quarta-feira, 16 de julho de 2008

Sandra Prado Carvalho Santos (Conotativamente-uma história diferente)

Sexta feira à noite, programo a tevê para desligar após uma hora, encosto a cabeça na almofada, olhos pesados; de repente...

As palavras começam a chegar, há uma festa num recinto sóbrio e arejado. Os Numerais foram os primeiros, encarregados de colocar preços nas bebidas e quitutes.

A maioria dos vocábulos era formada por Substantivos, sempre acompanhados dos fiéis escudeiros, os Artigos Definidos. Gosto de ter gênero, número e grau bem definidos, murmurou o Substantivo Prosa, o Adjetivo Boa o acompanhava.

Logo os Verbos se fizeram presentes, trazendo ação e movimento ao ambiente; os Advérbios vieram também: Venha logo! Fale baixo! Ande elegantemente...implicavam com seus manos, e também com outros Verbos e Adjetivos. O Verbo Carregar derrubou um Objeto Direto no pé de uma Interjeição que gritou, ensandecida: ai!

Os Pronomes eram vistos em muitos locais, os de tratamento, finos, educados, tratavam as demais palavras por Vossa Excelência, a Senhora...tudo de acordo com o merecimento, lógico.
Preposições chegaram mais tarde, formando um elo fraternal entre algumas palavras; suas amigas, as Conjunções, desculparam-se pela ausência- havia muito trabalho a ser feito, inúmeros orações necessitavam delas para se tornarem Períodos Compostos.

Uma Vírgula enxerida quis lugar entre um Sujeito e seu Predicado, o primeiro gritou: -Que falta de educação! Você não pode se posicionar entre nós! Por acaso desconhece as etiquetas da língua? Tal sinal de pontuação saiu sem graça e ficou perto de um Aposto. Este sorriu e cochichou-lhe: seja bem-vinda. Logo ,ela avistou outras amigas elegantemente dispostas perto de palavras formadoras de Sujeitos Compostos, nas Datas...eram um luxo só!

O Parágrafo anunciava aos presentes que deixassem um espaço entre a parede e a pista, para evitar atropelos.

O Ponto de Interrogação indagou:

-Por que o Alfabeto ainda não chegou?

Os Dois Pontos adiantaram-se: -Houve uma briga entre Vogais e Consoantes, arrebentaram a Cedilha do C, o pobrezinho, depois disso, não quer mais saber de serviço na companhia da Letra U, diz que nada tem a ver com ela, teme ser mal interpretado. É lamentável....murmuraram as Reticências. O estrago foi maior! Muito maior, pois o M teve a última perninha arrancada , levaram-no para o ospital, pois o H, covarde e medroso, escondeu-se debaixo de um guardanapo.

-Qual o motivo da briga? Quis saber o Ponto de Interrogação.

-A turma das Consoantes rejeitou o K, W e Y, falou o Pingo do I, disseram tratar-se de letras de outra língua. As Vogais não aceitaram o preconceito alfabético e partiram pra pancadaria. Nessa confusão, as vogais A e O perderam seu único e insubstituível sinal nasalizador, Sr Til...o pobrezinho balançava-se freneticamente sobre as abas de um lampião que enfeitava o ambiente; assisti a tudo e nada pude fazer. –Que pena! Completou o Travessão.

O Neologismo “Encinderelar-se” discutia com o Arcaísmo “Pegar bonde” sobre as mudanças no sentido das palavras com o passar do tempo. O primeiro cheirava a talco, o segundo, a bolor. Tudo se resume numa ciranda frenética de palavras e idéias, falou Sra Metáfora, fantasiada de luar.

No final da festa as Aspas apareceram: “ Tudo vale a pena se a alma não é pequena.”, citavam com desenvoltura . Lindas as palavras do Mestre Lusitano! Observou a Perífrase.

Dona Rima chegou no finalzinho, meio sem jeito ,deu os ares da graça: Se atirei o pau no gato/ e o danado não morreu/ é porque tem sete vidas/ somente uma perdeu. Uma turminha jovem de Interjeições quiseram apupá-la , contudo, foram contidas.

O Pronome Relativo apareceu falando alto: A festa, em cujas dependências todos se divertiram, chegou ao final.

Na porta, Mamãe Língua Portuguesa os esperava, com um sorriso latinizante.

Todos saíram devagar.

Nisto, ouvi um ruído diferente vindo do jardim. O Quilo discutia com o Grama, Frações acotovelavam-se...xiiiiiiii..confusão à vista!

Esta é uma outra história, quem vai escrevê-la é seu professor de Matemática, arrematou o Ponto Final.

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/

William Blake (O Tigre)

O TIGRE

Tradução: Augusto de Campos

Tigre! Tigre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,
que olho ou mão armaria
tua feroz simetria?

Em que céu se foi forjar
o fogo do teu olhar?
Em que asas veio a chamma?
Que mão colheu esta flamma?

Que força fez retorcer
em nervos todo o teu ser?
E o som do teu coração
de aço, que cor, que ação?

Teu cérebro, quem o malha?
Que martelo? Que fornalha
o moldou? Que mão, que garra
seu terror mortal amarra?

Quando as lanças das estrelas
cortaram os céus, ao vê-las,
quem as fez sorriu talvez?
Quem fez a ovelha te fez?

Tigre! Tigre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,
que olho ou mão armaria
tua feroz symetria?


O TIGRE

Tradução: José Paulo Paes

Tigre, Tigre, viva chama
Que as florestas de noite inflama,
Que olho ou mão imortal podia
Traçar-te a horrível simetria?

Em que abismo ou céu longe ardeu
O fogo dos olhos teus?
Com que asas atreveu ao vôo?
Que mão ousou pegar o fogo?

Que arte e braço pôde então
Torcer-te as fibras do coração?
Quando ele já estava batendo,
Que mão e que pés horrendos?

Que cadeia? que martelo,
Que fornalha teve o teu cérebro?
Que bigorna? que tenaz
Pegou-te os horrores mortais?

Quando os astros alancearam
O céu e em pranto o banharam,
Sorriu ele ao ver seu feito?
Fez-te quem fez o Cordeiro?

Tigre, Tigre, viva chama
Que as florestas da noite inflama,
Que olho ou mão imortal ousaria
Traçar-te a horrível simetria?

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THE TYGER

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand, dare seize the fire?

And what shoulder & what art,
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand & what dread feet?

What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what the grasp
Dare its deadly terrors clasp?

When the stars threw down their spears,
And water'd heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee?

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?
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Pintor, entalhador, ilustrador de livros, o poeta romântico inglês William Blake (1757-1827) é considerado uma das vozes mais significativas da poesia de seu país. Sua página mais conhecida e admirada é "The Tyger" ("O Tygre"), mostrada ao lado. Composto apenas de perguntas, o poema tem dado pano para mangas aos exegetas de sucessivas gerações.

O próprio Blake dizia que seu trabalho estava cheio de visões religiosas, e não tinham a ver diretamente com assuntos do dia-a-dia. Só que ele escrevia com um talento fora do comum. As tentativas de explicação desse tigre começam pelo título. Na opinião de alguns estudiosos, Blake escreveu "tyger", com Y, para sinalizar que aí está um tigre especial.

Quase todas as interpretações são unânimes em dizer que "The Tyger" tem a ver com outro poema de Blake, "The Lamb" — a ovelha, animal que também é citado no texto. O tigre e a ovelha (ou melhor: o cordeiro, para usar o mesmo termo da simbologia católica) seriam, para Blake, imagens da experiência e da inocência. Aliás, "The Lamb" integra o livro Canções de Inocência, de 1789, e "The Tyger" pertence a Canções de Experiência, de 1794.

O cordeiro e o tigre representam não exatamente o bem e o mal, mas a condição humana de inocência (o jardim do Éden, nas religiões judaico-cristãs) e a vida atual do homem depois de sua expulsão do paraíso. Há também análises sustentando que o Cordeiro é Cristo.

Bem, vocês já viram que o poema fornece combustível para discussões intermináveis. O certo é que o tigre de Blake, com sua feroz simetria, envolve e encanta leitores há mais de 200 anos.

Um poema tão famoso tem, naturalmente, muitas traduções.
As duas que vão aqui transcritas levam as assinaturas de Augusto de Campos e José Paulo Paes, dois dos maiores responsáveis pela divulgação em português de poetas, modernos e antigos, dos mais variados quadrantes. Vale lembrar que a tradução de Paes foi feita para ilustrar o ensaio "Frankenstein e o Tigre", que está em seu livro Gregos e Baianos. O autor a considera uma "tentativa de tradução" e adverte que foi escrita "não para contrapô-la à criativa versão de Augusto de Campos".

Além dessas versões há várias outras, também de tradutores respeitáveis. Uma é de Paulo Vizioli, publicada no volume William Blake – Poesia e Prosa Selecionadas (J.C. Ismael, Editor; São Paulo, 1984). Outra tradução que deve ser citada é de Ivo Barroso e está em seu livro O Torso e o Gato (Editora Record, 1991).
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Fontes:
• "O Tigre" In Augusto de Campos Viva Vaia (Poesia 1949-1979)
Livraria Duas Cidades, São Paulo, 1979
• "O Tigre" In José Paulo Paes Gregos & Baianos - Ensaios Ed. Brasiliense, São Paulo, 1985
Disponível em Poesia.net (de Carlos Machado), http://www.algumapoesia.com.br
Fotomontagem: José Feldman

Arthur C. Clarke (Crime em Marte)

– Em Marte há pouca delinqüência – observou o inspetor Rawlings com tristeza. – Em realidade, este é o motivo principal de que retorne ao Yard. De ficar aqui mais tempo, perderia toda minha prática. Estávamos sentados no salão do observatório principal do espaciopuerto de Phobos, olhando as gretas ressecadas pelo sol da diminuta lua de Marte. O foguete transbordador que havia nos trazido desde Marte partiu dez minutos antes e agora iniciava a larga queda para o globo cor ocre que se pendurava entre as estrelas. Meia hora mais tarde, subiríamos à espaçonave em direção à Terra..., planeta no que a maioria de passageiros nunca haviam posto os pés, embora ainda o chamassem “sua pátria” .

– Ao mesmo tempo – continuou o inspetor – de vez em quando se apresenta um caso que desperta interesse à vida. Você, senhor Maccar, é negociante em arte, e estou seguro que terá ouvido falar do ocorrido na Cidade do Meridiano faz um par de meses.

– Não acredito – disse o indivíduo gordinho e de tez olivácea que eu tinha tomado por outro turista de volta. Pelo visto, o inspetor já tinha examinado a lista de passageiros; perguntei-me o que saberia de mim e tratei de tranqüilizar minha consciência, me dizendo que estava razoavelmente limpa. No fim, todo mundo passava algo de contrabando pela alfândega de Marte...

– A coisa sossegou – prosseguiu o inspetor – mas há assuntos que não podem manter-se em segredo por muito tempo. Bem, um ladrão de jóias da Terra tentou roubar do Museu de Meridiano o maior dos tesouros... a Deusa Sereia.

– Isso é absurdo! – objetei – Naturalmente não tem preço... mas não é mais que um pedaço de rocha de arenito. É o mesmo de querer roubar A Mona Lisa. – Isso já ocorreu também – sorriu sem alegria o inspetor. – E talvez o motivo fosse o mesmo. Há colecionadores que pagariam uma fortuna por tal objeto, embora só fosse contemplá-lo em segredo. Não está de acordo, senhor Maccar?

– Muito certo – assegurou o perito em arte – Em minha profissão, achamos a toda classe de loucos.

