sexta-feira, 25 de maio de 2012

Esopo (Fábula 20: As Lebres e as Rãs)



Eram uma vez umas lebres que acharam que não estavam satisfeitas com as condições em que viviam e convocaram uma reunião para resolverem o problema. "Nós vivemos", disse uma, "á mercê dos homens, dos cães, das águias e de toda a espécie de animais que nos dão caça. Estamos sempre com medo, constantemente em perigo, e acho que é melhor morrer, de uma vez para sempre, do que viver continuamente com medo, o qual é pior do que a própria morte."

As outras lebres concordaram com a que falara, e decidiu-se que se afogariam todas. Correram ao rio mais próximo para realizarem o terrível acto. Quando alcançaram o rio, surpreenderam uma multidão de rãs, assustadas com a chegada das lebres, e que se tinham atirado à água por uma questão de segurança.

"Esperem!", disse a mais esperta das lebres. "Temos de ser mais pacientes. A nossa vida não é tão má como nós imaginávamos; estas rãs têm tanto medo de nós como nós dos outros!"

Moral da história

 Dificilmente existe um estado de vida capaz de satisfazer a todos; de facto, poucas pessoas estão em tão más circunstâncias que não consigam encontrar ninguém ainda mais miserável do que elas.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 560)


Uma Trova de Ademar  

Numa audácia toda minha, 
perdidamente te amei. 
Fiz de ti minha rainha, 
mas não fiz de mim...Um Rei! 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

Diz-me esta ruga esculpida, 
entalhe que o tempo fez, 
que a primavera da vida 
só nos floresce uma vez. 
–JAIME PINA DA SILVEIRA– 

Uma Trova Potiguar  

Se este mundo tão bisonho 
te nega paz e guarida, 
usa o refúgio do sonho, 
onde o amor sustenta vida. 
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN 

Uma Trova Premiada  

2006 > ATRN/Natal/RN 
Tema > TRABALHO > 5º Lugar. 

Da face do mundo inteiro 
tirei um saber profundo... 
É trabalho, e não dinheiro, 
a força que move o mundo! 
–LUCÍLIA DECARLI/PR– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Eu chorei muito ao nascer. 
Todos riram no berçário. 
Espero, quando eu morrer, 
que seja tudo ao contrário! 
–RENÊ BITTENCOURT/RJ– 

Uma Poesia  

Quando a lua se declara 
para alguém que adora tanto, 
afasta da noite escura 
as amarguras do pranto; 
por ser bonita e divina, 
tem um noivo em cada esquina 
e um amante em todo canto. 
–PROF. GARCIA/RN– 

Soneto do Dia  

Toque de Silêncio 
–DIVENEI BOSELI/SP– 

Foi breve. Começou ao toque da alvorada, 
quando este coração, herói de outra trincheira, 
marchando de emoção entrou para a fileira 
e logo improvisou a frágil barricada. 

Foi lindo. Aconteceu da mística maneira 
bem própria da paixão: manteve mascarada 
a efêmera ilusão que envolve o tudo e o nada 
e nem sequer doeu ver baixas na bandeira... 

Foi tudo. Anoiteceu. Na última peleja, 
derrota o antigo herói quem não o mereceu 
e exibe o coração, sem honras, na bandeja... 

Foi triste. Terminou... No peito que era meu, 
aos toques do clarim, silente, não lateja: 
sepulto no silêncio, o coração morreu! 

54º Prêmio Jabuti 2012 (Inscrições Abertas)


O valor oferecido aos laureados nas 29 categorias que compõem o prêmio aumentou neste ano para R$ 3,5 mil (em 2011 era de R$ 3 mil). 

Já os vencedores do Livro do Ano – Ficção e Livro do Ano – Não Ficção concorrerão, cada um, a R$ 35 mil (no lugar de R$ 30 mil).

Nesta edição, a escolha dos vencedores será feita por um júri formado por profissionais do mercado editorial escolhidos pelo recém-criado Conselho Curador do Prêmio. 

O novo colegiado, formado por profissionais da área de literatura e científica e especialistas em livro e leitura, também ficará responsável pelo acompanhamento de todas as etapas do prêmio, bem como pelo julgamento dos casos não contemplados pelo Regulamento. 

As inscrições estão abertas, e podem ser feitas pelo site www.premiojabuti.org.br até o dia 30 de junho.

