima era de permanente efervescência, febricitação, criatividade impulsionadora e fazedora.

Pela primeira vez, no Brasil, uma editora se dedicava exclusivamente a livros para crianças...E que livros! Ousados no formato retangular, alongado, com um projeto gráfico belo e requintado e belo, papel kraft, capa dura...

Lançaram cinco títulos. Histórias ou poemas escritos por Cecília Meireles, Gerda Brentani, Fernando Correia da Silva, Guilherme de Figueiredo e Sidónio Muralha que por lá editorou o seu maior sucesso e também o maior sucesso da Giroflé: A TELEVISÃO DA BICHARADA (posteriormente relançado por duas outras editoras brasileiras).

Ilustradores do porte de Maria Bonomi e Fernando Lemos, um livro exibindo fotos de Dulce Carneiro no lugar de desenhos, mudava o conceito de ilustração do livro infantil... Inovações em cima de inovações!

O Boletim Pedagógico Giroflé sacudia a cabeça dos professores e pais, propondo questões, levantando novas angulações, ampliando o conceito do que fazer e suscitar nas crianças...Cartões postais reproduzindo desenhos infantis, impressos em impecável qualidade gráfica, embalados em envelopes de design avançado mostravam registros impactantemente coloridos do real olhar da criança. Esteticamente educativos.

A Giroflé buscou o humor, a leveza, o requinte, a formosura. A narrativa bem estruturada, a escrita de qualidade. Trouxe autores e ilustradores que nunca tinham escrito ou desenhado para crianças. Tratou a criança com atento respeito por sua inteligência e percepção atilados. Deslumbrou gentes de todas a idades. Inovou em tudo! Sua ousadia formal e textual (quase 40 anos depois) ainda não foi alcançada por nenhuma outra editora e está longe de ser superada.

Para quem lida com livros infantis, a chegada destes arrojados intelectuais e artistas portugueses, foi mais importante e impulsionante do que a de Cabral com suas caravelas. Trouxeram, efetivamente, a descoberta!

O Sorriso de Sidónio

Sidónio Muralha foi um homem sorridente, gargalhante, certo de suas certezas, entusiasmado, vital, por vezes arrogante. Como acrescentaria o jornalista Luís Carlos brindando com seus amigos: Como ele gostava de mandar as suas pedradas no charco, como a do BECO em 1941, poesia político-social quando a maioria dos poetas, para não sujar as mãos, declamava em esferas metafísicas... Foi a exultação da militância antifascista portuguesa.

E como agregaria a professora Maria Lúcia : Ainda bem que surgiram poetas como ele, que abriram as portas e vielas para que eu pudesse caminhar livre e solta por Lisboa.

Sidónio Muralha foi um enfático, sedutor, arrebanhador de carneiros para se aliarem às suas inadiáveis teimosias, generoso, cobrante, trabalhador, bon-vivant. Um homem dialético.

Escrevia sempre, onde estivesse. Em restaurantes ou aviões, na escrivaninha ou em alguma sala de espera. Apanhava qualquer papelucho disponível, um guardanapo de papel escondido, segurava sua majestática caneta e se punha a versejar. Por puro e irresistível impulso. Raro sair dum jantar, com ele, sem levar - na bolsa - um poeminha divertido, sarcástico e sintetizador do acontecido na noitada.

Sempre foi um correspondente contumaz. Avalanches de cartas para amigos anônimos ou afastados, para escritores famosos, para toda e qualquer criança que com ele quisesse conversar.
Íntegro, solidário, definiu assim a sua rota:

Parar. Parar não paro.
Esquecer. Esquecer não esqueço.
Se carácter custa caro
pago o preço
.”

Pagou!


Fonte
Texto de Fanny Abramovich. http://www.vidaslusofonas.pt/sidonio_muralha.htm

Fanny Abramovich por Fanny Abramovich


Nasci, cresci, estudei, namorei, badalei, trabalhei em São Paulo. Aqui me formei no curso de Pedagogia na Faculdade de Letras da USP. Comecei dando aulas particulares, quando tinha catorze anos. Depois, foram anos como professora de crianças, de jovens, de adultos, de professores. Lecionei pelo Brasil todo, mexendo mais com teatro-educação e criatividade-educação. Mexi com as cabeças, com os corpos, com o autoconhecimento. Curti.

Trabalhei anos como jornalista. Fazendo crítica de livros para crianças, falando do que se produzia para elas usufruírem. Mexi com os monstros sagrados, fiz ver coisas que passavam despercebidas. Adorei. Fiz o mesmo tipo de trabalho na televisão: na Globo e na Cultura. Falava sobre brinquedos, discos, teatro, livros infantis. Foi um barato! Colaborei com vários jornais e revistas.

Dei muita consultoria. Para projectos especialmente bolados para crianças e jovens. Na área do teatro, da literatura, da educação. Palpitei em coleções de livros para crianças e adolescentes. Amei de paixão!

Me iniciei nos mistérios do fazer livros infantis trabalhando, por uns dois anos, como consultora pedagógica da Editora Giroflé.

Circulei por este Brasil inteiro. Fazendo conferências, participando de mesas-redondas, dando cursos. Em grandes capitais ou em cidadezinhas escondidas. Em algumas ficando um dia, em outras três semanas. Foi ótimo!

Escrevi livros para professores. O mais conhecido deles é o Quem educa quem? Fiz antologias que discutiam questões da infância e da adolescência. Cutuquei. O último deles é O professor não duvida? Duvida!. Escrevi um montão de livros para jovens. Os mais conhecidos são Quem manda em mim sou eu, As voltas do meu coração e Que raio de professora sou eu?. Quem leu, curtiu. Maravilha! Tenho também vários livros para crianças publicados. Entre eles Também quero pra mim, Sai para lá dedo-duro e Olhos vermelhos. Adorei escrever cada um deles.

Sempre gostei do que fiz. Também, se não gostava, não fazia. Por isso curti tanto aquilo em que me joguei. E tem valido a pena.

Fonte:
http://www.vidaslusofonas.pt/fanny_abramovitch.htm

Stanislaw Ponte Preta (Cronica: Não sei se você se lembra)

ENTÃO, não sei se você se lembra, nos veio aquela vontade súbita de comer siris. Havia anos que nós não comíamos siris e a vontade surgiu de uma conversa sobre os almoços de antigamente. Lembro-me bem — e não sei se você se lembra — que o primeiro a ter vontade de comer siris fui eu, mas que você aderiu logo a ela, com aquele entusiasmo que lhe é peculiar, sempre que se trata de comida ou de mulher.