- Bem, esse indivíduo, que se chama Danny Weaver, devia receber uma boa soma pelo objeto. E a não ser por uma fantástica má sorte, teria levado a cabo o roubo. O sistema de alto-falantes do espaciopuerto deu toda aula de desculpas por um leve atraso devido à última comprovação do combustível, e pediu a vários passageiros que se apresentassem em informação. Enquanto esperávamos que calasse a voz, recordei o pouco que sabia da Deusa Sereia. Embora não tinha visto o original, levava uma cópia, como a maioria de turistas, em minha bagagem. O objeto levava o certificado do Departamento de Antiguidades de Marte garantindo que «se trata de uma reprodução a tamanho natural da chamada Deusa Sereia, descoberta no mar Sirenium pela Terceira Expedição, em 2012 depois de Cristo (23 D.M.)»

Era estranho que um objeto tão pequeno causasse tantas discussões. Media Pouco mais de vinte centímetros de altura, e ninguém olharia o objeto duas vezes de achar-se em um museu da Terra. tratava-se da cabeça de uma jovem, de rasgos levemente orientais, com o cabelo encaracolado em abundância perto do crânio, os lábios entreabiertos em uma expressão de prazer ou surpresa... e nada mais.

Mas se tratava de um enigma tão misterioso que tinha inspirado um centenar de seitas religiosas, fazendo enlouquecer a vários arqueólogos. Já que uma cabeça tão perfeitamente humana não podia ser achada em Marte, cujos únicos seres inteligentes eram crustáceos... «lagostas educadas», como os chamavam os periódicos. Os aborígenes marcianos nunca tinham inventado o vôo espacial, e sua civilização desapareceu antes de que o homem aparecesse sobre a Terra.

Sem dúvida, a Deusa é agora o mistério Número Um do sistema solar. Suponho que a resposta não a obterão durante minha existência..., se chegarem a obtê-la.

- O plano do Danny era extremamente simples - prosseguiu o inspetor -. Já sabem vocês o mortas que ficam as cidades marcianas em domingo, quando se fecha tudo e os colonos ficam em casa para ver a televisão da Terra. Danny confiava nisto quando se inscreveu no hotel de Meridiano Oeste, a tarde da sexta-feira. Tinha na sábado para percorrer o museu, um domingo solitário para roubar, e na segunda-feira pela manhã seria outro dos turistas que sairiam da cidade... »A primeira hora do domingo cruzou o parque, passando ao Este Meridiano, onde eleva-se o museu. Se por acaso não sabem, a cidade se chama do Meridiano porque está exatamente no grau 180 de longitude; no parque há uma grande laje com o Primeiro Meridiano gravado nela, para que os visitantes possam ser fotografados de pé nos dois hemisférios de uma vez. É assombroso como estas criancices divertem às pessoas.

»Danny passou o dia percorrendo o museu como qualquer turista decidido a aproveitar do valor da entrada. Mas na hora de fechamento não partiu, a não ser que se escondeu em uma das galerias não abertas ao público, onde estavam dispondo uma reconstrução do período do último canal, que por falta de dinheiro não tinham terminado. Danny ficou ali até meia-noite, se por acaso ainda havia no edifício algum investigador entusiasta. Logo abandonou o esconderijo e pôs mãos à obra.

- Um momento - interrompi-lhe -. E o vigilante noturno?

- Meu querido amigo! Em Marte não existem esses luxos. Nem sequer há sinal de alarma no museu porque, quem quer roubar partes de pedra?

Certo, a Deusa estava encerrada em uma vitrine de metal e cristal, se por acaso algum caçador de lembranças se entusiasmava com ela. Mas até no caso de ser roubada, o ladrão não poderia ocultá-la em nenhuma parte, e, claro está, todo o tráfico de entrada e saída de Marte será registrado. Isto era exato. Eu tinha pensado em términos da Terra, esquecendo que cada cidade de Marte é um pequeno mundo fechado por debaixo do campo de forças que a protege do quase vazio congelador. além dos amparos eletrônicas existe só o vazio altamente hostil do exterior marciano, onde um homem sem amparo morreria em poucos segundos. E isto facilita as leis de segurança.

-Danny possuía uma série de ferramentas excelentes, tão especializadas como as de um relojoeiro. A principal era uma microsierra não maior que um soldador, com uma folha extremamente magra, impulsionada a um milhão de ciclos por segundo, graças a um motor ultra-sônico. Cortava o cristal ou o metal como manteiga... e só deixava o corte da espessura de um cabelo. O importante para o Danny era não deixar rastro de seu trabalho.

»Já teriam adivinhado como pensava operar. Cortaria a base da vitrine e substituiria o original por uma das cópias da Deusa. Talvez transcorressem um par de anos antes de que um perito descobrisse a verdade, e então o original já estaria na Terra, dissimulado como uma cópia, com um certificado de autenticidade. Preparado, né?

»Deveu ser algo espantoso trabalhar naquela galeria às escuras, com todos aqueles pedras brutas de milhões de anos de antigüidade, todos aqueles inexplicáveis artefatos a seu redor. Na Terra, um museu já é o bastante sinistro de noite, mas... é humano. E a Galeria Três, onde está a Deusa, resulta especialmente inquietante. Está cheia de baixos-relevos com animais incríveis lutando entre si; parecem vespas gigantes, e a maioria de paleontologistas negam que tenham existido alguma vez. Mas, imaginários ou não, pertenceram a este mundo, e não transtornaram tanto ao Danny como a Deusa, que olhava-lhe através das idades, lhe desafiando a que explicasse a presença dela ali. E isto lhe dava calafrios. Como sei? O me confessou isso.

»Danny começou a trabalhar com a vitrine com o mesmo cuidado com que um diamantista se dispõe a cortar uma gema. Demorou quase toda a noite em rachar a trampilla, e amanhecia quando descansou, guardando-a microsierra. Ainda faltava muito que fazer, mas a parte mais penosa tinha terminado. Colocar a cópia em a vitrine, comprovar seu aspecto com as fotos que levava consigo e ocultar todas os rastros lhe ocuparia grande parte do domingo, mas isto não o inquietava em absoluto. Ficavam outras vinte e quatro horas e receberia com agrado a chegada de os primeiros visitantes da segunda-feira, momento em que poderia mesclar-se com eles e sair dali.

»Foi um tremendo golpe para seu sistema nervoso, portanto, quando às oito e meia abriram as enormes leva e o pessoal do museu, oito em total, se dispuseram a iniciar o dia de trabalho. Danny correu para a saída de emergência, abandonando-o tudo: ferramentas, a Deusa... tudo.

»E se levou outra enorme surpresa ao ver-se na rua; a aquela hora devia estar completamente deserta, com todo mundo em casa lendo os periódicos dominicais. Mas hei aqui que os habitantes de Meridiano Este se encaminhavam para as fábricas e escritórios, como em qualquer dia normal de trabalho.

»Quando o pobre Danny chegou ao hotel já lhe aguardávamos. Não fazia falta ser um lince para compreender que só um visitante da Terra, e um muito recente havia passado por cima o fato que constitui a fama da Cidade do Meridiano. E suponho que vocês já o terão adivinhado.

-Sinceramente, não - objetei -. Não é possível visitar todo Marte em seis semanas, e nunca passei do Syrtis Maior.

-Pois é extremamente singelo, embora não podemos censurar excessivamente a Danny, posto que inclusive os habitantes do planeta caem ocasionalmente na mesma armadilha. É uma coisa que não nos preocupa na Terra, onde havemos solucionado o problema com o oceano Pacífico. Mas Marte, claro está, carece de mares; e isto significa que alguém se vê obrigado a viver na Linha de Data Internacional... »Danny planejou o roubo desde Meridiano Oeste... E ali era domingo, claro... e seguia sendo domingo quando o apanhamos no hotel. Mas no Meridiano Este, a menos de um quilômetro de distância, só era sábado. O pequeno cruzamento do parque era toda a diferença! Repito que foi má sorte.

Houve um comprido momento de silêncio.

- Quanto lhe largaram? - inquiri ao fim. - Três anos - repôs o inspetor. - Não é muito.

-Anos de Marte..., quase seis dos nossos. E uma multa que, por exata coincidência, é exatamente o preço do bilhete de volta à Terra. Naturalmente, não está no cárcere... pois em Marte não podem permitir-se tais gastos. Danny tem que trabalhar para viver, sob uma vigilância discreta. Disse-lhes que o museu não podia pagar a um vigilante noturno, verdade? Bem, agora tem um. Adivinham quem?

-Todos os passageiros disponham-se a subir a bordo dentro de dez minutos! Por favor, recolham suas malas! - ordenou o alto-falante.

Quando começamos a avançar para a porta, vi-me impulsionado a formular outra pergunta:

-E a pessoa que contratou ao Danny? Devia lhe respaldar muito dinheiro. O apanharam?

-Ainda não; a pessoa, ou pessoas, apagaram os rastros completamente, e acredito que Danny disse a verdade ao declarar que não podia nos dar nenhuma pista. Bem, já não é meu caso. Como pinjente, retorno ao Yard. Mas um policial sempre tem os olhos bem abertos... como um perito em arte, né, senhor Maccar? OH, parece haver-se posto um pouco verde em torno das brânquias. Tome um de seus tabletes contra o enjôo espacial.

- Não, obrigado - repôs o senhor Maccar -, estou muito bem. Seu tom era desanimado; a temperatura social parecia ter descendido por debaixo de zero nos últimos minutos. Olhei ao senhor Maccar e ao inspetor. E de repente compreendi que a travessia seria muito interessante.

Fontes
http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros
http://groups.google.com/group/digitalsource
Fotomontagem: José Feldman

Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras.

Outros títulos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros .

Conan Doyle (Através do véu)

Ele era um fronteiriço enorme, cabeludo e de rosto sardento, descendente direto de uma tribo dada ao roubo de gado em Liddesdale. Apesar de sua descendência, era um cidadão tão sensato e sóbrio quanto podia se desejar, vereador em Melrose, presbítero da Igreja e presidente da seção local da Associação Cristã de Moços. Seu nome era Brown – e se via impresso como “Brown and Handiside”, sobre as grandes mercadorias da rua principal. Sua esposa, Maggie Brown, era Armstrong antes de se casar, e vinha de uma velha família de camponeses nos ermos de Teviothead. Era de baixa estatura, moreninha e possuía olhos negros, além de um temperamento estranhamente nervoso para uma mulher escocesa. Não se podia encontrar maior contraste entre o homem grande e trigueiro e a pequena mulher morena, porém ambos eram da terra, até onde podia alcançar a memória.

Um dia – era o primeiro aniversário de seu casamento – eles saíram juntos para ver as escavações do Forte Romano em Newstead. Não era um lugar particularmente pitoresco. Da ribanceira norte do Tweed, exatamente onde o rio forma uma curva, estende-se uma rampa suave de terra arável. Através desta corriam os valos dos escavadores, expondo, aqui e ali, velhos trabalhos de pedra, indicando os alicerces das antigas muralhas. Havia sido um lugar enorme, pois o acampamento possuía cinqüenta acres de extensão e o forte, quinze. De qualquer modo, tudo era fácil para eles, uma vez que o Sr. Brown conhecia o fazendeiro proprietário da terra. Sob sua direção, passaram uma longa tarde de verão inspecionando as valas, as covas, as muralhas e toda a estranha variedade de objetos que esperavam ser transportados para o Museu de Antigüidade de Edimburgo. A fivela de um cinturão de mulher havia sido desenterrada naquele mesmo dia e o fazendeiro estava discorrendo sobre isto, quando seus olhos se fixaram no rosto da Sra. Brown.