Fonte:
Câmara Brasileira do Livro

Bienal do Livro de Minas (Programação de Sábado e Domingo)


CAFÉ LITERÁRIO

26/05 
 15h 

Contos e Crônicas
 Autores:  Humberto Werneck, Fabrício Corsaletti 
Mediador: Carlos Herculano

 Dois craques do conto e da crônica aqui se encontram para conversar com os leitores sobre esta arte mínima, crítica, sempre no limite do real. Criação, diversão, entretenimento.... o que são estes dois gêneros, afinal? Humberto Werneck encontrou no conto e na crônica o melhor de seu texto que situa-se no entroncamento entre a literatura e jornalismo. Fabrício Corsaletti traz consigo a marca da nova geração da crônica brasileira. 

26/05 
 19h30 

Corpo e Espírito
 Autores:  Waldemar Falcão, Patrícya Travassos 
Mediador:Malluh Praxedes

  Tendo a literatura como espinha dorsal, a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar, sentarão à mesa com o espiritismo, astrologia e estados alterados da consciência. Como os leitores vão encarar este desafio? 

27/05 
 16h 

Viagem
 Autor:  Amyr Klink 
Mediador: Afonso Borges

 Enfrentar as intempéries da natureza é, relativamente, simples. Autor de inúmeros livros sobre as viagens em alto mar até a invernagem na Antártica, este navegador encontra o maior desafio em terra: o correto planejamento, a busca de recursos para a concretização de seus sonhos. E a literatura? Como entra nisso?

TERRITÓRIO JOVEM

26/05 
 12h 

 Autor:  Pedro Bandeira 
Mediador: Jozane Faleiro

 Pedro Bandeira completa 80 anos de vida com quase 80 livros publicados. Já vendeu cerca de 23 milhões de livros. No Território Jovem, o maior experiente dos autores brasileiros falará para os seus jovens leitores. Um autor que já foi professor, ator, diretor, cenógrafo, jornalista e, desde 1983 encanta jovens de todo o país com suas encantadoras histórias. 

27/05 
 12h 

 Autor:  Maurício Kubrusly 
Mediador:Jozane Faleiro

  As viagens são verdadeiras descobertas. Mas como é viajar para uma cidade ou um país do mundo com uma pauta na agenda, um cinegrafista e todas as surpresas lhe esperando? Os desafios das entrevistas, o inesperado do lugar e a alegria de fazer disso uma reportagem bem feita e divertida são os assuntos que Maurício Kubrusly vai abordar neste “Território Jovem”. E depois de tudo, outro desafio: verter esta experiência para os livros.

LIVRO ENCENADO

26/05 
 18h 

Felicidade
 Autor:  Antonio Calloni 

 Leitura dramatizada de trechos selecionados de obras de importantes escritores brasileiros.

MUNDO DOS LIVROS

26/05 
 11h ; 12h30;14h

Aldeia de Histórias
 Autor:  Grupo Aldeia Teatro de Bonecos 
 Com bonecos, trecos e objetos, o espetáculo leva aos ouvintes, brincadeiras de faz de conta, parlendas, quadrinhas e histórias mágicas. 

26/05 
 15h ;16h

Histórias da Arca
 Autor:  Caravana Poética na voz e violão de Ana Cristina 
 Um roteiro singelo e divertido envolvente aos adultos, que foram embalados ao som da Arca de Noé, e hipnotizando os pequenos novos ouvintes. 

26/05 
 19h 

Vida de Viajante
 Autor:  Aline Cântia e Chico do Céu com a participação de Carlinhos Ferreira 
 O espetáculo propõe um passeio narrativo e musical pelo Brasil a partir da vida e obra do compositor Luiz Gonzaga 

27/05 
 10h ; 11h ; 12h30 ; 15h ; 16h

Histórias da Arca
 Autor:  Caravana Poética na voz e violão de Ana Cristina 
 Um roteiro singelo e divertido envolvente aos adultos, que foram embalados ao som da Arca de Noé, e hipnotizando os pequenos novos ouvintes. 

Fonte:

3º Congresso Internacional CBL do Livro Digital (A cadeia produtiva de conteúdo do autor ao leitor)


"Nos dias 10 e 11 de maio fechamos mais um ciclo do consistente processo de amadurecimento do setor editorial brasileiro, com a conclusão do 3º Congresso Internacional CBL do Livro Digital – que nesta edição teve por título “A nova cadeia produtiva de conteúdo – do autor ao leitor”. 

Realizado menos de um ano após a última edição, o evento mostrou os rápidos avanços obtidos na área, em termos teóricos e práticos, o que pôde ser identificado nas apresentações proferidas por nossos palestrantes, bem como pela qualidade das discussões que ocorreram. 