Então, não sei se você se lembra, começamos a rememorar os lugares onde se poderia encontrar uma boa batelada de siris, para se comprar, cozinhar num panelão e ficar comendo de mãos meladas, chão cheio de cascas do delicioso crustáceo e mais uma para rebater de vez em quando. E só de pensar nisso a gente deixou pra lá a vontade pura e simples e passou a ter necessidade premente de comer siris.

Então, não sei se você se lembra, telefonamos para o Raimundo, que era o campeão brasileiro de siris e, noutros tempos, dava famosos festivais do apetitoso bicho em sua casa. Ele disse que, aos domingos, perto do Maracanã, havia um botequim que servia siris maravilhosos, ao cair da tarde. Não sei se você se lembra que ele frisou serem aqueles os melhores siris do Rio, como também os únicos em disponibilidade, numa época em que o siri anda vasqueiro e só é vendido naquelas insípidas casquinhas.

Ah... foi uma alegria saber que era domingo e havia siris comíveis e, então, nos dois — não sei se você se lembra — apesar da fome que o uisquinho estava nos dando — resolvemos não almoçar para ficar com mais vontade ainda de comer siris. Passamos incólumes pela refeição, enquanto o resto do pessoal entrava firme num feijão que cheirava a coisa divina do céu dos glutões. O pessoal — aliás — achava que era um exagero nosso, guardar boca para um siri que só comeríamos à tarde, porque podíamos perfeitamente ter preparo estomacal para eles, após o almoço.

Mas — não sei se você se lembra — fomos de uma fidelidade espartana aos siris. Saímos para o futebol com uma fome impressionante e passamos o jogo todo a pensar nos siris que comeríamos ao sair do Maracanã.

Então — não sei se você se lembra — saímos dali como dois monges tibetanos a caminho da redenção e chegamos no tal botequim. Então — não sei se você se lembra — que a gente chegou e o homem do botequim disse que o siri já tinha acabado.

Fonte:
PRETA, Stanislaw Ponte. Garoto Linha Dura. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964. Disponível em http://www.releituras.com/spontepreta_folga.asp.

