segunda-feira, 14 de abril de 2008

Rubem Braga (A Viajante)

Com franqueza, não me animo a dizer que você não vá.

Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique.

Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando. Assim estou eu. E não é sem melancolia que me preparo para ver você sumir na curva do rio — você que não chegou a entrar na minha vida, que não pisou na minha barranca, mas, por um instante, deu um movimento mais alegre à corrente, mais brilho às espumas e mais doçura ao murmúrio das águas. Foi um belo momento, que resultou triste, mas passou.

Apenas quero que dentro de si mesma haja, na hora de partir, uma determinação austera e suave de não esperar muito; de não pedir à viagem alegrias muito maiores que a de alguns momentos. Como este, sempre maravilhoso, em que no bojo da noite, na poltrona de um avião ou de um trem, ou no convés de um navio, a gente sente que não está deixando apenas uma cidade, mas uma parte da vida, uma pequena multidão de caras e problemas e inquietações que pareciam eternos e fatais e, de repente, somem como a nuvem que fica para trás. Esse instante de libertação é a grande recompensa do vagabundo; só mais tarde ele sente que uma pessoa é feita de muitas almas, e que várias, dele, ficaram penando na cidade abandonada. E há também instantes bons, em terra estrangeira, melhores que o das excitações e descobertas, e as súbitas visões de belezas sonhadas. São aqueles momentos mansos em que, de uma janela ou da mesa de um bar, ele vê, de repente, a cidade estranha, no palor do crepúsculo, respirar suavemente como velha amiga, e reconhece que aquele perfil de casas e chaminés já é um pouco, e docemente, coisa sua.

Mas há também, e não vale a pena esconder nem esquecer isso, aqueles momentos de solidão e de morno desespero; aquela surda saudade que não é de terra nem de gente, e é de tudo, é de um ar em que se fica mais distraído, é de um cheiro antigo de chuva na terra da infância, é de qualquer coisa esquecida e humilde - torresmo, moleque passando na bicicleta assobiando samba, goiabeira, conversa mole, peteca, qualquer bobagem. Mas então as bobagens do estrangeiro não rimam com a gente, as ruas são hostis e as casas se fecham com egoísmo, e a alegria dos outros que passam rindo e falando alto em sua língua dói no exilado como bofetadas injustas. Há o momento em que você defronta o telefone na mesa da cabeceira e não tem com quem falar, e olha a imensa lista de nomes desconhecidos com um tédio cruel.

Boa viagem, e passe bem. Minha ternura vagabunda e inútil, que se distribui por tanto lado, acompanha, pode estar certa, você.
Rio, abril de 1952.

Fonte:
"A Borboleta Amarela", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963, pág. 145.
http://www.releituras.com/

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense – Parte I)

1 – INTRODUÇÃO

É do conhecimento de estudiosos de Literatura, escritores, professores, estudantes, e quem quer que se interesse por livros, a existência de uma quantidade razoável de obras para pesquisa relativas à Literatura Cearense, de historiadores e críticos, como as de Araripe Júnior, Dolor Barreira, Mário Linhares, Abelardo Montenegro, Antônio Sales, Guilherme Studart, Otacílio Colares, Raimundo Girão, Braga Montenegro, Sânzio de Azevedo. Muitas delas escritas na primeira metade do século XX e nenhuma voltada exclusivamente para o conto. Já em 1947, na “Explicação Necessária” da História da Literatura Cearense, Dolor Barreira constatava que “os materiais para uma história das letras do Ceará foram sempre e continuam a ser lastimavelmente exíguos. Não só exíguos, mas – o que é pior – esparsos e desconjuntos, disseminados que estão, irregularmente, por folhetos, almanaques, revistas e jornais”.

Outros, como F. S. Nascimento, Francisco Carvalho, José Alcides Pinto, Dias da Silva, José Lemos Monteiro, Paulo de Tarso Pardal, Dimas Macedo, Batista de Lima, para citar uns poucos, têm divulgado livros de história e crítica literária da maior importância, porém voltados para a Literatura em geral. Nada específico sobre o conto, embora dediquem partes de seus livros a este gênero ou aos seus cultores. Sendo assim, nada mais necessário do que uma História do Conto Cearense, mesmo breve, ou, se não for História propriamente dita, um catálogo, um panorama.

Objetiva-se, pois, neste ensaio reunir o maior número possível de informações relativas aos contistas cearenses, partindo-se das primeiras publicações de narrativa curta, de autor do Ceará, até hoje. No entanto, como há inúmeros compêndios de História, dicionários e enciclopédias, onde se encontram biografias de escritores, as informações biográficas aqui dadas serão sucintas, dando-se ênfase, neste caso, aos anos de nascimento e morte, à naturalidade (como quase todos nasceram no Ceará, serão anotados somente os nomes das cidades ou dos municípios) e aos títulos dos livros de contos publicados e o ano da primeira edição de cada um. O mais importante, porém, será situar cada contista na época em que escreveu, dando-lhe relevância ou não, dependendo do grau de sua importância enquanto vivo e após a morte. Essa relevância será objetivada na apreciação crítica de suas obras e na transcrição de trechos de artigos e ensaios críticos de alguns estudiosos ou simples articulistas. No entanto, como os contistas do século 19 e começos do XX já constam de todas as obras de História e Crítica, até mesmo de abrangência nacional, dar-se-á mais atenção aos principais contistas surgidos com o Grupo Clã, os que surgiram logo depois, especialmente quando da criação da revista O Saco e do Grupo Siriará, e aqueles que despontaram no final do século XX. Considera-se aqui “contista cearense” o natural do Ceará ou aquele que, mesmo tendo nascido em outro Estado ou País, tenha vivido e escrito conto no Ceará e cujas narrativas apresentem como cenário a paisagem cearense. Da mesma forma, aquele que cedo se mudou do Estado e escreveu e publicou história curta onde fixou residência.

Para facilitar a leitura do estudo, as obras de referência mais citadas terão seus títulos abreviados (primeiras letras), no decorrer das páginas. Assim, Apologia de Augusto dos Anjos e Outros Estudos, de F.S. Nascimento, a partir da segunda citação aparecerá apenas como (AAA), seguido dos números das páginas onde se acha o ensaio específico. E assim por diante. E também quanto a jornais, como Diário do Nordeste, que terá apenas as inicias DN. Nomes de concursos literários serão abreviados, como Festival Universitário de Cultura, reduzido para FUC. Nas referências à classificação de peças ficcionais breves em concursos (1º lugar, 2º lugar, etc), especialmente no capítulo dedicado aos novos contistas, constará apenas o número ordinal, para se evitar a repetição do vocábulo “lugar”.

2 – RETROSPECTO CONCISO

Um dos mais completos e, ao mesmo tempo, sintéticos estudos da narrativa breve no Ceará intitula-se “Evolução e natureza do conto cearense”, de Braga Montenegro, incluído na revista Clã n.º 12, de 1952, e reeditado como apresentação de Uma Antologia do Conto Cearense, em 1965. O ensaio contém 35 páginas e é composto de oito partes. Inicia-se assim: “A evolução do conto cearense, durante a fase romântica e naturalista, se processou com bastante lentidão. Poder-se-ia mesmo afirmar que nada realizamos, no curso desse longo período, relativamente à arte de contar, não fosse uma que outra manifestação de talento logo sepultada na poeira do tempo”.

Outro estudo valioso se intitula “O Conto Cearense, de Galeno ao Grupo Clã”, de Sânzio de Azevedo, do livro Dez Ensaios de Literatura Cearense, de 1985. Contido em 31 páginas, este ensaio se originou de uma aula proferida em 3 de junho de 1983, na Universidade de Fortaleza, no curso de análise literária “Panorama do Conto Brasileiro”.

O ensaio de Braga e o de Sânzio servirão de roteiro ou guia para a elaboração deste estudo histórico-crítico do conto cearense, especialmente até o período do Grupo Clã.

Os escritores cearenses se iniciaram na prática da história curta e da literatura em geral muito tardiamente, em relação aos escritores dos centros culturais mais importantes. Antônio Sales escreveu uma sintética “História da Literatura Cearense” (divulgada nas edições de 1939, 1945 e 1966 de O Ceará, de Raimundo Girão e Martins Filho, e depois no Dicionário da Literatura Cearense, de Raimundo Girão e Maria da Conceição Sousa), subdivida em cinco partes: 1 – De 1824 a 1869; 2 – De 1870 a 1896; 3 – De 1897 a 1920; 4 – Mulheres Escritoras; 5 – Poesia. Segundo o romancista de Aves de Arribação, o primeiro jornalista cearense teria sido o padre Mororó ou Gonçalo Inácio de Loiola de Albuquerque Melo, também “poeta, pregador, latinista, jurisconsulto, botânico e estilista brilhante”, fuzilado em 1825. Seguiram-se outros periódicos. No entanto, o primeiro estabelecimento de instrução secundária, o Liceu Cearense, somente se instalou em 1845. “Todos os estudos de humanidades se faziam antes disto nas capitais onde havia faculdades, e bem se pode avaliar que poucos pais de família podiam com tais dispêndios”, observa Antônio Sales. Como se vê, apenas a elite da elite conseguia alcançar o ensino superior. Ora, muito antes daqueles anos, na Bahia despontara Gregório de Matos, no Rio de Janeiro surgira Antônio José da Silva, em Minas Gerais a Escola Mineira (Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga) e muitos outros poetas em diversos Estados da Federação. Como anotou Antônio Sales, naquela época “a vida literária propriamente dita continuava, porém, em estado de nebulosa no espírito cearense”. Dolor Barreira acrescenta: “Cruz Filho é mais rigoroso quando afirma que só em 1872 é que se iniciou na Província a vida propriamente literária”.

Provavelmente muitos e muitos contos foram escritos e publicados em jornais durante o século 19 no Ceará. Como não se deve escrever História a partir de suposições, pode-se afirmar que o primeiro contista cearense é Juvenal Galeno.

Poeta antes de tudo, especialmente com Lendas e Canções Populares, Juvenal Galeno (Fortaleza, 1836-1931), com suas Cenas Populares, de 1871, é um dos primeiros cultores da narrativa curta no Ceará. Este livro deve figurar, segundo Sânzio, “como precursor, ou mesmo como iniciador do conto em nossa terra”. Mais adiante é categórico: “Com suas qualidades e defeitos, são as Cenas Populares o marco inicial do conto cearense, em pleno Romantismo”. E assinala, no ensaio mencionado linhas atrás: “Composto de oito narrativas, todas focalizando o povo simples das praias ou dos sertões, esse livro vem confirmar uma impressão que sentimos ao ler os poemas do autor: a presença de um escritor inegavelmente romântico, com fortes notas de sentimentalismo, usando o vocabulário típico da corrente, mas ao mesmo tempo um agudo observador da realidade circundante, a ponto de seus contos, como alguns poemas de seu livro máximo, poderem servir de segura fonte para o estudo dos costumes do povo ali retratado”.

Braga Montenegro acrescenta: “a despeito de sua profunda identificação com os mitos da terra, simplesmente concluiria uma obra subordinada às particularidades e assuntos do regionalismo anedótico”.