Como muitos constataram, vivemos um momento de quebra de paradigmas. Diferentes visões, porém complementares, foram apresentadas nas mais de vinte horas de palestras desenvolvidas por 22 convidados, em sua maioria personalidades internacionais. 

Como era de se esperar, nem todas apontaram para uma mesma direção. E é bom e natural que seja assim. Essa é, inclusive, uma das características do momento de incertezas e de incontáveis oportunidades em que vivemos.
A começar por um fato simples, mas muito relevante. Embora muito se fale sobre as mudanças provocadas pelo advento do livro digital, a essência que caracteriza a produção editorial continua a mesma: seja no físico ou no eletrônico. Não há bons livros sem boas ideias, criatividade e, principalmente, conteúdo consistente. 

Isso não significa, é claro, que o formato digital não irá acrescentar novas experiências ao leitor. As possibilidades criadas pela tecnologia são instigantes e pensar em um formato mais interativo, intertextual e multimídia para o livro não nos parece um absurdo. Pelo contrário, esta é uma tendência que, cada vez mais, transformará o livro e o deixará em um formato mais interessante para as novas gerações.

Presenciamos um momento de “disruption”, termo que poderia ser traduzido para o português como “desmoronamento de paradigmas”. Como aconteceu no passado, o surgimento dos e-mails reforçando a correspondência impressa e outros avanços tecnológicos como o DVD e BluRay no lugar dos vídeos cassetes e, agora, os tablets e e-readers. Com a chegada dos livros digitais, apresenta-se uma nova opção de relacionamento com o livro, que passa a adotar uma roupagem a mais: a digital. 

Como todas essas mudanças, que causam a princípio incertezas e dúvidas, devemos enxergar os novos conceitos como oportunidades de crescimento e resgate de valores, por mais inovadores e revolucionários que aparentam ser em um primeiro momento.

Cabe ao setor livreiro aproveitar tais possibilidades, desenvolvendo vertente mercadológica com imenso potencial. E não podemos deixar de destacar que o futuro do País está na Educação. Para que esta Educação seja efetiva, é preciso que esteja embasada em conteúdo edificante, seja absorvida por meio de livros impressos ou digitais, pois o importante é o seu conteúdo enriquecedor, aquele que abre as mentes e desenvolve o ser humano. 
Para o Brasil se apropriar desta nova tecnologia, precisa evitar soluções mágicas ou populistas. O País deve aprender com os erros cometidos por outros países e adquirir conteúdo acreditando na capacidade do nosso mercado editorial em fornecer bons produtos, nos moldes do que faz com o bem-sucedido Programa de compra e distribuição do livro didático (PNLD).

Para que isso seja possível, a ideia de que o digital deva ser gratuito precisa ser combatida e os direitos autorais garantidos. Nesse sentido, é função dos autores, editores, livreiros e representantes dos demais elos da cadeia produtiva do livro valorizarem e defenderem as regras que regem esse novo mercado, pois, como sabemos, sem respeito à propriedade intelectual, a economia criativa não existe.

Para que haja qualidade é preciso qualificação. E, para que haja qualificação, é necessário investimento. É necessário aproveitarmos esse momento de definição de novos conceitos para arriscar, errar e construir, paulatinamente, o novo caminho que se abre. Como ninguém tem a fórmula para o sucesso, o primeiro a descobri-la será muito bem recompensado, pois sempre haverá leitores dispostos a assimilar ricos conteúdos.

Todo esse processo, obviamente, muda por completo o “negócio do livro”, desde a concepção do conteúdo até a forma como vendemos cada exemplar, passando pela distribuição, precificação e estratégias de marketing e divulgação. 

No entanto, mais uma vez, não há regra ou lição a ser seguida. Por isso, a mensagem que queremos deixar aqui é a de que cada um deverá, a partir de agora, construir sua própria história. Ou, como bem definiu Washington Olivetto em sua palestra, “o Brasil parece não ter sido descoberto, mas sim escrito. E, já que estamos escrevendo esse País, vamos escrevê-lo com criatividade, qualidade e educação”.

Agradeço a colaboração de todos os envolvidos com a criação, organização e realização deste Congresso, que mostrou ao que veio, tanto pelo rico conteúdo como pelo brilhantismo de seus participantes.

Gostaria de destacar o profissionalismo e empenho de toda a equipe da Câmara Brasileira do Livro e de seus colaboradores diretos e indiretos, que permitiram a realização bem-sucedida de mais esta edição do Congresso Internacional CBL do Livro Digital. E também a demanda de nossos associados e entidades do setor que mais uma vez prestigiaram nosso encontro e ratificaram esse sucesso.