Sua boa senhora acha-se cansada, disse ele. Talvez seja melhor descansar um pouco antes de continuar.

Brown olhou para a esposa. Ela estava pálida, certamente, e seus olhos escuros, luminosos e estranhos.

- O que é Maggie? Cansada? Acho que é hora de regressarmos.
- Não, não, John, continuemos. É maravilhoso. Igual a um país de sonho. Tudo parece estar tão chegado e perto de mim. Quanto tempo os romanos permaneceram aqui, Sr. Cunningham?
– Longo tempo, senhora. Se a senhora visse as covas de lixo das cozinhas, compreenderia que levaria muito tempo para enchê-las.
– E por que eles partiram?
– Bem, senhora, por todos os sinais, partiram porque tiveram de o fazer. O povo das vizinhanças não podia suportá-los mais, por isso levantaram-se e queimaram o forte. Pode ser a marca de fogo nas pedras.

A mulher estremeceu ligeiramente.

– Uma noite feroz... horrível, disse ela. O céu devia estar vermelho aquela noite... e estas pedras cinzentas também.
– Sim, acho que se encontravam rubras, disse seu marido. É uma coisa estranha, Maggie, e talvez fossem suas palavras que a ocasionasse; mas pareço ver este incidente mais claro do que jamais vi qualquer coisa em minha vida. A luz brilhava na água.

Sim, a luz brilhava na água. E a fumaça agarrava-se à garganta. E todos os selvagens estavam gritando.

O velho fazendeiro começou a rir.

– A senhora escreverá uma história acerca do velho forte, disse ele. Eu o tenho mostrado a mais de um indivíduo, mas nunca ouvi explicação tão clara. Algumas pessoas têm o dom.

Haviam bordejado a margem do fosso, e um poço abria sua boca à direita deles.

Aquele poço possui 14 pés de profundidade, disse o camponês. Imaginem o que retiramos do fundo? Bem, era somente o esqueleto de um homem com uma lança ao lado. Penso que a empunhava quando morreu. Ora, como pode um homem com uma lança achar-se num buraco destes? Não estava enterrado, porque eles queimavam seus mortos. Que conclui disso, senhora?

Ele saltou ao fundo para livrar-se dos selvagens, disse a mulher.

Bem, é plausível e um dos professores de Edimburgo não poderia apresentar melhor explicação. Gostaria que estivesse aqui, senhora, para responder às nossas dificuldades. Aqui está o altar que encontramos semana passada. Há uma inscrição. Disseram-me que é latim que significa que os homens deste forte agradecem a Deus por sua segurança.

Examinaram a velha pedra gasta. Havia dois VV largos e profundamente entalhados, no topo.

– Que significam estes dois VV, perguntou Brown.
– Ninguém sabe, respondeu o guia.
– Valeria Victrix, disse a senhora, suavemente. Seu rosto se encontrava mais pálido que nunca, os olhos muito distantes, como quem observa pelas passagens obscuras das abóbadas dos séculos.
– Que é isto? perguntou o marido, asperamente.

Ela estremeceu como alguém que acorda de um sono.

– Acerca de que falávamos? perguntou.
– Destes VV na pedra.
– Não há dúvida de que é somente o nome da legião que erigiu o altar.
– Sim, mas você lhe deu um nome especial.
– Realmente? Que absurdo! Como poderia eu saber qual era o nome?
– Você disse algo... Victrix, suponho.
– Acho que estava conjecturando. Este lugar me dá o sentimento singular de não ser eu própria, mas outra pessoa.
– Sim, é um lugar misterioso, disse seu marido, olhando ao redor com uma expressão quase de medo em seus olhos cinzentos e agressivos. Também sinto isto. penso que somente lhe desejaremos boa noite, Sr. Cunningham, e regressaremos a Melrose.

Nenhum deles pôde sacudir a estranha impressão que lhes havia sido deixada, pela visita às escavações. Era como se algum miasma houvesse subido daquelas valas úmidas e passado ao sangue deles. Toda a tarde permaneceram silenciosos e pensativos, mas os poucos comentários que faziam mostravam que o mesmo objeto ocupava a mente de cada um. Brown passou a noite sem repouso na qual teve um sonho estranho e bem concatenado, tão vívido que ele acordou transpirando e tremendo como um cavalo amedrontado. Tentou descrevê-lo à sua mulher quando se sentaram para o lanche, de manhã.

– Foi a coisa mais clara, Maggie, disse ele. Nada que me aconteceu quando acordado tem sido mais claro do que isto. sinto-me como se estas mãos estivessem pegajosas de sangue.
– Conte-me devagar, disse ela.
– Quando começou eu estava numa encosta. Encontrava-me deitado no chão. Este era áspero e havia moitas de urzes. Tudo ao meu redor era somente escuridão, mas eu podia ouvir o sussurro das respirações dos homens. Afigurava-se uma grande multidão em ambos os lados ao meu redor, mas não podia ver ninguém. Às vezes, havia um baixo tinido de aço, e então um número de vozes sussurrava “Silêncio!”. Eu tinha uma clava nodosa na mão e esta era guarnecida de pontas de ferro na extremidade. Meu coração batia rapidamente, e eu sentia que pairava um momento de grande perigo. Uma vez deixei cair minha maça, e as vozes todas ao meu redor ordenaram na escuridão “Silêncio!”. Apoiei minha mão no chão e toquei o pé de outro homem deitado à minha frente. Havia outros ao meu alcance de ambos os lados. Mas não disseram nada.

– Então todos começamos a nos mover. A encosta inteira parecia estar rastejando para baixo. Existia um rio no sopé e uma ponte de madeira com arcos altos. Além da ponte viam-se muitas luzes – tochas numa muralha. Os homens rastejantes dirigiam-se todos em direção à ponte. Não houve som de espécie alguma, porém uma quietude aveludada. Então ouviu-se um grito na escuridão, o brado de um homem que era apunhalado no coração, subitamente. Aquele único grito elevou-se durante um momento e depois ouviu-se o rugir de mil vozes furiosas. Eu estava correndo. Todos corriam. Uma luz vermelha brilhou e o rio tornou-se uma faixa rubra. Podia ver meus companheiros agora. Eram mais demônios do que homens, figuras ferozes vestidas de peles, com o cabelo e a barba caindo em torrentes. Estavam todos furiosos de raiva, saltando enquanto corriam, as bocas abertas, os braços em agitação, a luz vermelha batendo em seus rostos. Corri também, e gritei maldições como os demais. Então ouvi um grande estralejar de madeira que soube que as paliçadas tinham caído. Percebi um silvo alto em meus ouvidos e eu me achava consciente de que as flechas voavam ao meu redor. Caí no fundo de um valo e vi uma mão estendida de cima. Segurei-a e fui puxado. Olhamos para baixo e vimos homens prateados segurando suas lanças para o alto. Alguns dos nossos saltaram sobre as pontas. Nós os seguimos e matamos os soldados antes que pudessem desenterrar as lanças dos corpos novamente. Eles gritavam alto em uma língua estrangeira, mas não tivemos misericórdia. Caminhamos sobre eles como uma onda, e os espezinhamos para baixo da lama, pois eram poucos e o número dos nossos infindável.

– Encontrei-me entre edifícios e um destes estava incendiado. Vi as chamas ressaindo através do telhado. Corri e achei-me só entre os edifícios. Alguém cruzou correndo à minha frente. Era uma mulher. Segurei-a pelo braço e segurando-lhe o queixo, voltei seu rosto a fim de que a luz do fogo o iluminasse. Quem você pensa que era, Maggie?

A esposa umedeceu os lábios secos.

– Era eu, disse ela.

Ele olhou para ela, surpreso.

– É certo seu palpite, disse. Sim, era exatamente você. Não simplesmente parecida, você compreende. Era você, você própria. Eu vi a mesma alma nos seus olhos amedrontados. Você parecia branca e formosa, maravilhosa à luz do fogo. Eu tinha somente um pensamento na cabeça – levá-la para longe comigo; conservá-la toda para mim no meu lar em algum lugar nas colinas. Você arranhou meu rosto. Levantei-a sobre o ombro e procurei achar um caminho para fora da luz do edifício em chamas e de retorno à escuridão.

– Então aconteceu a coisa que relembro mais que tudo. Você está doente, Maggie. Devo parar? Meu Deus! você tem no rosto o mesmo olhar que possuía a noite passada no meu sonho. Você gritou. Ele veio correndo à luz do fogo. Sua cabeça estava desprotegida; seu cabelo era negro e encaracolado; e ele tinha uma espada nua na mão, curta e larga, pouco maior que uma adaga. Ele lançou-se contra mim, mas tropeçou e caiu. Segurei-a com uma das mãos, e com a outra...

Maggie havia saltado, ficando de pé, com feições contraídas.

– Marcus! Gritou ela. Meu belo Marcus! Oh, seu animal! Fera! bruto! Houve um estardalhaço de xícaras de chá, quando ela caiu para a frente, sobre a mesa, inconsciente.

Nunca falam daquele incidente isolado e estranho em sua vida de casados. Por um instante, a cortina do passado tinha sido afastada, e algum estranho lampejo de uma vida esquecida tinha sido mostrado a eles. Mas o véu caiu, para nunca mais levantar-se. Vivem em seu círculo estreito – ele na sua loja, ela no lar – e não obstante horizontes mais novos e amplos formaram-se vagamente em torno deles, desde aquela tarde de verão no fragmentado Forte Romano.

Fonte:
DOYLE, Sir Arthur Conan.Contos de Terror e Mistério. Ediouro.

Conan Doyle (Sherlock Holmens, em O Vampiro de Sussex)

texto na íntegra
Título original: The Sussex Vampire

Holmes tinha lido atentamente um bilhete que o último correio lhe trouxera. Então, com um ruído seco produzido na garganta e que nele era o que mais se aproximava do riso, atirou-o a mim.
— Como mescla do moderno e do medieval, do prático e do puramente fantástico, penso que isso é certamente o limite a que é possível chegar. Que diz a isso, Watson?

Li o que se segue:

Old Jewry, 46. 19 de novembro.
Assunto: Vampiros.
Prezado senhor:

O sr. Robert Ferguson, nosso cliente, sócio da firma Ferguson & Muirhead, vendedores de chá, de Mincing Lane, em memorando desta data fez-nos uma consulta relativa a vampiros. Como nossa firma é especializada estritamente na avaliação de maquinarias, o assunto da consulta foge à nossa alçada, e por isso sugerimos ao sr. Ferguson que procurasse V. Sa. e lhe expusesse o caso. Não esquecemos o triunfo obtido por V. Sa. no caso Matilda Briggs.
Com elevado apreço, subscrevemo-nos,
Morrison, Morrison, and Dodd
E. J. C."

— Matilda Briggs não é nenhum nome de mulher, Watson — disse Holmes, com voz que traía uma recordação. — Era um navio cuja sorte andou ligada à do gigantesco rato de Sumatra, uma história para a qual o mundo ainda não se acha preparado. Mas que sabemos nós acerca de vampiros? Isso não escapa também à nossa alçada? Antes isso que a estagnação dos charcos, mas parece que fomos transportados para o mundo encantado onde se desenrolam as histórias de Grimm. Estenda o braço para esse livro, Watson, e veja o que nos diz a letra V.

Eu me inclinei para trás e retirei da estante o grande volume de registro a que ele se referia, Holmes equilibrou-o sobre o joelho, e seus olhos moveram-se vagarosamente e com amor pêlos seus casos antigos, que se misturavam com a informação acumulada de toda uma vida.

