sexta-feira, 21 de março de 2008

Arthur C. Clarke (Resumo de Alguns Livros)


Expedição para a Terra

Durante a Segunda Guerra Mundial, Arthur C. Clarke trabalhou na operação dos primeiros radares desenvolvidos pelos Aliados e pouco mais tarde escreveu o artigo "Extraterrestrial relays", que lançaria a idéia por detrás do satélite de comunicações geosincrônico - uma das bases da moderna rede de telecomunicações. Ao mesmo tempo que ajudava ao Aliados a detectar a chegada dos foguetes V-2 do Eixo, ele sonhava com o desenvolvimento da viagem espacial. A mistura de conhecimento tecnológico prático, o sonho de explorar as Estrelas e a percepção aguda da época em que vivia daria origem na década de 50 aos contos que fazem parte de "Expedição para a Terra". Contos em que o pesadelo da guerra nuclear divide espaço com a esperança e os perigos da exploração espacial.

No primeiro conto, "Second Dawn (Segunda Aurora)", nós visitamos um mundo alienígena, onde a guerra entre duas raças inteligentes dotadas de grande inteligência e poderes mentais, os Atheleni e os Mithraneans, chegou ao fim com a vitória dos Atheleni... ao custo do desenvolvimento de uma técnica de destruição da mente tão poderosa e ao mesmo tempo tão simples que mais cedo ou mais tarde os antigos inimigos a descobririam e uma guerra definitiva ocorreria... a não ser que algo mudasse suas civilizações tão radicalmente que tornaria a própria guerra absurda. A resposta vêm de uma raça atrasada, os Pheleni, mas dotados de algo que as poderosas mentes dos dois povos não podem ter devido as limitações de seu próprio corpo: habilidade manual e a capacidade de moldar o mundo ao seu redor. Guiados pelos Atheleni, os Pheleni começam a desenvolver uma tecnologia surpreendente... mas será que a mesma capacidade de mudar o mundo para melhor não descobriria algo tão terrível quando a técnica da Loucura: o Poder Atômico?

Um garoto acompanha seu pai em uma peregrinação pela Lua no lírico "If I Forget Thee, Oh Earth ..." (Se eu esquece-la, Oh Terra…), quando a lembrança do antigo planeta, agora destruído por uma guerra nuclear, e o desejo de retornar para casa, se tornam a razão da humanidade continuar em frente.

Com uma temática parecida com o futuro "Maelstrom II", porém com desenvolvimento completamente diferente, "Breaking Strain" (filmado com o titulo de "Acidente Espacial" (Trapped in Space)) narra o duelo psicológico e emocional entre os dois tripulantes da nave Star Queen, o capitão Grant e o engenheiro de bordo McNeil, quando um meteoro atinge os reservatórios de oxigênio da nave, deixando com apenas 20 dias de ar, quando ainda faltam trinta dias para chegar em Vênus. As leis da mecânica celeste não permitem quaisquer mudanças no ritmo da viagem... ambos estarão mortos em vinte dias. Mas espere um pouco, o ar durará vinte dias para *dois* homens, mas se houve apenas *um*... A realização desse fato levará tanto o rigido Grant quanto o hedonistico McNeil a pensarem o impensável... e talvez tentarem o inconcebível.

Em "History Lesson" (Lição de História), Clarke narra o desaparecimento de nossa civilização devido a uma futura Era Glacial e as descobertas feitas por arqueólogos venusianos ao examinar talvez o único registro que eles poderiam entender: um rolo de filme... mas qual filme? Nós descobrimos isso ao final, numa tremenda brincadeira com as nossas tentativas de entender nosso próprio passado.

Um conto de space-opera que critica a lógica da Guerra Fria e a tendência humana de não questionar as conseqüências de suas tecnologias, "Superiority" (Superioridade) é o relato do comandante das forças armadas de um império estelar derrotado, explicando que sua derrota não ocorreu devido as virtudes de seu adversário, mas devido a própria superioridade militar de seu império. Como tal paradoxo é possível? O comandante explica muito bem, terminando com um pedido para Corte, que devido ao relato se torna hilário.

Em "Exile of the Eons", um ditador tenta fugir de seus inimigos usando a técnica da animação suspensa para restabelecer seu império cem anos no futuro. Porém com uma ajudinha da Lei de Murphy e de um filosofo com poderes telepáticos exilados nos últimos dias do Sistema Solar, a justiça tarda... mas não falha, ironizando a ambição e a sede de poder.

Após uma caçada, um homem começa a contar, em "Hide and Seek" (esconde-esconde) um caso que é rir para não chorar: quando o misterioso agente K.15, em uma roupa espacial, escapa da mais poderosa nave do inimigo, ao brincar uma versão planetária de esconde-esconde...

Cientistas de um império estelar que se destruindo encontram um planeta com seres idênticos a eles mesmos, se bem que em um estado extremamente primitivo. As questões que o contato traz, assim como se esses seres que só agora começam a erguer uma civilização, seram capazes de evitar os erros cometidos por seus visitantes dá a "Expedição para a Terra" um toque lírico e melancólico ao conto.

A civilização marciana percebe que os terráqueos começam a desenvolver a tecnologia espacial e o poder atômico. Preocupados que aqueles seres atrasados poderiam ser uma ameaça para sua civilização, os marcianos lançam um ultimato para que a humanidade abandone a pesquisa espacial... só que eles não contavam com uma brecha legal nas Leis da Fisica em "Loophole" (Fenda).

Em "Inheritance" (Herança), descobre-se a razão da confiança de um piloto de teste num fenômeno que lembra muito uma das peças do enredo de "O Fim da Infância"... só que talvez o piloto não tenha entendido muito bem o que sua visão queria dizer...

Durante as primeiras explorações lunares, um geólogo - ou melhor, um selenogista - encontra algo incrível, um artefato claramente artificial, uma pirâmide protegida por um campo de força. Obra de uma antiga civilização selenita ou de alienígenas bem mais antigos e avançados que nós? O descobridor da pirâmide nos conta as suas próprias idéias sobre a função da pirâmide... parece familiar?

Os contos do livro são claramente inspirados na space-opera que dominava o gênero da Ficção Científica na época, só que ao mesmo tempo, mostram um humor e uma critica sutil à sociedade e as tendências da humanidade, raramente vistas na space-opera de então. São contos escritos em uma época que um homem podia temer o amanhã e ao mesmo sonhar com as Estrelas...

A ESTRELA

A Estrela é um conto de ficção científica de Arthur Charles Clarke datado de 1956, que se desenrola depois de uma expedição em visita de uma estrela transformada em supernova milhares de anos antes.

Após observarem o astro percebem um planeta girando a sua volta numa órbita muito distante o que o teria preservado do pior da explosão, e notam os restos de algumas construções artificiais em sua superfície. Ao analisarem de perto estes restos, os pesquisadores concluem que são os últimos vestígios de uma antiga civilização que existia antes da estrela explodir e que, incapazes de escapar do destino fatal, deixaram no último planeta o máximo de informações possíveis a respeito de sua cultura.

Um padre que vai na expedição, se impressiona com a humanidade dos indivíduos daquela civilização e presume que estes seriam seres pacíficos que tiveram um cruel destino, sua compaixão porém se transforma em desespero quando, após vários cálculos, descobre que a estrela em questão era a estrela de Belém, fazendo com que o anunciamento do messias no qual ele acreditava e devotou a vida fosse um ato de genocídio de toda uma espécie inteligente. O conto foi considerado o melhor de 1956.

O SENTINELA
Publicada em 1951 que inspirou 2001 - Uma odisséia no Espaço.

O livro conta a história de uma estrutura piramidal descoberta na Lua que se revela ser uma espécie de radiotransmissor deixado por uma raça alienígena em tempos remotos, a qual havia percebido a possibilidade de se desenvolver na Terra vida inteligente e civilização. Devido à resistência de seus materiais, os terráqueos são obrigados a destruí-la para poderem analisá-la, o que faz com que ela pare de enviar sinais para seus construtores, revelando para estes a presença de mais uma espécie inteligente no universo: os seres humanos (VEJA O CONTO COMPLETO NA POSTAGEM ABAIXO)

A Muralha das Trevas
Escrito em 1949, que narra uma história passada num estranho universo composto de apenas um sol e um planeta.

Este planeta possui uma face tórrida eternamente voltada para o sol e outra, gelada, eternamente na escuridão, na fronteira entre os dois lados, numa estreita faixa de terra circundando o planeta, o clima possibilita a vida de uma civilização onde habita um homem intrigado desde a juventude com o maior mistério de seu mundo: uma imensa muralha negra que circunda todo o planeta impedindo sequer a visão do seu lado escuro, quanto mais o acesso a ele.

Durante toda sua juventude coletou histórias sobre o que existiria além da mesma e porque foi construída, mas encontrava apenas relatos míticos e lendários, como por exemplo, que lá era onde todos iriam após a morte ou onde ficavam antes de nascer, e ainda que fora feito para encerrar algum horror terrível. Já na idade adulta decide por fim junto com um amigo seu arquiteto, construir uma escadaria que levaria até o topo da muralha permitindo ver o que havia atrás dela. Após o término da construção ele chega ao alto da mesma e controlando o medo começa a caminhar em direção a outra borda, no caminho existe uma névoa que impede de ver além e faz com que com o seu avanço o sol atrás dele vá sumindo também até desaparecer de todo, mas quando isso acontece um outro sol idêntico ao que havia sido deixado para trás aparece na sua frente em meio a neblina e conforme vai andando, este novo astro fica mais nítido até aparecer por completo junto com o outro lado, e o protagonista para sua enorme surpresa descobre que é o mesmo lado de onde havia partido, o seu mundo na verdade é uma superfície de um lado só, mesmo sendo de três dimensões, não havendo portanto um outro lado da muralha, que foi construída para proteger da loucura todos os que fossem até aquele ponto, impedindo de verem diretamente um paradoxo espacial.

As Canções da Terra Distante
Conto onde narra o encontro entre os habitantes de uma isolada colônia terrestre no planeta Thalassa e os passageiros de uma imensa nave espacial que aporta no planeta devido a um defeito técnico.

Na história uma jovem de Thalassa apaixona-se de um dos ocupantes da nave, que promovem um choque cultural, porém seu amor é sem esperança por causa do comprometimento do rapaz com uma mulher que jaz congelada dentro da nave a espera do destino final da viagem, 200 anos-luz de distância.

2001: A Space Odyssey, ou 2001: Uma odisséia no espaço
É para muitos críticos, um dos melhores filmes de ficção científica de todos os tempos. Foi realizado em 1968 pelo cineasta Stanley Kubrick, natural dos Estados Unidos da América.
Este filme, com uma duração total de 139 minutos e apenas 40 de diálogo, analisa a evolução do Homem, desde os primeiros hominídeos capazes de usar instrumentos, até à era espacial e para além disso. Foi baseado nas obras de Arthur C. Clarke The Sentinel e 2001: A Space Odyssey, esta última escrita simultaneamente com as filmagens.