O segundo nome da história curta cearense, na ordem cronológica, é o de Araripe Júnior. Nascido em Fortaleza, em 1848, faleceu no Rio de Janeiro, em 1911. Sânzio assinala: “escreveu obras de ficção romântica, como os romances O Ninho do Beija-Flor (1874), Jacina, a Marabá (1875), Luizinha (1878)”. No entanto, sua vocação era a crítica literária. Teve editado Contos Brasileiros, em 1868. Sânzio acha “pouco provável que o indianismo desses textos tenha como cenário a paisagem cearense” e, assim, o exclui do rol dos primeiros contistas do Ceará.

Braga Montenegro dá a José de Alencar (1829-1877) o título de primeiro contista cearense: “O ponto inicial da evolução do conto cearense retrai a meados do século 19, se incluirmos os Cinco Minutos e A Viuvinha, reunidos num só volume em 1860 (o primeiro em plaqueta, fora do mercado, em 1856), a despeito da intenção do autor que os denomina romances, na categoria de contos; verdadeiros contos ou novelas que são pelo conteúdo estético, pela duração, pelo grau de poesia e símbolo que encerram”. Sânzio ensina: As duas narrativas de Alencar “nada têm a ver com as letras cearenses”, eis que o cenário de ambas é a então Capital do Império.

Montenegro considera como sendo o segundo contista cearense, na ordem cronológica, Franklin Távora (Baturité, 1842-1888). Autor de alguns romances, em 1861 deu a lume o livro Trindade Maldita, subintitulado “Contos no Botequim”. Sânzio não o considera escritor cearense, mas “nacional ou, quando muito, pernambucano”.

Já no final da penúltima década do século 19 surgem os verdadeiros primeiros cultores da história breve no Ceará, ligados ao Clube Literário (1887-1888): Oliveira Paiva, Francisca Clotilde, José Carlos Júnior e Rodolfo Teófilo. Divulgaram suas peças ficcionais no jornal A Quinzena, daquela agremiação.
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Oliveira Paiva (Manuel de) nasceu em Fortaleza, em 12 de julho de 1861, e faleceu na mesma cidade, em 29 de setembro de 1892. Filho de João Francisco de Oliveira e Maria Isabel de Paiva, cursou o seminário e viajou em seguida para o Rio de Janeiro, onde se matriculou na Escola Militar e ali esteve até que a tuberculose pulmonar o obrigou a abandonar os estudos. De volta ao Ceará, se envolveu nas lutas abolicionistas. Foi um dos fundadores do Clube Literário, em 1884. Na revista A Quinzena, órgão do grupo, colaborou assiduamente. Nela estão as ficções que em 1976 resultaram no livro Contos, por iniciativa da Academia Cearense de Letras, com prefácio de Sânzio de Azevedo, que, com Braga Montenegro, os tinha copiado. Na época do Clube escreveu o famoso romance Dona Guidinha do Poço e morreu sem conseguir publicá-lo. Em 1899 José Veríssimo iniciou a publicação, em capítulos, desse romance na Revista Brasileira. Mais tarde, Lúcia Miguel Pereira encontrou o manuscrito sob a guarda do poeta Américo Facó e promoveu a sua publicação pela Edição Saraiva, de São Paulo, em 1952. Era o início da reabilitação pública de Oliveira Paiva. Pouco antes de falecer, em 1889, o escritor publicou em folhetins do jornal Libertador o romance A Afilhada, editada em forma de livro em 1961. Oliveira Paiva escreveu ainda o drama Tal Filha, Tal Esposa, algumas crônicas e poemas.

Um dos mais argutos estudos dos contos de Oliveira Paiva é, sem dúvida, o livro de F. S. Nascimento Três Momentos da Ficção Menor, no qual analisa histórias de Paiva, Herman Lima e Eduardo Campos. A composição do autor de Dona Guidinha do Poço intitula-se “A Melhor Cartada”, impresso pela primeira vez em 1887, no jornal A Quinzena.

Reunidas no livro Contos, em 1976, edição patrocinada pela Academia Cearense de Letras, organizada por Braga Montenegro e com introdução de Sânzio de Azevedo, finalmente as narrativas curtas de Oliveira Paiva deixaram as folhas envelhecidas do jornal A Quinzena e, assim, se salvaram do olvido. As 12 peças coligidas são: “Corda Sensível”, “O Ar do Vento, Ave Maria”, “O Velho Vovô”, “A Melhor Cartada”, “Pobre Moisés que não o Foste!”, “O Ódio”, “A Barata e a Vela (Fábula)”, “Variação Sobre um Tema de Buffon”, “Ao Cair da Tarde”, “De Preto e de Vermelho”, “De Pena Atrás da Orelha” e “A Paixão”. Publicados em 1887 e 1888, podem ser considerados como exercícios para a elaboração dos romances A Afilhada e Dona Guidinha do Poço. Sânzio de Azevedo ensina: “Todos são unânimes em admitir que o escritor ainda não estava em pleno domínio de suas potencialidades criadoras ao compor os contos estampados n’A Quinzena”.

Muitos historiadores desconheciam essas obras de Oliveira Paiva, certamente porque não buscaram as fontes, isto é, não pesquisaram jornais e revistas, onde se iniciavam e se iniciam a maioria dos escritores. Em História Concisa da Literatura Brasileira, Alfredo Bosi, por exemplo, não se refere ao contista Oliveira Paiva, embora o considere “prosador terso, que sabia descrever e narrar com mão certeira e intervir no momento azado com talhos irônicos de inteligência fina e crítica”.

Sânzio de Azevedo, no estudo “Contos de Oliveira Paiva”, editado como apresentação do livro Contos e no livro Aspectos da Literatura Cearense, analisa um a um as 12 histórias do criador de A Afilhada e conclui: “Quer-nos parecer que “Corda Sensível”, “O Ar do Vento, Ave-Maria”, “A Melhor Cartada” e “O Ódio” são os melhores contos de quantos escreveu Oliveira Paiva, podendo mesmo redimir o autor de quaisquer falhas porventura encontradas nos demais”. Prossegue: “É interessante observar que nenhum de seus contos se ressente daquela linguagem cientificista que prejudica muita página de nosso Realismo-naturalismo. Seria o caso de se dizer que Oliveira Paiva fugia a esses tiques, tanto assim que tal característica não empana a grandeza de Dona Guidinha do Poço, seu derradeiro trabalho de ficção”.

Oliveira Paiva se vale de variadas técnicas na composição das obras, a partir do prisma dramático, como na montagem das três cenas da primeira história, no mesmo palco, como se fosse um drama teatral. Na primeira, uma sala e nela um fardão “enfiado sobre o espaldar de uma cadeira de balanço”. Ao fundo, a janela e parte da rua. Como personagens, a menina Maria (protagonista) e a “filha do cabo de ordens”. Na segunda cena, mais curta, no dia seguinte, a mesma sala, o mesmo fardão, e não mais as meninas, mas a criada, que se espanta diante do estrago feito pelos ratos na roupa do coronel. A última cena, a maior, dias depois, se dá em algum cômodo da casa, e nela as personagens das primeiras cenas aparecem de novo e, ao lado delas, outras, sobretudo os ratos, antes somente mencionados. Não se trata, porém, de conto composto de três células dramáticas. Talvez de drama em três atos.

Esta técnica, a de cenas estanques, separadas pelo tempo e pela substituição e apresentação de personagens, aparece em outras peças.

Nem sempre o espaço da ação em Oliveira Paiva se resume a uma sala, como no primeiro conto. No segundo, esse espaço se abre, se amplifica: um cabeço, a mata cavernosa, além do horizonte, o céu, a lua. Em outro, o mar, as embarcações, em perfeita descrição topográfica.

Uma das ferramentas de linguagem mais freqüentes nas composições de Oliveira Paiva é a descrição de ambientes, pessoas e coisas. Não a descrição enfadonha, desnecessária, detalhista, mas aquela capaz de dar ao leitor perfeita visão do objeto descrito. Veja-se a descrição do fardão do coronel, em “Corda Sensível”. Ora, a indumentária descrita será como que o objeto principal da composição, o alvo dos olhares, dos cuidados de todos, eis que os ratos – personagens fundamentais na história – dele se servirão como objeto de sua sanha.

Um dos pontos culminantes deste livro está em “O Ódio”, onde narração e descrição se mesclam harmoniosamente: a amurada do navio, a gaiola de paus, onde se mantinha aprisionado um tigre, a fera “movendo-se com pés de seda e garbo de mulher”, os marinheiros, o mar – tudo descrito com cores de tempestade, a prenunciar o desfecho trágico – e os homens em movimento, a fera a se debater na gaiola, e, súbito, o entrechoque de embarcações, o tumulto, os olhos do tigre a “bruxulear” nas ondas, a luta do homem com a fera, o fim.

Utiliza Oliveira Paiva, em algumas ocasiões, a narração simultânea de duas ações, como em “A Melhor Cartada”, onde narra uma procissão do Senhor Morto e, ao mesmo tempo, porque se dá no mesmo tempo, a movimentação de uns jogadores de baralho. O sacro e o profano em paralelas, como também em “A Paixão”, onde a cerimônia religiosa é narrada enquanto o narrador, apaixonado, se dilacera – drama psicológico – remoendo o seu amor profano.

O mesmo processo de elaboração narrativa se vê em “Variações sobre um Tema de Buffon”. E também alguns momentos de narração em estado de quase perfeição, como neste trecho, em que um capão sai em defesa de uns patinhos pela primeira vez em banho num açude: “Girava, acima e abaixo, já aflito, a percorrer a trincheira que isolava o abismo líquido. Agachava-se para entrar, recuando hidrófobo; olhava por baixo como galo a brigar; açoutava-se com as moles asas; eriçava a penaria do pescoço, ciscava nervosamente e penicava no chão, a chamar aqueles traquinas, cacarejando, gorgolejando, com a sua tocante responsabilidade de educador e aio”.

Talvez por se tratar de fábula, como a chamou o autor, em “A Barata e a Vela” a narração pura e simples ocorre durante toda a narrativa, não fosse o breve diálogo do narrador com a traça. Esta maneira de escrever não está presente nas demais ficções.

Paiva utiliza ora o ponto de vista da terceira pessoa, ora o da primeira. Às vezes esta aparece no plural. Em outras ocasiões a primeira pessoa se oculta na narração, e o leitor tem a impressão de estar lendo sob o foco onisciente. Veja-se “A Paixão”, onde durante quase toda a história a narração parece estar sendo conduzida por narrador onisciente: Uma moça numa varanda a assistir às cerimônias da Paixão de Cristo, a descrição do templo, do ambiente, a multidão de fiéis, as irmãs de caridade, os padres, suas indumentárias, as velas, o tapete, o incenso no ar, o cantochão etc. Durante toda esta narração-descrição não mais aparece a moça, apenas chamada de “ela”, e muito menos o narrador, embora sejam os dois os protagonistas. Somente no final o personagem-narrador ou narrador-testemunha, sem nome também, se apresenta: “Eu ajoelhava prostrado ante a divina figura do Mestre e o meu olhar trespassava-lhe também o coração fonte do amor”. A jovem reaparece furtivamente na narração: “E as duas almas, feitas uma para a outra...” E mais adiante: “E do sudário desaparecera o Jesus sanguinolento, para pintar-se ela com o seu vestidinho preto e as suas pulseiras de ouro, a olhar-me para meu coração soluçante”.