— Viagem do Gloria Scott — leu ele. — Mau negócio foi esse. Tenho uma vaga lembrança de que você tomou apontamentos sobre o caso, Watson, embora eu não pudesse me congratular com você pelo resultado obtido. Victor Lynch, o falsário. Veneno de lagarto ou do gila monster. Caso notável, esse! Vittoria, a beldade de circo. Vanderbilt e o vagabundo criminoso. Víboras. Vigor, a maravilha de Hammersmith. Sim, sim. Belo índice este! É realmente insuperável. Escute isto, Watson: vampirismo na Hungria. E ainda: vampiros na Transilvânia. — Folheou as páginas com avidez, mas, após uma leitura atenta e rápida, pôs de lado o grande livro com um gesto de desapontamento.

Tolices, Watson, só tolices! Que nos importam cadáveres ambulantes que só podem ser mantidos no túmulo por estacas que lhes atravessem o coração? Puro desvario.

— Mas com certeza — disse eu — o vampiro não era necessariamente um morto, não é verdade? Um vivo podia muito bem pegar-lhe o costume. Eu, por exemplo, já li a respeito de certos velhos que sugavam o sangue dos moços a fim de conservar a juventude.

— Tem razão, Watson. Numa dessas referências vem mencionada a lenda. Mas iremos dar atenção a tais coisas? Esta agência tem grande solidez e reputação, e assim deve se manter. O mundo é bastante grande para nós. Não precisamos recorrer a fantasmas. Receio que não possamos levar muito a sério esse Robert Ferguson. É provável que esta carta tenha sido escrita por ele e lance alguma luz sobre o problema que o aflige.

Pegou uma segunda missiva, que estava em cima da mesa e na qual não reparara enquanto se ocupava da primeira. Começou a lê-la com um ar sorridente, mas esse sorriso foi aos poucos cedendo lugar a uma expressão de intensa concentração e interesse. Terminada a leitura, ficou por algum tempo mergulhado em pensamentos, com a carta esquecida entre os dedos. Finalmente, com um estremeção, despertou do devaneio.

— Cheeseman's, Lamberley. Onde fica Lamberley, Watson?
— Fica em Sussex, ao sul de Horsham.
— Não muito longe, hein? E Cheeseman's?
— Conheço a região, Holmes. Está cheia de velhas casas cujas denominações se prendem aos homens que as construíram há séculos. Assim é que você encontra por lá Odley's e Harvey's e Carriton's... As pessoas estão esquecidas, mas seus nomes perduram nas casas.
— Precisamente — disse Holmes com frieza. Uma das singularidades de sua natureza orgulhosa e pouco comunicativa era que, embora arquivasse no cérebro com grande rapidez e cuidado qualquer nova informação, raramente manifestava agradecimento ao informante. — Desconfio de que antes de chegarmos ao fim saberemos muita coisa mais a respeito de Cheeseman's, Lamberley. A carta é, como eu esperava, de Robert Ferguson. A propósito, ele diz que o conhece.
— A mim?
— É melhor que você a leia.

Holmes entregou-a a mim. Encimava-a o citado endereço.

"Prezado sr. Holmes: [dizia a carta]

Escrevo-lhe a conselho de meus advogados. Porém, o assunto que me traz à sua presença é tão delicado que nem sei como encetá-lo. Diz respeito a um amigo que aqui represento. Esse cavalheiro casou-se há uns cinco anos com uma senhora peruana, filha de um negociante do Peru, que ele conheceu numa transação de importação de nitratos. A dama era muito formosa, mas sua nacionalidade estrangeira e sua religião diferente ocasionaram uma divergência de interesses e de sentimentos entre marido e mulher, de modo que, depois de algum tempo, seu amor por ela talvez tenha esfriado, chegando ele provavelmente a considerar sua união como um erro. Meu amigo descobriu no caráter da esposa certos aspectos que nunca chegou a sondar ou entender. Isso era tanto mais penoso quanto ela se mostrava a esposa mais dedicada que um homem podia ter, segundo todas as aparências, absolutamente devotada a ele.
Passo agora ao ponto que esclarecerei melhor quando nos encontrarmos. É que a presente missiva tem exclusivamente por fim dar-lhe um apanhado geral da situação e saber se o senhor gostaria de se envolver pessoalmente no assunto. A senhora começou a exibir algumas facetas curiosas, inteiramente alheias à sua índole, em geral branda e delicada. O cavalheiro foi casado duas vezes, tendo um filho do primeiro matrimônio. O rapazinho tem agora quinze anos e é um adolescente encantador e muito meigo, embora infelizmente aleijado em conseqüência de um acidente que sofreu quando era criança. Duas vezes a esposa foi apanhada maltratando o pobre rapaz, sem qualquer provocação da parte deste. Uma vez, bateu-lhe com um pau, deixando-lhe um grande vergão num braço.
Isso, entretanto, foi coisa sem importância em comparação com o procedimento dela para com seu próprio filhinho, uma linda criança que ainda não conta um ano de idade. Em certa ocasião, há cerca de um mês, a criança ficara sozinha por alguns minutos, sem a assistência da ama. Um grito estridente, soltado pelo bebé, como que provocado por dor aguda, fez a ama voltar para junto dele. Ao entrar correndo no quarto, viu a patroa inclinada sobre o bebé, aparentemente no ato de lhe morder o pescoço. Havia nesse ponto um pequeno ferimento do qual corria um fio de sangue. A ama ficou tão horrorizada que teve vontade de chamar o pai da criança, porém a senhora implorou-lhe que não o fizesse, e chegou a dar-lhe cinco libras como paga de seu silêncio. Não foi apresentada nenhuma explicação para o caso, e daquela vez a coisa ficou por ali.
Todavia, o incidente deixou uma terrível impressão no espírito da ama, e daí por diante ela começou a observar a patroa com maior atenção e a vigiar mais de perto o bebê, a quem amava ternamente. Pareceu-lhe que, assim como ela observava a mãe, também a mãe a observava, e que cada vez que era obrigada a deixar o bebê sozinho, a mãe ficava à espera para se aproximar dele. Dia e noite a ama protegia a criança, e noite e dia a mãe, silenciosa e vigilante, parecia estar à espreita, como o lobo espera o cordeiro. O caso talvez se lhe afigure incrível, e contudo rogo-lhe que o leve a sério, porque a vida de uma criança e a sanidade mental de um homem podem depender dele.
Chegou afinal o dia em que já não foi possível conservar oculta do marido a terrível realidade. Os nervos da ama haviam cedido; a pobre mulher não suportou por mais tempo tamanho esforço e fez uma confissão franca e completa ao homem. A este, a história pareceu tão absurda como talvez pareça agora ao senhor. Ele sabia que a esposa era uma mulher amorosa e, excluindo suas agressões contra o enteado, uma mãe afetuosa. Como admitir, então, que ela ferisse o próprio filhinho? Disse à ama que ela devia estar sonhando, que suas suspeitas eram próprias de uma demente e que não era possível tolerar acusações daquele tipo contra a patroa. Enquanto os dois conversavam, ouviu-se de súbito um grito lancinante. Ama e patrão correram ao quarto do bebê. Imagine os sentimentos do marido, sr. Holmes, ao ver a esposa, que estivera de joelhos, levantar-se de junto do berço, e ao ver sangue sobre o pescoço descoberto do bebê e o lençol. Com um grito de horror, virou o rosto de sua mulher para o lado da luz e viu-lhe sangue nos lábios. Fora ela — ela, sem sombra de dúvida — quem tinha bebido o sangue da pobre criança.
É essa a atual situação do caso. Ela agora não sai do quarto. Não foi dada nenhuma explicação. O marido está quase desnorteado. De vampirismo, tanto ele como eu pouco mais sabemos que o nome. Pensávamos que era alguma lenda estrangeira. E todavia aqui, bem no coração do Sussex inglês... Bem, tudo isso pode ser discutido com o senhor pela manhã. É possível? Estará disposto a usar suas grandes faculdades para ajudar um homem aflito? Em caso afirmativo, queira telegrafar para Ferguson, Cheeseman's, Lamberley, e aí pelas dez horas eu estarei em sua casa. Com grande estima e apreço,

Robert Ferguson.

P.S. — Creio que seu amigo Watson jogou rúgbi para o Black-heath quando eu era jogador do Richmond. É a única apresentação da minha pessoa que posso oferecer
."

— Claro que me lembro dele — disse eu ao largar a carta. — O imenso Bob Ferguson, o melhor jogador que o Richmond já teve. Foi sempre um sujeito de bom coração. Por isso não admira que se preocupe tanto com a aflição de um amigo.

Holmes olhou pensativo para mim e abanou a cabeça.

— Ainda não cheguei a compreender aquilo de que você é capaz e aquilo de que não é, Watson — disse ele. — Há na sua pessoa possibilidades inexploradas. Como bom companheiro, mande-lhe um telegrama. "Examinarei seu caso com prazer."
— Seu caso?
— Não vamos consentir que ele pense que esta agência é um asilo de papalvos. É claro que o caso é dele. Mande-lhe o telegrama e deixe o negócio descansar até amanhã.

No dia seguinte, precisamente às dez horas da manhã, Ferguson entrou no nosso aposento. A lembrança que eu conservava dele era a de um homem alto e esguio, de membros ágeis, que lhe conferiam movimentos fáceis e rápidos, capazes de fazer face a qualquer adversário no campo. Nada na vida é mais penoso do que topar com a ruína de um belo atleta que conhecemos na flor da idade. Sua enorme compleição tinha descaído, seu cabelo louro-claro estava ralo e os membros, encurvados. Receio ter despertado nele emoções correspondentes.

— Olá, Watson — disse, e sua voz ainda era grave e cordial. — Você já não parece mais o homem que era quando eu o atirei por cima das cordas, no meio da multidão, no Old Deer Park. Também devo ter mudado um pouco. Porém, envelheci ainda mais nestes dois últimos dias. Vejo pelo seu telegrama, sr. Holmes, que é inútil fingir que represento alguém.
— É mais simples tratar sem intermediário — disse Holmes.
— Não há dúvida. Mas o senhor deve calcular como é difícil falar da única mulher que temos obrigação de proteger e ajudar. Que posso fazer? Como referir à polícia uma história destas? E, contudo, os pequenos têm de ser protegidos. Será loucura, sr. Holmes? Será qualquer coisa no sangue? O senhor tem algum caso semelhante em sua experiência? Pelo amor de Deus, dê-me qualquer conselho, pois estou quase a ponto de perder a cabeça.
— É muito natural, sr. Ferguson. Agora sente-se e acalme-se e dê-me algumas respostas claras. Posso lhe assegurar que, quanto a mim, estou longe de perder a cabeça, e tenho confiança em que arranjaremos uma solução. Antes de mais nada, fale-me das providências que tomou. Sua esposa ainda se encontra perto das crianças?
— Tivemos uma cena medonha. Ela é uma mulher muito afetuosa, sr. Holmes. Se já houve mulher que amou um homem de todo o coração e com toda a alma, minha esposa é essa mulher. Sentiu no mais íntimo de seu ser a descoberta que fiz desse horrendo, desse incrível segredo. Nem ao menos quis falar. A única resposta que deu às minhas censuras foi fitar-me com uns olhos em que se lia uma espécie de desespero selvagem. Depois, dirigiu-se arrebatadamente para o seu quarto e fechou-se lá dentro. Desde então, recusou-se a me ver. Ela tem uma criada que já a servia antes do casamento, chamada Dolores... uma amiga, mais que uma criada. Dolores leva-lhe a comida.
— Então a criança não se acha em perigo imediato?
— A sra. Mason, a ama, jurou que não a abandonará nem de dia nem de noite. Ela me merece absoluta confiança. Mais inquietação me causa o pobre do pequeno Jack, pois, conforme lhe disse em minha carta, ele foi duas vezes agredido por minha mulher.
— Mas nunca foi gravemente ferido?
— Não. Ela bateu nele desapiedadamente. Isto é muito mais terrível porque ele é um inofensivo aleijadinho. — As feições descarnadas de Ferguson abrandaram-se quando ele começou a falar do menino. — Era de esperar que o estado do pobrezinho enternecesse qualquer coração. Foi uma queda na infância, sr. Holmes, que lhe ocasionou um defeito na espinha. Mas aquele corpo abriga o coração mais terno e afetuoso.