Uma das personagens principais do filme é o computador inteligente HAL 9000, uma das máquinas mais famosas da História do Cinema. A crítica viu no nome do computador uma referência velada à IBM, pois as letras da sigla precedem em uma casa a denominação da conhecida empresa estado-unidense do sector informático. Kubrick, no entanto, desmentiu essa tese, dizendo que isso não passou de uma coincidência.

Outros destaques do filme são os seus efeitos especiais pioneiros, e a sua trilha sonora, composta entre outras por obras de Richard Strauss (Assim Falou Zaratustra), e Gyorgy Ligeti (Lux Aeterna), sendo este último repetente nos filmes de Kubrick. Uma curiosidade sobre a trilha sonora do filme: Kubrick solicitou ao seu colaborador em Spartacus, Alex North, que compusesse a trilha sonora para a película. Depois de escutar o resultado, o diretor de "2001..." não ficou satisfeito e optou pela música clássica para dar vida às famosas cenas no espaço. North só soube que sua trilha tinha sido jogada no lixo no dia da estréia do filme, e ficou furioso.

Posteriormente foi lançado o livro "Mundos Perdidos de 2001" (The Lost Worlds of 2001), no qual Clarke conta a história do filme, a do livro e outras inéditas. No Brasil foi lançado pela editora Expressão e Cultura em 1972. Em 1984 foi lançada a sequência 2010: O ano que faremos contato, baseado na obra homônima de Arthur C. Clarke, lançada em 1982.

2010 - Uma Odisséia no Espaço II (2010: Odyssey Two)
Também levado às telas. Com o título de 2010 - O Ano em que faremos contato, Na verdade uma continuação do filme e não do livro. O ambiente para a narração é uma missão binacional (soviéticos e americanos) a bordo da nave espacial Cosmonauta Alexei Leonov que parte em direção a Júpiter, a bordo encontra-se o cientista Heywood Floyd. Propõe-e a responder algumas das questões deixadas em aberto em 2001. Tais como: Quais são os objetivo ocultos por trás do monolito? O que aconteceu com a Discovery e sua tripulação? O que aconteceu em especial a David Bowman? Quem, ou o que, era a criança-estrela do final do filme? O climáx ocorre com a tranformação de Júpiter em um mini-sol e o início de um novo tempo para a Humanidade num mundo sem noite.

2061 - Uma Odisséia no Espaço III (2061: Odyssey Three)
Heywood Floyd, agora com 103 anos, volta a cena. Ele parte numa nave em missão turística ao Cometa de Halley, mas acaba indo parar em Europa, o satélite proibido quando uma nave cai alí com seu neto a bordo. O monolito volta a mostrar seu poder a serviço de uma suprema força alienígena que decidiu que a Humanidade terá que, forçosamente, desempenhar um papel fundamental na evolução da Galáxia.


3001 - A Odisséia Final. (3001 - The Final Odissey)
Lançado em 1997, é aquele que pretende encerrar a saga iniciada em 2001 e dar as respostas finais. Principia com a descoberta do corpo do astronauta Frank Poole, que havia sido abandonado no espaço por uma manobra do computador HAL-9000. Poole é ressuscitado com as técnicas da época, onde a rigor a morte não existe mais.


O fim da Infância (Childhood's End - 1953)
A chegada de seres alienígidas na Terra é seguida com o próximo passo na evolução humana em direção a "inteligência cósmica". Esta raça alienígena tem uma incrível semelhança com demônios (vermelhos, chifres, caudas em seta...) e vem para anunciar o fim da infância para a espécie humana.

O Outro Lado do Céu (The other side of the sky - 1958)
Coletânea de contos onde estão incluídos dois dos maiores clássicos em matéria de contos de ficção científica: Os Nove Trilhões de Nomes de Deus e A Estrela.

Os Náufragos do Selene (A Fall of Moondust - 1961)
Selene é uma nave de turismo que, devido a um acidente na poeira lunar, submerge no Mar da Sede. Em seu interior vinte pessoas lutam para sobreviver à custa de todas as possiblidades.


Sobre o Tempo e as Estrelas (Of Time and Stars - 1972)
Coletânea de contos que reune contos publicados entre 1949 e 1962.



Encontro com Rama (Rendez-vous with Rama - 1973)
No final do século XXI após uma tragédia ocorrida com a queda de um meteoro, a Terra cria um sistema de proteção que em 2130 a Terra, detecta uma nave espacial alienígena de 50 quilômetros de extensão penetrando no sistema solar e aproximando-se de nosso planeta. Uma nave é enviada com missão de interceptar e explorar a gigantesca nave e descobrir quais são os desígnios por trás de sua aparição. Serão hostis invasores ou arautos de uma nova era para a espécie humana? Mistério e beleza se fundem neste maravilhoso livro que nos leva a refletir sobre a importância do homem e da espécie humana como um todo na ordem do universo. Um clássico vencedor dos prêmios Hugo e Nebula.

O Enigma de Rama (Rama II)
Continuação de Encontro com Rama, narra as aventuras de uma nova expedição destinada a descobrir qual os propósitos ocultos atrás da segunda aparição de Rama.

O Jardim de Rama (The Garden of Rama)
Dando seguimento a saga de Rama, o livro narra a viagem dos tripulantes da segunda expedição (O Enigma de Rama) que são deixados para trás quando o resto da tripulação abandona Rama às pressas. Parte dos propósitos de Rama é finalmente revelado.

A Revelação de Rama
Último livro da série, aqui finalmente os propósitos dos construtores de Rama é decifrado.

O berço dos Super-Humanos (Cradle - 1988)
Escrito a duas mãos por Arthur C. Clarke e Gentry Lee, narra a história de três aventureiros em busca de um míssil secreto desaparecido encontram uma gruta submarina vigiada por baleias que parecem drogadas. Inicia-se assim uma aventura que o conduzirá pelos mistérios de um planeta com dois sóis, três luas, fantásticas criações e uma assombrosa revelação sobre o destino reservado para a humanidade.

Terra Imperial (Imperial Earth)
A narrativa se passa em Titã uma das luas de Saturno e colônia da terra e conta a história de um homem nascido na era interplanetária. Sua primeira peculiaridade é ter nascido sob um novo processo, já que não teve mãe, apenas pai. Já homem retorna à Terra. A ação de passa no século XXIII e decorre em ambiente cheio de enigmas e mistérios.

A Cidade e as Estrelas (The City and the Stars)
Passaram-se um bilhão de anos, o homem alcançou as estrelas, constituíu um império galático, mas vieram os invasores e o homem foi obrigado a abandonar todas as suas conquistas e refugiar no seu planeta de origem, e assim o homem volta e passa a habitar na última cidade do mundo, Diaspar. Uma sociedade fechada e imutável, com um bilhão de anos.

O Vento Solar
Coletânea de contos. Inclui o premiado conto Encontro com Medusa.

O Terceiro Planeta
Coletânea de artigos e crônicas, que se inicia com um conto bastante interessante e elucidativo quanto aos parâmetros que são adotados pela ciência, intitulado Relatório Sobre o Planeta Três, onde tal documento é encontrado numa expedição arqueológica a Marte, revelando as razões para a não existência de vida na Terra.

As fontes do paraíso
Considerado pelo próprio Arthur Clarke como seu melhor romance.




Arthur C. Clarke (O Sentinela)

A próxima vez que olhar a Lua encher no alto, para o sul, olhe com atenção o seu rebordo à direita e deixe a seu olho viajar para cima ao longo da curva do disco. Ao redor do dois do relógio, observará um círculo pequeno e escuro. Qualquer com uma visão normal o encontrará com bastante facilidade. Trata-se da grande planície murada, uma das melhores da Lua e que se conhece como Mare Crisium, o Mar das Crises. De uns quinhentos quilômetros de diâmetro e quase rodeada por completo por um anel de magníficas montanhas, não tinha sido nunca explorada até que entramos nela a finais do verão de 1996.

Nossa expedição era bastante importante. Tínhamos dois pesados cargueiros que haviam trazido em vôo nossos fornecimentos e equipe da base lunar principal situada no Mare Serenitatis, a uns oitocentos quilômetros dali. Havia também três pequenos foguetes previstos para transportes de escasso rádio de ação sobre aquelas regiões que nossos veículos de superfície não pudessem cruzar. Por sorte, a maior parte do Mare Crisium é completamente plaina. Não existe nenhuma das grandes gretas tão freqüentes e perigosas em outras partes e são muito poucas as crateras ou montanhas de qualquer tamanho. Por isso, sabíamos, nossos poderosos tratores larva não teriam a menor dificuldade em nos levar aonde quiséssemos.

Eu era geólogo, ou melhor dizendo selenólogo, se deseja ser pedante, ao mando do grupo de exploração da zona sul do Mare. Tínhamos percorrido já, em uma semana, uns cento e cinqüenta quilômetros, bordeando as saias das montanhas ao longo da borda do que em um tempo foi um mar, uns mil e milhões de anos atrás. Quando a vida se iniciava na Terra, aqui já se achava moribunda. As águas se retiravam dos flancos daqueles estupendos penhascos, para o vazio coração da Lua. Pelo território que cruzávamos, aquele oceano sem marés tinha tido um dia mais de trinta quilômetros de profundidade e agora o único vestígio de umidade era a geada que às vezes se encontrava em cavernas nas que a ardente luz do sol não penetrava jamais.

Tínhamos começado nossa viagem a primeira hora do lento amanhecer lunar e faltava ainda uma semana, segundo o tempo da Terra, para que caísse a noite. Meia dúzia de vezes ao dia devíamos abandonar nossos veículos e sair com os trajes espaciais em busca de minerais interessantes, ou a colocar marcas que servissem de guia a futuros viajantes. Tratava-se de uma rotina monótona. Não existe nada perigoso, nem sequer excitante, em uma exploração lunar. Podíamos viver com toda comodidade durante um mês em nossos tratores pressurizados e, se nos enfrentávamos com algum problema, sempre podíamos recorrer ao rádio para pedir ajuda e esperar até que qualquer espaçonave fosse a nos resgatar.