Já estamos ansiosos pela quarta edição, que, com certeza, estará cheia de novidades e experiências."


Karine Pansa 
Presidente da CBL 

Fonte:
Câmara Brasileira do Livro

Câmara Brasileira do Livro (Cursos da Escola do Livro)

O curso Os leitores têm megafones: como dialogar com consumidores de livros nas redes sociais, oferecido pela Escola do Livro, da CBL, acontece terça-feira, 29 de maio, das 9h30 às 13h30.

O objetivo é explicar as mudanças nas relações editora/autores com os leitores, após o crescimento das redes sociais e apontar técnicas para se comunicar eficientemente com consumidores de livros em redes sociais.

O curso será apresentado por Verena Petitinga. A empreendedora e gestora de negócios digitais passou recentemente pela Infoglobo, atuando como gerente de Novos Negócios e sendo responsável pela gestão da rede social O Livreiro. Com experiência em arquitetura da informação, planejamento e desenvolvimento de novos produtos, Verena passou por agências e empresas em várias cidades do Brasil, sempre em busca de novas culturas e sotaques. Trabalhou como arquiteta e planejamento na Agência Click, no UOL e na Locaweb e em marcas como SKY, Governo de Pernambuco e SBGames, adquirindo conhecimentos sobre como os usuários se relacionam e "experienciam" produtos digitais. Verena é graduada em Comunicação Social, pela Universidade Federal da Bahia, iniciou mestrado em Psicologia Cognitiva e possui pesquisas na área de aprendizado, cultura jovem, interações e jogos eletrônicos.

Mais informações e inscrições para o curso podem ser obtidas pelo e-mail: escoladolivro@cbl.org.br ou pelo telefone (11) 3069-1300.
––––––––––
Produção e comercialização do livro digital

Em parceria com o Publishnews, a CBL oferece o curso no dia 14 de junho, 5ª feira, das 9h30 às 18h. O curso apresentará a produção de livro de forma diferenciada do formato tradicional e abordará a distribuição e comercialização de conteúdo.

Será ministrado por Camila Cabete. Com formação clássica em história, ela foi responsável pelo setor editorial da Editora Ciência Moderna. Entrou de cabeça no mundo digital editorial ao se tornar responsável pelo setor editorial e comercial da primeira livraria digital do Brasil, a Gato Sabido. Hoje é a responsável pelo pós-venda e suporte às editoras e livrarias da Xeriph, a primeira distribuidora de conteúdo digital do Brasil. Foi uma das fundadoras da Caki Books (@CakiBooks), editora cross-mídia que publica livros em todos os formatos possíveis e imagináveis. Possui uma start-up: a Zo Editorial (@ZoEditorial), especializada em consultoria para autores, editoras e livrarias, sempre com foco no digital. Colunista da Publishnews (www.publishnews.com.br) e Revolução eBook (revoluçãoebook.com.br).

Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail escoladolivro@cbl.org.br ou pelo telefone (11) 3069-1300.

Fonte:
Câmara Brasileira do Livro

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Lóla Prata (O Analfabeto Limpador de Livros)


Lóla é de Bragança Paulista/SP
5. Lugar no Concurso de Poesias Carlos Cezar 2012
Versos leoninos, separados em setissílabos


A tristeza enfileirada
se expunha ao olhar miúdo
de uma pessoa frustrada
que erguia um pano felpudo.
Dos livros, o cuidador
analfabeto indivíduo
lhes dava alto valor
e abominava o resíduo.
A poeira já fizera
um colorido cinzento;
na ousadia se aglomera
na estante em esquecimento.
Esse limpador começa
retirando cada um,
bem devagar... não se apressa.
Tem um capricho incomum.
Odeia o mofo, as traças
que enfeitam as prateleiras,
persegue os de carapaças,
liquida as pragas rasteiras.

Tira os fungos com cuidado
como cirurgião doutor
cada livro é restaurado
recuperando o frescor.
Os volumes vão brilhando
com novo fulgor externo
para ficar encantando
o ambiente amoderno.
Vendo todo aquele viço
o homem se regozijou:
completado seu serviço
com a alma se emocionou.
Saudades do velho dono
admirável escritor
cujos livros no abandono
do que fora antigo amor.
Morrera assim, de repente,
sobre um compêndio qualquer
com uma cara de contente
sem nenhuma dor sequer.