Holmes pegara a carta da véspera e leu-a toda outra vez.

— Quantas pessoas há em sua casa, sr. Ferguson?
— Duas criadas que estão lá há pouco tempo. Um moço de cavalariça, Michael, que dorme em casa. Minha mulher, eu, o meu rapazinho Jack, o bebê, Dolores e a sra. Mason. Aí tem todos.
— Segundo depreendo, o senhor não conhecia bem sua esposa na época do casamento.
— Conheci-a apenas umas semanas antes.
— Há quanto tempo essa criada Dolores estava com ela?
— Havia alguns anos.
— Então ela devia conhecer a índole de sua esposa melhor que o senhor, não é verdade?
— Sim, é provável.

Holmes tomou um apontamento.

— Imagino — disse ele — que poderei ser mais útil em Lamberley do que aqui. O caso é essencialmente de investigação pessoal. Se a senhora permanece no quarto, nossa presença decerto não a molestará. Ficaremos, evidentemente, na estalagem.

Ferguson teve um gesto de alívio.

— É o que eu esperava, sr. Holmes. Se o senhor puder ir, há um trem excelente, que parte da Estação Vitória às duas horas.
— É claro que iremos. Tenho agora umas férias, e posso dedicar ao seu caso todas as minhas energias. Watson sem dúvida vai conosco. Há, porém, um ou dois pontos sobre os quais desejo ter mais certezas antes de partirmos. Segundo compreendi, a infeliz senhora foi vista agredindo ambas as crianças, a dela e o seu filho, não?
— Exatamente.
— Mas os ataques tomam formas diferentes, não é verdade? Ela bateu no seu filho.
— Uma vez com um pau e outra, ferozmente, com as mãos.
— Ela não explicou por que fez isso?
— Não. Disse apenas que o odiava. Disse-o repetidas vezes.
— Bem, não é coisa muito rara nas madrastas. Chamaríamos a isso ciúme póstumo. Sua mulher é de natureza ciumenta?
— Muito ciumenta, um ciúme tão forte quanto o seu ardente amor tropical.
— Mas o rapazinho tem, segundo me parece, quinze anos, e é provavelmente de inteligência muito desenvolvida, uma vez que o corpo ficou tolhido no seu desenvolvimento. Ele não lhe deu nenhuma explicação a respeito dos ataques de que foi vítima?
— Não. Declarou simplesmente que não havia razão para isso.
— Antes disso eles eram amigos?
— Não. Nunca houve afeição entre os dois.
— Contudo, o senhor diz que ele é afetuoso.
— Jamais houve filho mais afeiçoado. Minha vida é a sua vida. Ele se interessa extraordinariamente por tudo quanto eu digo ou faço.

Holmes tornou a tomar nota. Durante algum tempo esteve mergulhado em cogitações.

— O senhor e o menino eram sem dúvida muito amigos antes do segundo matrimônio. A solidão uniu-os muito, não é assim?
— Sim.
— E o menino, tendo uma índole tão afetuosa, com toda a certeza era devotado à memória de sua mãe, não é verdade?
— Muito devotado.
— Parece realmente ser uma criança bem interessante. Mais um esclarecimento a propósito desses ataques: coincidiam no tempo essas estranhas agressões contra o bebê e o ataque contra o seu filho?
— No primeiro caso, sim. Era como se a invadisse uma fúria incontrolável e ela se sentisse forçada a descarregá-la em ambos. No segundo caso, foi apenas Jack a vítima. A sra. Mason não teve queixa a fazer a respeito da criança.
— Isso certamente vem complicar o caso.
— Como assim, sr. Holmes?
— É que nós formulamos teorias provisórias e esperamos até que o tempo ou um conhecimento mais pleno do assunto as desmintam. É um mau hábito, sr. Ferguson; mas a natureza humana é fraca. Receio que seu velho amigo aqui tenha uma opinião um tanto exagerada dos meus métodos científicos. Contudo, direi somente que seu problema, nesta primeira fase, não me parece insolúvel, e que certamente nos encontraremos na Estação Vitória às duas horas.

Era uma tarde tristonha e brumosa de novembro quando, depois de deixarmos nossa bagagem no Tabuleiro de Xadrez, em Lamberley, nossa carruagem entrou por uma estrada sinuosa, onde se notava a argila de Sussex, e finalmente chegamos à isolada e vetusta casa de fazenda em que Ferguson morava. Era uma construção enorme e irregular, muito velha no centro, muito nova nas alas, com altas chaminés da época dos Tudors e com um telhado de lajes de Horsham, em bico e manchado de liquens. Os degraus da soleira estavam gastos pelo uso, e os antigos ladrilhos que forravam o vestíbulo traziam a marca de um signo icônico, representando um queijo e um homem, do nome do primitivo construtor. No interior, as pesadas vigas de carvalho davam ao teto um aspecto ondulado, e os soalhos irregulares formavam curvas sensíveis. Um cheiro de antigüidade e deterioração desprendia-se de todo o prédio em ruínas.

Havia uma sala central muito espaçosa para a qual Ferguson nos conduziu. Ali, numa imensa lareira antiquada, com uma grade de ferro que tinha na parte de trás a data de 1670, ardia uma esplêndida fogueira, alimentada pela lenha, que crepitava.

O aposento era, conforme verifiquei com um relancear de olhos, um misto singular de datas e de lugares. As paredes almofadadas até certo ponto bem podiam ter pertencido ao primitivo proprietário rural do século XVII. Eram, entretanto, ornadas na parte inferior por uma linha de aquarelas modernas e bem escolhidas; ao passo que em cima, no ponto onde o estuque amarelo substituía o carvalho, estava pendurada uma bela coleção de armas e utensílios sul-americanos, que sem dúvida tinham sido trazidos pela dama peruana do andar superior. Holmes ergueu-se, com aquela rápida curiosidade que brotava do seu espírito irrequieto, e pôs-se a examiná-los com certo cuidado. Voltou-se, com seus olhos sonhadores.

— Olá! — gritou ele. — Pst!

Um cãozinho spaniel estivera deitado num cesto ao canto. Veio andando vagarosamente na direção de seu dono. Caminhava com dificuldade. Suas pernas traseiras moviam-se irregularmente, e o rabo arrastava-se pelo chão. Lambeu a mão de Ferguson.

— O que é, sr. Holmes?
— O cão. Quem tem ele?
— É o que deixou o veterinário perplexo. Uma espécie de paralisia. Segundo ele, trata-se de meningite dorsal. Mas está melhorando. Em breve ele estará bom, não é verdade, Cario?

A cauda pendente foi sacudida por um tremor equivalente a uma aprovação. Os olhos macilentos do animal passearam de um de nós para o outro. Ele sabia que estávamos discutindo o seu caso.

— Isso apareceu sem mais nem menos?
— Numa única noite.
— Há quanto tempo?
— Deve ter sido há quatro meses.
— Muito notável. Bastante sugestivo.
— Que é que o senhor vê nisso, sr. Holmes?
— Uma confirmação do que já pensava.
— Pelo amor de Deus, que pensa, sr. Holmes? Pode ser que para o senhor seja um simples quebra-cabeça intelectual, mas para mim significa vida ou morte! Minha mulher, uma assassina virtual... meu filhinho em constante perigo! Não graceje comigo, sr. Holmes. O assunto é demasiado sério.

O colossal jogador de rúgbi tremia dos pés à cabeça. Holmes pôs-lhe mansamente a mão sobre o braço.

— Temo que o senhor vá sofrer, sr. Ferguson, seja qual for a solução — disse ele. — Preferiria poupá-lo de tudo, se pudesse. No momento, não posso dizer mais nada; porém, antes de deixar esta casa, é possível que disponha de alguns dados mais positivos.
— Praza a Deus que assim seja! Desculpem-me, senhores, mas vou subir até o quarto de minha mulher para ver se houve alguma mudança.

Esteve ausente alguns minutos, que Holmes aproveitou para retornar ao exame das curiosidades que havia na parede. Quando o dono da casa voltou, via-se claramente no seu semblante abatido que não houvera qualquer progresso. Acompanhava-o uma jovem morena, alta e esbelta.

— O chá está pronto, Dolores? — perguntou Ferguson. — Não deixe que falte seja o que for à sua patroa.
— Ela está muito doente — exclamou a jovem, olhando para o patrão com olhos indignados. — Não quer comer. Está muito doente. Precisa de um médico. Tenho medo de ficar sozinha com ela sem um médico.

Ferguson dirigiu-me um olhar quase de súplica.

— Teria grande prazer se pudesse ser útil em alguma coisa.
— Quem sabe se sua patroa receberia o dr. Watson?
— Eu o levo lá sem pedir licença. Ela precisa de médico.
— Então vamos imediatamente.

A jovem tremia de emoção; subi com ela a escada, e depois percorremos um corredor antigo, ao fim do qual havia uma porta maciça, chapeada de ferro. Veio-me à ideia que, se Ferguson tentasse entrar à força no aposento da esposa, tal coisa não lhe seria muito fácil. A moça tirou uma chave do bolso, e as pesadas pranchas de carvalho rangeram nos velhos gonzos. Passei, e ela me seguiu logo, fechando a porta imediatamente.

Na cama, jazia uma mulher que tinha, evidentemente, febre alta. Estava apenas meio acordada, mas, assim que entrei, ergueu os olhos, aterrorizados mas formosos, e fitou-os em mim apreensivamente. Ao ver um estranho, pareceu tranqüilizar-se, e com um suspiro de alívio deixou-se cair sobre o travesseiro. Acerquei-me dela, dizendo algumas palavras de consolação, e a enferma permaneceu imóvel enquanto eu lhe tomava o pulso e a temperatura. Ambos estavam altos, e o pulso, descompassado, e contudo minha impressão era de que o estado dela era resultado mais de uma excitação mental e nervosa do que de uma enfermidade real.

— Ela está aí deitada há dias — disse a moça. — Receio que morra.

A mulher voltou para mim seu belo rosto afogueado.

— Onde está o meu marido?
— Está lá embaixo e queria vê-la.
— Eu não quero vê-lo. Não quero vê-lo. — E, dizendo isso, parecia que ia entrar em delírio. — É meu inimigo, não é meu marido! Oh, que hei de fazer com esse demônio?
— Posso ajudá-la de alguma maneira?
— Não. Ninguém pode me ajudar. Está acabado. Tudo está destruído. Faça eu o que fizer, está tudo destruído.

Aquela mulher devia ser vítima de alguma alucinação. Não me era possível pensar no honrado Bob Ferguson sob as vestes de inimigo ou de demônio.

— Minha senhora — disse-lhe eu —, seu marido lhe dedica o maior afeto. Ele está profundamente penalizado com o que houve.