Acabo de dizer que não há nada excitante na exploração lunar; mas, naturalmente, isso não é certo. A gente pode chegar a cansar-se daquelas incríveis montanhas, muito mais escarpadas que as da Terra. Enquanto rodeávamos os cabos e promontórios daquele mar desaparecido, não sabíamos jamais que novos esplendores nos revelariam. Toda a curva sul do Mare Crisium forma um vasto delta onde, em um tempo, uma série de rios abriu caminho para o oceano, alimentados talvez pelas chuvas torrenciais que deveram bater as montanhas na breve era vulcânica quando a Lua era jovem. Cada um daqueles antigos vales era um convite, nos desafiando a subir por eles para as desconhecidas terras altas que se achavam mais à frente. Mas tínhamos que cobrir ainda uns cento e cinqüenta quilômetros e só podíamos olhar com desejo aquelas alturas que outros escalariam.

A bordo do trator, conservávamos o horário da Terra. E, às 22.00 em ponto, tínhamos que enviar a mensagem de rádio à Base e fechar o contato por esse dia. Fora, as rochas arderiam ainda sob um sol quase vertical; entretanto, para nós, seria de noite até que despertássemos de novo oito horas depois. Logo, um dos que estávamos ali prepararia o café da manhã, escutar-se-ia um grande ronronar de barbeadores elétricos e algum conectaria a rádio de onda curta emitida da Terra.

Do mesmo modo, quando o aroma das salsichas fritas começasse a encher a cabine, resultaria difícil acreditar que não nos achávamos de retorno em nosso próprio mundo. Até tal ponto era tudo tão normal e caseiro, se deixávamos de lado a sensação de ter diminuído de peso e a pouco natural lentidão com que caíam os objetos.

Tocava-me preparar o café da manhã no rincão da cabine principal, que fazia as vezes de cozinha. Depois de tantos anos, posso recordar aquele momento de uma forma muito vívida, posto que na rádio acabavam de tocar uma de minhas melodias favoritas, a antiga toada galesa do David na Rocha Branca. Nosso condutor já estava fora, com seu traje espacial, inspecionando nossas bandas. Meu ajudante, Louis Garnett, encontrava diante, na posição de controle, realizando algumas notas no Jornal do dia anterior.

Enquanto me achava de pé ao lado da frigideira, aguardando, como qualquer dona-de-casa terrestre, a que se dourassem as salsichas, deixei que meu olhar errasse ocioso pelas paredes da montanha que cobriam todo o horizonte sul e se estendiam, até perder-se de vista, para o Este e o Oeste, por debaixo da curva da Lua. Pareciam estar a só uns três quilômetros do trator; entretanto, eu sabia que a mais próxima se achava a trinta quilômetros. Naturalmente, na Lua não se perdem os detalhes com a distância, pois não existe nenhuma das quase imperceptíveis neblinas que, na Terra, peneiram e às vezes desfiguram as coisas longínquas.

Aquelas montanhas tinham três mil metros de altura e ascendiam abruptamente da planície, como se umas eras atrás alguma erupção subterrânea as tivesse arrojado para o céu através da fundida casca. Inclusive a base da mais próxima ficava oculta pela curvadíssima superfície da planície, já que a Lua é um mundo muito pequeno e, de onde eu me encontrava, o horizonte se achava a só uns três quilômetros.

Elevei os olhos para os picos aos que não tinha ascendido jamais nenhum homem; umas cúpulas que, antes do princípio da vida terrestre, tinham contemplado os oceanos em retirada afundando-se sombriamente em suas tumbas e levando consigo a esperança e a promessa do amanhã de um mundo. A luz solar se estrelava contra as cúpulas com um esplendor que fazia machuco à vista; só um pouco por cima delas, as estrelas iluminavam com firmeza em um céu mais negro que em qualquer noite invernal da Terra.

Estava já me voltando, quando meu olho captou um reflexo metálico no alto da aresta de um grande promontório que se projetava por volta do mar, uns cinqüenta quilômetros para o Oeste.

Tratava-se de um ponto de luz impreciso, como se uma estrela tivesse sido arrancada do céu por um daqueles cruéis picos; e imaginei que alguma polida superfície rochosa captava a luz solar e fazia as vezes de um heliógrafo diretamente para meus olhos. Coisas deste tipo não eram estranhas. Às vezes, quando a Lua se encontra em seu segundo quarto, os observadores da Terra vêem as grandes cordilheiras do Oceanus Procellarum arder com uma iridiscência de um azul esbranquiçado, pois a luz do Sol cintila desde suas saias e salta de novo de um mundo a outro. Não obstante, tive curiosidade por saber que classe de rocha podia brilhar ali com tanta intensidade. Subi à torre de observação e fiz girar para o Oeste nosso telescópio de dez centímetros; vi o suficiente para ficar tentado. Muito claro e nítido no campo de visão, os picos da montanha pareciam encontrar-se a menos de um quilômetro; Mas aquilo que apanhava a luz solar era muito pequeno para ser captado.

Entretanto, parecia possuir uma simetria elusiva. E a cúpula sobre a que descansava era curiosamente plana. Contemplei aquele resplandecente enigma, forçando durante um bom momento meus olhos para o espaço, até que um aroma de queimado procedente da cozinha me disse que nossas salsichas para o café da manhã tinham efetuado em vão uma viagem de mais de quatrocentos mil quilômetros.

Toda aquela manhã estivemos discutindo durante nosso percurso através do Mare Crisium, enquanto as montanhas orientais se elevavam cada vez mais para o céu. Inclusive quando procurávamos nossos trajes espaciais, a discussão continuou por rádio. Era de todo seguro, argumentavam meus companheiros, que jamais se viu nenhuma forma de vida inteligente na Lua. As únicas coisas viventes que tivessem podido existir ali eram algumas novelos primitivas e seus um pouco menos degenerados antepassados. Sabia tudo aquilo; entretanto, há ocasiões nas que um cientista não deve ter medo a fazer um pouco o ridículo.

– Me escutem – disse-lhes ao fim. – Vou ali, embora só seja para ficar tranqüilo. Essa montanha tem menos de quatro mil metros de altura; quer dizer, só setecentos segundo a gravidade terrestre, e posso fazer o percurso no máximo em vinte horas. Sempre desejei, por outra parte, escalar essas montanhas e isto me proporciona uma desculpa excelente.

– Se não te romper o pescoço – respondeu Garnett – te converterá no bobo da expedição quando retornarmos à Base. E, a partir de agora, essa montanha começa a chamar-se Loucura do Wilson.

– Não me romperei o pescoço – repliquei com firmeza. – Quem foi o primeiro homem que subiu o Pico Helicon?

– Mas não foi bastante mais jovem naquela época? – perguntou Louis em tom amável.

– Isso – repliquei com dignidade – é uma razão tão boa como qualquer outra para desejar ir.

Aquela noite nos deitamos cedo, depois de levar o trator até um quilômetro do promontório. Garnett viria comigo pela manhã. Era um bom alpinista e me tinha acompanhado com freqüência em façanhas daquele tipo. Nosso condutor ficou muito agradado de que o deixássemos ao mando da máquina.

À primeira vista, aqueles escarpados pareciam por completo inescaláveis; entretanto, para qualquer que tenha uma cabeça firme que resista às alturas, é fácil subir em um mundo onde todos os pesos são só de uma sexta parte de seu valor normal. O perigo autêntico no montanhismo lunar radica na excessiva confiança. Uma queda de duzentos metros na Lua, pode te matar exatamente igual a uma de trinta na Terra.

Fizemos nossa primeira parada em um amplo suporte a uns mil e trezentos metros por cima da planície. A ascensão não tinha sido difícil; mas tinha os membros um pouco enrijecidos à causa do desacostumado esforço e me alegrou poder descansar. Ainda víamos o trator como um pequeno inseto metálico, muito afastado ao pé do escarpado e informamos de nosso avanço ao condutor antes de começar a seguinte etapa de ascensão.

No interior de nossos trajes reinava um confortável frescor, posto que as unidades de refrigeração lutavam contra o implacável sol e eliminavam o calor corporal de nosso esforço. Não nos falávamos, exceto para nos passar instruções a respeito da ascensão e para discutir o melhor plano de ascensão. Não sabia o que pensava Garnett. Provavelmente, que aquela era a aventura mais descabelada em que jamais se embarcou. Eu estava mais que pela metade de acordo com ele; mas a alegria da ascensão, saber que nenhum homem tinha pisado aquele caminho antes e o entusiasmo que proporcionava a paisagem ao ampliar-se cada vez mais ante nós, ia concedendo toda a recompensa que desejava.

Não acredito haver sentido uma particular excitação ao ver diante de nós a parede de rocha que tinha inspecionado pela primeira vez com o telescópio de uma distância de cinqüenta quilômetros. Elevava-se a uns vinte metros por cima de nossas cabeças e ali, na meseta, encontrar-se-ia a coisa que me tinha levado até esse lugar por aquelas desoladas paragens. Certamente não se trataria mais que de uma rocha estilhaçada muitíssimos anos atrás pela queda de um meteorito e que conservava seus planos de cisão ainda frescos e brilhantes naquela quietude incorruptível e imutável.

Não havia na parte dianteira da rocha nenhum lugar onde agarrar-se com as mãos e teríamos que empregar um gancho de ferro. Meus cansados braços pareceram recuperar nova força ao fazer girar sobre minha cabeça a âncora metálica tridentada e lançá-la na direção das estrelas. A primeira vez não agarrou e caiu com lentidão ao atirar da corda. Ao terceiro intento, os dentes se cravaram com firmeza e o peso dos dois juntos já não foi capaz de arrancá-los.

Garnett me olhou com ansiedade. Pareceu-me que queria ser o primeiro, mas lhe sorri do cristal de meu casco e meneei a cabeça. Muito devagar, tomando tempo, empreendi a ascensão final. Inclusive com meu traje espacial, aqui só pesava uns vinte quilogramas. Içava-me com uma mão atrás de outra, sem me preocupar de empregar os pés. Ao chegar ao bordo, fiz uma pausa e um gesto a meu companheiro, depois do qual acabei de subir pelo fio. Pus-me de pé e olhei ante mim.

Devem compreender que, até este momento, tinha estado convencido quase por completo de que ali não haveria nada estranho ou fora do corrente. Quase. Mas não por completo. Aquela tentadora dúvida era a que me tinha impulsionado a seguir adiante. Pois agora já não havia dúvida; mas o mistério só acabava de começar.

Achava-me de pé em uma meseta como de uns trinta metros de diâmetro. Em um tempo tinha sido lisa por completo (muito lisa para ser natural); mas as quedas de meteoritos tinham marcado e perfurado sua superfície através de imensuráveis buracos. Tinham-no aplanado para suportar uma estrutura reluzente e mais ou menos piramidal, que dobrava em altura a um homem e que se achava embutida na rocha como uma jóia gigantesca e de múltiplos facetas.