A utilização do ponto de vista em primeira pessoa, seja ela protagonista ou narrador-testemunha, faz de Oliveira Paiva um dos bons elaboradores de dramas psicológicos do seu tempo. Leia-se “Ao Cair da Tarde”: personagens sem nome (um cocheiro, um velho e um moço), uma carruagem a conduzi-los a um cemitério, a descrição minuciosa da estrada, breves diálogos, nada de tragédias, nada de mortes, apesar da visita ao campo santo. Na mesma linha está “De Preto e de Vermelho”, outro drama psicológico. Novamente a descrição se funde à narração, em exemplos de pura arte: “Um sapato pisava na mesa, revirado, entre os livros e os frascos”. O verbo (narração) na mesma frase dos substantivos (descrição). Um personagem sem nome descreve e narra, como se fosse apenas um observador. Ou, então, o narrador é onisciente, sendo o escritor: “Ele (o personagem) sentia atroar pelos salões a pancadaria da quadrilha pavorosa e danada e louca, vermelha como o sangue vivo, e negra como uns olhos que conheço”. Em “De Pena Atrás da Orelha”, que Sânzio de Azevedo analisa como sendo “a continuação do precedente”, também quase não se vislumbra um enredo, uma trama, e onde se percebem até pedaços de frases constantes do outro conto, como “uma capa de rei”, sem contar o tema: Numa quarta-feira de cinzas, um rapaz, entre dormido e acordado, rememora cenas do carnaval. Sem querer desmerecer esta composição, há um quê de crônica nela, mormente a partir do parágrafo assim iniciado: “Um belo dia que se alevantava na rua!”, até “... e cegos mendigos, com a mão no ombro dos guias de roupa suja e rota...”

Braga Montenegro vê nessas obras de Oliveira Paiva “originalidade sem alarde, a força sugestiva dos símbolos, o inesperado da expressão valorizando os temas, estes muitas vezes perigosos pelo abuso do cotidiano”.

A manipulação da linguagem nas histórias de Oliveira Paiva é admirável, mesmo não tendo alcançado ainda, naquele tempo, a maturidade de narrador que culminaria em Dona Guidinha do Poço. Observador atento, impassível, paciente e imparcial, feito a coruja que pousa no mais alto e firme galho da mais alta e robusta árvore, vê, capta as imagens, os movimentos, as falas, os gestos das personagens, a arquitetura do espaço e dos objetos e, sem olhos de julgador – o Bem o Mal à sua frente –, descreve e narra como artista.

***
Continua...

Fonte:
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=986

Danilo Corci (O Romance Moderno)

Em "Reflexões do Romance Moderno", Anatol Rosenfeld discursa sobre os mecanismos que compõem a temática e o estilo da obra literária no Século XX após a ruptura brutal com as formas determinadas por um passado clássico. E a primeira noção absoluta para criar uma discussão como esta, consiste em enxergar o romance e sua análise como ideais de uma cultura exclusivamente ocidental.

O mecanismo escolhido pelo autor foi uma comparação direta da literatura com a pintura. Ao partir deste esquema, Rosenfeld apresenta os fatores determinantes para a mudança das artes plásticas, que também podem ser encontradas nos textos literários. Uma delas é a "desrealização", ou seja, a obra deixa de ser mimética por excelência e abandona por completo a idéia de cópia, na completa negação do realismo em forma e conteúdo.

Assim sendo, a perspectiva central é completamente limada de consideração primordial na composição do trabalho. Esta perspectiva, resultado direto da observação entre dois pólos, o do homem e o do mundo, foi forjada na Grécia Clássica, o que originou trabalhos tridimensionais e coesos. No romance moderno, a preocupação vai na direção contrária. Vai pela explosão desta perspectiva. Acontece a ruptura com a linearidade e com a cronologia. O espaço e a sucessão temporal são eliminados. Os exemplos cabais desta nova percepção estão nas obras de Proust, Joyce e Faulkner.

Tanto tempo e espaço deixam de ser entidades absolutas. Passam a serem vistos de maneira objetiva e relativa. Não existem mais certezas. A visão de uma realidade mais profunda, mais real do que o senso comum passa a ser a referência e é absorvida pela literatura. A expressão total disto vem com o romance de consciência, uma vez que não vivendo mais "no" tempo, o homem agora passa a ser o tempo, tempo este não cronológico, mas sim uma atualidade que engloba tanto o passado, o presente e o futuro, misturados e quase sem identificação. A consciência flutua entre estas referências de maneira completa. A narrativa fica sem fronteiras em seu contexto.

Portanto, a partir deste entendimento, Rosenfeld compreende que este fluxo de consciência caminha para a radicalização do monólogo interior, característica crucial do romance moderno. Some-se o narrador. A consciência da personagem se manifesta em sua atualidade. Acabam-se, então, as leis de causa e efeito, o começo, o meio e o fim. Porém, o autor observa que esta radicalização foi produzida com base no romance psicológico e realista do Século XIX. Ou seja, se perde a noção de personalidade total. O ser humano, no romance moderno, se fragmenta, se individualiza. Beckett seria um dos principais vetores deste estilo.

Assim, esta individualização facilita a busca dos mesmos padrões arquetípicos dos mitos, como em um eterno retorno já que o tempo mitológico é circular e não cronológico. "Ulisses", de James Joyce faz esta fragmentação. Fragmentação esta que representa a busca da superação da realidade sensível numa procura incansável de algo por de trás da aparência em que vivemos.

Outras possibilidades apontadas pelo autor são o geometrismo, onde um Eu narrador se aproxima do mundo narrado para mostrar um novo mundo sem tempo algum. Proust seria um dos mestres disto. Ao mesmo tempo, este mesmo narrador se ironiza tanto por saber de tudo e busca a sua justificativa nos mecanismos psíquicos de todos os seres humanos, uma vez que o narrador também é um ser humano. É a cultura do relativismo, da transformação.

Uma outra forma encontrada no romance moderno é o Behavorism. Usado por Hemingway e por Camus, este estilo cria um estranhamento total. Não existe plano psicológico. Tudo é sem profundidade, sem mergulhos internos, um verdadeiro mundo estranho e indevassável. Um mundo de seres humanos sem alma, chapados, externos. Kafka, por sua vez, usava a espera como condição primordial. Seu tempo é a eterna espera.

Anatol Rosenfeld ainda identifica outra ruptura com a técnica clássica. Trata-se do tempo simultâneo, onde grandes espaços e o coletivo são as principais fontes da técnica. Ali, os indivíduos são lançados no fluxo de consciências e do mundo, num verdadeiro redemoinho urbano e caótico. Ao identificar os fatores de ruptura, o texto apresenta um panorama da complexidade estética e das questões filosóficas discutidas pelo romance moderno. O que não deixa de ser um ambicioso mergulho no espírito de nossa época.

Fontes:
07/09/2003
http://www.speculum.art.br/module.php?a_id=526#
http://l4mp3j05.blogspot.com/ (figura)

Nathaniel Hawthorne (1804 – 1864)

(Salem, 4 de Julho de 1804 - Plymouth, 19 de Maio de 1864)

Descendente de uma família de tradição puritana, que se instalou nos Estados Unidos no século XVII, Nathaniel Hawthorne foi um dos mais importantes romancistas e contistas norte-americanos do século XIX.

Nasceu em Salem, estado de Massachusetts, a 4 de Julho de 1804, e cedo despertou para a literatura. Depois da morte do Pai, em 1808 na Guiana Holandesa (actual Suriname), vive na casa da família materna, sob influência de um ambiente típico da Nova Inglaterra.

Em 1821, ingressa na Universidade de Bowdoin, em Brunswick, onde trava amizade com o poeta H. W. Longfellow (1807-1882), e com Franklin Pierce, que viria a ser eleito 14.º Presidente dos Estados-Unidos. Formado, em 1825, decide editar, anonimamente, o seu primeiro romance Fanshawe: A Tale, mas rapidamente se arrepende do impulso e nos anos seguintes dedica-se a aperfeiçoar o seu método de escrita.

Após esta tentativa, consegue um emprego na alfândega de Boston e, em 1837, publica a primeira colectânea de contos Twice-Told Tales (contos narrados duas vezes) que viriam a ter continuação em 1842.

Casa-se com Sophia Peabody, de quem era noivo desde 1838, e com a qual virá a ter três filhos. Muda-se para Concord onde conhece os transcendentalistas: Henry David Thoreau (1817-1862) e R. W. Emerson (1803-1882), e, em 1846, de volta a Salem, Hawthorne emprega-se como alto funcionário da alfândega local. Três anos passados, é demitido, por razões políticas, e torna a mudar de residência, agora para Lenox, onde se dedica mais intensamente à literatura, que é o seu único rendimento. É nesta altura que conhece Herman Melville (1819-1891), o autor de Moby Dick (1851), que se pode considerar a sua mais importante amizade e influência literária.

Com a década de 50 vêm os anos produtivos e as suas grandes obras. Primeiro é A letra escarlate (1850), a sua obra-prima, depois A casa das sete empenas (1851). Em 1853, publica Tanglewood Tales, histórias clássicas contadas para crianças, e segue para Liverpool, na Inglaterra, para o lugar de cônsul dos Estados Unidos que desempenha até 1857, quando decide viajar, com a família, pela Europa (França e Itália). De volta a Concord, já doente, Hawthorne vive os últimos anos a começar romances que não consegue acabar e em 19 de Maio de 1864 morre, em Plymouth, durante uma viagem.

Com uma marca fortemente alegórica, fantasista e pessimista as narrativas de Hawthorne versam questões morais complexas e profundas, saídas de um espirito dominado pela permanente luta entre o bem e o mal, mas repudiando - sempre - a intolerância, o fanatismo, ou o dogmatismo religioso.

Nathaniel H. ficou na história como autor de grandes romances, mas também como mestre de numerosos e fascinantes contos, género que se pode considerar como o mais representativo da literatura norte-americana do século XIX, e para a qual ele muito contribui.

OUTRAS IMPORTANTES OBRAS:

Mosses from a old house (1846); The Snow-Image and other Twice-Told Tales (1851); The Blithedale Romance (1852); Marble Faun (1860); Our old home (1863).

Fonte:
http://www.redutoliterario.hpg.ig.com.br/prosa/nathaniel_hawthorne2.htm

Nathaniel Hawthorne (A consoada do “quaker”)

Obs: Consoada = Ceia de Natal (segundo o Dicionário Caudas Aulete)

Era véspera de Natal e, terminada a ceia, o ferreiro quaker, John Inglefield, sentou-se no meio dos seus, na velha poltrona carcomida.

Como estava no centro do semi­círculo formado pelos membros de sua família, em torno da lareira, o clarão das chamas iluminava o seu corpo grosso e atarracado, espargindo um resplendor de cobre no seu rosto rude e dando-lhe o aspecto duma grosseira figura de ferro incandescente, boa para ser forjada na sua própria bigorna.

À direita de John Inglefield havia um lugar vago. As outras cadeiras, muito apertadas à volta do fogo, estavam ocupadas pelos membros da família, muito silenciosos, enquanto suas sombras se projetavam na parede que lhes ficava atrás e dançavam alegremente.