Palavras e Expressões Regionais do Amazonas

ABAFAR v. – Apropriar-se do alheio. "O advogado abafou a herança do cliente".
ABANCAR-SE v. – Sentar. "Espere um pouco que ela já vem. Abanque-se, homem!"
ABISCOITAR v. – O mesmo que abafar.
AÇO s.m. – Bebida. "Ele só aparece aqui quando ta cheio do aço".
A COMO? loc. adv. – quanto custa?. "A como tá o tucunaré?" " R$ 10 a enfiada."
AÇU el. comp. – Sufixo de composição com o significado de "grande". Jacaré-açu, cupuaçu.
ADUBAR v. – Bajular com alguma intenção. "Eu não desisto da Rosinha. Continuo adubando".
ALTEAR /altiar/ v. – Aumentar o volume. "Altea aí que não está dando pra ouvir nada".
AGORINHA adv. – Diferentemente do uso no sudeste, agorinha quer dizer "há alguns segundos", referindo-se ao passado e não ao futuro. "Ela estava aqui agorinha, mas sumiu".
ALMENO loc. adv. – Pelo menos. "Tu tens cinco aí. Me dá almeno uma".
ALOPRADO adj. – Exagerado.
AMANCEBADO s.m. - Pessoa solteira que vive maritalmente com outra. "Ela não casou, não. Tá amancebada só".
A PULSO loc. – Obrigado, na marra. "Comendo sem gosto... parece que ta comendo a pulso".
APERREADO adj. - Apressado, muito nervoso, sem saber o que fazer diante de uma situação difícil. "Rapaz, tô aperreado com aquele negócio da dívida".
APOFIAR v. – Apostar. "Vamos apofiar uma corrida até a igreja?"
APRESENTADO adj. – Enxerido, metido a besta. "Deixa de ser apresentado. Quem te deu o direito de me abraçar?"
A PRÓPRIA loc.adj.. A tal, a boa, a melhor. "A Ana Paula comprou um perfume francês e chegou aqui se sentindo a própria".
ARRANCA-TOCO adj. Valentão.
ARRUDEAR v. – Dar a volta. "Ninguém entra pela sala. Quem quiser entrar em casa vai ter que arrudear." "D. Zefa, posso entrar?" "Não, arrudeia"
ASSANHAR v. - Bagunçar, despentear o cabelo. "Pára de assanhar mais meu cabelo. Ele já tá todo assanhado!"
ATÉ O TUCUPI, ATÉ O TALO, ATÉ O TOCO (ou a variação ATÉ O TCHOCO) exp. id. – Até o máximo possível. "Rapá, tô até o toco de trabalho".
ATÉ PARECE... exp.id. – Indica dúvida, incredulidade. "A Priscila vem dormir aqui? Até parece... Ela não dorme fora de casa."
ATENTADO adj. – Muito danado, inquieto. "Esse menino é atentado!"
ATENTAR v. – Perturbar, aperrear.
ATOCHAR v. – Fazer entrar à força, encher demais. "O barco tinha que virar: atocharam mais gente do que cabia".
ATULEIMADO adj. - abestado.
AVALI(E) exp. – Quanto mais. "Se ele namora até mulher feia, avali(e) menina bonita".
AVIAR v. – Apressar. "Avia! Senão tu vais te atrasar!"
BABA-OVO s.m. - puxa-saco. "Esse Mota é o maior baba-ovo que eu conheço!".
BABAU s.m. - 1. O mesmo que SABACU. Punição que um grupo confere a alguém por um malfeito. Todos batem com as mãos, ao mesmo tempo, na cabeça do indivíduo. "Fez besteira. Vai levar um babau por isso!" 2. Prejuízo total, perda irrecuperável de alguma coisa."Pagou serviço adiantado pra marceneiro? Babau, é dinheiro perdido!"
BABITA s.f. Dinheiro, grana. "E aí? Pegou a babita lá?"
BACABA s.f. – Mentira. "O Paulinho Kokay tava lá contando a maior bacaba."
BACABEIRO s.m. – Mentiroso. "O Dudu é um tremendo abacabeiro! Disse que o pai dele é dono da Microsoft".
BAGACEIRA s.f. – Noitada. "Ontem eu fui pra bagaceira e cheguei de madrugada".
BALA (DA VIDA) adj. – fulo, muito chateada. "Sumiu dinheiro da bolsa da mamãe e ela tá bala da vida".
BALDEAR v. – 1. lavar algo usando um balde para transportar a água. "Hélio, vai baldear o pátio antes que teu pai chegue e te dê uma pisa" 2. Vomitar. "Corre, doutor, que o rapaz ta baldeando toda a recepção".
BANHO s.m. – Balneário. "Domingo nós vamos pro banho do Raimundão na rodovia Manaus-Itacoatiara".
BANZEIRO s.m. – Formações semelhantes às ondas do mar que se formam nos rios amazônicos por causa do movimento dos barcos. "Tive muito medo na travessia para Benjamin Constant; o banzeiro quase virou a voadeira"
BARCA s.f. – O povo, todo mundo. "Vai a barca pro show do Reginaldo Rossi hoje"
BATELÃO s.m. – Barco que navega a remo.
BATER CAIXINHA loc. v. – Ajudar alguém a conquistar uma pessoa. "Será que tu podes bater caixinha pra tua irmã? Estou afinzão dela".
BATER FOFO loc. v. - Faltar a um encontro, descumprir algum acordo."Marquei um encontro com a menina e ela bateu fofo. Esperei e nada".
BATORÉ adj. 2 gen. – Baixinho. "Procura por ele lá. O Mauro é um batoré moreno de perna curta".
BEM-MANDADO adj. – Obediente, submisso, disciplinado. "O Zeca é bem-mandado pela mulher dele".
BERADEIRO s.m. - Beiradão, gente do interior.
BIBOCA s.f. – Lugar esquisito, de difícil acesso.
BICHEIRA s.f. – Ferida causada pelo parasitismo de insetos.
BILOTO s.m. – Saliência carnosa, verruga.
BRECHEIRO s.m. - Quem gosta de brechar. Voyeur.
BREGUEÇO s.m. - Objeto imprestável ou de uso duvidoso.
BIQUEIRA s.f. - Próximo, perto de. "De tanta besteira que fez, ela tá na biqueira de ser demitida".
BOBÓ s.m. – pulmão.
BODADO /ó/ s.m. – 1. Com muito sono; cansado. "Cara, vou dormir. Tô bodado!" ; 2. Bêbado. "Leva ele pra casa que ele bebeu todas e ta muito bodado"; 3. Chateado. "Nem vai falar com ele porque ele tá bodado desde de ontem.
BODOZAL s.m. – Bairro pobre, periferia. "Lá no bodozal onde ela mora não tem nem água".
BOI s.m. – Festa realizada em Parintins em que enfrentam-se dois bois, o Garantido (Vermelho) e o Caprichoso (Azul). Em Manaus, nos meses que antecedem o Festival, que acontece em junho, há os ensaios conhecidos como curral do boi.