Provavelmente, naqueles primeiros segundos, nenhuma emoção encheu absolutamente minha mente. Logo senti uma euforia imensa e uma alegria estranha e inexpressável. Em realidade, amava a Lua e agora soube que o mofo rasteiro do Aristarco e Erastóstenes não tinha sido a única vida que albergou durante sua juventude. O velho e desacreditado sonho dos primeiros exploradores era certo. A fim de contas, tinha existido uma civilização lunar e eu era o primeiro que a tinha encontrado. Ter chegado talvez com um centenar de milhões de anos de atraso não me turvava o mais mínimo. Era suficiente ter podido chegar.

Minha mente começou a funcionar com normalidade, para analisar e expor perguntas. Tratava-se de um edifício, um santuário, ou algo para o que meu idioma carecia de denominação? Se era um edifício, por que o tinham construído em um lugar tão pouco acessível? Perguntei-me se aquilo seria um templo e imaginei aos adeptos de alguma estranha fé clamando a seus deuses para que os salvassem enquanto a vida da Lua refluía junto com os agonizantes oceanos; e apelando em vão a suas deidades…

Avancei uma dúzia de passos para examinar aquilo desde mais perto. Mas um sentido de precaução me conteve de me aproximar muito. Sabia um pouco de arqueologia e tratei de deduzir o nível cultural da civilização que tinha limado aquela montanha e elevado aquelas superfícies reluzentes de espelho que ainda me deslumbravam os olhos.

Pensei que os egípcios poderiam ter feito algo assim, se seus operários houvessem possuído alguns materiais mais estranhos que os empregados por aqueles arquitetos muito mais antigos. Pelo reduzido daquela coisa, não me ocorreu que pudesse estar contemplando a obra de uma raça muito mais avançada que a minha. A idéia de que na Lua tivesse havido inteligência era muito tremenda para captá-la e meu orgulho não me permitia dar o último e humilhante salto.

Logo precavi-me de algo que me produziu um calafrio na nuca, uma coisa tão corriqueira e tão inocente que muitos jamais se teriam fixado nisso. Já expliquei que a meseta apresentava as cicatrizes produzidas pelos meteoritos; mas estava também revestida de uns centímetros de pó cósmico, algo que sempre se filtra à superfície de qualquer mundo onde não há ventos que o perturbem. Entretanto, o pó e as cicatrizes terminavam de repente em um amplo círculo que rodeava a pequena pirâmide, como se uma parede invisível a protegesse das inclemências do tempo e do lento mas incessante bombardeio do espaço.

Algo gritava em meus auriculares e me dava conta de que Garnett me tinha estado chamando desde fazia momento. Andei vacilante até o bordo do penhasco e lhe fiz sinais para que se reunisse comigo, pois não confiava em mim o suficiente para expressá-lo com palavras. Logo retornei para o círculo no pó. Recolhi um fragmento de rocha estilhaçada e o lancei com suavidade contra o brilhante enigma. Se o calhau se desvanecesse naquela invisível barreira não me tivesse surpreso; mas pareceu alcançar uma superfície semiesférica. E suave deslizou meigamente até o chão.

Soube que estava olhando algo que não podia comparar-se com a antiguidade de minha própria raça. Não era um edifício, a não ser uma máquina, e que se protegia com umas forças que tinham desafiado à eternidade. Aquelas forças, fossem as que fossem, operavam ainda e talvez me tinha aproximado já muito. Pensei em todas as radiações que o homem tinha apanhado e domesticado durante o século passado. Segundo meus conhecimentos, podia muito bem me achar condenado de forma irrevogável, como se tivesse penetrado, sem levar amparo, na aura mortífera de uma pilha atômica.

Lembrança que então me voltei para o Garnett, que se tinha reunido comigo e que se achava de pé e imóvel a meu lado. Parecia como esquecido de mim. Não quis lhe incomodar e me dirigi ao bordo do escarpado, em um esforço por ordenar meus pensamentos. Lá, debaixo de mim, jazia o Mare Crisium (precisamente o Mar das Crises), estranho e esranho para a maioria dos homens; mas familiar e tranqüilizador para mim. Elevei os olhos para o crescente da Terra, que jazia entre seu berço de estrelas e me perguntei o que haviam visto suas nuvens quando aqueles desconhecidos construtores finalizaram sua tarefa. Encontrava-se na selva cheia de vapores do Carbonífero, na desolada costa sobre a qual tinham subido os primeiros anfíbios para conquistar a terra, ou mais cedo ainda, na larga solidão que precedeu à chegada da vida?

Não me perguntem por que não adivinhei antes a verdade, essa verdade que agora me parece tão óbvia. Na primeira excitação de meu descobrimento pensava, é óbvio, sem pô-lo em tecido de julgamento, que aquela aparição cristalina a tinha construído alguma raça pertencente ao passado remoto da Lua. Mas, de repente e com uma força entristecedora, tive a convicção de que se tratava de alguém tão alheio à Lua como eu mesmo.

Durante vinte anos não tinha encontrado o menor traçado de vida exceto algumas novelo degeneradas. Nenhuma civilização lunar, qualquer que tivesse sido seu destino, podia ter deixado algo mais que um simples testemunho de sua existência.
Olhei de novo a reluzente pirâmide, e me pareceu mais remota que qualquer outra coisa que tivesse algo que ver com a Lua. De repente, estremeci-me com uma louca e histérica risada, produto da excitação e do esforço. Tinha-me imaginado que aquela pequena pirâmide me falava e me dizia:

– Sinto muito, mas eu também sou um estranho aqui.

Demoramos vinte anos em quebrantar esse invisível escudo para chegar à máquina que se encontrava dentro daquelas paredes cristalinas. O que não podíamos entender, rompemo-lo ao fim com a força selvagem da energia atômica e agora vi os fragmentos daquela coisa formosa e resplandecente que encontrei no alto da montanha.

Não têm o menor sentido. O mecanismo, se é que se tratava de algum mecanismo, da pirâmide pertence a uma tecnologia que se encontra muito além de nosso horizonte; talvez seja a tecnologia própria das forças parafísicas.

O mistério nos obceca muito mais agora que se chegou aos outros planetas e que sabemos que só a Terra foi o lar da vida inteligente em nosso Universo. Tampouco nenhuma civilização perdida de nosso próprio mundo pôde construir essa máquina, posto que a grossura do pó espacial que havia sobre a meseta nos permitiu calcular sua idade. Depositou-se em cima da montanha antes de que a vida emergisse dos oceanos da Terra.

Quando nosso mundo tinha a metade de sua idade atual, «algo» procedente das estrelas, passou através do sistema solar, deixou aquele sinal de seu passo e seguiu seu caminho. Até que a destruímos, essa máquina seguiu cumprindo a missão de seus construtores. Quanto a qual era essa missão, hei aqui o que conjeturo:

Há perto de cem mil e milhões de estrelas que giram no círculo da Via Láctea e faz muito tempo outras raças nos mundos de outros sóis deveram ter alcançado e superado as alturas que nós alcançamos agora. Pensem nessas civilizações, muito afastadas no tempo, no mortiço resplendor que seguiu à Criação, donos de um Universo tão jovem que a vida só tinha chegado a uns quantos mundos.

Deviam achar-se em uma solidão que não podemos imaginar; a solidão dos deuses que olham através do infinito e que não encontram a ninguém com quem compartilhar seus pensamentos.

Deviam ter estado procurando nos amontoados de estrelas, quão mesmo nós procuramos nos planetas. Em todas as partes existiriam mundos; mas vazios ou povoados de coisas sem mente que se arrastavam. Assim era nossa própria Terra, com a fumaça dos grandes vulcões manchando ainda os céus, quando a primeira nave dos povos do amanhecer se deslizou dos abismos de além de Plutão. Passou os sorventes mundos exteriores, sabendo que a vida não poderia desempenhar nenhum papel em seus destinos. Deteve-se entre os planetas interiores, esquentando-se com o Sol e aguardando que começassem suas histórias.

Aqueles vagabundos deveram olhar para a Terra, que girava a salvo na estreita zona entre o fogo e o gelo, e deveram pensar que era a favorita dos filhos do Sol. Em um futuro distante, haveria ali inteligência; mas tinham ainda incontáveis estrelas ante eles e talvez não voltassem nunca mais por este caminho.

Deixaram, pois, um sentinela, um dos milhões que tinham esparso através do Universo, para que vigiasse todos os mundos nos que havia uma promessa de vida. Era um farol que, através de todas as idades, esteve assinalando em silêncio o fato de que ninguém o tinha descoberto ainda. Talvez entenderão agora por que a pirâmide de cristal se elevou sobre a Lua em lugar de elevar-se sobre a Terra. Seus construtores não se preocupavam das raças que ainda se esforçavam desde seu estado selvagem. De nossa civilização só podia lhes interessar que demonstrássemos aptidão para sobreviver, para cruzar o espaço e escapar da Terra, nosso berço. Este é o desafio ao que todas as raças inteligentes devem fazer frente mais tarde ou mais cedo. Trata-se de uma provocação dupla, porque depende a sua vez da conquista da energia atômica e da última eleição entre a vida e a morte.

Uma vez tivéssemos superado aquela crise, só seria questão de tempo que encontrássemos a pirâmide e a abríssemos. Agora seus sinais cessaram e aqueles cujo dever seja esse, voltarão suas mentes para a Terra. Talvez desejem ajudar a nossa jovem civilização. Mas devem ser já velhos, muito velhos, e os anciões sentem muitas vezes um ciúmes doentios dos jovens. Agora já não posso olhar para a Via Láctea sem me perguntar desde qual daquelas compactas nuvens de estrelas virão os emissários. Se me perdoarem um lugar comum muito ocorrido, direi que temos quebrado o cristal do alarme contra incêndios e quão único temos que fazer é aguardar.

Mas não acredito que devamos esperar muito.

Fonte:
http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros

quinta-feira, 20 de março de 2008

O. Henry (1862 - 1910)

William Sydney Porter, contista estadunidense nascido em Greensboro, Carolina do Norte, cuja produção de contos romantizados, muitas vezes com finais imprevistos que se tornaram sua marca registrada e o tornaram um dos autores mais populares do seu tempo. De família culta e abastada, sua mãe morreu tuberculosa quando ele tinha três anos e foi criado por uma tia. Começou a trabalhar como aprendiz de boticário aos quinze anos e depois mudou-se para o Texas (1882) onde trabalhou em uma fazenda de gado.

Casou e empregou-se como caixa num Banco de Austin, tentando ao mesmo tempo escrever comédia. Comprou um jornal, a revista de humor The Rolling Stone (1894), porém o projeto fracassou e ele passou a trabalhar como repórter, colunista e cartunista no Houston Post.

Acusado de um desfalque no Banco (1896), fugiu sozinho para Honduras, mas voltou a Austin passados três anos, ao saber da doença terminal da esposa. Viúvo, foi condenado a cumprir três anos de prisão numa penitenciária do Ohio, período em que escreveu contos sob vários pseudônimos até definir-s por O. Henry.