O filho do quaker, que seguira o curso superior e era então estudante de teologia em Andover, também estava presente, assim como a irmã, mocinha de dezesseis anos, que lembrava bem, a quantos a olhassem, um fresco botão de rosa entreaberto. Também estava Robert Moore, antigo aprendiz do ferreiro, agora seu sócio, cujos traços enérgicos e viris contrastavam com os do pálido e escanifrado estudante.

O lugar à direita do velho quaker tinha sido deixado vazio em memória de sua mulher, falecida na última véspera de Natal. Com uma delicadeza de sentimentos verdadeiramente inesperada na casa de um rude ferreiro, o marido, muito compungido, colocara a cadeira da falecida no lugar de sempre, a seu lado, e de quando em quando deitava-lhe um olhar triste e interrogativo, como se perguntasse a si mesmo como era possível que a tumba fria não devolvesse a amada figura da desaparecida para alegria daquelas chamas, naquela suave noite de Natal.

Dessa forma, o velho quaker pensava com saudade e dor naquela que tão recentemente o havia deixado. Outra dor, porém, o consumia, e bem quisera ele arranca-la do coração, ou pelo menos do pensamento: uma perda pela qual ele não queria nem podia sofrer como pela primeira. É que outra pessoa da família também abandonara o lar desde o último Natal, mas para essa ele não tinha reservado o lugar com amorosa lembrança . . . Todavia, ela não tinha morrido. Enquanto John Inglefield se achava cercado da família à beira do fogo, que projetava na parede sombras fantásticas, ouviu-se a porta abrir e leves passos soaram no corredor.

O abrir da porta e o som dos passos eram tão familiares que ninguém se moveu. Uma moça entrou na sala, tirou o capote, colocou-o sobre a mesa, debaixo do espelho, e aproximou-se do círculo familiar, sentando-se na cadeira vazia como se estivesse preparada para ela.

- Pai! Aqui estou. Vocês jantaram sem mim, mas venho cear com vocês.

Era Prudence Inglefield. Usava o mesmo vestido singelo e elegante que outrora costumava pôr, de tarde, ao terminar os trabalhos de casa. Os cabelos lisos, divididos por uma simples risca, à moda das quakers, assentavam-lhe muito bem. Estava um pouco mais pálida que antes, mas a luz da lareira emprestava-lhe um belo tom rosado e saudável. Mesmo que tivesse passado todo o tempo de sua ausência num ambiente dissoluto, sua beleza não parecia ter sofrido o menor arranhão. Mudara tão pouco como se tivesse ausentado apenas uma hora e voltasse à casa paterna antes de consumida a lenha posta na lareira.

Parecia-se extraordinariamente com a mãe. Portanto, ao se sentar à direita do pai, este julgou ver sua delicada esposa, tal como a tinha amado, apaixonadamente, num remoto dia em que festejavam juntos a noite de Natal. Assim, apesar de seu caráter áspero, quase brutal, não conseguiu encontrar as duras palavras com que sempre pensara receber a filha rebelde. Não a abraçou, porém. Disse apenas:

- Seja bem-vinda a esta casa, Prudence. Sua mãe teria tido imensa alegria em vê-Ia; infelizmente morreu há quatro meses.

- Bem sei, pai, eu sei; e contudo, ao entrar aqui, meus olhos ficaram tão deslumbrados pela luz destas chamas que imaginei vê-Ia sentada ao seu lado.

Nesse instante, os demais membros da família, refeitos da surpresa, compreenderam que aquela que entrara tão imprevistamente não era um fantasma, nem uma imagem dos seus desejos e das suas saudades, mas a própria Prudence em carne e osso. Foi seu irmão,quem primeiramente a saudou, dirigindo-se a ela afetuosamente, apertando-lhe a mão, sem todavia pôr nesse gesto todo o calor fraterno, porque, embora sendo um bom coração, era um pastor e sabia que diante de si tinha uma pecadora.

- Felicito-me, minha irmã, por ver que a misericordiosa Providência aqui a trouxe a tempo de eu me despedir de você. Dentro de poucos dias devo embarcar para as ilhas do Pacífico, como missionário. Não tenho, portanto, certeza de tornar a vê-Ia... Ah!, possa eu encontrá-la além da morte! . .

Uma sombra toldou a fisionomia da moça.

- A sepultura é muito escura, meu irmão - respondeu ela, retirando apressadamente a mão que ele apertara. - Você tem de me ver pela última vez aqui, à luz destas chamas.

Entretanto, a irmã gêmea de Prudence, que com ela sempre tinha compartilhado trabalhos, alegrias e sonhos, levantou-se impelida pelo violento desejo de apertá-la carinhosamente contra o peito. Mas resistiu a esse natural movimento, temendo, envergonhada, que Prudence tivesse mudado demais para corresponder a essa demonstração de afeto, ou que a sua própria pureza parecesse uma severa censura para a moça rebelde. Contudo, ouvindo sua voz familiar, fitando bem as delicadas feições de seu rosto e a graça de seus gestos, esqueceu-se de tudo para só se lembrar de que ela tinha voltado e se atirar nos seus braços. Porém, no mesmo momento, Prudence levantou-se e agitou as mãos para contê-la num sinal de advertência.

- Não, Mary! Não, minha irmã! Não me toque! Não podemos nos abraçar.

Mary parou, trêmula, sentindo uma sombra mais espessa e mais fria que a morte interpor-se entre ela e a irmã, apesar de seu inesperado regresso ao lar, onde tinham vivido juntas quase toda a vida.

Prudence, entretanto, olhava para um lado e para outro, procurando com o olhar a única pessoa que ainda não lhe tinha dirigido a palavra. Esta, abandonando o seu lugar, fora para perto da porta e ali ficara, com o rosto virado, de maneira que, das suas feições, só se podia ver a deformada sombra na parede. Prudence, não obstante, reconheceu-o e chamou-o com voz meiga e alegre.

- Venha cá, Robert. Não quer apertar a mão de sua velha amiga?

Robert Moore, ainda por um instante, ficou imóvel. Mas seu orgulho e sua mágoa por fim cederam, e, encaminhando-se para a moça, tomou-lhe a mão e beijou-a.

- Ah!, Robert! - disse ela com tristeza, retirando a mão com vivacidade. - Não é necessária tanta efusão...

Todos se sentaram novamente em volta do fogo, e Prudence ocupou o lugar à direita do pai. Seu caráter era vivaz, terno e geralmente muito alegre, mas sua atitude e sua voz tinha tido sempre qualquer coisa de dramático que se misturava a todos os seus gestos e palavras. Desde a infância tinha compreendido que possuía a rara faculdade de impor a todos os que se aproximavam dela o seu humor do momento, e de espalhar em torno de si, como por magia, o seu estado de alma, triste ou alegre.

Assim havia sido nos seus dias de inocência, e assim ainda foi naquela memorável noite de Natal. Seus parentes, surpresos e encantados pela sua volta, quase haviam se esquecido de que ela os tinha abandonado e perdido o direito ao seu afeto. Talvez, pela manhã, à luz do sol, a olhassem com outros olhos; mas naquela noite de festa, à luz do fogo familiar, não sabiam senão que a sua querida Prudence tinha voltado e que todos lhes deviam estar agradecidos por isso.

A dura fisionomia do ferreiro parecia então luminosa de íntima e funda alegria. Por uma ou duas vezes, riu com um riso tão forte que, como outrora, fez tremer os vidros das janelas. Sentia-se surpreso da sua própria alegria. O sisudo pastor também desenrugou as sobrancelhas e pôs-se a troçar com o estudante. E Mary, por sua vez, esqueceu-se de que sua irmã gêmea tinha perdido a inocência que por tanto tempo lhes fora comum. Robert Moore fitava Prudence com os olhos brilhantes e envergonhados, tal como um tímido namorado. E a moça sorria de tal modo que ao mesmo tempo o animava e desalentava.

Aquela hora foi uma dessas ocasiões em que a tristeza mortal que há no fundo de todas as vidas se desvanece como uma sombra importuna, e só brilha uma alegria tanto mais deslumbrante e forte como leve e rápida.

Ao soarem onze horas no velho relógio, Prudence, inclinando-se sobre a lareira, pegou a caneca onde fervia o chá que seu pai tomava todas as noites e nela pôs um torrão de açúcar, como sempre o fizera.

- Deus a abençoe, minha filha - disse John Inglefield, aceitando a xícara. - A felicidade voltou ao seu velho pai. Mas... como sua mãe nos faz falta neste momento! Ah!, Prudence, como ela nos faz falta!

E após um silêncio, ajuntou:

- E, contudo, tenho a ilusão de que ela voltou...

- Voltou. . . - respondeu Prudence.

Pouco antes da meia-noite, as conversas cessaram. Era a hora do culto da família. Mary foi buscar a velha Bíblia, onde o pai ia ler o capítulo do nascimento. Mas, enquanto cada um se preparava para um recolhimento íntimo, viram que Prudence se levantava, punha o chapéu e o capote e se encaminhava para a porta.

- Prudence! Prudence! Aonde você vai? - gritaram todos, quase ao mesmo tempo.

Com a porta já aberta, ela virou-se, fazendo com a mão um gesto de adeus. Naquele instante, porém, sua fisionomia pareceu-lhes tão mudada, que eles mal a reconheciam. Era como se uma força diabólica lhe houvesse repentinamente deformado as feições, que uma paixão terrível inflamava. Um sorriso de triunfo, doloroso de se ver, dilatava-lhe os lábios.

- Minha filha! - gritou John Inglefield, pondo-se de pé. - Fique para seu pai abençoá-la, ou vá-se com sua maldição!

Prudence ficou lívida e olhou em torno. Dançavam nas paredes as sombras dos reflexos do fogo. Por um momento, ela pareceu lutar contra uma força demoníaca que a impedia de ser ela mesma, força que só podia vencer dentro do honrado lar paterno... Mas o Demônio venceu. Prudence desapareceu na noite. Todos correram para a porta, mas já nada viram. Só ouviam o som dos guizos dos cavalos que, lá longe, levavam o trenó sobre a neve endurecida.

Nessa mesma noite, entre as belas moças que enchiam o café-concerto da cidade próxima, havia uma cuja perversa alegria parecia incompatível com a doce e pura alegria da vida familiar. Era Prudence Inglefield. Sua rápida aparição no lar paterno, naquela noite de Natal, não tinha sido mais do que a materialização de um desses sonhos de candura que por vezes assaltam as almas mais miseráveis. Mas o mal, ai!, sabe prender os seus escravos. Convoca-os nas horas mais sagradas, nos mais santos momentos, quando as inocentes lembranças de felicidade pura talvez os fizessem voltar ao bem. E eles lhe obedecem.

Fonte:
http://www.gargantadaserpente.com

Curso de Redação em Português (Parte Final)

Erros de construção

De acordo com Melo (1980, p.87), quando se redige cometem-se alguns erros que comprometem a qualidade do texto. Por exemplo: justificar-se por fazer uma má redação; pela pobreza de nosso vocabulário, por não conseguir dar conta da expressividade, por ter falsa simplicidade; dizer que vamos expor o próprio ponto de vista, por enfatizar o tema dizendo que é importante e muito polêmico. Outro problema é justificar o fato de que não sabe escrever, comunicar que na figura a ser exposta ou o objeto a ser descrito descrever é difícil apontar suas características. Ou para concluir a essência, fazer uma novela, história com início, meio e fim.