BOLA s.f. – Rotatória. "Vai direto e, depois da bola, pega a rua do posto".
BONITO PRA TUA CARA! exp. - Usado no sentido de "Tu não tens vergonha do que tu fizeste, não?"
BORA... /ó/ - Vamos. "Bora pra casa?" . "Bora dar uma volta?"
BORA VER... loc. v. – Seja o que Deus quiser. "Rapaz, a gente fez o possível. Bora ver..."
BORIMBORA interj. – Vamos embora. "A gente não tem mais nada a fazer aqui. Borimbora!"
BRECHAR v. – Olhar pela brecha, espionar. "Quando eu era pequeno, eu costumava brechar as empregadas lá de casa tomando banho".
BREAR v. – Colar. "Quebrou o vaso... agora tem que brear antes da mamãe chegar".
BRIBA s.f. - Pequena lagartixa caseira. Provavelmente corruptela de víbora.
BROCADO adj. - Pessoa com fome. "Mano, tô brocado! Vamos comer um x-caboquinho?"
BUCHUDA adj. – Grávida.
BULIADO adj. – Arredondado
CABA – s.f. – Vespa.
CABOCÃO s.m. – Alguém que não se comporta direito.
CABOCO s.m. – Pessoa, cara, sujeito. "Aí o caboco chegou lá e falou um monte de coisa".
CABROCHA s.f. – Mulher de raça cruzada e cabelos lisos.
CACETE (ê) s.m. e adj. – Maçante, importuno.
CADILHO s.m. – Tigela que recebe a seiva da seringueira.
CACHULETA s.f. ou PLETS s.m. – Peteleco dado com o dedo na orelha de alguém. "Vai lá, aproveita que ele está distraído e dá uma cachuleta nele!". "Olha que orelhão! Deve ser gostoso pra dar plets, né?"
CALDO DE CARIDADE s.m. - Caldo feito com farinha para dar sustança.
CALUNDU s.m. – Mau-humor, zanga.
CAMBOTA adj. – Pessoa que tem os pés para dentro ou as pernas arqueadas.
CANGULA adj. – Desengonçado.
CAPAR O GATO loc. v. - Ir embora, sair. "Essa festa não tá com nada. Acho que vou capar o gato".
CAPINA! LAVA! SACA! interj. – Sai fora! "Quando eu olhei, tinha um monte de moleque roubando goiaba. Cheguei lá e gritei: Capina! Lava! Lava daqui! Saca, molecada!"
CAQUEADO s.m. - Um jeito especial de fazer alguma coisa, know-how. "Pô! O cara é cheio de caqueado para trocar o pneu".
CARAPANÃ s .m. – Pernilongo. "Aqui tá cheio de carapanã!"
CARNE DE TETÉU – 1. Usado para descrever qualquer alimento não macio, que foi pouco cozido. "Essa galinha tá mais dura do que carne de tetéu. Nem a besta-fera consegue comer isso". 2. Pessoa difícil, travosa. "A diretora da escola onde eu estudo é a maior carne de tetéu".
CARNE MAGOADA s. – Músculo dolorido. "Joguei futebol ontem e fiquei com a carne magoada".
CASA DO SEM JEITO loc. adv. – Caso perdido. "Teu caso, filho, tá na casa do sem jeito".
CATARACA s.f. – meleca. "Vai lavar essa cara imunda, seu nojento. Tua venta tá cheia de cataraca".
CATINGA s.f. – Cheiro forte. "Daqui a gente sente a catinga do igarapé poluído".
CATINGAR v. – Feder.
CAUXI /ch/ s.m. – Planta esponjosa que causa coceira. "Vou nada aqui não. Tá cheio de cauxi".
CEMITÉRIO s.m. – Jogo de queimada. "Vamos jogar cemitério?"
CEROTO s.m. – Acúmulo de sujeira na pele por falta de banho. "Vai tomar banho, menino. Passou o dia jogando bola e tá com dois cordões de ceroto no pescoço."
CHEIO DE CAQUEADO exp.id. – Cheio de invenção, cheio de presepada desnecessária. "O cara chegou aqui cheio de caqueado dizendo que fazia e acontecia e não fez foi nada".
CHIBATA adj. – Adjetivo para expressar uma coisa muito boa. "Rapá, o filme é chibata!"
CHIBÉ s.m. – Mistura de farinha, água e açúcar. "Mãe, posso fazer chibé pra merendar?"
CIPOADA s.f. – Chibatada com cipó. "Ele fez besteira e a mãe largou a cipoada nele".
COBRINHA s.m. – Fila. "A tia Yá disse que a cobrinha lá no hospital tava dobrando o quarteirão".
COÇA s. f. – Pisa, peia, cipoada. "Se fizer isso vai levar uma coça de mim".
COCOROTE s.m. - O mesmo que CASCUDO.
COQUE s.m. - O mesmo que CASCUDO.
COM BORRA (E TUDO) exp.id. – Com tudo. Expressão de alopro. "A Luciana estava aprendendo a dirigir. Foi entrar na garagem e pisou no acelerador ao invés de pisar no freio. Aí entrou com borra e tudo na garagem, arrebentando o carro todo".
COMER COQUINHO loc. v. – Ficar burro. "Tu é lesa, é? Parece que comeu coquinho".
COMO JÁ ENTÃO?! exp. id. – Expressão de espanto. "Pegou fogo na casa da vizinha.". "Como já então?! Do nada?"
COROCA s.f. – De avançada idade. "Eu moro com minha sogra, que já ta meio coroca". Do tupi curóca, caduco.
CORONEL-DE-BARRANCO s.m. – Homem que manda na região. "Pra resolver as coisas mesmo tem de falar lá com o coronel-de-barranco da área".
CORTAR v. – Falar mal de alguém. "Vocês ficam aí só me cortando, né?"
CORTAR E APARAR exp. - Humilhar ou diminuir de certa forma completamente. "Queria sair hoje, mas meu pai cortou e aparou minha curica".
CORTAR A CURICA exp. - matar a intenção no nascedouro. "Ela queria pular carnaval, mas eu como um bom marido cortei a curica dela".
CUIDAR v. – Apressar-se. "Bora! Cuida, senão a gente vai chegar atrasado".
CUNHANTÃ s.f. – Garota. "Quem essa é essa cunhantã já?"
CURERA s.f. – A massa de mandioca mole que, ao sair do espremedor (tipiti), por ser dura e embolada, não foi coada. Imprópria para a fabricação da farinha. Alguns aproveitam para fazer mingau.
CURIAR v. – Bisbilhotar, xeretar. "O que tu tá curiando aí, mulher?"
CURIBOCA s.m. – Mestiço de branco com índio.
CURICA s.f. – Espécie de papagaio (pipa) pequeno e sem tala. "Levantei uma curica hoje só pra brincar".
CURUBA s.f. – Ferida. "Rapá, to com uma curuba coçando pra burro!"
CURUMIM s.m. – Garoto. "Cheguei lá na festa, cheio de curumim..."