Em liberdade mudou-se para New York (1902), onde continuou escrevendo praticamente um conto por semana e militando na imprensa e, embora extremamente popular, viveu o resto da vida recluso, para não ser reconhecido como William Sydney Porter.

Faleceu alcoólico e na miséria, em New York, deixando várias coletâneas de contos, entre elas Cabbages and Kings (1904), The Four Million (1906), Heart of the West (1907), The Voice of the City (1908) e The Gentle Grafter (1908).

Fontes:
http://www.brasilescola.com/biografia/william-sydney.htm
http://www.releituras.com/ohenry_menu.asp

O. Henry (Os Caminhos que Tomamos)

Vinte milhas para oeste de Tucson o rápido parou ao pé de um depósito para tomar água. Além deste líquido, porém, a máquina daquele comboio adquiriu também outras coisas que lhe não convinham.

Enquanto o fogueiro estava baixando a mangueira de alimentação, o Bob Tidball, o Dodson Tubarão e um índio de raça cruzada chamado João Cão Grande treparam para a máquina e apresentaram ao maquinista os orifícios de três canos de revólver. As possibilidades desses orifícios a tal ponto impressionaram o maquinista que ergueu logo ambas as mãos num gesto do gênero do que acompanha a exclamação: "Conta lá!” ·

À ordem brusca do Dodson Tubarão, que era o comandante da força, o maquinista desceu ao chão e desligou a máquina e o tender. Então o João Cão Grande, empoleirado no carvão, sorriu por trás de dois revólveres apontados ao ajudante e ao fogueiro, lembrando que corressem a máquina cinqüenta metros pela linha abaixo e ali aguardassem novas ordens.
O Dodson Tubarão e o Bob Tidball, desdenhando proceder à limpeza de minério tão baixo como os passageiros, dedicaram-se ao veio magnífico que era o vagão de valores. Encontraram o guarda envolto na crença firme de que a máquina não estava tomando nada mais forte que água pura. Enquanto o Bob lhe tirava esta idéia da cabeça por meio de uma coronha de revólver, o Dodson Tubarão ocupava-se em ministrar uma dose de dinamite ao cofre do vagão.

O cofre explodiu no sentido de trinta mil dólares, ouro e notas. Os passageiros espreitaram vagamente pelas janelas a ver de onde vinha a trovoada. O condutor puxou a correia que lhe ficou lassa e caída na mão. O Dodson Tubarão e o Bob Tidball, com o espólio numa saca de lona forte, saíram do vagão e correram pesadamente, com suas botas altas, até à máquina.

O maquinista, amuado, mas prudente, correu velozmente a máquina, obedecendo às ordens, para longe do comboio parado. Mas antes que isto estivesse feito, o guarda do rápido, tendo despertado do argumento com que o Bob Tidball lhe tinha imposto a neutralidade, saltou do vagão com uma Winchester e entrou no jogo. O sr. João Cão Grande, empoleirado no carvão, perdeu a vasa pelo processo involuntário de imitar perfeitamente um alvo. O guarda caçou-o. Com uma bala exatamente entre as espáduas, o cavalheiro de cor e indústria caiu para o chão, aumentando assim automaticamente em um sexto o quinhão de cada um dos camaradas.

A duas milhas do depósito deu-se ordem ao maquinista que parasse.

Os ladrões gritaram um adeus de desafio e enfiaram pelo declive abaixo para os bosques que marginavam a linha férrea. Cinco minutos de caminho difícil através de uma mata de chaparral trouxe-os a um bosque mais aberto, onde estavam três cavalos, presos a ramos baixos. Um esperava o João Cão Grande, que nunca mais andaria a cavalo de dia ou de noite. A este animal tiraram os ladrões a sela e o freio, e puseram-no em liberdade. Montaram nos outros dois, estendendo o saco sobre a maçã da sela de um deles, e seguiram depressa mas discretamente através da floresta e por uma garganta primitiva e solitária acima. Aqui o animal que levava Bob Tidball escorregou num pedregulho musgoso e partiu uma das pernas dianteiras. Mataram-no com um tiro na cabeça, e sentaram-se para realizar um conselho de fuga. Seguros por enquanto, em virtude do caminho tortuoso que haviam tomado, já a questão de tempo os não apoquentava tanto. Havia já muitas horas e léguas entre eles e a mais rápida perseguição que se pudesse organizar. O cavalo do Dodson Tubarão, de corda arrastada e freio caído, resfolegava e comia com agrado da erva à margem do riacho da garganta. Bob Tidball abriu o saco, tirou às mãos ambas maços de notas e um saco único de ouro, e riu com uma alegria de criança.

— Olha lá, meu grande pirata — disse ele rindo para Dodson —, bem dizias tu que a coisa se conseguia. Tens uma cabe~ a de financeiro que deixa atrás tudo no Arizona.

— O que é que a gente vai fazer a respeito de um cavalo para ti, Bob? A gente não pode esperar aqui muito tempo. Logo de madrugada, com a primeira luz, os tipos estão na nossa pista.

— Oh, aquele teu bicho tem que levar dois um bocado — respondeu Bob com otimismo. Deitamos a mão ao primeiro bicho que encontrarmos por aí. Caramba, que fizemos bom negócio, hein? Aqui pelos sinais nas cintas e no saco temos trinta mil dólares — quinze mil a cada bico!

— É menos do que eu esperava — disse o Dodson Tubarão, dando pontapés leves nos pacotes. Depois olhou meditativamente para os flancos suados da sua montada.

— O Bolívar, coitado, está quase que não pode mais disse ele devagar —. Que pena que o teu bicho se estropiasse!

— Ninguém tem mais pena do que eu — disse o Bob sem abatimento —, mas o que é que se há de fazer? O Bolívar é rijo, e pode bem com nós dois até arranjarmos outras montadas. Raios me partam, ó Tubarão, mas não me passa da idéia a piada que tem um tipo do leste como tu vir para aqui ensinar-nos a nós do oeste a dar cartas no negócio de salteador! De que parte do leste é que és?

— Estado de Nova Iorque — disse o Dodson Tubarão, sentando-se num toro e mastigando um fio de erva —. Nasci numa herdade do distrito de Ulster. Fugi de casa quando tinha dezessete anos. Foi um acaso eu vir para oeste. Eu ia pela estrada fora com a roupa numa trouxa a caminho de Nova Iorque, da cidade. A minha idéia era ir para lá e ganhar muito dinheiro. Uma tarde cheguei a um ponto onde a estrada fazia garfo, e eu não sabia por que caminho havia de tomar, estive para aí meia hora a estudar o caso, e depois tomei pelo da esquerda. Nessa noite mesmo fui dar ao acampamento de um circo do oeste que andava dando espetáculos nas várias terras, e segui para oeste com eles. Muitas vezes tenho pensado se não teria dado em qualquer coisa muito diferente se tivesse tomado o outro caminho.

— Hum, a minha idéia é que davas mais ou menos no mesmo — disse Bob Tidball, com uma filosofia alegre —. Não são os caminhos que a gente toma, é o que está dentro de nós, que faz que a gente dê no que vem a dar.

O Dodson Tubarão levantou-se e encostou-se a uma árvore.

— Tomara eu que aquela tua montada se não tivesse estropiado, Bob — tornou a dizer, com uma certa tristeza.

— E dois! — concordou o Bob —. Era um belo bicho. Mas o Bolívar tira-nos aos dois da alhada. Olha lá, e o melhor é a gente ir-se pondo a mexer, hein? Vou meter isto tudo outra vez no saco, e ala para outra terra!

O Bob Tidball repôs o espólio no saco, e apertou a boca deste, com força, com uma corda. Quando levantou a cabeça, a coisa mais notável que viu foi o cano da pistola do Tubarão visando-lhe sem tremer o centro da testa.

— Deixa-te de piadas, rapaz — disse o Bob sorrindo —. A gente tem é que se pôr a mexer.

— Está quieto — disse o Tubarão —. Tu não te vais pôr a mexer para parte nenhuma, Bob. Tenho pena de te dizer, mas não há saída senão para um de nós. O Bolívar, coitado, está muito cansado, e não pode levar dois.

— Temos sido camaradas, eu e tu, Tubarão, há uns três anos — disse o Bob com sossego —. Muita e muita vezes arriscou a gente a vida juntos. Sempre te tenho tratado às direitas, e julgava que eras um homem. Já ouvi coisas que contavam de ti, de como tinhas matado um ou dois homens de uma maneira esquisita, mas nunca acreditei. Ora agora, se estás a brincar comigo, desvia lã a pistola e vamo-nos embora. Mas se queres atirar, atira, filho de um lacrau!

A cara de Dodson Tubarão tinha uma expressão de profunda mágoa.

— Não imaginas que pena eu tenho — suspirou ele — a respeito daquele desastre que aconteceu ao teu cavalo, Bob. A expressão no rosto do Dodson mudou de repente para uma de ferocidade fria mista de inexorável cupidez. A alma do homem mostrou-se de repente uma cara sinistra à janela de uma casa honrada.

E, na verdade, nunca Bob Tidball se poria mais a mexer para parte nenhuma. Falou a pistola do amigo falso, enchendo a garganta de um estrondo que os seus muros devolveram indignadamente. E o Bolívar, cúmplice inconsciente, levou depressa para longe o último dos salteadores do rápido sem ter que "levar dois".

Mas à medida que o Dodson Tubarão galopava parecia que os bosques se esfumavam e desapareciam; o revólver na mão direita converteu-se no braço curvo de uma cadeira de mogno: a sela estava extremamente estofada, e ele abriu os olhos e viu seus pés, não em estribos, mas pousados alto na ponta de uma secretária rica.

Estou contando aos senhores que o Dodson, da Dodson & Decker, corretores de Wall Street, abriu os olhos. Peabody, o empregado de confiança, estava de pé a seu lado, hesitando em falar. Lá em baixo havia um ruído confuso de rodas, e ao pé o sussurro acariciador de uma ventoinha elétrica.

— Hum, Peabody — disse o Dodson, piscando os olhos . Então não adormeci! Tive um sonho muito curioso. O que é que há?

— É o sr. Williams, sr. Dodson, de Tracy & Williams, que está ali fora. Vem liqüidar aquilo daquelas ações. A alta caiu-lhe em cima, lembra-se o sr. Dodson?

— Sim, lembro-me. Como está isso cotado hoje, Peabody?

— Cento e oitenta e cinco, sr. Dodson.

— Então é isso que ele paga.