Segundo o autor, é necessário evitar "historinhas"; escolher e seguir um planejamento de "pergunta/resposta" de conversa geralmente sem propósito; dirigir a escrita para uma desgraça, com muito sangue, desespero, dor, lances de melodrama; não tomar posição, ficar em cima do muro, querer agradar a todos, e temer a desaprovação; aceitar como verdadeiro uma atitude de moral e palavras em geral, sentenciando a totalidade das coisas e a todas as pessoas, sem deixar espaço para pensar, respirar, digerir, escolher.

Apresentar esses problemas ao construir o texto não acrescenta nada à hora de desenvolver a redação, pelo contrário: atrapalha no desenvolvimento do texto.

Erros de argumentação

Muitas vezes o aluno começa bem o texto, porém comete erros de argumentação; isto é, erros de raciocínio ou provas empregadas para apoiar ou negar uma afirmação.

O discente tem que colocar atenção a cada momento de argumentar antes de passar seu texto a limpo. Os erros produzem-se por ignorância ou inexperiência da pessoa que argumenta. Em ocasiões, recorre-se a uma argumentação incorreta de forma consciente, com a intenção de convencer ao destinatário da mensagem por meios racionais.

No livro, Redação Inquieta, Bernardo (2000, p.95-103) menciona falhas de argumentação como: a confusão causa-efeito; o círculo vicioso; a estatística tendenciosa; a fuga do assunto.

A confusão causa/efeito consiste em estabelecer como causa de um fato que aconteceu imediatamente antes do tempo. Por exemplo: Meu pai encerrou o cachorro. Depois de poucos dias, tinha raiva o animal. Portanto, o encerramento é o que causou a raiva. Analisando a frase, a raiva é posta como efeito da causa "cachorro". Ora, é ilógico afirmar que a conseqüência de encerrar o cachorro dê raiva.

O círculo vicioso consiste em fazer uma afirmação e defendê-la apresentando razões que significam o mesmo que a afirmação original, ou seja, duas proposições que carecem igualmente de prova. Por exemplo: o sal se dissolve porque é solúvel. Ou provar a origem do homem pelo intelecto divino e o intelecto divino pela origem do homem.

A estatística tendenciosa acontece quando um determinado tema é pesquisado sob a forma de tabela, apoiado num levantamento apressado de fatos. Com esse tipo de redação, o aluno quer terminar rápido e faz uma conclusão mal feita. Por exemplo: Carolina é medica e não fuma; os médicos não fumam.

Algumas cobras são venenosas, logo, todas o são.

O argumento autoritário é quando se apela para as palavras de uma pessoa famosa ou autoridade, ou seja, dá-se opinião e impressiona-se o opositor. Usam-se adjetivos violentos e covardes. Por exemplo: Como vais pôr em dúvida minhas palavras (diretora), se eu fui votada pela maioria dos professores?

A fuga do assunto é quando o discente faz uma frase e na seguinte se desvia da idéia.Por exemplo: a ciência é muito importante para humanidade, a história estuda o passado. Ou: o amor é a ferramenta do ser humano, a paixão é dolorosa.

A seguinte citação também pode ajudar:

Muitas vezes, distraídos, incorremos em erros imperdoáveis ao argumentar. Tais enganos podem anular o que tínhamos dito anteriormente. Uma frase infeliz pode derrubar um império!

Chamamos a atenção para as seguintes incorreções:
1. Confundir causa com conseqüência ou vice-versa;
2. Deduzir algo que não pode ser retirado daquele fato;
3. Atribuir uma frase a alguém que não seja o seu autor;
4. Fazer referência a um fato histórico de modo incorreto e/ou absurdo;
5. Deixar uma frase incompleta, interrompendo o raciocínio e introduzindo outro assunto (trate-se da figura denominada "Anacoluto") (Melo, 1980, p.98).

Esta citação ajuda a reforçar as palavras de Bernardo; portanto, uma frase ou idéia mal elaborada pode acabar com o texto.

A gramática na redação

Sabe-se que quando se fala de redação estamos falando de uma combinação de frases, uma combinação de classes de palavras, por isso, é bom conversar com os alunos sobre o porquê eles têm que aprender gramática na hora de redigir.

O professor é referência no momento de explicar a gramática na redação, pois a gramática é o caminho para escrever certo. A citação de Bernardo nos mostra isso:

O que importa é ter sempre muito claro que faz parte do escrever bem fazê-lo respeitando escrupulosamente o código. Isto deve ser lembrado aos alunos, o tempo todo, de muitas maneiras e por todos os professores. Se todos ensinamos a ler, a escrever e a raciocinar, parece óbvio que todos devemos ensinar a língua portuguesa, preocupando-nos em mostrar o certo e corrigir o errado [...]. (BERNARDO, 2000, p.36)

Para escrever um texto, o aluno precisa saber a gramática e isso deve ser lembrado por todos os educadores.

A escola deve preparar o aluno para a "vida", e se o educando pergunta "para que me serve aprender língua portuguesa?", a resposta está em Almeida (1984, p.10) "se você não souber falar e escrever direito, corretamente, você não arranja um bom emprego, não consegue passar num concurso, nem uma boa colocação...". A gramática serve sim, para elevar a auto-estima do aluno, e ele se sentirá bem com essa resposta.

Porém, se pensarmos na prática da produção de texto como uma forma criativa, quem tem a resposta é Possenti:

[...] Para se ter uma idéia do que significaria escrever como trabalho, ou significativamente, ou como se escreve de fato "na vida". Basta que verifiquemos como escrevem os que escrevem: escritores, jornalistas. Eles não fazem redações. Eles pesquisam, vão à rua, ouvem os outros, e lêem arquivos, lêem outros livros. Só depois escrevem, e lêem e relêem, e depois reescrevem, e mostram para colegas ou chefes, ouvem suas opiniões, e depois reescrevem de novo. A escola pode muito bem agir dessa forma... [...] (POSSENTI, 1996, p. 49)

O professor deve ser criativo na sala de aula, porque se os escritores e jornalistas fazem isso, por que os alunos não podem?

O professor e os alunos escolhem um tema para redigir, depois o professor pede a eles que pesquisem em livros, Internet, pessoas que possam ajudar no assunto. Só depois o mestre corrige. Isso seria fantástico!

Porém, apesar de a gramática dar um rumo importante para o estudante, a triste realidade muitas vezes é outra, pois muitos alunos passam fome e o educador, sem se importar com essa realidade, ensinam classes de palavras ou análise sintática, assuntos que não chamam a atenção de uma criança ou jovem que passa por dificuldades. Por isso, o educador precisa ser sensível e conhecer a turma e sua realidade antes dos alunos estudarem a língua portuguesa.

Agora, como se sabe que a gramática é o "conjunto de regras", e que é preciso segui-las, caso o aluno não aprenda e erre no momento de escrever, o educador terá paciência, já que erro é quando se sai de tais regras. Como expressa Possenti (1996, p. 78), "erro é tudo aquilo que foge à variedade que foi eleita como exemplo de boa linguagem". Para que não haja equívocos, o educando deve estar consciente de como corrigir, para não deixar o aluno constrangido.

Explicar para o estudante que errar é bom, mas acertar é melhor. Um exemplo de uma aula de português é a partir de uma frase, como escreve Possenti (1996, p.91), "uma aula de gramática seria partir de uma construção e dizer a mesma coisa de todas as formas que se puder obter, alterando o ponto de vista, ou seja, alterando a estrutura da frase sem alterar radicalmente seu sentido". Essa é uma forma de como trabalhar a gramática através de estruturas de frases, da qual muitos alunos iriam gostar.

Para tanto, o mestre tem que ser criativo, por exemplo:

A noite, naquele fim de mundo, cai pesadamente.
Naquele fim de mundo, a noite cai pesadamente.
A noite, pesadamente, cai naquele fim de mundo.
Pesadamente, naquele fim de mundo, a noite cai.

O vento, em movimentos bruscos, assovia agressivamente.
Em movimentos bruscos, o vento assovia agressivamente.
O vento, agressivamente, assovia em movimentos bruscos.
Agressivamente, em movimentos bruscos, o vento assovia.

O guarda tratou o garoto com ironia.
O guarda tratou-o ironicamente.

Se Deus quiser, dará uma de suas bolas ao menino.
Se Deus quisesse, daria uma de suas bolas ao menino.

A mãe pensou: se eu o ameaçar, ele pára de chorar.
A mãe pensou que, se ela o ameaçasse, ele pararia de chorar.

Considerações Finais

Em virtude dos fatos mencionados, a construção de textos criativos e a pré-escrita ajudará o discente a ter confiança de que vai elaborar uma boa redação, pois o ato de escrever o fará pensar sobre si mesmo e também na construção de idéias.

É bom saber técnicas, mas o mais importante é elevar a auto-estima dos educandos, posto que se a pessoa se sente capaz de escrever, escreve.

O mestre precisa desenvolver um grau de motivação para despertar o interesse no gosto de redigir, explicando para o estudante todos os passos necessários para a construção de textos bem elaborados. Outro ponto a considerar é que para fazer uma produção textual não tem como escapar da gramática, porque ela torna compreensível o texto.

E se o aluno comete erros? Vimos que, segundo alguns lingüistas como Sírio Possenti e Gustavo Bernardo, que o papel do professor é ajudar a corrigir e reconstruir a expressão ou palavra em que o aluno se equivocou. Desse modo, o educando se sentirá realizado.

Se o aluno tem consciência de sua redação, ele faz uma revisão dos possíveis erros, o que auxiliará ao professor ter menos trabalho na hora de corrigir; o mestre se sentirá orgulhoso de seu aluno.

Espero que este trabalho sirva para os professores e estudantes, pois minha intenção foi colaborar com aqueles que se interessam pelo ensino da língua. Entretanto, deixo em aberto a possibilidade para novos questionamentos e propostas para novas pesquisas.

Fontes:
Autor: Gonzalo Pérez Publicação: 23/06/06
http://www.mailxmail.com/curso/idiomas/redaportugues/
http://gattors.blogspot.com/ (figura)

domingo, 13 de abril de 2008

Mika Waltari (1908 - 1979)

Mika Waltari (19 de Setembro de 1908 - 26 de agosto de 1979) foi um escritor da Finlândia.
Escreveu vários livros, dentre os quais "O egípcio", que foi o mais conhecido ("Sinuhe egyptiläinen" em finlandês).

História

Waltari nasceu em Helsinki, capital da Finlândia e perdeu seu pai, um pastor luterano, quando tinha 5 anos. Na sua infância, presenciou a Guerra Civil Finlandesa na cidade. Na juventude, entrou na Universidade de Helsinki para estudar teologia, de acordo com os desejos da mãe, mas logo abandonou a teologia pela filosofia e literatura, graduando-se em 1929.

Enquanto estudava, contribuía para artigos em revistas e escrevia poesias e contos, sendo seu primeiro livro publicado em 1925.

Em 1927 foi para Parais onde escreveu um de seus maiores romances, "A grande ilusão", uma história de vida boêmia. Esta obra, em termos de estilo, é considerada o equivalente finlandês de trabalhos de escritores norte-americanos da Geração Perdida.

Waltari também foi membro de um movimento liberal de literatura chamado Tulenkantajat, até que sua visão política e social mudou mais tarde para ultra-conservadora. Casou em 1931 e teve uma filha, Satu, que também se tornou escritora.