CURUPIRA s.m. – Gênio malfeitor da floresta.
CUSPIR v. – Espanar a rosca, o parafuso. "Acho que essa porca tá cuspida".
DANÇA DE RATO E SAPATEADO DE CATITA – enrolar, postergar algo. "Deixa de dança de rato e sapateado de catita e vai logo tomar banho que é melhor".
DAR BOLO EM CATITA exp.id. – Ser esperto. "Cuidado com o Jurimar. O cara dá bolo em catita. Fica esperto!"
DAR DE ... – loc, v. – Começar a.... "Agora ele deu de sair tarde todo dia".
DAR UM CHAGÃO exp. – esquivar-se. "Fui correr atrás do Rato, mas ele me deu um chagão que eu caí de bunda".
DE LASCAR loc. adv.– Indica intensidade. "O calor tá de lascar". "A prova foi de lascar."
DE MUTUCA loc. adv. - Ligado em alguma conversa, de ouvidos bem atentos "É bom ficar de mutuca na conversa dessa menina...".
DE PIRUADA exp. - Distribuir alguma coisa jogando para o alto. Quem pegar, pegou. "Ele jogou os bombons de piruada".
DE ROCHA loc. adv. – com certeza. "Eu vou aparecer lá, de rocha, pode acreditar".
DESCAIR v. – soltar a linha quando se está empinando papagaio. "Discai se não ele vai ter cortar na mão. Esse teu cerol é do colhe ou do descai?"
DESCANSAR v. – Ter neném. "A Rudervânia descansou ontem. É uma menina".
DESMENTIR v. – Deslocar, luxar, desconjuntar. "Acho que desmenti meu dedo jogando bola ontem. Preciso puxar o dedo".
DESMILINGÜIDO adj. - Sem graça, desarrumado, desajeitado. "O Cara ficou todo desminlingüido quando eu falei que sabia de tudo".
DESPLANAVIADO adj. – Desatento, desmotivado. "Eu não sei mais o que faço. Todos os meus alunos andam tão desplanaviados".
DINDIN s.m. – É o "sacolé" carioca. Possui variações dentro do Estado. Em alguns municípios é conhecido como Flau (Parintins), Totó (Coari), Vip (Ipixuna), Miau (Itacoatiara)
DISCONFORME adj. – Demais, em excesso. "A chuva de ontem à noite foi disconforme".
DISTIORADO adj. – Deteriorado, acabado. "Tem uma casa lá no banho, mas tá toda distiorada..."
DOS VERA loc. adj. - De verdade. "Eu não estou brincando, não. É dos vera".
DRAGA s. 2 gen. – Comilão. "Meu cunhado come demais, rapaz. O homem é uma draga..."
E OLHE OLHE! exp. Id. – E olhe lá. "Ele só faz dois abdominais e olhe olhe".
EMBIOCAR v. – Descer. "Embioca aí senão ela vai te ver aqui".
EMPACHADO adj. - Cheio, estufado. "Fui comer muito agora estou empachado".
EMPINGE s.f. – Micose.
ENCANGADO adj. - Pessoa que anda agarrada com outra o tempo todo. "A mulher dele não deixa ele sair só mermo. Só vive encangada nele".
ENGÜIAR v. - Ter ânsia de vômito. "Quando eu vi o rato morto, eu engüei na hora".
ENGILHADO adj. Enrugado. "Quando a gente fica muito tempo na piscina, o dedo fica todo engilhado".
ENTOJO s. m. Enjôo, nojo. "Não vou nem falar com ela que hoje ela está um entojo só".
ERAS... interj. – Usado para momentos de perplexidade. "Eras...deixei meu carro aqui...cadê ele?"
ÉRASTE, MANINHO! interj.– Expressão de surpresa. "Votou no José Serra? Éraste maninho..."
ESBANDALHAR v. – Quebrar. "Deixei minhas ferramentas com ele e ele esbandalhou tudo!"
ESCABREADO adj. – Desconfiado.
ESCAMBAU s.m. – E o resto. "Ele trouxe pra festa a mulher, os filhos, o cachorro e o escambau!".
ESPOCAR DE RIR exp. id. – Rir até não agüentar. Rir muito. "Contei aquela piada e aí ela se espocou de rir".
ESPORA s. 2. gen. – pessoa ruim, malvada ou insensível. "Poxa, maninha, deixa de ser espora...me empresta tua caneta rapidinho".
ESTAQUEADO adj. – Cabelo repicado. "O Xororó, pai da Sandy e do Junior, tem o cabelo estaqueado".
ESTE UM exp.- Modo de se referir a alguém cujo nome é desconhecido ou que se quer denotar desprezo. "Olha já este um...Cheio de coisa."
ESTICADO ou ESPAÇOSO s.m. – Confiado, enxerido, atrevido, petulante, pessoa invasiva. "A Ermelinda quer saber de tudo. Ela é muito esticada pro meu gosto".
FACULTÁRIO adj. – Quem faz faculdade.
FARINHA-D’ÁGUA – Tipo de farinha fina.
FANTA adj. – Sem graça, fraco. "Esse filme é muito fanta. Me arrependi de ter vindo".
FARDA s.f. - uniforme escolar. "Não vai sujar tua farda, Gilvaney! Só tem essa!"
FAZER MEUÃ exp.id. – Fazer careta, cara feia, geralmente para intimidar. "E não adianta fazer meuã pra mim que eu não tenho medo de cara feia".
FAZER PEZINHO v. – fazer embaixada. "Vamos ver quem faz mais pezinho?"
FRESCAR v. - Encher a paciência, encher o saco. "Não fresque não que hoje eu não tô pra brincadeira!"
FICAR DE BUBUIA exp. id. – Ficar sem fazer nada, ficar flutuando na água. "E aí, Zé, nadando um pouco?" "Não. To só aqui de bubuia um pouquinho".
FOLÓ ou FOLOTE adj. – Frouxo. "O parafuso não cabe nessa rosca. Ela é muito grande. Fica folote".
FONAS! interj. - Interjeição usada no jogo de bolinha de gude. Quando o sujeito quer ser o último a jogar, ele grita: "FONAS !!!"
FORROBODÓ s.m. – Encontro para dançar.
FRESCAR v. – Perturbar, encher o saco. "Pára de frescar comigo senão te cubro de porrada!"
FULEIRO adj. - Ordinário, ruim. Mas pode ser também pessoa muito irreverente, brincalhão, depende do sentido da frase. "O cara é muito fuleiro, só falta matar a gente de rir".
FUTRICAR v. - Mexer, investigar, fazer confusão. "Essa mulher vive futricando a minha vida".
GABULICE s.m. – orgulho besta. "Só porque ele passou no vestibular agora virou o diabo das gabulices".
GALALAU s.m. - Menino ou rapaz muito alto. "O cara já é um galalau e quer jogar com a gente".
GAMBITO s.m. - Perna fina. "Aquela mulher é muito feia. Ólha os gambitinhos dela".