— O sr. Dodson dá licença... — disse Peabody, com uma certa hesitação —. Desculpe-me falar nisso, mas estive a falar com o Williams. Ele é um velho amigo seu, e o sr. Dodson pode-se dizer que tem na mão todo este papel. Pensei se o sr...., isto é, pensei que o sr. talvez se não lembrasse que ele lhe vendeu o papel a noventa e oito. Se ele líqüida ao preço do mercado, vai-se-lhe tudo quanto tem e ainda por cima, coitado, tem que vender a casa, e a mobília e tudo, para lhe poder entregar as ações.

A expressão no rosto do Dodson mudou de repente para uma de ferocidade fria mista de inexorável cupidez. A alma do homem mostrou-se de repente como uma cara sinistra à janela de uma casa honrada.

— Cento e oitenta e cinco é que ele paga — disse o Dodson —. O Bolívar não pode levar dois.

Fonte:
http://www.releituras.com/ohenry_menu.asp

O. Henry (Memórias de um Cachorro Amarelo)

Não creio que a nenhum de vós incomode ler o que diz um cão. Kipling e muitos outros demonstraram que os animais podem expressar-se num inglês sofrível e, hoje em dia, não se imprime revista alguma que não publique a história de um animal; somente as revistas mensais de feição antiga continuam pintando os horrores de Bryan e Monte Pelado.

Entretanto, não deveis procurar aqui literatura aborrecida, como a do urso, do tigre ou da serpente da selva antilhana. Pode-se esperar qualquer surpresa de um cachorro amarelo que passou a maior parte de sua vida num sobrado barato de Nova Iorque, dormindo num canto sobre um velho vestido de cetim: o mesmo em que a dona derramou vinho do Porto, em banquete oferecido por Senhora Longshoremen.

Vim ao mundo como um cachorrinho amarelo. A data, local, genealogia e peso me são desconhecidos. O que primeiro me recordo é que uma velha me tinha metido numa cesta, e que estava em entendimentos de me vender a uma robusta dama da Broadway.

A velha, mamãe Hubard, enaltecia-me, dizendo que eu era um fox-terrier da Pomerânia - hambletoniano - irlandês roxo - Conchinchina - Stoke - Pogis.

A dama gorducha esgravatou entre amostras de moleton que levava em sua bolsa até que encontrou uma nota de cinco, e entregou-lha. Desde aquele momento fui o favorito mimado da dama gorducha. Diga-me, gentil leitor: alguma vez em tua vida, uma gorducha de 200 libras de peso, de hálito misto de queijo Camembert e couro te levantou no ar e bamboleou, enquanto esfregava teu corpo com o nariz, dizendo ao mesmo tempo palavrinhas como: Amor! Encanto! Riqueza! etc.?

De cachorrinho amarelo de raça fui crescendo até me converter num cão amarelo vira-latas, parecendo descender do cruzamento de gato angorá com caixa de limões. Porém, minha dona jamais hesitou: sempre imaginou que os dois primitivos cães que Noé meteu na arca pertenciam a um ramo colateral de meus antecessores. Fiz com que dois guardas impedissem que minha proprietária me apresentasse no jardim do Madison Square para que eu concorresse ao prêmio dos podengos siberianos.

Vou contar algo a respeito daquele pavimento. A casa era como o são ordinariamente em NY: de mármore no porão e seixos nos pavimentos superiores. Ao nosso, era preciso trepar ao invés de ascender. Minha dona o alugou desmobiliado, e instalou nele uma antiga sala de estar estofada, de 1903, umas oleo gravuras com gueixas numa casa de chá, plantas artificiais e o marido.

Eis um bipede que me causava tristeza! Era um homem pequeno, de cabelos amarelados como os meus. Era um dominado, um boneco que enxugava a louça e escutava a mulher falar mal da vizinha do segundo, de quem dizia que usava capa de peles de esquilo mas que a roupa interior era barata e esfarrapada e tinha a ousadia de exibi-la, pendurando-a a secar. E todas as noites, enquanto ela ceava, fazia com que o esposo me levasse a passeio, amarrado à ponta de uma corda.

Se os homens soubessem como passam o tempo as mulheres quando estão sozinhas em casa, nunca se casariam! Laura não fazia mais do que comer bombons e tomar sorvetes de amêndoa, falar com o orchateiro durante meia hora, ler um maço de cartas antigas, comer uns quantos picles, beber duas garrafas de cerveja maltada e passar as horas mortas olhando para o andar da frente através de um buraco feito na cortina. Vinte minutos antes da hora em que o marido devia regressar do trabalho, começava ela a pôr tudo em ordem, inclusive sua dentadura postiça, e tirava uma porção de roupa a fim de passá-la em dez minutos.

Eu, naquela casa, levava uma vida de cachorro. A maior parte do dia passava deitado no meu canto, observando como a gorducha matava o tempo. Algumas vezes dormia, e sonhava que perseguia gatos até fazê-los desaparecer nos portões, e que rosnava a todas as velhas que usavam luvas negras com os dedos de fora: coisas próprias de um cachorro. Depois, a dona me dava palmadinhas com melosa bajulação e me beijava no focinho. Porém, que podia eu fazer? Um cachorro não pode comer pedra.

Comecei a compadecer-me de Hubby, o marido; pareciamo-nos tanto, que a gente o manifestava quando saíamos juntos. Em amável companhia visitávamos as ruas que percorre o carro de Morgan, e pisávamos as últimas neves que dezembro deixava nas vielas habitadas pela gente pobre.

Uma noite, quando passeávamos assim, enquanto procurava adotar a aparência de um são - bernardo premiado e meu amo tratava de parecer um homem incapaz de assassinar o primeiro organista que executou a marcha nupcial de Mendelssohn, levantei para ele a cabeça e disse-lhe, a meu modo:

- Por que tendes esse gesto de amargura? Ela não vos beija. Não tendes que sentar-vos sobre seu regaço nem escutar sua tagarelice, essa tagarelice capaz de fazer que a letra duma opereta pareça o livro de máximas de Epíteto. Deveis agradecer por não seres um cachorro. Dai o fora na melancolia.

Aquela infelicidade conjugal desceu até mim os olhos, quase com inteligência canina em seu semblante.

- Que há, cachorrinho? Olha-me como se fosses capaz de falar. Que é que há? Gatos?

E claro que não podia compreender-me. Aos humanos é vedada a linguagem dos animais. O único terreno comum de comunicações em que homens e cachorros estão de acordo é o da ficção.

No andar em frente ao nosso morava uma dona que tinha um fox-terrier com manchas negras e marrons. O marido daquela senhora punha-lhe a corrente e levava-o a passear também todas as noites, mas sempre regressava a casa satisfeito e assobiando. Um dia juntei meu focinho com o do fox-terrier malhado e pedi-lhe que fizesse um esclarecimento.

- Escuta - disse-lhe eu - já sabes que é coisa imprópria de verdadeiros homens fazer o papel de ama-seca com um cachorro em público. Eu nunca vi um que, indo com o cachorro, não pareça senão querer bater em quantos olham para ele. Porém teu amo volta a casa todos os dias tão galhardo e bem posto como um prestidigitador diletante que fizesse o truque do ovo. Como faz isso? Não me venhas dizer que lhe agrada.

- Ele - respondeu o fox-terrier - usa o Próprio Remédio da Natureza. Quando saímos de casa é tímido como um coelho. Mas depois de termos passado por umas oito tavernas, tanto se lhe dá que o que leva na extremidade da corrente seja um cachorro ou um peixe. Já perdi duas polegadas de cauda entre as portas de vaivém desses estabelecimentos.

Pus-me a meditar sobre o que me disse o fox-terrier.

Uma tarde, lá pelas seis horas, minha ama ordenou ao seu marido que desse banho em seu Amante. Ocultei até agora meu nome, porém era assim que eu me chamava. Aquele nome era para mim uma espécie de lata amarrada ao rabo do meu próprio respeito.

Num lugar tranqüilo de certa rua, soltei a corda de meu guardião em frente a uma atraente e refinada taberna. Empurrei com a cabeça as portas, ladrando como um cão que avisa urgentemente à família que a pequena Alice caiu ao arroio quando estava colhendo flores.

- Ou estou cego, disse meu amo, fazendo um muxoxo - ou este bicho me está dizendo que tome um gole. Há quanto tempo não gasto as solas dos meus sapatos pisando o chão destes estabelecimentos! Se...

Vi que era meu. Tomou assento a uma mesa e serviram-lhe uísque quente. Ali esteve uma hora tomando goles. Permaneci ao seu lado, batendo com a cauda para que o empregado acudisse, comendo uma rica merenda, jamais igualada pelos condimentos caseiros que mamãe Hubbard comprava numa tendinha oito minutos antes de papai chegar em casa.

Quando se esgotaram os produtos da Escócia, exceto o pão de centeio, o velho me desamarrou da perna da mesa e tirou-me dali como um pescador tira os salmões. Já fora da casa, arrancou-me a coleira e atirou-a a rua.

- Pobre cachorrinho! Já não te beijará mais essa sem-vergonha! Vai-te, cachorrinho! Corre, e sê feliz!

Não quis abandoná-lo e comecei a traquinar e pular em volta dele, contente como um luluzinho sobre um tapete.

- Mas não vês, cabeça de bobo, imbecil, que não quero deixar-te? Não compreendes que ambos somos os meninos perdidos no bosque e que tua mulher é o tio cruel, que nos persegue, a ti, com o pano de cozinha e a mim, com a pomada para matar pulgas e a fita encarnada para me enfeitar a cauda? Por que não cortas de uma vez essas coisas pela raiz e seremos camaradas toda a vida?

Direis talvez que não me compreenderia; talvez assim fosse. Mas ficou pensativo um pouco, ereto, apesar dos goles que levava no corpo, e disse-me:

- Cachorrinho, nesta vida ninguém vive mais de uma dúzia de vidas. Eu não quero voltar para casa, e se tu o quiseres, apesar do muito que te aborrece minha mulher, mereces que a carrocinha te leve.

Eu não estava amarrado; mas continuei junto do meu amo, saltando, até a estação ferroviária. E os gatos que achei no trajeto viram que tinham razão para agradecer por terem sido dotados de unhas afiadas.

Ao chegar à janelinha, meu amo disse a um desconhecido que estava comendo bolo com passas de Corinto:

- Meu cachorro e eu vamos para as Montanhas Rochosas.

Porém, o que mais me agradou foi que o velho, puxando-me as orelhas até me fazer gritar, disse:

- Oh, cachorrinho vulgar, cabeça de macaco, rabo de rato e cor de enxofre. Qual é teu nome?

Eu, pensando no nome Amante, soltei um triste lamento.

- Vou chamar-te Pedro - disse meu amo; e ao ouvir aquilo, ainda que tivesse cinco caudas, ter-me-iam parecido poucas para agitá-las em ação de graças, fazendo justiça ao acontecimento.