Durante as décadas de 1930 e 1940, Waltari trabalhou bastante como a jornalista e crítico, escrevendo por um grande número de jornais e revistas e viajando por toda a Europa. Também foi diretor da revista "Suomen Kuvalehti".

Ao mesmo tempo, continuou escrevendo livros de vários gêneros, movendo-se facilmente de um estilo literário para outro.

Em 1945 foi publicada o seu primeiro e mais bem sucedido romance histórico, "O egípcio", que falava sobre a corrupção e valores humanos num mundo materialista justamente depois da Segunda Guerra Mundial. O livro se tornou um best-seller internacional, servindo de base para um filme de Hollywood do mesmo nome.

Waltari escreveu outras sete obras históricas, ambientadas em várias culturas antias, como por exemplo "The dark angel", ambientada durante a queda de Constantinopla em 1453 e provavelmente sua melhor obra.

Nestas obras, Waltari dava bastante destaque ao seu pessimismo e também em duas histórias ambientadas no Império Romano, à sua convicção cristã. Ele se tornou membro da Academia Finlandesa em 1957 e recebeu título de doutor honorável em 1970 pela Universidade de Turku.

Waltari foi um dos mais prolíficos escritores da Finlândia. Foi o mais conhecido escritor finlandês e seus trabalhos foram traduzidos para mais de 40 idiomas.

Principais Obras
• A Stranger Came to the Farm (Vieras mies tuli taloon, 1937)
• O egípcio (Sinuhe egyptiläinen, 1945)
• The Adventurer (Mikael Karvajalka, 1948)
• A Nail Merchant Nightfall (Neljä päivänlaskua, 1949)
• The Wanderer (Mikael Hakim, 1949)
• The Dark Angel (Johannes Angelos, 1952)
• The Etruscan (Turms kuolematon, 1955)
• The Secret of the Kingdom (Valtakunnan salaisuus, 1959)
• The Roman (Ihmiskunnan viholliset, 1964)
• Moonscape (Kuun maisema, 1953)
• The Tree of Dreams (Koiranheisipuu, 1961)

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mika_Waltari
http://www.aleksiskivi-kansalliskirjailija.fi

Mika Waltari (O Egípcio)

"O egípcio" é o nome de um romance do finlandês Mika Waltari.

Escrito em 1945, o livro conta a jornada de um médico egípcio que. abandonado quando criança foi criado por pais adotivos.

Para compor o personagem central de seu romance, Mika Waltari valeu-se de uma das obras mais populares da literatura do Antigo Egito, "Aventuras de Sinué", um funcionário da corte que teria vivido no tempo dos faraós da XII Dinastia, e cujos relatos de viagem nos fornecem a mais antiga descrição que possuímos sobre a Síria-Palestina. Mas tanto o romance quanto o filme, transferem o enredo para a XVIII Dinastia, particularmente para a época do Faraó Amenhotep IV.

Contada em flashback, a história do Sinhue começa com uma criança dentro de um cesto posto à deriva nas águas do Nilo, sendo encontrada e criada por um médico pobre (Senmut). Seguindo os passos do pai adotivo, Sinhue irá se tornar também um médico.

Anos mais tarde, o jovem, competente, idealista e pobre médico, esbarra em sua grande oportunidade: ele e seu atlético amigo, Horemheb, salvam a vida de um homem solitário, que contrito na adoração do sol, expunha-se ao ataque de um leão. O homem é nada mais, nada menos, do que o recém-entronizado faraó do Egito, Amenhotep IV. O sacrilégio de terem tocado com suas mãos o corpo do "deus-vivo", poderia representar a morte para os dois amigos, mas, para sua surpresa, eles são recompensados pelo monarca agradecido: Sinhue torna-se médico da corte e Horemheb oficial dos exércitos reais.

É na boa vida palaciana que o médico conhece a babilônica Nefer - que gosta de ser chamada de "Nefer-Nefer-Nefer" (3 vezes bela) -, uma ardilosa cortesã de luxo, capaz de inspirar ardentes e desastrosas paixões nos homens a quem seduz. Para gozar de algumas poucas horas de prazer no leito de Nefer, Sinhue mendiga, rasteja e dissipa todos os bens que possui, incluindo a sepultura de seus pais (sem a qual, ao morrerem, não poderão ingressar na Eternidade). Negligencia de seus deveres médicos e acaba na sarjeta, quando já nada mais possui que possa oferecer à cortesã.

Sinhue deixa o Egito e passa anos vagando por terras estrangeiras, onde seu talento de médico é reconhecido e ele extrai, de culturas diferentes da sua, muitas e proveitosas experiências. Esse tempo no exterior (inclusive na Síria-Palestina) constitui a maior parte do romance de Waltari, mas o filme de Curtis lhe dedica apenas alguns escassos minutos de projeção.

De volta à terra natal, Sinhue encontra um Egito em pleno estado de Guerra Civil. O faraó Amenhotep IV, que agora se chama Akhenaton, promoveu uma revolução religiosa no país, implantando o culto monoteísta de veneração ao "disco solar" (Aton) e decretando a ilegalidade de todos os demais deuses. No meio desse conflito, o médico acaba perdendo a mulher que o ama, Merit, e seu filho, Toth, e acaba seus dias em uma ilha remota, exilado por ordem do ex-amigo, Horemheb, que se torna rei e sufoca o projeto monoteista.

Além disso, esse livro coloca fatos reais e fictícios interagindo juntos, por exemplo, a sucessão dos faraós é feita conforme a história, mas a aventura do personagem principal é fictícia.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org
http://www.planetanews.com

Mary Shelley (1797 - 1851)

Mary Wollstonecraft Shelley (Londres, 30 de agosto de 1797 - idem, 1 de fevereiro de 1851), mais conhecida por Mary Shelley foi uma escritora britânica, filha do filósofo William Godwin e da pedagoga e escritora Mary Wollstonecraft. Casou-se com o poeta Percy Bysshe Shelley em 1816, depois do suicídio da primeira esposa.

Seu pai, William Godwin, influenciou toda a geração de 1790, com algumas idéias que pediu emprestado a Rousseau e que nunca se lembrou de devolver. Sua mãe, Mary Wollstonecraft (ou seja, a avó de Frankenstein), foi uma das primeiras feministas da História, autora de uma famosa Declaração dos direitos da mulher, e só não queimou espartilhos em praça pública porque tinha vergonha de sair exibindo suas peças íntimas pela rua. Ela morreu quando Mary nasceu, em 1797, e o velho Godwin, depois de percorrer em vão terras distantes em busca de uma noiva, acabou se casando com uma vizinha, a Sra. Clairmont, a qual o viu na janela e o laçou com a seguinte cantada: “Será possível que eu esteja a contemplar o imortal Godwin?” O que era apenas uma força de expressão porque, embora célebre, Godwin já estava naquele tempo mais para moribundo do que para imortal. Seja como for, ela ainda lhe deu outra filha, Jane, que viria a ser a amante de Lord Byron.

Em 1811, logo após ser expulso de Oxford, Shelley se casara com Harriet Westbrook, uma dondoca londrina. Ele com 19, ela com 16. O casamento foi um fracasso desde o começo, porque Harriet achava Shakespeare muito mais poeta do que Shelley, e escolhia os momentos mais impróprios para lhe dizer isto. Esta brincadeira durou três anos — até Shelley ser introduzido na casa de Godwin. As testemunhas afirmam que foi amor à primeira vista: Shelley olhou para Mary, que olhou para Shelley, que foi examinado dos pés à cabeça por Godwin, o qual não gostou nada da história. Mas Shelley puxou um revólver, e Godwin, que sempre pregara o primado da razão sobre todas as coisas, preferiu não discutir. Shelley e Mary zarparam em ilícita lua-de-mel para Paris, com a Sra. Godwin nos calcanhares. Despistaram-na na Suíça, onde Mary botou Frankenstein para dormir, e pularam grandes carnavais em Veneza, na companhia de Lord Byron, entre outros nudistas e vegetarianos. Já então Byron estava de amores com Jane Clairmont, a outra filha de Godwin — e este, mais do que nunca, sabia agora por que Platão não admitia poetas na sua República.

Dois anos depois, Harriet, a primeira mulher de Shelley, foi encontrada morta, boiando num rio. Shelley apresentou vários álibis diferentes, todos perfeitos, e pôde finalmente se casar com Mary, para grande satisfação de Godwin, que nunca aplicou na prática as suas teorias sobre o amor livre. E só não se pode dizer que foram felizes para sempre porque Shelley, que já havia driblado várias gripes (dessas mortais em poetas), acabou morrendo em 1822, aos 30 anos, naufragando nas costas da Itália a bordo de um veleiro chamado Don Juan. O corpo de Shelley foi jogado à praia, em Viareggio, ali ficando enterrado pelo vento e areia durante mais de um mês. Pouco antes, Aleggra, a filha de Byron e Jane, também morrera de tifo. E daí a dois anos seria a vez do próprio Byron. Mary ficou sozinha, com seus fantasmas, para contar a história. O que teve tempo de sobra para fazer, pois só morreu em 1851, aos 54 anos, e mesmo assim de tédio — um recorde, na época.

Mas não se pense que toda a vida de Mary Shelley tenha sido um romance gótico, com seqüestros, amantes no armário, acessos de tosse e baratos de ópio. Foi também muita cultura, muita filosofia. Frankenstein, apesar de todos os sustos, era um livro sério quando foi escrito, e só começou a perder a seriedade quando os leitores também começaram a perder a inocência. (Parece que agora começaram a recuperá-la.) Frankenstein é um coquetel das idéias de Rousseau, através de Godwin, da mitologia grega e de preocupações religiosas — tudo isto com uma cereja gótica por cima. Está cheio de implicações metafísicas sobre Deus e o homem, e, principalmente, daquelas conotações sociais vigentes em 1818 — como, por exemplo, se era mesmo o pecado original o responsável pelas mazelas humanas, ou se o homem nascia bom e era a sociedade que o corrompia. A segunda hipótese, na qual Mary apostava timidamente, já estava ganhando por vários corpos de frente, mas ninguém se atrevia a botar a mão no fogo.

O fogo que Prometeu roubou de Zeus para levar aos homens também é um dos motivos subjacentes em Frankenstein. Zeus, o profeta do óbvio, achava que os homens ainda não eram bastante sábios para possuir o fogo, porque do fogo se fundem os metais, e dos metais tanto pode surgir a civilização, como podem ser fabricadas as armas que significam a guerra e a destruição. No fundo, apenas uma maneira diferente de contestar a fábula do pecado original, e de insinuar que não há nada como uma boa sociedade injusta para estragar um produto perfeito na origem, ou seja, o homem. Esta é simplesmente a história de Frankenstein e, não por coincidência, o título completo do livro de Mary Shelley é Frankenstein, ou o moderno Prometeu. Eu só queria saber se ela estava pensando em tudo isto ao escrever a sua historinha de terror, ou se foram os críticos que, habituados a extrair sangue de pedra, descobriram essas implicações. Nenhuma dúvida. Se os críticos tivessem tanta imaginação, estariam escrevendo os romances que criticam.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.digestivocultural.com/

Mary Shelley (Frankenstein)

Frankenstein ou o Moderno Prometeu (Frankenstein; or the Modern Prometheus, no original em inglês), mais conhecido simplesmente por Frankenstein, é um romance de terror gótico com inspirações do movimento romântico, de autoria de Mary Shelley, escritora britânica nascida em Londres. O romance relata a história de Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que constrói um monstro em seu laboratório. Mary Shelley escreveu a história quando tinha apenas 19 anos, entre 1816 e 1817, e a obra foi primeiramente publicada em 1818, sem crédito para a autora na primeira edição. Atualmente costuma-se considerar a versão revisada da terceira edição do livro, publicada em 1831, como a definitiva.