GAMBÃO s.m. – Soldado, militar, meganha. "A briga acabou quando chegou um bando de gambão botando moral".
GAMBIARRA s.f. – Remendo, gatilho. "Como a corda quebrou, ele fez lá uma gambiarra pra puxar o carro".
GASGUITA adj. – Esganiçado. "A voz da minha cunhada Andréa é muito gasguita. Irrita qualquer um!".
GATIADO adj. – Diz-se do olho puxado. "Ontem saí com uma morena dos olhos gatiados".
GRAFITE sm. – Lapiseira. "Me empresta o teu grafite que meu lápis quebrou a ponto".
GUEGUETE s.f,. Mulher, moça, garota. "Vou deixar aquela gueguete em casa depois volto pro futebol, falou?"
GUARAMIRANGA s.m. – Demorado. "Demou muito! Veio no Guaramiranga?"
GUARIBAR v. Dar uma melhorada disfarçando os defeitos de alguma coisa, principalmente de carros. "Vou dar uma guaribada no carro antes de vender".
GUGUENTO adj. – Pessoa feridenta, nojenta, cheia de marcas na pele. "Eu nunca namoraria com a Waldemarina. Ela é toda guguenta, cheia de espinha".
GUISAR v. – destruir, destroçar (um papagaio). "Vou dá uma porrada no merda que guisou o papagaio do meu irmão".
GURUPEMA s.f. – Peneira.
IGAPÓ s.m. – Floresta pantanosa, encharcada e sombreada pelo mato.
IGARAPÉ s.m. – Pequeno rio, riacho, arroio.
IGARITÉ s.m. – Barco a vela de um só mastro.
ILHARGA s.f. – Ao lado. "Fica logo ali, na ilharga da igreja".
INCANDIADO adj. – Ofuscado pelo brilho. "Quando aquela menina bonita entrou, eu fiquei incandiado".
INVOCADO adj. – Difícil de entender, de fazer, etc. "Esse brinquedo é invocado, né?". "Égua! Ele saiu com uma e voltou com outra? Invocado..."
IPADU s.m. – Mingau feito com pouca água, consistente e grosso.
IR PRAS BARCAS – exp.id. – Sair para curtir. "Hoje é sexta. Dia de esquecer o trabalho e ir pras barcas!"
IXE! ou EXE! interj. – Expressão de estranhamento, tédio ou repugnância. "Eu adoro feijão no pão". "Ixe!"
JABÁ s.m. – Charque.
JACINTA s.f. – Libélula. "Meu irmão gostava de pegar jacintas, amarrar uma linha nelas e deixar voar de novo".
JACUMÃ s.m. – Direção da canoa com o remo de mão numa das extremidades. "Nós vamos é no jacumã daqui até lá".
JIQUITAIA s.f. – Pequena formiga de picada dolorosa.
JITINHO adj. – Pequeno. Contrário de maceta. "É um professor assim jitinho, de óculos".
JURURU adj. - Cabisbaixo, tristonho, abatido.
KAMIRANGA s.m. – Urubú.
KETCHBACK s.m. – Um lance amoroso, rolo. "Tive uns ketchbacks com ela no passado".
KIKÃO s.m. - cachorro-quente.
LAMBANÇA s.f. – Gabolice, basófia.
LAPA s.f. – Grande, imenso, desproporcional. "O Ângelo tem uma lapa de pé, meu amigo! Calça 45!". "Sabe a orelha do Abraão? É uma lapa, meu!"
LAVAR A ÉGUA ou LAVAR A BURRINHA loc. verb. - Levar vantagem. Gozar um momento de felicidade. Ganhar com sorte alguma coisa, algum prêmio. "Ele ganhou na loteria e lavou a burrinha. Comprou tudo que tinha direito".
LAVAR URUBU exp. id. – Estar desempregado. "Pois é. Faz seis meses que ele tá lavando urubu. Serviço que é bom: nada".
LAVOURA s.f. – Ganhar tudo na bolinha de gude.
LEGUELHÉ s.m. João-ninguém.
LEPROSO s.m. - pessoa que de alguma forma desagrada. "O juiz não marcou esse pênalti!!! Ah, leproso!!!"
LESO /é/ adj., LESEIRA s.f. – Um leso é alguém que sofre de leseira. Leseira é um abestalhamento momentâneo que acomete o leso. Se a leseira for uma característica contínua, dizemos que o leso sofre de leseira baré. A leseira baré ocorre entre os amazonenses devido ao sol quente na moleira, que frita o cérebro e queima alguns neurônios. Temos ainda as expressões derivadas: "Deixa de ser leso!" e "Pára de leseira!". Dizem que todos nós, amazonenses, temos nossos três minutos de leseira por dia. Mas como tudo tem seus dois lados, dizem que o sol também causa nos amazonense algo chamado tesão de mormaço, um aumento na capacidade sexual do amazonense devido ao sol quente.
LOMBRA s.m. – Algo sem definição, coisa. "Mas que lombra é essa agora, meu irmão?"
LOMBRADO adj. – Bêbado, fora de si. "Esse cara só pode tá lombrado pra fazer isso..."
MACACA s.f. Amerelinha. "Vamos jogar macaca?"
MACACHEIRA s.f. – A mandioca doce, não venenosa.
MACETA /ê/ adj. 2 gen. – Grande, imenso, de proporções anormais. "Eu disse que ia lá brigar com ele e quando eu olhei o cara era macetão. Saí fora..."
MALINAR v. – Reinar, fazer malvadeza gratuita, como por exemplo beliscar um bebê porque ele é muito fofo. "Ele é tão fofinho que dá vontade de malinar com ele".
MALUVIDO s.m. – Mal comportado. "Que menino maluvido!"
MAMADA s.f. - Mamadeira de leite. "Eu tenho que preparar a mamada do Clauzionor Junior".
MANDIOCA s.f. A grossa raiz comestível da maniva.
MANDUQUINHA s.f. – Camburão de polícia. "Maior porrada rolando, aí chegou a manduqinha e levou um bocado".
MANGAR v. - Fazer pouco de alguém. "Eu bati nela porque eu caí e ela ficou mangando de mim".
MANGARATAIA s.f. – Nome tupi para o gengibre.
MANJA s.f. - brincadeira de criança. Há a manja-esconde, manja-pega, manja-trepa.
MANO /ã/ voc. – Tratamento carinhoso entre conhecidos ou não. Muito usado para fazer perguntas e pedidos. "Mana, faz um favor pra mim". "E aí, tudo bem, mano?". Variações no diminutivo: MANINHO, MANINHA.
MÁRRAPÁ! exp. id. – O mesmo que "Olha já!". "Me empresta teu carro?" "Márrapá! Claro que não!"
MAS! - Pronuncia-se "Mách". Interjeição de ênfase. "Tem muita mulher aqui?" "Mách! Só tem!"
MASSA FINA s. – Pão de leite. "Eu gosto de pão leve, de massa fina".