Fontes:
http://www.gargantadaserpente.com/coral/contos/oh_cachorro.shtml

Isaac Asimov (1920 - 1992)



Isaac Asimov, (Petrovichi, 2 de Janeiro de 1920 — Nova Iorque, 6 de abril de 1992) foi um escritor e bioquímico famoso como popularizador da ciência e como autor de ficção científica, sendo suas séries mais populares Fundação e Robôs. Nesta última criou as famosas Três Leis da Robótica.

Asimov é autor de livros de divulgação sobre praticamente todos os campos do conhecimento e foi um dos homens mais cultos do século XX. Seu QI foi estimado em cerca de 175. Sabe-se que obteve um escore 135 no teste Eisenck, mas resolveu o teste inteiro na metade do tempo. Foi presidente honorário da Mensa, uma associação para pessoas superdotadas que conta com membros de 100 países.

Sua obra de ficção destaca-se por introduzir ao leitor leigo conhecimentos científicos e a idéia do método científico.

Biografia

Asimov nasceu entre 4 de Outubro de 1919 e 2 de Janeiro de 1920 em Petrovichi shtetl ou Óblast de Smolensk, RSFSR (agora Província de Mahilyow, Bielorrússia). A mãe foi Anna Rachel Berman Asimov e o pai Judah Asimov, um moleiro de uma família de Judeus. A sua data de nascimento não pode ser precisada por causa das diferenças entre o Calendário Gregoriano e o Calendário hebraico e por causa da falta de registros. Asimov celebrou sempre o seu aniversário a 2 de Janeiro. A família deriva o nome de ?????? (ozimiye), uma palavra da língua Russa que significa um cereal de inverno em que o seu bisavô negociava, ao qual o sufixo paterno foi adicionado. A sua família emigrou para os EUA quando ele tinha só 3 anos de idade. Como os seus pais falavam sempre hebraico e Inglês com ele, ele nunca aprendeu russo. Enquanto crescia em Brooklyn, New York, Asimov aprendeu por si próprio a ler quando tinha cinco anos, e permaneceu fluente em ídiche assim como em Inglês. Os seus pais tinham uma loja de doces, e toda a gente da família tinha de lá trabalhar. Revistas baratas de banda desenhada sobre ficção científica eram vendidas em lojas, e ele começou a lê-las. Por volta dos onze anos ele começou a escrever histórias próprias, e por volta dos dezenove anos, tendo-se tornado fã de ficção científica, ele começou a vender a vender as suas histórias a revistas. John W. Campbell, o editor de Astounding Science Fiction, foi uma forte influência formativa e tornou-se um amigo.

Asimov foi aluno das New York City Public Schools, inclusive a Boys' High School, em Brooklyn, New York. A partir daí ele foi para a Universidade de Columbia, da onde se graduou em 1939, depois tirando um Ph. D. em bioquímica em 1948. Entretanto, passou três anos durante a Segunda Guerra Mundial a trabalhar como civil na Naval Air Experimental Station do porto da Marinha em Philadelphia. Quando a guerra acabou, ele foi destacado para o U.S. Army, tendo só servido nove meses antes de ser honrosamente retirado. Durante a sua breve carreira militar, ele ascendeu ao posto de cabo baseado na sua habilidade para escrever à máquina, e escapou por pouco de participar nos testes da bomba atômica em 1946 no atol de Bikini.

Depois de completar o seu doutoramento, Asimov entrou na faculdade de Medicina da universidade de Boston, com que permaneceu associado a partir daí. Depois de 1958, isto foi sem ensinar, já que se virou para a escrita full-time (as suas receitas da escrita já excediam as do salário acadêmico). Pertencer ao quadro permanente significou que ele manteve o título de professor associado, e em 1979 a universidade honrou a sua escrita promovendo-o a professor catedrático de bioquímica. Os arquivos pessoais de Asimov a partir de 1965 estão arquivados na Mugar Memorial Library da universidade, à qual ele os doou a pedido do curador Howard Gottlieb. A coleção preenche 464 caixas em setenta e um metros de prateleira.

Asimov casou com Gertrude Blugerman (1917, Canadá–1990, Boston) em 26 de Julho de 1942. Tiveram duas crianças, David (n. 1951) e Robyn Joan (n. 1955). Depois da separação em 1970, ele e Gertrude divorciaram-se em 1973, e Asimov casou com Janet O. Jeppson mais tarde no mesmo ano.

Asimov era um claustrofilo; ele gostava de espaços pequenos fechados. No primeiro volume da sua autobiografia, ele conta um desejo infantil de possuir uma banca de jornal numa estação de metro no New York City Subway, dentro da qual ele se fecharia e escutaria o ruído das carruagens enquanto lia.

Asimov tinha aviophobia, só o tendo feito duas vezes na vida inteira (uma vez durante o seu trabalho na Naval Air Experimental Station, e uma vez na volta para casa da base militar em Oahu in 1946). Ele raramente viajava grandes distâncias, em parte por causa da sua aversão a voar adicionada as dificuldades logísticas de viajar longas distâncias. Esta fobia influenciou varias das suas obras de ficção, como as historias misteriosas de Wendell Urth e as novelas sobre Robôs em que entrava Elijah Baley. Nos seus últimos anos, ele gostava de viajar em navios de cruzeiro, e em varias ocasiões ele fez parte do "entretenimento" no cruzeiro, dando palestras baseadas em ciência em navios como os RMS Queen Elizabeth 2. Asimov era sabia entreter muitíssimo bem, prolífico, e procurado como discursador. O seu sentido de tempo era fantástico; ele nunca olhou para um relógio, mas falava invariavelmente precisamente o tempo acordado.

Asimov era um participador habitual em convenções de ficção cientifica, onde ficava amável e disponível para a conversa. Ele respondia pacientemente a dezenas de milhares de perguntas e outro tipo de correio com postais, e gostava de dar autógrafos. Embora ele gostasse de mostrar o seu talento, ele raramente parecia levar-se a si próprio demasiado serio.

Ele era de altura mediana, forte, com bigode e um obvio sotaque Brooklyn-Hebreu. A sua motricidade física era bastante limitada. Ele nunca aprendeu a nadar ou andar de bicicleta; no entanto, ele aprendeu a conduzir um carro depois de se mudar para Boston. No seu livro de humor Asimov Laughs Again, ele descreve a condução em Boston como "anarquia sobre rodas". Ele demonstrou o seu amor por conduzir na sua short story de ficção cientifica, 'Sally', sobre carros robô. Um leitor atento reparara que ele faz uma descrição detalhada de um dos carros a que chama 'Giuseppe', de Milan - o que significa que Giuseppe era um Alfa Romeo. Asimov não especificou nenhum outro tipo de veiculo em nenhuma das suas historias, o que levou muitos fãs a considerara que ele foi empregue por aquela marca de automóvel.

Os interesses variados de Asimov incluíram, nos seus anos tardios, a sua participação em organizações devotadas à opereta de Gilbert and Sullivan e em The Wolfe Pack, um grupo de seguidores dos mistérios de Nero Wolfe escritos por Rex Stout. Ele era um membro proeminente da Baker Street Irregulars, a mais importante sociedade a volta de Sherlock Holmes. De 1985 ate a sua morte em 1992, ele foi presidente da American Humanist Association; o seu sucessor foi o amigo e congênere escritor Kurt Vonnegut. Ele também era um amigo próximo do criador de Star Trek, Gene Roddenberry, e foram-lhe dados créditos em Star Trek: The Motion Picture pelos conselhos que deu durante a produção (dando a Paramount Pictures a impressão que as idéias de Roddenberry eram legitima especulação de ficção cientifica).

Asimov morreu em 6 de Abril de 1992. Ele deixou a sua segunda mulher, Janet, e as crianças do primeiro casamento. Dez anos depois da sua morte, a edição da autobiografia de Asimov, It's Been a Good Life, revelou que a sua morte foi causada por SIDA; ele contraiu o vírus HIV através de uma transfusão de sangue recebida durante a operação de bypass em Dezembro de 1983. [1] A causa especifica de morte foi falha cardíaca e renal como complicações da infecção com o vírus da SIDA. Janet Asimov escreveu no epílogo de It's Been a Good Life que Asimov o teria querido fazer publico, mas os seus médicos convenceram-no a permanecer em silencio, avisando que o preconceito anti-SIDA, se estenderia aos seus familiares. A família de Asimov considerou divulgar a sua doença antes de ele morrer, mas a controvérsia que ocorreu quando Arthur Ashe divulgou que ele tinha SIDA convenceu-os do contrario. Dez anos mais tarde, depois da morte dos médicos de Asimov, Janet e Robyn concordaram que a situação em relação à SIDA podia ser levada a publico.

No livro Escolha a Catástrofe, Asimov disserta sobre os futuros problemas que poderiam levar a humanidade à extinção e como a tecnologia poderia salvá-la. Em certa parte do livro, ele fala sobre a educação e como ela poderia funcionar no futuro.

"Haverá uma tendência para centralizar informações, de modo que uma requisição de determinados itens pode usufruir dos recursos de todas as bibliotecas de uma região, ou de uma nação e, quem sabe, do mundo. Finalmente, haverá o equivalente de uma Biblioteca Computada Global, na qual todo o conhecimento da humanidade será armazenado e de onde qualquer item desse total poderá ser retirado por requisição."

"...Certamente cada vez mais pessoas seguiriam esse caminho fácil e natural de satisfazer suas curiosidades e necessidades de saber. E cada pessoa, à medida que fosse educada segundo seus próprios interesses, poderia então começar a fazer suas contribuições. Aquele que tivesse um novo pensamento ou observação de qualquer tipo sobre qualquer campo, poderia apresentá-lo, e se ele ainda não constasse na biblioteca, seria mantido à espera de confirmação e, possivelmente, acabaria sendo incorporado. Cada pessoa seria simultaneamente um professor e um aprendiz."
Isaac Asimov - 1979

Asimov pretendia escrever 500 livros e, por pouco, não atingiu essa marca; escreveu 463 obras. Mas somando todos os livros, desenhos e coleções editadas totalizam-se 509 itens em sua bibliografia completa. Asimov pode ter escrito Opus 400, que seria uma comemoração de 400 publicações; contudo a lista de comemorativos da bibliografia vai apenas até o Opus 300.

Memórias de Asimov

"À Gertrude, com a qual estive casado, muito satisfatoriamente, durante oito anos, um mês, duas semanas, um dia, duas horas, 45 minutos e alguns segundos".