Ela tornou a voltar para mim aqueles lindos olhos.

— Ele me ama. Sim. Mas, e eu, não o amo? Não o amo a ponto de antes querer me sacrificar do que lhe destruir o bondoso coração? É assim que eu o amo. E, contudo, ele foi capaz de pensar isso de mim, de afirmar isso de mim.
— Ele está cheio de mágoa, mas não consegue compreender.
— Sim. Não consegue compreender, mas devia ter confiança.
— Não quer vê-lo? — propus.
— Não, não. Não me esqueço daquelas palavras terríveis e da expressão de seu rosto. Não quero vê-lo. Agora pode ir embora. O senhor nada pode fazer por mim. Diga-lhe somente uma coisa: quero o meu filho. Tenho direito a ele. É o único recado que lhe mando. — Dito isso, virou-se para a parede e nada mais acrescentou.

Desci a escada e voltei para a sala, onde Fergurson e Holmes ainda permaneciam sentados, junto do fogo. Ferguson ouviu com tristeza o relatório da entrevista.

— Como posso lhe mandar a criança? — disse ele. — Sei lá se a invade de repente algum estranho impulso? Como poderei esquecer a cena em que a vi levantar-se de junto de nosso filhinho com o sangue dele na boca? — Estremeceu a essa recordação. — Com a sra. Mason a criança está segura, e com ela deve ficar.

Uma mocinha elegante, a única coisa moderna que tínhamos visto na casa, trouxera o chá. Enquanto ela o servia, a porta abriu-se, e entrou um jovem. Era um adolescente notável, de semblante pálido e cabelos louros, com vivos olhos azul-claros nos quais cintilou de súbito uma centelha de emoção e alegria, quando se fixaram no pai. Caminhou para a frente e atirou os braços em redor do pescoço dele com o abandono de uma jovem amorosa.

— Oh, papai — exclamou —, não sabia que ia chegar agora! Se soubesse, estaria aqui à sua espera. Oh, como estou contente de vê-lo!

Ferguson desembaraçou-se brandamente do abraço, não sem certo constrangimento.

— Meu querido — disse, alisando delicadamente com a mão a cabeça loura do filho. — Vim mais cedo porque consegui convencer estes meus amigos, o sr. Holmes e o dr. Watson, a passarem uma noite conosco.
— Este é o sr. Holmes, o detetive?
— Sim.

O jovem lançou-nos um olhar penetrante e, segundo me pareceu, pouco amistoso.

— E seu outro filho, sr. Ferguson? — indagou Holmes. — Podemos conhecê-lo?
— Peça à sra. Mason que traga o bebé aqui — disse Ferguson. O rapazinho saiu, arrastando a perna com um passo curioso, que revelou ao meu olho clínico que sofria da espinha. Voltou pouco depois, e atrás dele vinha uma mulher alta e magra, trazendo nos braços uma linda criança de olhos negros e cabelos dourados, uma admirável mistura do saxão e do latino. Era evidente o afeto que Ferguson lhe dedicava, pois tomou-a nos braços e afagou-a carinhosamente.
— É preciso coragem para magoar um anjinho destes — disse ele entre dentes, ao mesmo tempo em que pousava os olhos na pequena dobra muito vermelha que se via no pescoço da criança.

Foi nesse momento que eu, por acaso, olhei para Holmes e vi no seu olhar uma atenção pouco comum. Seu rosto estava imóvel, como se tivesse sido esculpido em marfim antigo, e seus olhos, que tinham passado por um momento do pai para o filho, haviam se fixado agora, com intensa curiosidade, em alguma coisa que se encontrava do outro lado do aposento. Acompanhando-lhe o olhar, pude apenas conjecturar que estava olhando para fora, pela janela, para o jardim melancólico, que gotejava. Verdade é que uma das folhas da janela estava fechada e tapava a vista, mas apesar disso era certamente na janela que Holmes fixava sua concentrada atenção. Nisso, sorriu, e seus olhos tornaram a pousar no bebê. Lá estava, no seu pescocinho rechonchudo, aquele pequeno sinal enrugado. Sem dizer palavra, Holmes examinou-o com cuidado. Finalmente, abanou um dos punhozinhos roliços, que se mexiam na sua frente.

— Então, meu homenzinho? Você fez uma estranha entrada no mundo. Sra. Mason, eu gostaria de lhe dar uma palavrinha em particular.

Chamou-a à parte e falou-lhe sério, durante alguns minutos. Ouvi somente as últimas palavras, que foram as seguintes: "Sua preocupação vai acabar em breve, segundo espero". A mulher, que parecia uma criatura azeda e calada, afastou-se com a criança,

— Como é essa sra. Mason? — perguntou Holmes.
— Aparentemente não é muito simpática, como o senhor vê, mas tem um coração de ouro, e é toda dedicação para a criança.
— Você gosta dela, Jack? — Com essa pergunta, Holmes voltou-se de repente para o rapazinho. O rosto expressivo do interpelado cobriu-se de sombra, e ele abanou a cabeça.
— Jack tem fortes simpatias e antipatias — balbuciou Ferguson, enlaçando o rapazinho com o braço. — Felizmente, sou uma das suas simpatias. O menino arrulhou e escondeu meigamente a cabeça no peito do pai. Ferguson, com brandura, desembaraçou-se dele.
— Agora pode sair, Jack — disse, e com olhos amorosos ficou observando o filho até ele desaparecer. — Então, sr. Holmes — prosseguiu depois —, quase me convenço de que o trouxe a um beco sem saída, pois que mais poderá o senhor fazer senão sentir pena de mim? De seu ponto de vista, este deve ser um assunto extremamente delicado e complexo.
— Delicado é, por certo — confirmou meu amigo, com um gracioso sorriso —, mas até agora não lhe notei nenhuma complexidade. É um caso para dedução intelectual; mas quando essa primitiva dedução é confirmada ponto por ponto por um bom número de episódios independentes, então o subjetivo passa a objetivo e podemos dizer com certeza que atingimos nosso intuito. De fato, eu o atingira antes de sairmos da Baker Street, sendo o resto mera observação e confirmação.

Ferguson pôs a enorme mão na testa vincada.

— Por caridade, Holmes — disse ele com voz rouca —, se sabe a verdade, não me deixe mais tempo na incerteza. Qual é a minha posição? Que devo fazer? Pouco me importa o modo como descobriu os fatos, uma vez que realmente os sabe.
— Devo-lhe certamente uma explicação, e o senhor há de tê-la. Mas espero que me permita conduzir o assunto a meu modo. Watson, a senhora se acha em condições de nos receber?
— Ela está doente, mas em seu perfeito juízo.
— Muito bem. É somente na presença dela que podemos esclarecer esta questão. Subamos ao seu quarto.
— Ela não vai querer me ver! — gritou Ferguson.
— Oh, sim, vai vê-lo, sim — disse Holmes. Rabiscou algumas linhas numa folha de papel. — Pelo menos você, Watson, tem entrada. Quer ter a bondade de lhe entregar este bilhete?

Tornei a subir e entreguei o papel a Dolores, que abriu cautelosamente a porta. Um minuto depois, soou lá dentro um grito, um grito em que parecia haver um misto de alegria e de surpresa. Dolores apareceu.

— Ela vai recebê-los. Disse que quer ouvi-los.

Quando lá de cima os chamei, Ferguson e Holmes subiram. Ao entrarmos no quarto, Ferguson deu alguns passos na direção da esposa, que havia se erguido um pouco no leito, mas ela levantou a mão como que para detê-lo. O pobre homem afundou-se, sucumbido, numa cadeira de braços, enquanto Holmes se sentava ao lado dele depois de fazer um leve cumprimento à senhora, que olhou para ele cheia de espanto.

— Creio que podemos dispensar Dolores — disse Holmes. — Oh, muito bem, senhora; se prefere que ela fique, não ponho objeção. E agora, sr. Ferguson, como sou um homem ocupado e devo atender a muitos chamados, meus métodos têm de ser breves e diretos. A intervenção cirúrgica, quanto mais rápida, menos dolorosa. Deixe-me primeiro dizer-lhe algo que o confortará bastante. Sua esposa é uma mulher muito boa, muito amorosa e muito mal-tratada.

Ferguson soergueu-se da cadeira com um grito de alegria.

— Prove-o, sr. Holmes, e meu débito para com o senhor será eterno.
— Vou provar, mas, ao fazê-lo, tenho de magoá-lo profundamente em outro sentido.
— Não importa, contanto que isente minha mulher de qualquer responsabilidade. Tudo o mais na terra é ínfimo, comparado a isso.
— Deixe-me então transmitir-lhe o fio do raciocínio que passou por meu espírito na Baker Street. A idéia de um vampiro era para mim absurda. Tais coisas não acontecem na prática do crime, na Inglaterra. E, todavia, sua observação foi exata. O senhor viu sua esposa levantar-se de junto do berço da criança com sangue nos lábios.
— Vi realmente.
— Não lhe ocorreu que uma ferida que sangra pode ser sugada com outro fim que não seja o de tirar o sangue? Não houve até uma rainha na história da Inglaterra que sugou uma ferida para dela extrair veneno?
— Veneno!
— Estamos numa casa sul-americana. Meu instinto sentiu a presença dessas armas na parede antes que meus olhos as vissem. Podia ter sido outro veneno, mas isso foi o que me ocorreu. Quando vi aquele pequeno carcás vazio ao lado do arco, era justamente o que eu esperava ver. Se a criança fosse atingida por uma dessas flechas embebidas em curare, ou qualquer outra tisana infernal, a morte seria certa, se o veneno não fosse logo sugado.

E o cão? Se alguém ia usar tal veneno, não o experimentaria primeiro, a fim de se certificar de que a terrível droga não perdera sua eficácia? Eu não podia prever a existência do cão, mas pelo menos adivinhei-a, e ele enquadrou-se perfeitamente na minha reconstrução.

Compreende agora? Sua esposa temia um desses ataques. Viu-o realizado e salvou a vida da criança, e no entanto esquivou-se de lhe contar toda a verdade, porque sabia que o senhor ama o seu filho e receava dilacerar o coração do marido.

— Jacky?!
— Ainda há pouco eu o observei, enquanto o senhor fazia carinho no bebé. Seu rosto refletia-se com nitidez no vidro da janela, no ponto em que a respectiva veneziana formava um bom fundo de quadro. Vi-lhe um tal ciúme, um ódio tão cruel, como poucas vezes tenho visto num semblante humano!
— O meu Jack!
— É preciso coragem, sr. Ferguson, para aparar o golpe. E isso é tanto mais penoso quanto o fato de que o que lhe sugeriu tal ação foi um amor deformado, um amor exagerado e maníaco para com o senhor e provavelmente para com sua falecida mãe. Sua alma está até o íntimo consumida de ódio por essa esplêndida criança, cuja saúde e beleza formam um contraste com a debilidade dele.
— Santo Deus! Mas é incrível!
— Disse a verdade, minha senhora?

Ela soluçava, com o rosto enterrado nas almofadas. Nesse momento, virou-se para o marido.

— Como podia eu dizer-lhe isso, Bob? Eu sentia o golpe que seria para você. Era melhor que eu esperasse e que você soubesse por outra boca que não a minha. Quando este cavalheiro, que parece ter poderes mágicos, me escreveu dizendo que sabia tudo, fiquei contente.
— Creio que o que eu aconselharia ao jovem Jacky seria passar um ano no mar — disse Holmes, levantando-se.
— Apenas uma coisa ainda está envolta em mistério, minha senhora. Podemos perfeitamente entender os seus ataques contra o jovem Jacky. A paciência de uma mãe tem limites. Mas como a senhora teve coragem de abandonar a criança nos dois últimos dias?
— Contei tudo à sra. Mason. Ela sabia.