O romance obteve grande sucesso e gerou todo um novo gênero de horror, tendo grande influência na literatura e cultura popular ocidental.

Enredo
Ao contrário de Drácula — aquele seu colega de repartição que vivia se gabando dos antepassados hunos, vikings, saxões e magiares —, o ser criado pelo cientista Victor Frankenstein num laboratório em Ingolstadt não tinha história. Sua dinastia começava com ele. Tudo teve início quando Frankenstein se decidiu a aplicar alguns conhecimentos teóricos de fisiologia e filosofia natural, a fim de descobrir se o princípio que animava a estrutura do corpo humano sobrevivia, depois que o indivíduo baixava os sete palmos. Revoltava-o a corrupção da matéria inanimada e o fato de que “o verme era o herdeiro das maravilhas de um olho ou de um cérebro”. Incentivado por uma série de pesquisas prévias, Frankenstein pôs-se enfim ao trabalho de criar um ente, a partir de materiais roubados em túmulos, casas funerárias e laboratórios de dissecação.

O trabalho não era fácil: ele teria não só que dar animação à matéria, como preparar toda uma estrutura para recebê-la, com seus complexos de fibras, músculos e veias. Para que o leitor não dormisse nos primeiros capítulos, Mary Shelley omitiu a maior parte dos processos científicos que Frankenstein teria usado para levar adiante o projeto. A própria necessidade de violar sepulturas e dissecar cadáveres é apenas sugerida pela narrativa: os mais mórbidos podem suspeitar da origem do material pelas constantes exclamações de asco do cientista ao lidar com ele.

Como a extrema minúcia da mais insignificante das partes do organismo lhe trazia grandes dificuldades, Frankenstein resolveu o problema criando um indivíduo de estatura gigantesca, cerca de dois metros e meio. O tempo gasto na criação é medido na narrativa pelas estações se alternando, enquanto Frankenstein trabalha em seu laboratório, isolado do resto da casa. Dois anos, a obra-prima fica pronta, e Frankenstein, encontrando os óculos que perdera no inverno passado, pode finalmente contemplar o resultado do seu trabalho. E, naturalmente, fica horrorizado com a aparência física da sua criação: olhos aquosos e amarelados, pele enrugada, beiços retos e negros, estatura descomunal, membros desproporcionados. (Pitanguy já deu jeito em coisa pior.) O insano entusiasmo com que Frankenstein se entregara ao trabalho é agora superado por um súbito acesso de náusea e lucidez. Seguem-se várias considerações filosóficas sobre o Direito da Criação, não faltando sequer uma carapuça para a criação divina. Enquanto isto, Frankenstein foge apavorado e o monstro se evade.

Em seu espontâneo exílio, Frankenstein pode finalmente se entregar às delícias de uma tensão nervosa e passa vários meses em recuperação. Nunca mais ouve falar no monstro. Anos depois, regressa a Genebra, onde vive sua família, e fica sabendo da morte de seu irmão caçula, William, estrangulado por mãos poderosas. Sua irmã de criação, Justine, é acusada do crime e executada. Frankenstein sabe que o monstro é o responsável e começa a se torturar por ter criado um ser que já lhe provocou duas mortes na família. Sai então à procura do monstro e o localiza escondido bem no finalzinho de um capítulo.

A partir daí, grande parte do relato é ocupado pelo ogro, que descreve ao cientista todo o seu itinerário, desde a fuga do laboratório. Conta como se refugiou nos arredores do casebre de uma família francesa refugiada e, pela constante observação, aprendera-lhe os costumes, além daquilo que para ele era o mais importante: a linguagem. Imitando os sons humanos e conferindo-lhes significado, exatamente como um personagem de Vila Sésamo, ele era agora capaz de se comunicar sem mais grilos. Narra então a clássica cena: ao mirar-se no regato, constatou que sua aparência era monstruosamente diferente dos demais seres que observara. Depois, aprenderia noções elementares sobre a propriedade, os direitos e o reconhecimento social. Progressivamente foi ganhando consciência de que era um pária, sem passado e sem futuro, sem posses e com uma aparência física que o tornaria rejeitado por quantos de quem se aproximasse. Um dia, aguardou que o velho cego ficasse a sós no casebre e apresentou-se a ele como um viajante em busca de acolhida. Mas, no exato momento em que o velho ia oferecer-lhe o cafezinho, os demais membros da família chegaram, agrediram-no e o expulsaram como se ele fosse um monstro. Completamente só e já sem esperanças de ser integrado ao convívio humano, a criatura passa a detestar seu criador e procura localizá-lo, o que consegue através dos documentos no bolso das calças de pescar siri que roubara no laboratório. Finalmente em Genebra, descobrira uma criança no bosque e, ao saber que se tratava do irmão caçula de Frankenstein, estrangulara-a.

Mary Shelley chega agora à melhor parte da história: o monstro exige que Frankenstein lhe construa uma fêmea, tão abominável na aparência quanto ele, a fim de não ficar sozinho. Promete retirar-se com ela para locais que o homem não possa alcançar, mas Frankenstein recusa-se a duplicar o mal que já havia cometido. Sob as ameaças de destruição de toda a sua família, no entanto, Frankenstein é obrigado a concordar. O monstro o adverte de que o seguirá o tempo todo, para acompanhar o trabalho e certificar-se de que não ficará um único parafuso solto na sua companheira.

De volta ao laboratório em Ingolstadt, Frankenstein ainda hesita em repetir o processo, pensando que também a fêmea poderia voltar-se contra o seu companheiro, repelindo um pacto anterior à sua criação e preferindo a beleza superior (não muito) do homem. Ou poderiam igualmente unir-se e começar a produzir ogres em série, como os da família Kennedy. Mas, sentindo o halo da presença da criatura, Frankenstein volta ao trabalho. Certa noite, com este já bastante adiantado, o cientista percebe o olhar do monstro espreitando pela vidraça, e, impulsivamente, destrói o material inanimado que viria a ser a fêmea. Não ficou uma costela inteira. Revoltado, o monstro lhe jura eterno ódio e a toda a humanidade.

O resto da narrativa é uma sucessão de mortes, com o monstro eliminando um por um todos os membros da família de Frankenstein, inclusive a sua noiva, em plena noite de núpcias. O clímax só acontece quando Frankenstein parte em perseguição à criatura, entre as geleiras do mar do Norte, aonde viria a morrer. O monstro lhe aparece pela última vez, mas já o encontra sem vida. Anuncia então que irá atingir a extremidade mais setentrional do globo para deitar-se numa pira funerária, cujas chamas destruirão de vez a carne de segunda com a qual foi criado. Mas atenção: nada faz garantir que ele tenha morrido, nem o leitor assiste ao seu fim. Mary Shelley esqueceu a porta aberta e deve ter sido por ela que saíram os monstros que andaram assombrando os críticos de cinema nos anos 50. Enfim, ainda sobrou muito material, não apenas para vários filmes em 3-D, como para diversas tragédias gregas e comédias de televisão.

Por falar em gregos, outro personagem da lenda de Prometeu capaz de ser localizado em Frankenstein é Pandora, aquela que Zeus teria enviado aos homens, depois que eles se apoderaram irreversivelmente do fogo. A idéia de Zeus era a de que Pandora, com a sua caixinha de maldades e armadilhas, seria “o preço do fogo”. Mais ou menos como o monstro, ao exigir que Frankenstein lhe construísse uma fêmea, como o preço pela sua própria existência. No fundo, o que Zeus queria era fornecer aos homens os motivos para se exterminarem, agora que tinham os meios para isso, e, depois de limpa a área, criar uma humanidade novinha em folha.

Frankenstein, que já havia lido Ésquilo e Hesíodo, não foi na conversa do monstro. Enfim, a se acreditar na história da pira funerária, o fogo de Prometeu até que acabou servindo para alguma coisa.

Claro que Frankenstein sempre foi um livro muito divertido. Por isso, até pouco tempo, ninguém tinha se interessado em levá-lo a sério. Mas, assim como há livros que são salvos pelos leitores, o de Mary Shelley foi salvo pelo cinema. Foram aquelas versões horrendas com Boris Karloff, Lon Chaney Jr. e outros que, por comparação, transformaram o livro numa obra de “arte”, e fizeram com que o público fosse procurar nele os sustos que os filmes transformaram em gargalhadas. (Vide, na versão de 1932, com Karloff, a seqüência à beira do lago, em que a garotinha oferece flores ao monstro e este fica sem saber se a afoga ou se lhe serve de baby-sitter.)

Aliás, o cinema tem sido responsável por vários desvios à interpretação correta do monstro. Para começar, não é verdade que ele tivesse um parafuso no pescoço. O parafuso só apareceu quando os maquiladores da Universal precisaram de alguma coisa para fixar a máscara sobre os ombros de Boris Karloff — cuja carantonha foi registrada sob copyright, certamente para impedir que José Mojica Martins viesse a lançar mão dela. Além disso, os filmes nunca deram a devida atenção aos bons sentimentos do monstro. Sempre o apresentaram como uma múmia ou vampiro vulgar, e nem levaram em conta a sua condição de underdog social, sem direito a greve ou sindicato.

Mary Shelley não foi a primeira a ter a idéia do boneco animado. O folclore judeu, algumas passagens da Bíblia e as lendas medievais estão cheios dessas histórias. Talvez ela tenha sido a primeira a usar o golem para fazer crítica social. A partir daí, as histórias de golens ficaram tão freqüentes na literatura gótica quanto as de fadas na literatura infantil. Os golens hoje andam tão fora de moda quanto as fadas, porque os romancistas descobriram bonecos de carne e osso mais adaptáveis à realidade — embora ainda não tenham achado substitutos para as bruxas.

Origens

Em 1815 o Monte Tambora na ilha de Sumbawa, na atual Indonésia, entrou em erupção. Como conseqüência, um milhão e meio de toneladas de poeira foram lançadas na atmosfera, bloqueando a luz solar, deixando o ano de 1816 sem verão no hemisfério norte.

Neste ano, Mary Shelley, então com 19 anos e ainda com o nome de solteira Mary Wollstonecraft Godwin, e seu futuro marido, Percy Bysshe Shelley, foram passar o verão a beira do Lago Léman, onde também se encontrava o amigo e escritor Lord Byron. Forçados a ficar confinados por vários dias em ambiente fechado pelo clima hostil anormal para a época e local, os três e mais outro hóspede, o também escritor John Polidori, passavam o tempo lendo uns para os outros historias de horror, principalmente histórias de fantasmas alemãs traduzidas para o francês.