A dedicatória que abre uma de suas obras parece mais a afirmação do divórcio de Isaac Asimov. Asimov deu fim a sua vida matrimonial com Gertrude em suas Memórias, atrevendo-se por fim a expressar algumas opiniões não tão positivas e triunfantes como tinha por costume. Para Janet, sua segunda esposa, a quem dedica um livro, tem em troca, umas belas palavras: "minha companheira de vida e pensamento". Confessou que lhe foi infiel e de seus dois filhos tidos com ela, Robyn era sua preferida. Adorava-a e sentia-se muito mal porque ele morreria e Robyn sofreria com isso. De seu outro filho, David, apenas umas linhas. De forma estranha confessa que seu matrimônio com Gertrude durou doze anos porque tinha dois filhos. É interessante somar-se à sua vida familiar a sinceridade com que Isaac trata este assunto e porque está muito longe da imagem de triunfador nato e otimista da que tanto lhe gostava se ostentar.

Asimov havia escrito outros dois livros de memórias. Terminou em 1990 e Janet teve que se encarregar de sua edição, que ocorreu dois anos depois, mesmo que Isaac nunca o tenha visto publicado. Seu último livro, escrito em 1991, foi “Asimov sorri de novo”, e depois apenas teve forças para realizar algum outro artículo periódico. Desde agosto de 1991, até a sua morte, em 6 de abril de 1992, sofreu um grande declive físico e teve constantes hospitalizações. De acordo com o que relata Janet, pelo menos, morreu em paz, em companhia de Robyn e dela mesma.

Alguns dos aspectos mais insuspeitos de Isaac Asimov se somam em suas memórias. Acostumado com seu excelente humor, sua megalomania simpática e sua hiperatividade contagiosa, neste último texto, o escritor reconhece que algumas matérias como a economia eram-lhe indigeríveis - Pág.54: "Não seria de nada escutar o professor nem estudar o tema. Pela primeira vez em minha vida tropecei com uma barreira mental, algo que não podia fazer entrar na minha cabeça" - e que seus estudos de licenciatura foram um fracasso: escolheu a química para doutorar-se por simples eliminação. Pág.83: "Eliminada a zoologia tive que escolher entre química ou física. Eliminei a física porque era muito matemática. Depois de muitos anos resolvendo a matemática facilmente, cheguei finalmente ao cálculo integral e me choquei contra uma barreira. Dei-me conta de que havia chegado o mais longe possível, e até hoje nunca pude ir mais além".

Entre outros aspectos, tinha vertigem, odiava viajar, era um adicto ao trabalho e eludia qualquer situação incômoda (quando Janet esteve internada para ser operada de um câncer de mama, ele estava viajando!). Tudo isso foi compensado, como qualquer admirador sabe, com uma fé em si mesmo inquebrável e um conhecimento claro de quais eram seus talismãs. Pág. 84: "Começava a dar-me conta de que eu não era um especialista, de que em qualquer campo do conhecimento haveriam muitos que saberiam muito mais do que eu e que, talvez, poderiam ganhar vida e alcançar a fama nesse campo, enquanto eu não. Eu era um generalista, tinha conhecimentos consideráveis sobre quase tudo. Haviam muitos especialistas de cem ou de mil classes diferentes, mas, eu disse a mim mesmo, só haveria um Isaac Asimov". E assim foi. É o escritor mais popular de ficção científica e de divulgação científica, até o ponto de seu nome ser garantia de vendas para qualquer livro do gênero. As editoras sabem e exploram isso. O escritor se perpetua assim, interminavelmente.

O grande orador que gostava de falar em público, era um amigo fiel e grato, que nunca deixou desamparados seus amigos.

Asimov estava apaixonado por si mesmo e encerrou estas Memórias com uma das frases mais tristes que só um homem que sabe que vai morrer pode confessar: "Não espero viver para sempre, não me aflijo por isso, mas sou fraco e gostaria de ser recordado eternamente".


OBRAS

Série Fundação
Os romances dessas três séries foram publicados como histórias independentes. Mais tarde, Asimov sintetizou-os em uma simples e coerente 'história' que apareceu na extensão da série fundação.

Série Robô:
Caça aos Robôs (1954) (primeiro romance de ficção científica com Elijah Baley)
Os Robôs (1957) (segundo romance de ficção científica com Elijah Baley)
Os Robôs do Amanhecer (1983) (terceiro romance de ficção científica com Elijah Baley)
Os Robôs e o Império (1985) (seqüência da trilogia Elijah Baley)
O Homem Positrônico (1993) (com Robert Silverberg, um romance baseado no antigo conto de Asimov "The Bicentennial Man")

Série Império Galáctico:
827 Era Galática (1950)
Poeira de Estrelas (1951)
As Correntes do Espaço (1952)

Trilogia Fundação:
Fundação (1951)
Fundação e Império (1952)
Segunda Fundação (1953)

Extensão da série Fundação:
Fundação II (em Portugal "No Limiar da Fundação") (1982)
Fundação e a Terra (1986)
Prelúdio à Fundação (1988)
Crônicas da Fundação (em Portugal "Notas Para um Império Futuro") (1993)

Romances que não fazem parte de séries
Fim da Eternidade (1955)
Viagem Fantástica (1966) (uma novelização do filme apresentando uma equipe de cientistas viajando dentro do corpo humano)
Despertar dos Deuses (1972)
Viagem Fantástica: Rumo ao cérebro (1987) (não é uma seqüência do primeiro Fantastic Voyage, mas sim uma história independente).
Nemesis (1989)
O Cair da Noite (1990) (com Robert Silverberg, um romance baseado em um conto mais antigo).
The Ugly Little Boy (1992) (com Robert Silverberg, um romance baseado em um conto mais antigo).
(Ainda que essencialmente independentes, alguns desses romances têm relações mínimas com a série "Fundação".)

Coletâneas de pequenas histórias
Lista de pequenas histórias de Isaac Asimov
I, Robot - Eu, Robô (1950)
The Martian Way and Other Stories (1955)
Earth Is Room Enough (1957)
Nine Tomorrows (1959)
The Rest of the Robots (1964)
Nightfall and Other Stories (1969)
The Early Asimov (1972)
The Best of Isaac Asimov (1973)
Buy Jupiter and Other Stories (1975)
The Bicentennial Man and Other Stories (1976)
The Complete Robot (1982)
The Winds of Change and Other Stories (1983)
Robot Dreams (1986)
Azazel (1988)
Gold (1990)
Robot Visions (1990)
Magic (1995)

Mistérios
Romances
The Death Dealers (1958) (republicado mais tarde como A Whiff of Death)
Murder at the ABA (1976) (republicado mais tarde como Authorized Murder)

Coletâneas de pequenas histórias
Black Widowers and others
Asimov's Mysteries (1968)
Tales of the Black Widowers (1974)
More Tales of the Black Widowers (1976)
Casebook of the Black Widowers (1980)
Banquets of the Black Widowers (1984)
The Best Mysteries of Isaac Asimov (1986)
Puzzles of the Black Widowers (1990)
Return of the Black Widowers (2003) contains stories uncollected at the time of Asimov's death, in addition to contributions by Charles Ardai and Harlan Ellison

Não-ficção
Ciência popular
Adding a Dimension (1964)
Asimov on Numbers (1959)
Asimov's Chronology of Science and Discovery (1989, second edition extends to 1993)
Asimov's Chronology of the World (1991)
The Chemicals of Life (1954)
Choice of Catastrophes (1979)
The Clock We Live On (1959)
The Collapsing Universe (1977) ISBN 0-671-81738-8
The Earth (2004, revised by Richard Hantula)
Exploring the Earth and the Cosmos (1982)
The Human Brain (1964)
Inside the Atom (1956)
Isaac Asimov's Guide to Earth and Space (1991)
The Intelligent Man's Guide to Science (1965)
Jupiter (2004, revised by Richard Hantula)
Life and Energy (1962)
The Neutrino (1966)
Our World in Space (1974)
Quasar, Quasar, Burning Bright (1977)
Science, Numbers and I (1968)
The Secret of The Universe (1990)
The Solar System and Back (1970)
The Sun (2003, revised by Richard Hantula)
The Sun Shines Bright (1981)
The Universe: From Flat Earth to Quasar (1966)
Venus (2004, revised by Richard Hantula)
Views of the Universe (1981)
Words of Science and the History Behind Them (1959)
The World of Carbon (1958)
The World of Nitrogen (1958)

Guias
Asimov's Guide to the Bible, vols I and II (1981)
Asimov's Guide to Shakespeare
Outros
Opus 100 (1969)
The Sensuous Dirty Old Man (1971)
Asimov's Biographical Encyclopedia of Science and Technology (1972)
Opus 200 (1979)
Isaac Asimov's Book of Facts (1979)
The Roving Mind (1983) (collection of essays). Nova edição publicada por Prometheus Books(1997)

Conferência de Isaac Asimov na Universidade do Estado de Michigan (MSU) em 1974

“Quando eu publiquei meu primeiro livro, me fizeram muitas perguntas, como: ‘Bem, é bom? ’ - e eu realmente não sabia o que dizer. ‘O que dizem os corretores? ’ - e haviam muito mais perguntas.
E muito rápido me dei conta, que só havia uma maneira de solucionar aquilo. Eu rapidamente me sentei, e escrevi mais de 145 livros, e agora ninguém pergunta os nomes, ninguém pergunta se são bons, ninguém me pergunta... ninguém me pergunta nada!

Eles só dizem: '146 livros, uau! ’. Porque... porque você sabe, se você se detém pensando nisso. ‘Que diferença há se são bons ou ruins? Você já tentou escrever 146 livros ruins? ’.
Então a pergunta: ‘Bem, como você faz... como você faz para escrever tanto? ’.
Eu constantemente me pergunto. ‘Como faço para escrever todos esses livros? ’.
E a resposta é muito simples. Eu jogo fora os pensamentos, as dúvidas.
Você diz que você não acredita em mim, verdade? Mas é a verdade.
Você compreende quantos livros não são escritos por pensar-se?
Isto é, você escreve a primeira frase: ‘Era uma noite escura e chuvosa? ’.
E isso está bem! E você deveria seguir em frente, mas você não o faz.
Você comete o erro fatal de pensar e diz: ‘Não é suficientemente dramático’.

E você escreve... corrige, e volta a escrever de novo: ‘Uma noite escura e chuvosa, isso é o que era’.
E então você pensa: ‘Não, é muito dramático’.
Talvez você queira abrir um ar de incerteza: ‘Era uma noite escura e chuvosa? ’

E então você pensa um pouco mais, e você diz: ‘Não, não, eu... eu estou estropiando-o, isto é o anticlímax’. E você diz: ‘Era uma noite chuvosa e escura! ’. Bem, isto continua assim sempre, e você nunca escreve o livro?

Agora, bem, eu não faço isto. Eu começo com a promessa de que a maneira que eu escrevo na primeira vez é a certa. Como resultado, eu odeio os críticos literários. Eles podem observar, estudar e analisar, mas eles não podem fazê-lo.”

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Asimov