Ferguson estava junto ao leito, sufocado, com as mãos estendidas e trémulas.
— Creio que é hora de irmos embora, Watson — disse Holmes num cochicho. — Se você pegar num dos cotovelos da fidelíssima Dolores, eu pegarei no outro. E agora — acrescentou ele, fechando a porta depois de passar —, creio que podemos deixá-los decidir o resto entre eles.

Tenho apenas mais um apontamento sobre este caso. É a carta que Holmes escreveu em resposta final àquela com que abre a presente narrativa. Diz:

Baker Street, 21 de novembro.
Assunto: Vampiros.
Prezados senhores:

Com referência à sua carta de 19 do corrente, comunico-lhes que me interessei vivamente pela questão proposta pelo cliente de V. Sas., sr. Robert Ferguson, da firma Ferguson & Muirhead, vendedores de chá, de Mincing Lane, e que o assunto foi resolvido satisfatoriamente.
Com meus agradecimentos pela recomendação d V. Sas., seu, com elevado apreço,
Sherlock Holmes


Fonte:
DOYLE, Sir Arthur Conan. As Aventuras de Sherlock Holmes, Volume VII, Círculo do Livro (tradução de Hamílcar de Garcia).
Publicado em The Strand Magazine, Londres, 1924

terça-feira, 15 de julho de 2008

Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Alfabeto
Nova Regra O alfabeto é agora formado por 26 letras
Regra Antiga O "k", "w" e "y" não eram consideradas letras do nosso alfabeto.
Como Será Essas letras serão usadas em siglas, símbolos, nomes próprios, palavras estrangeiras e seus derivados. Exemplos: km, watt, Byron, byroniano

Trema
Nova Regra Não existe mais o trema em língua portuguesa. Apenas em casos de nomes próprios e seus derivados, por exemplo: Müller, mülleriano
Regra Antiga agüentar, conseqüência, cinqüenta, qüinqüênio, frqüência, freqüente, eloqüência, eloqüente, argüição, delinqüir, pingüim, tranqüilo, lingüiça
Como Será aguentar, consequência, cinquenta, quinquênio, frequência, frequente, eloquência, eloquente, arguição, delinquir, pinguim, tranquilo, linguiça.

Acentuação
Nova Regra Ditongos abertos (ei, oi) não são mais acentuados em palavras paroxítonas
Regra Antiga assembléia, platéia, idéia, colméia, boléia, panacéia, Coréia, hebréia, bóia, paranóia, jibóia, apóio, heróico, paranóico
Como Será assembleia, plateia, ideia, colmeia, boleia, panaceia, Coreia, hebreia, boia, paranoia, jiboia, apoio, heroico, paranoico

obs: nos ditongos abertos de palavras oxítonas e monossílabas o acento continua: herói, constrói, dói, anéis, papéis.

obs2: o acento no ditongo aberto "eu" continua: chapéu, véu, céu, ilhéu.

Acentuação
Nova Regra O hiato "oo" não é mais acentuado. O hiato "ee" não é mais acentuado
Regra Antiga enjôo, vôo, corôo, perdôo, côo, môo, abençôo, povôo; crêem, dêem, lêem, vêem, descrêem, relêem, revêem
Como Será enjoo, voo, coroo, perdoo, coo, moo, abençoo, povoo; creem, deem, leem, veem, descreem, releem, reveem

Acentuação
Nova Regra Não existe mais o acento diferencial em palavras homógrafas
Regra Antiga pára (verbo), péla (substantivo e verbo), pêlo (substantivo), pêra (substantivo), péra (substantivo), pólo (substantivo)
Como Será para (verbo), pela (substantivo e verbo), pelo (substantivo), pera (substantivo), pera (substantivo), polo (substantivo)

Obs: o acento diferencial ainda permanece no verbo "poder" (3ª pessoa do Pretérito Perfeito do Indicativo - "pôde") e no verbo "pôr" para diferenciar da preposição "por"

Acentuação
Nova Regra Não se acentua mais a letra "u" nas formas verbais rizotônicas, quando precedido de "g" ou "q" e antes de "e" ou "i" (gue, que, gui, qui)
Regra Antiga argúi, apazigúe, averigúe, enxagúe, enxagúemos, obliqúe
Como Será argui, apazigue,averigue, enxague, ensaguemos, oblique

Acentuação
Nova Regra Não se acentua mais "i" e "u" tônicos em paroxítonas quando precedidos de ditongo
Regra Antiga baiúca, boiúna, cheiínho, saiínha, feiúra, feiúme
Como Será baiuca, boiuna, cheiinho, saiinha, feiura, feiume

Hífen
Nova Regra O hífen não é mais utilizado em palavras formadas de prefixos (ou falsos prefixos) terminados em vogal + palavras iniciadas por "r" ou "s", sendo que essas devem ser dobradas
Regra Antiga ante-sala, ante-sacristia, auto-retrato, anti-social, anti-rugas, arqui-romântico, arqui-rivalidae, auto-regulamentação, auto-sugestão, contra-senso, contra-regra, contra-senha, extra-regimento, extra-sístole, extra-seco, infra-som, ultra-sonografia, semi-real, semi-sintético, supra-renal, supra-sensível
Como Será antessala, antessacristia, autorretrato, antissocial, antirrugas, arquirromântico, arquirrivalidade, autorregulamentação, contrassenha, extrarregimento, extrassístole, extrasseco, infrassom, inrarrenal, ultrarromântico, ultrassonografia, suprarrenal, suprassensível

obs: em prefixos terminados por "r", permanece o hífen se a palavra seguinte for iniciada pela mesma letra:
hiper-realista, hiper-requintado, hiper-requisitado, inter-racial, inter-regional, inter-relação, super-racional, super-realista, super-resistente etc.

Hífen
Nova Regra O hífen não é mais utilizado em palavras formadas de prefixos (ou falsos prefixos) terminados em vogal + palavras iniciadas por outra vogal auto-afirmação
Regra Antiga auto-ajuda, auto-aprendizagem, auto-escola, auto-estrada, auto-instrução, contra-exemplo, contra-indicação, contra-ordem, extra-escolar, extra-oficial, infra-estrutura, intra-ocular, intra-uterino, neo-expressionista, neo-imperialista, semi-aberto, semi-árido, semi-automático, semi-embriagado, semi-obscuridade, supra-ocular, ultra-elevado autoafirmação,
Como Será autoajuda, autoaprendizabem, autoescola, autoestrada, autoinstrução, contraexemplo, contraindicação, contraordem, extraescolar, extraoficial, infraestrutura, intraocular, intrauterino, neoexpressionista, neoimperialista, semiaberto, semiautomático, semiárido, semiembriagado, semiobscuridade, supraocular, ultraelevado.

Obs: esta nova regra vai uniformizar algumas exceções já existentes antes: antiaéreo, antiamericano, socioeconômico etc.

Obs2: esta regra não se encaixa quando a palavra seguinte iniciar por "h": anti-herói, anti-higiênico, extra-humano, semi-herbáceo etc.

Hífen
Nova Regra Agora utiliza-se hífen quando a palavra é formada por um prefixo (ou falso prefixo) terminado em vogal + palavra iniciada pela mesma vogal.
Regra Antiga antiibérico, antiinflamatório, antiinflacionário, antiimperialista, arquiinimigo, arquiirmandade, microondas, microônibus, microorgânico
Como Será anti-ibérico, anti-inflamatório, anti-inflacionário, anti-imperialista, arqui-inimigo, arqui-irmandade, micro-ondas, micro-ônibus, micro-orgânico

obs: esta regra foi alterada por conta da regra anterior: prefixo termina com vogal + palavra inicia com vogal diferente = não tem hífen; prefixo termina com vogal + palavra inicia com mesma vogal = com hífen

obs2: uma exceção é o prefixo "co". Mesmo se a outra palavra inicia-se com a vogal "o",

NÃO utliza-se hífen.
Nova Regra Não usamos mais hífen em compostos que, pelo uso, perdeu-se a noção de composição
Regra Antiga manda-chuva, pára-quedas, pára-quedista, pára-lama, pára-brisa, pára-choque, pára-vento
Como Será mandachuva, paraquedas, paraquedista, paralama, parabrisa, pára-choque, paravento

Obs: o uso do hífen permanece em palavras compostas que não contêm elemento de ligação e constiui unidade sintagmática e semântica, mantendo o acento próprio, bem como naquelas que designam espécies botânicas e zoológicas:
ano-luz, azul-escuro, médico-cirurgião, conta-gotas, guarda-chuva, segunda-feira, tenente-coronel, beija-flor, couve-flor, erva-doce, mal-me-quer, bem-te-vi etc.

Observações Gerais
O uso do hífen permanece

Em palavras formadas por prefixos "ex", "vice", "soto" ex-marido, vice-presidente, soto-mestre

Em palavras formadas por prefixos "circum" e "pan" + palavras iniciadas em vogal, M ou N pan-americano, circum-navegação

Em palavras formadas com prefixos "pré", "pró" e "pós" + palavras que tem significado próprio pré-natal, pró-desarmamento, pós-graduação

Em palavras formadas pelas palavras "além", "aquém", "recém", "sem" além-mar, além-fronteiras, aquém-oceano, recém-nascidos, recém-casados, sem-número, sem-teto

Não existe mais hífen

Em locuções de qualquer tipo (substantivas, adjetivas, pronominais, verbais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais)
cão de guarda, fim de semana, café com leite, pão de mel, sala de jantar, cartão de visita, cor de vinho, à vontade, abaixo de, acerca de etc. água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao-deus-dará, à queima-roupa

Fonte:
Colaboração de Nilton Manoel

Geir Campos (1924 - 1999)

Geir Nuffer Campos nasceu em São José do Calçado (ES) no dia 28/02/1924. Foi piloto da marinha mercante e ex-combatente civil na Segunda Guerra Mundial. Formou-se em Direção Teatral (FEFIERJ-MEC, Rio), mestre e doutor em Comunicação Social pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da qual foi professor. Sempre engajado nas lutas de seu tempo, foi um dos fundadores do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro e da Associação Brasileira de Tradutores, hoje Sindicato Nacional dos Tradutores, de que foi presidente. Em 1962 candidatou-se a vereador na cidade de Niterói, mas foi derrotado.

Jornalista, colaborou no "Diário Carioca", "Correio da Manhã", "Última Hora", "O Estado", "Diário de Notícias", "Para Todos", Letras Fluminenses", "Jornal de Letras" e no jornal "A Ordem", de sua terra natal.

Radialista, apresentou na Rádio MEC, por mais de 20 anos, o programa "Poesia Viva".

Foi diretor da Biblioteca Pública Estadual de Niterói (1961-1962), transformando-a em um centro cultural. É de sua autoria, juntamente com Neusa França — que fez a música —, a letra do hino oficial de Brasília (DF).

A vida de Geir parece ter sido sempre ligada ao livro. Filho de pai dentista e mãe professora, estudou como interno no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, o que deve ter fortalecido sua relação com a cultura escrita. De bom leitor passou a estudioso de línguas e literaturas. Morando em Niterói (RJ) desde 1941, logo conheceu os jovens do Grêmio Literário Humberto de Campos e a livraria-engraxataria Mônaco. Tornou-se uma espécie de guru na vida literária da cidade, orientando os escritores interessados em conhecer as novas tendências literárias, nacionais e estrangeiras. Trouxe para autografar nas reuniões matinais do Grupo de Amigos do Livro, presidido por Sávio Soares de Sousa, na então já Livraria Ideal, nomes como Astrojildo Pereira e Moacyr Félix, seu amigo da vida inteira.