MASSA GROSSA s. – Pão francês. "Compra dois pães de massa grossa".
MATEIRO adj. – Habituado a meter-se no mato ou lá passar parte do dia.
MEGANHA s.m. - Forma depreciativa de se referir a um soldado de polícia. "Esse cara não passa de um meganha!".
MENINO BARRIGUDO exp. id. – Um leso, que só faz besteira. "Pára de meter o dedo no bolo, Nelson! Tamanho paideguão e parece um menino barrigudo!"
MERENDA s.f. – Lanche. "Vou bem ali comprar uma merenda que estou brocado".
MERMO adj. – Corruptela de "mesmo". Pode ser usado para exprimir dúvida ou confirmação. "Ele vai sair hoje, vai?". "É o que vai mermo..." "Não, ele vai mermo".
MEU GRANDE voc. – Tratamento para desconhecidos. Pode ser utilizado intercambiavelmente com "mano". "E aí, meu grande. Tudo bom?". "Fica de olho aí no meu carro, falou, meu grande?"
MILHITO s.m. – Salgadinho de saquinho. Seu uso foi estendido a partir do salgadinho MILHITOS JACK’S.
MOFINEZA s.f. – Fraqueza, indisposição, mal-estar.
MOFINO adj – Fraco, indisposto, que não oferece resistência.
MONDRONGO s.m. - Inchação, tumor subcutâneo, calombo. 2. Alguma coisa grande e esquisita. "Que coisa é esta? Que mondrongo é esse na tua cabeça?".
MUCURA s.f. – Espécie de gambá que come frango.
MURA s.f. – Pessoa invocada, fechada. "Vê se conversa com as pessoas! Parece uma mura!"
NÉ NÃO! exp.id. – Não é não. "É a Leila ali, é?" "Né não".
NÃO FAZER NEM AMARRADO PELO CHINELO PRETO exp. - Não fazer de jeito nenhum. Nem que a vaca tussa.
NO BALDE, NO MUNDO loc. adv.. Ver QUE SÓ
PACOVÃ s.f. – Nome indígena da banana. Hoje designa a banana comprida.
PAGAR SAPO exp. id. – Humilhar. "O chefe entrou aqui e pagou o maior sapo no Walter".
PAGELA s.f. – Diário de classe. "Ainda não lancei as freqüências na pagela nova".
PAID’EGUÃO s.m. – Adulto, marmanjo. Pode ser usado de forma exclamativa precedido de tamanho. "Tamanho paid’eguão brincando no balanço das crianças..."
PANELÃO s.m. – Dente que tem um buraco grande. "Amanhã minha dentista, Dra. Eliana, vai tirar meu panelão".
PANEMA adj. Infeliz, leso.
PAPAGAIADO s.m. - Alguém ou alguma coisa extravagantemente colorido, lembrando um papagaio. "Esta roupa está muito papagaiada!".
PAPEIRA s.f. – Caxumba.
PAPOCO s.m. - Confusão, barulho. "Tava todo mundo em paz e de repente só se ouviu o papoco vindo lá da cozinha".
PARA O MÊS (ANO, etc) exp. – Mês (ano) que vem. "Para o mês, vou ver se compro uma geladeira nova".
PARENTE voc. – Forma de tratamento usado para se falar com alguém. Equivale a mano. "Parente, me dá uma ajudinha aqui?"
PARTINHA s.f. – Franja. "Tu tá igual ao Aritana com essa partinha".
PAVULAGEM, PAVOLAGEM, PAVOLICE ou PAVULICE s.f. – Empáfia, abestalhamento, orgulho besta. "Ah, eu não pego em peixe, não". "Caboco pávulo! Deixa de pavulagem e ajuda logo, vai!"
PEBADO adj. – Lascado, ferrado. "O Jones sofreu um acidente e ficou todo pebado".
PEDIR PENICO loc. v. - Desistir de alguma coisa por falta de coragem ou força. "O cara não agüenta mais. Já está pedindo penico..."
PEGAR O BECO loc. v. – Ir embora. "Tá na hora de eu pegar o beco. Tá tarde".
PEIA s.f. - Sova, surra. "Quem não fizer o que eu mando entra na peia".
PENSEIRA – Compensador para balancear um papagaio penso. "Põe uma penseira nesse papagaio que ele sobe".
PENSO adj – Torto, pendendo para o lado. "Esse papagaio não vai subir não. Tá muito penso".
PERAINDA loc.v. - Forma sintetizada de "Espere ainda um pouco". Pode ser acompanhado de ênfase LÁ ENTÃO. "Perainda lá então! Não me apressa!"
PERREXÉ s. 2. gen. - Ver pardioso.
PICUINHA s.f. – Questiúncula irritante com que se azucrina os outros. "Isso é muito pequeno, menina. Deixa de picuinha e vai fazer algo de útil".
PINDAÍBA s.f. - Miséria, pobreza. "Sabe aquele ricão lá da rua? Hoje tá na maior pindaíba".
PINCHA s.f. – Tampinha de refrigerante. Mas só as de metal. Já meio raras. "Cadê a pincha do guaraná? É que eu faço coleção".
PINGUELO s.m. vulgar – 1. Órgão sexual feminino. "Menino nasce por onde entra: pelo pinguelo". 2. Clitóris.
PINICAR v. – Beliscar, dar bicadas. "Essa roupa felpuda ta me pinicando".
PIPO s.m. - chupeta
PIRA s.f. – Ferida. "Ela tá com uma pira enorme no braço".
PIRACUÍ s.m. – Farinha de peixe.
PIROCAR v. – Perder ou cortar o cabelo. "Rapaz, olha o cara aí...pirocou o cabelo todinho".
PIRUADA s.f. – Jogar para cima alguma coisa para ser pego pelos demais. "Minha tia jogou os bom-bons de piruada na festa"
PISA s.f. - Peia, surra. "Menino, te aquieta! Se não sossegar, vou te dar uma pisa".
PITIÚ s.m. – Cheiro. Geralmente associado a peixe. "Tá sentindo um pitiú danando aqui? Tomou banho, Creuza?"
PIXÉ s.m. - O mesmo que pitiú.
POMBA-LESA adj. 2 gen.– lento, lerdo, mole. "Esse sujeito não dá conta de tanto serviço: é um pomba-lesa". "Sossega, menina! Toda pomba-lesa aí vai acabar quebrando o vaso!"
PORRETA /ô/ adj. – O mesmo que chibata ou maceta.
PORRUDO /ô/ adj. – O mesmo que maceta.
PRESEPADA s.f. - Palhaçada. Confusão. "Deixa de presepada e sossega aí".
PROCURAÇÃO s.f. - Ato de procurar. "Dile, cadê a tesoura?" "Não sei, mas vou fazer uma procuração".
PURO adv. – com cheiro de, cheirando a. Vai lavar tua mão que tá puro cocô"
PUTATEBA exp. id. – Expressão de insatisfação. "Putateba! Deixa eu ver tv em paz!"
PUTIREBA ex. id. – Expressão de insatisfação. "Putireba! Acabou a água!"
PUTITANGA exp. id. – Expressão de insatisfação. "Putitanga! Esqueci minha carteira em casa!"