Eventualmente Lord Byron propôs que os quatro escrevessem, cada um, uma história de fantasmas. Byron escreveu um conto que usaria em parte mais tarde na conclusão de seu poema Mazzepa. Inspirado por outro fragmento de história de Byron desta época, Polidori mais tarde escreveria o romance “O Vampiro”, que seria a primeira história ocidental contendo o vampiro como conhecemos hoje, e que décadas depois inspiraria Bram Stoker no seu Drácula. Porém, passados vários dias, Mary Shelley ainda não conseguira criar uma história. Eventualmente ela veio a ter uma visão sobre um estudante dando vida a uma criatura. Essa visão tornou-se a base da história de Frankenstein, a qual Mary Shelley veio a desenvolver em um romance, encorajada pelo seu futuro marido.

Desta forma, é curioso notar que o Frankenstein e o Vampiro vieram a ter sua gênese literária na mesma ocasião.

Shelley relatou sua versão da gênese da história no prefácio à terceira edição de seu romance.

O nome da criatura

Embora a cultura popular tenha associado o nome Frankenstein à criatura, esta não é nomeada por Mary Shelley. Ela é referida como “criatura”, “monstro”, “demônio”, “desgraçado” por seu criador. Após o lançamento do filme Frankenstein em 1933 o público passou a chamar assim a criatura. Isso foi adotado mais tarde em outros filmes. Alguns argumentam que o monstro é de certa forma, um “filho” de Victor, e, portanto pode ser chamado pelo mesmo sobrenome.

Frankenstein é o antigo nome de uma antiga cidade na Silésia, local de origem da família Frankenstein. Mary Shelley teria conhecido um membro desta família, o que possivelmente influenciou sua criação.

Edições

Mary Shelley completou o romance em 1817 e Frankenstein ou o moderno Prometeu foi publicado em 1 de janeiro de 1818 por uma pequena editora de Londres, a Lackington, Hughes, Harding, Mavor & Jones, após ter sido rejeitada por duas outras editoras. A publicação não continha o nome da autora, somente um prefácio escrito por Percy Bysshe Shelley, seu noivo, e uma dedicatória a William Godwin, seu pai. A primeira edição foi feita em três volumes e teve impressas somente 500 cópias.

Apesar das críticas desfavoráveis, a edição teve um sucesso de público quase imediato. Ficou bastante conhecida, principalmente através de adaptações para o teatro e a obra foi traduzida para o francês. A segunda edição de Frankenstein foi publicada em 11 de agosto de 1823 em dois volumes, desta vez com o crédito como autora para Mary Shelley.

Em 31 de outubro a editora Henry Colburn & Richard Bentley lançou a primeira edição popular em um volume. Esta edição foi significativamente revisada por Mary Shelley, e continha um novo e longo prefácio escrito por ela, relatando a gênese da história. Esta edição é a mais conhecida e mais usada como base para traduções.

Temas

Frankenstein aborda diversos temas ao longo do texto, sendo o mais gritante a relação de criatura e criador, com óbvias implicações religiosas. Uma influência notável na obra é o poema Paraíso Perdido de John Milton, que aborda a criação do homem e sua subseqüente queda. A influência torna-se explícita tanto através da epígrafe que cita três versos do poema, quanto aparecendo diretamente em Frankenstein: é um dos livros que a criatura lê.

A queda, ou a ruína, está bastante presente no livro de Shelley, que traça a destruição física e moral de Victor Frankenstein, e é aludida não só nas citações de Paraíso Perdido, como no próprio título da obra: O Moderno Prometeu. Prometeu é um personagem da mitologia grega, um titã que, ao roubar o segredo do fogo, o qual era reservado aos deuses, para doá-lo a humanidade, é severamente punido por Zeus. O paralelo com a trajetória de Victor Frankenstein é direto, e o livro deixa claro que o segredo da criação da vida a partir de matéria inanimada é de natureza divina.

O poder exercido pela humanidade sobre a Natureza através da ciência e da tecnologia é outro tema principal da obra, e encaixa-se no espírito da época, o estágio inicial da Revolução Industrial.

Outros temas são abordados com menos ênfase. A amizade verdadeira é tratada, com o Capitão Walton desejando tornar-se amigo de Victor, e Victor elaborando sobre ela ao se referir a sua amizade com Clerval.

Preconceito, ingratidão e injustiça também estão presentes. A criatura é sempre julgada por sua aparência, e agredida antes de ter uma chance de se defender. Em um episódio, o monstro salva uma garotinha inconsciente e, ao tentar devolvê-la para seu pai, é baleado e acusado de tê-la agredido. A inveja também aparece, ao subverter os bons sentimentos iniciais do monstro.

A expressão do sublime através da grandiosidade da Natureza é um tema caro ao Romantismo, e aparece em Frankenstein nas descrições das grandes planícies de gelo e das paisagens da Europa.

Por fim, a inevitabilidade do destino, tema muito desenvolvido na literatura clássica, é constantemente aludida ao longo do romance, que é uma obra que se presta a múltiplas interpretações e leituras.

Adaptações

O romance foi primeiramente adaptado para o teatro, e posteriormente para um grande número de mídias, incluindo rádio, televisão e cinema, além de quadrinhos.

A primeira adaptação para o cinema foi feita pelos Edison Studios em 1910. Foi produzida por Thomas Edison e trazia Charles Ogle no papel da criatura. Uma das mais famosas transposições do romance para as telas é a realizada em 1931 pela Universal Pictures, dirigida por James Whale, com Boris Karloff como o Monstro (veja a entrada na IMDb). Esta adaptação deu a aparência mais conhecida do monstro, com uma cabeça chata, parafusos no pescoço e movimentos pesados e desajeitados (apesar do livro descrever a criatura como extremamente ágil). Este filme tornou-se um clássico do cinema. Um grande número de continuações seguiram-se, mas desta vez divergindo bastante da história narrada no romance.

Em 1994 foi lançada uma adaptação cinematográfica dirigida por Kenneth Branagh de nome Mary Shelley's Frankenstein (veja a entrada IMDb), com o próprio Branagh no papel de Victor Frankenstein, Robert De Niro como a criatura e Helena Bonham Carter como Elizabeth. Apesar de o título sugerir uma adaptação fiel, o filme toma uma série de liberdades com a história original.

As representações do Monstro e sua história têm variado bastante, de uma simples máquina de matar sem capacidade de reflexão a uma criatura trágica e plenamente articulada, o que seria mais próximo do retratado no livro.

O romance Frankenstein ainda serviu como inspiração para o filme Edward Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton.

Fonte:http://pt.wikipedia.org
http://www.digestivocultural.com/
http://www.laurahird.com (imagem)

Daniel Defoe (1660 - 1731)

Romancista inglês nascido em Londres, considerado um precursor do romance realista inglês e do jornalismo moderno. Filho de um pequeno comerciante e membro de uma família dissidente da Igreja Anglicana e, tentou preparar-se para seguir a carreira eclesiástica, mas devido a uma educação desordenada, desistindo da carreira religiosa. Decidiu estabeleceu-se como comerciante (1683) e viajou muito pela Europa com diversos empreendimentos comerciais, mas em nenhum deles teve pleno êxito.

Atraído pela política, estabeleceu-se em Londres (1700) e tentou viver como jornalista e libelista. Metido em intrigas políticas, começou a escrever numerosos panfletos, e foi encarcerado em numerosas ocasiões por dívidas e por motivos políticos.

Acusado de espionagem foi encarcerado mais uma vez e condenado ao pelourinho. Enquanto aguardava o cumprimento da pena, redigiu o célebre Hymn to the Pillory (1703), que transformou sua sentença em um retumbante triunfo para ele, embora ainda tenha permanecido preso por quase um ano, em Newgate. Em liberdade e falido, fundou (1704) o periódico The Review, de tendência conservadora, onde expressou finalmente as suas excepcionais qualidades como jornalista. Ganhou celebridade internacional como romancista com a publicação de sua obra mais conhecida Robinson Crusoe (1719) e, então, resolveu retirar-se da vida pública para se dedicar exclusivamente à literatura. Com Moll Flanders (1722) deu um passo decisivo na história do romance social. Apesar da sua vida turbulenta foi um escritor muito prolífico e morreu em Londres, mantendo em seus últimos anos de vida uma intensa atividade literária, publicando obras como A Journal of the Plague Year (1722) e Roxana (1724).

Fontes:
http://www.netsaber.com.br/
http://www.daviddarling.info

Daniel Defoe (Robinson Crusoé)

A Vida e as Estranhas Aventuras de Robinson Crusoé (1719), romance célebre de Daniel Defoe (1660-1731).

Defoe inspirou-se na história verídica de um marinheiro escocês, Alexander Selkirk, abandonado, a seu pedido, numa ilha do arquipélago Juan Fernández, onde viveu só de 1704 a 1709. Robinson Crusoé herda desta história o mito da solidão, na medida em que, depois de um naufrágio de que é o único sobrevivente, vive sozinho durante vinte e oito anos, antes de encontrar a personagem Sexta-Feira. O romance simboliza a luta do homem só contra a natureza, a reconstituição dos primeiros rudimentos da civilização humana, testemunhada apenas por uma consciência e dependente de uma energia própria.

Robinson Crusoé constitui uma obra-prima dos alvores do realismo, distinguindo-se assim, desde logo na composição das personagens, de outros romances da época. De fato, era freqüente a narração da história amorosa e sentimental dos homens, mas não a sua vida prática. Daí que a criação de Crusoé seja francamente inovadora: com um espírito prático e positivo, alheio a todo o sentimentalismo e à debilidade poética, Crusoé é um homem para quem as coisas existem concretamente, sem possibilidade alguma de transformação fantástica. Não é uma personagem afetada e melindrosa, como as que, na época, eram importadas da literatura francesa, apenas compreensíveis nos círculos da corte. Crusoé é um ingênuo que não se deixa enganar facilmente, é ativo e tem plena confiança na força do homem e no seu destino vitorioso. Apesar de não possuir uma inteligência extraordinária, pertence ao grupo dos vencedores: é infatigável, tenaz e engenhoso na sua necessidade de sobrevivência e no seu desejo de se sobrepor à natureza.

Ao mesmo tempo, Crusoé é uma personagem perturbada por problemáticas espirituais, bem próprias do mundo inglês do seu tempo, que o colocam no limiar de certa modernidade, aquela que permite afirmar o individualismo radical nos mais diversos domínios: filosófico, político, econômico, etc.

O impacto internacional de Robinson Crusoé foi fortíssimo. Pouco tempo depois da sua publicação, surgiram numerosas imitações, denominadas geralmente robinsonnades, que compreendiam peças de teatro, melodramas, vaudevilles, operetas, romances, etc. Ao mesmo tempo, a obra afirmava-se como um dos elementos fundadores da tradição do romance moderno (de feição realista e centrada no indivíduo), enquanto a figura do protagonista alcançava a estatura de um mito ou símbolo da condição humana. No nosso tempo, a história de Crusoé foi objeto de várias adaptações cinematográficas, entre as quais a de Luis Buñuel, com Dan O'Herlihy e Jaime Fernandez nos papéis principais, datada de 1952.

Título original: Curiosamente o título completo dado pelo autor é
The Life and Strange Surprising Adventures of Robinson Crusoe of York, Mariner: who lived Eight and Twenty Years, all alone in an uninhabited Island on the coast of America, near the Mouth of the Great River of Oroonoque; Having been cast on Shore by Shipwreck, wherein all the Men perished but himself. With An Account how he was at last as strangely deliver'd by Pirates. Written by Himself.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Robinson_Crusoe