Começou a escrever, em 1940, contos e poemas originais ou traduzidos, que foram publicados na imprensa. Em 1950, seu primeiro livro de poesias, "Rosa dos Rumos", foi publicado. Depois vieram "Da profissão do poeta", Canto claro & poemas anteriores", "Operário do canto", "Cantigas de acordar mulher", "Metanáutica" e "Canto de Peixe", dentre outros. Sua bibliografia inclui livros de contos, peças teatrais, obras de referência, literatura infanto-juvenil, ensaios e teses. Incluído pela crítica na famosa "Geração 45", que renovou a poesia brasileira, ao final dos anos cinqüenta já havia publicado nove livros de poesia, tendo recebido, em 1956, o Prêmio Olavo Bilac da Prefeitura do Distrito Federal por "Canto Claro & Poemas anteriores". Exímio tradutor, verteu para o Português obras de Rilke, Kafka, Brecht, Shakespeare, Herman Hesse, Walt Whitman e Sófocles. O ensaio "Carta aos livreiros do Brasil", obteve menção honrosa no concurso ao Prêmio Monteiro Lobato, promovido pela Academia Brasileira de Letras. Publicou significativa obra ensaística sobre tradução, que até hoje é fonte de referência para os interessados no assunto. É, também, de sua autoria, o "Pequeno Dicionário de Arte Poética", obra que contém centenas de verbetes e remissões, com farta exemplificação e resenha bibliográfica.

Fundou, com Thiago de Melo, em 1951, as Edições Hipocampo, que revolucionou as artes gráficas no Brasil. Foram publicados textos poéticos, em prosa e verso, de autores consagrados e novos, todos ilustrados primorosamente por grandes artistas. Os livros eram compostos tipograficamente, diagramados pelos próprios editores e impressos após o expediente da gráfica de fundo de quintal, em Niterói, dirigida por Antonio Marra e Armando Cabral Guedes. O processo de acabamento era feito na casa onde Geir residia, com a colaboração de toda a família. Dobravam-se as capas em forma de envelope, onde se inseriam as folhas soltas. Com tiragens médias de 116 exemplares, em dois anos foram feitas 20 edições, que incluíam nomes como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Iberê Camargo, João Guimarães Rosa, Fayga Ostrower, Santa Rosa e Darel Valença.

Dele falou Aníbal Bragança, professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, autor, com Maria Lizete dos Santos, de "Geir Campos - O poeta, o editor & a Carta aos livreiros do Brasil", de onde extraímos os dados acima: "Geir Campos não foi apenas um artesão da palavra e um operário do canto. Esteve em todas as frentes de ação pelo fortalecimento do livro, como editor, como bibliotecário, como tradutor, como líder da categoria, como professor e como autor. Autor, diga-se, de uma obra sólida e múltipla, rica e diversificada, que marcou a literatura brasileira da segunda metade deste século".

Geir Campos faleceu no dia 08 de maio de 1999, aos 75 anos, em Niterói (RJ).

Fonte:
http://www.releituras.com/

Geir Campos (Da profissão do poeta)

A Paulo Mendes Campos

Da
Identificação
Profissional

Operário do canto, me apresento
sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,
minha alma limpa, a face descoberta,
aberto o peito, e — expresso documento —
a palavra conforme o pensamento.

Do Contrato
de Trabalho


Fui chamado a cantar e para tanto
há um mar de som no búzio do meu canto.
Embora a dor ilhada ou coletiva
me doa, antes celebro as coisas belas
que movem o sol e as demais estrelas
— antigos temas que parecem novos
de tão gratos ao meu e aos outros povos.

Da Relação
com Vários
Ofícios

Meu verso tine como prata boa
pesando na confiança dos bancários;
os empregados no comércio bem
sabem como atender aos que encomendo
e recomendo mais do que ninguém;
aos que funcionam em telefonia
com ou sem fio, rádio, a esses também
sei dizer à distância ou de mais perto
a cifra e o texto no minuto certo;
para os músicos profissionais,
sem castigar o timbre das palavras
modulo frases quase musicais;
para os operadores de cinema
meu verso é filme bom que a luz não queima;
trilho também as estradas de ferro
e chego ao coração dos ferroviários
como um trem sempre exato nos horários;
às equipagens das embarcações
de mares ou de lagos ou de rios
meu verso fala doce e grave como
doce e grave é a taboca dos navios;
nos frigoríficos derrete o gelo
da apatia, se é para derretê-lo,
meu canto a circular nas serpentinas;
à boca da escotilha ou nas esquinas
do cais, o meu recado é força viva
guindando a atenção dos homens da estiva;
desço cantando aos subsolos e às minas
onde outros operários desenterram
o minério de suas artérias finas;
a outros, que dão sua têmpera aos metais,
meu canto ajuda feito um sopro a mais
aflando o fogo em flâmulas vermelhas;
aos colegas que lidam nos jornais
boas noticias dou e, mais do que isso,
jeito de as repetir e divulgar
quando o patrão quisera ser omisso;
à gente miúda, pronta a ser maior,
passo lições de um magistério puro
e o que é dever escrevo a giz no muro;
para os químicos sei fórmulas novas
que os mártires elaboram nas covas...
e a todos que trabalham vai assim
meu canto sugerindo meio e fim.

Do Horário
do Trabalho

Marcadas as minhas horas de ofício,
de dia em sombras pelo chão e à noite
no rútilo diagrama das estrelas,
só quem ama o trabalho sabe vê-las.

Dos Períodos
de Descanso

Seja domingo ou dia de semana,
mais do que as horas neutras do repouso
confortam-me os encargos rotineiros;
meu descanso é confiar nos companheiros.

Do Direito
a Férias

Nunca me participam por escrito
ou verbalmente os ócios que mereço,
mas sempre gozo bem o merecido:
pois o ócio não é ofício pelo avesso?
É quando fio o verso; depois teço.

Da Remuneração
das Férias

Em férias tenho a paga de saber
lembrado o verso meu por quem o inspira;
é como se outra mão tangesse a lira

Do Salário
Mínimo


Laborando entro os pontos cardinais,
de norte a sul, de leste a oeste, vou
cobrando aqui e ali quanto me basta:
o privilégio de seguir cantando.
(Imposto é cuidar onde e como e quando.)

Do Expediente
Noturno

Trabalho à noite e sem revezamentos.
Se há mais quem cante, cantaremos juntos;
sem se tornar com isso menos pura
a voz sobe uma oitava na mistura.

Da Segurança
do Trabalho


Mesmo no escuro, canto. Ao vento e à chuva,
canto. Perigo à vista, canto sempre;
e é clara luz e um ar nunca viciado
e sol no inverno e fresca no verão,
meu canto, e sabe a flores se é de flores
e a frutos se é de frutos a estação.
Só não me esforço à luz artificial
com que a má fé de alguns aos mais deslumbra
servindo-lhes por luz o que é penumbra;
também quando o ar parece rarefeito
a lira engasga, o verso perde o jeito.

Da Higiene
do Trabalho


Não canto onde não seja o sonho livre,
onde não haja ouvidos limpos e almas
afeitas a escutar sem preconceito.
Para enganar o tempo ou distrair
criaturas já de si tão mal atentas,
não canto...

Canto apenas quando dança,
nos olhos dos que me ouvem, a esperança.

Da Alteração
de Contrato
Etc.

Meu ofício é cantando revelar
a palavra que serve aos companheiros;
mas se preciso for calar o canto
e em fainas diferentes me aplicar
unindo a outros meu braço prevenido,
mais serviço que houver será servido.
Fontes:
Geir Campos. Antologia Poética. RJ: Léo Christiano Editorial Ltda, 2003. Disponível em http://www.releituras.com/

http://www.annex.com.br/ (desenho)

Konstantinos Kaváfis (À Espera dos Bárbaros - O Espelho da Entrada)






À Espera dos Bárbaros

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

[Antes de 1911]
==================
O Espelho da Entrada

À entrada da mansão
havia um grande espelho muito antigo,
comprado pelo menos há mais de oitenta anos.

Um rapaz belíssimo, empregado de alfaiate
(e nos domingos atleta diletante)
estava ali com um pacote.

Deu-o a alguém da casa, que o levou para dentro
com o recibo. O empregado do alfaiate
ficou sozinho, à espera.

Acercou-se do espelho e mirou-se
para ajeitar a gravata. Após cinco minutos,
trouxeram-lhe o recibo e ele se foi.

Mas o antigo espelho, que vira e revira
nos seus longos anos de existência
coisas e rostos aos milhares;
mas o antigo espelho agora se alegrava
e exultava de haver mostrado sobre si
por um instante a beleza culminante.
[1930]
===============
Notas sobre o autor
Numa pesquisa feita pela Folha de S. Paulo, publicada em 02/01/2000, críticos literários incluem o poema "À Espera dos Bárbaros", do grego Konstantinos Kaváfis (1863-1933), entre os 100 melhores poemas do século XX. Nessa pesquisa, ele ocupa a oitava posição.

Concursos e eleições, desse e de outros tipos, são um campo aberto para erros e distorções. No entanto, não deixa de ser marcante quando um conjunto de especialistas coincide em afirmar a alta qualidade de um mesmo texto.

Nascido em Alexandria, no Egito, Kaváfis é considerado o mais importante poeta grego do século passado. Em "À Espera dos Bárbaros" combinam-se ações políticas coletivas e atitudes individuais. Todos se deixam conduzir e enfeitiçar pelo mito da invasão dos bárbaros, que nunca acontece.

A reunião de pessoas na praça de uma presumível cidade grega antiga mostra um traço da poesia de Kaváfis. Ele sempre revisita figuras da história ou da mitologia e também inventa personagens de ficção ambientados no passado grego.

Outra face importante da poesia de Kaváfis aparece no poema "O Espelho da Entrada". Aí o que se destaca é o sensualismo homossexual do autor. Em vários poemas ele expressa sua fascinação pelo corpo de jovens (aqui ele fala em "rapaz belíssimo"). Refere-se também, em outros poemas, a encontros furtivos com efebos em lugares suspeitos.

Mas, forçado à ambigüidade, Kaváfis é muito discreto. José Paulo Paes, seu tradutor para o português, diz que o poeta alexandrino trabalha a linguagem com cuidado para manter essa discrição. Escreve Paes: "... o sexo deste [o agente, na frase] poderia ser denunciado pelo gênero dos adjetivos, mas o poeta ou cuida de evitá-los ou os usa do tipo dito uniforme, isto é, com a mesma forma para o masculino e o feminino" (in Konstantinos Kaváfis, Poemas, trad. de José Paulo Paes, Nova Fronteira, 2a. ed., Rio de Janeiro, 1982).

É curioso notar que a poesia de Kaváfis só foi publicada em livro postumamente. Poucos a conheciam durante sua vida. Ele imprimia folhas soltas com poemas e as distribuía entre amigos. A obra também não é extensa: são apenas 154 poemas — o suficiente para colocar o autor na condição de poeta mais significativo do modernismo grego.

Fonte:
Konstantinos Kaváfis. In Poesia Moderna da Grécia. Seleção, tradução direta do grego, prefácio, textos críticos e notas de José Paulo Paes. Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1986 Disponível em Carlos Machado, Poesia.net. In http://www.algumapoesia.com.br/ , 2004