QUÊDE...? – Cadê? Que é de? Onde está? "Quêde a mamãe?"
QUERIDA voc.– Cuidado! Esse é um falso cognato. O uso da palavra "querida" aqui no Amazonas denota um certo sarcasmo ou uma certa ironia. "Escuta aqui, minha querida. Eu sou a mulher dele, entendeu?" "Você não está entendo, querido. (= você é um burro!)". Mulher odeia, segundo comentário do meu primo Amaro.
QUERO CESSO / NÃO DOU CESSO exp.id. – Expressões que garantem acesso à comida que alguém está comendo. Se alguém chegar e disser "quero cesso", quem está comendo tem de dar. Mas se o comedor se antecipar e disser "Não dou cesso", aí morreu. Sem chances de beliscar.
QUIRIRI adj. – Deserto, silencioso, calmo. "O lago hoje tava quiriri: nem peixe nem pássaros".
RALA-RALA s.m. – Gelo ralado colocado num copo e acrescido de xarope de vários sabores. "Quero um rala-rala de groselha".
RANCHO s.m. – Cesta básica, compras do supermercado. "Tem que fazer o rancho hoje".
RATADA s.f. – Mancada, pisada de bola. "Eu ia fazer uma festa surpresa, mas o João acabou contando antes. Deu a maior ratada!".
REBOLAR NO MATO exp. id. – Jogar fora no lixo.
RECREIO s.m. – Barco. "Que horas sai o recreio para Eirunepé?"
REGATÃO s.m. – Mercador ambulante que em barco ou canoa percorre o interior parando de lugar em lugar.
REIMOSO adj. – Comida que faz mal. "Mãe, já posso comer pirarucu?" "Tá doido, menino. Pirarucu é reimoso."
REPARAR v. – Tomar conta. "Não posso sair porque tenho que reparar o bebê". "Quer que eu repare o carro, tio?"
REQUENGUELO adj. Meio destruído, decadente, mal-vestido, sujo. "Ele tinha um carrinho vermelho, todo requenguelo". "Tu viste aquela mulher, toda requenguela passando pela praia!?"
RÓDO s.m. – Porto. Aportuguesamento de roadway. "Meu irmão vai pegar o motor lá no ródo".
ROER UMA PUPUNHA exp. – Passar por dificuldades. "Depois que ele se separou da mulher, ficou quebrado. Roeu uma pupunha o coitado".
ROTA s.m. - Ônibus de transporte de empresa. "Ontem acordei tarde e perdi o rota".
SACOPEMBA – pessoa gorda. "Tu viu a mulher do Curica? Tá mesmo que uma sacopemba"
SAPECAR v. – Dar, bater. "Ela frescou aí eu sapequei a porrada nela!"
SARNAMBI s.m. – originalmete pequena sobra de borracha que se forma durante o processo de defumação do látex, usado para descrever um bife difícil de cortar. "Esse bife tá mais duro que sarnambi, nem o cachorro quer".
SECO adj. - Vazio. "Claudemir, vai jogar o saco de lixo fora". "Não precisa, mô. O saco está seco".
SUA ALMA SUA PALMA SEU CORAÇÃO SUA PINDOBA - Expressão antiga que o autor ouve muito da mãe quando alguém teima em fazer alguma coisa que ela reprova. "Então meu filho, sua alma sua palma seu coração sua pindoba". Significava que o teimoso estava entregue à sua própria sorte.
SUSTANÇA s.f. – Força, energia. "Tem que comer farinha desde cedo que é pra pegar sustança".
TACACÁ s.m. – Mingau quase líquido de goma de tapioca temperado com tucupi, jambu, camarão e pimenta. "Vou tomar um tacacá bem grande hoje".
TAPIOCA s.f. – Iguaria que se faz de mandioca. Pode ser de manteiga ou de coco. "Quero duas tapiocas de coco, parente".
TÁ, CHEIROSO! exp.id. Não, mesmo! "Vou pegar teu carro esse fim-de-semana, tá bom?" "Tá, cheiroso! Esquece!"
TÁ PORRE exp. – Estar bêbado. "Leva ele que ele tá porre".
TECA /ê/ s.f. vulgar – Órgão sexual masculino. "Aí ele levou uma bolada de cheio na teca dele".
TER UM PASSAMENTO – desmaiar, ter/dar uma bilora
TER/DAR UMA BILORA – desmaiar. "A Terezinha saiu de manhã cedo sem tomar café e teve/deu uma bilora no colégio".
TERÇADO s.m. - facão grande de cortar mato. "O galeroso matou o cara lá a terçadada".
TICAR v. – 1. Cortar o peixe para quebrar as espinhas; 2. Furar alguém com faca.
TIJIBU s.f. – Mulher baixinha e gorda. "Olha que gata ali do lado daquela tijibu".
TIRAR AS BRONCAS – disfarçar, fingir que nada aconteceu. "Depois que peidou no elavedor, o Wandemberg começou a assoviar pra tirar as brocas".
TOMAR TENÊNCIA loc. v. – Tomar jeito. "Tu já faltaste aula três vezes essa semana! Vê se toma tenência".
TOPAR v. – Encontrar. "Quando menos esperava topei com ela na esquina".
TORAR v. – 1. Cortar rente à base. "Esse cabelo ta muito grande. Acho que vou torar ele"; 2. Transar com alguém. "Sabe quem eu torei ontem? A Sheila".
TRAVESSA s.f. – Tiara de cabelo.
TRONCHO adj. - Pessoa torta do juízo ou fisicamente, mutilado. "O cara anda todo troncho depois da surra que levou!".
TURÍTI s.m. Acertar duas bolinhas em uma só jogada no jogo de bolinha de gude.
URUBUSERVAR v. – Olhar atentamente. "Para de ficar urubuservando o papo dos outros!"
VALÊNCIA s.f. – O que serve para livrar de um perigo. "Ficou cara a cara coma onça. A sua valência foi que o filho chegou e atirou na bicha".
VAZADO adj. – 1. Faminto. "Vamos comer alguma coisa? Tô vazado..." 2. adv. Rapidamente. "To super atrasado. Vou ter que sair vazado daqui!"
VISAGEM s.f. – Alma de outro mundo, assombração, fantasma.
VOADEIRA s.f. – Canoa motorizada utilizada para transporte rápido. "Saindo de Parintins, levamos uma hora e meia para chegar a Nhamundá de voadeira".
X-CABOQUINHO s.m. – Sanduíche de pão com queijo e tucumã, fruta regional de carne alaranjada.
ZAMBETA adj. – Tonto.
ZIMPADO adv. - rapidamente. "Quando ele viu o pai da moça atrás dele, ele saiu daqui zimpado".
ZOADA /zuada/ s.f. – Barulho. "O caminhão de som passou aqui fazendo a maior zuada".