Deixara então, de herança
ao caseiro dedicado,
uma estranha segurança
por ter-lhe histórias contado.
E este, mesmo sem ler
e nem era capaz disso,
pelo menos o saber
chegou por meio postiço.
Sua falta de leitura
pois isso não conseguia,
com a douta criatura
na conversa se supria.
A grande biblioteca
com livros de todo o teor
não ia levar-a-breca
enquanto houvesse vigor.
lembrava da Capitu
de quem tinha certa raiva
de parte com belzebu,
a julgava muito laiva.

Dom Quixote e Sancho Pança
dupla esquisita, engraçada,
com uma certa semelhança
com seus amigos da praça.
Versos bons de Coralina
lá dos becos de Goiás
eram de velha-menina
de alguém muito vivaz.
Jonathan, de Adélia Prado
desconfiou ser Jesus
que o deixou encafifado
a desejar ter mais luz.
Bem, a vida do africano
Agostinho, o pensador,
depois ficou puritano
mas antes, que pecador!
E a História do Brasil?
Coisa linda, sim senhor,
Pedro Cabral foi viril,
enfrentou o exterior.

E o outro Pedro, o Segundo,
um menino imperador,
muito valente, foi fundo
mas nem sempre vencedor
e aquele poema lindo
que fala café-com-pão,
esse sim, o deixou rindo
o distraiu da função.
De Júlio César, romano
que amava fazer guerra,
um perverso e desumano
a toda gente da Terra.
Dentre os contos se lembrava
de O Capote, genial,
muito antigo, calculava;
de certa forma, atual.

Cansado demais estava
agora, com a tarde finda;
de uma cama precisava
e pela noite bem-vinda
já a queria em vigília
respirando bem no fundo;
e foi lá perto da pilha
de todos os livros do mundo
que o analfabeto caiu
muito exausto de saudade
daquele alguém que partiu.
Foi vê-lo na eternidade!

Fonte:
http://caeseubt.blogspot.com.br/

Cleonice Rainho (Caderno de Poemas)


INFÂNCIA

Sou pequeno
e penso em coisas grandes:
pomares e mais pomares,
jardins de flores e flores
e pelas montanhas e vales
grama verdinha e bosques,
com milhões de árvores
e asas de passarinhos.
Rios e mares de peixes
— aquários largos e livres
— ar dos campos e praias,
a manhã trazendo o dia
com o sol da esperança
e a noite de sonhos lindos,
nuvens calmas, lua e astros,
minhas mãos pegando estrelas
neste céu de doce infância.
E pelas estradas claras
meu cavalinho veloz
no galopar mais feliz:
— eu e ele sorrindo,
levando nosso cristal
para os meninos do mundo.

A ÁGUA

Subterrânea e purificada
por um filtro natural,
a água vem,
jorra nas fontes,
faz gluglu nas torneiras
para nosso bem.

Água de silêncio
dos remansos e lagos,
mar, rio, cachoeira
que se despenha
em borbotões —
força motriz
e energia também.

Na pia batismal,
no corpo e no campo,
na flor e no fruto,
na seiva e no sumo,
no orvalho e no vinho,
a água
faz leito e caminho
de bela missão.

ANGORÁS

Coelhinhos brancos,
no parque,
correm e brincam.

Ágeis patas,
orelhas alertas,
pontilhando o ar.

Alvíssimos, fofos,
olhos de contas,
sutilizam-se
no verde, veja-os:
Dois coelhinhos
de carícia
e Paz.

ALVO

Companheiro,
vem beber a branca espuma
desse mar de carneiro que me toca

e colher as coisas transitivas
que ora viajam para o meu espírito

Vem ser o obreiro-irmão da cidade azul
onde bordaremos puros capitéis

e aprender os discursos de meu timbre
acertando o alvo de alvas direções

Vem abrir comigo este pombal
sentir o que do traço das asas subsiste

a envolver-nos nos fios desta tarde
em que a Paz se oferece como pão.

A BORBOLETA AZUL

Nosso jardim é uma festa
de borboletas:
pequenas e grandes,
listradas,
amarelas e pretas
e uma pintadinha
que é uma graça.

Mas a azul, azulzinha,
a preferida,
é como se fosse
minha filhinha:
vi-a nascer da lagarta,
virou crisálida,
depois borboleta.

Quando voou
pela primeira vez
bati palmas: Vivô!!!

Voa e volta leve,
azul, azulzinha
e pousa num cacho
de rosas brancas
sua casinha.

Às vezes se ajeita,
mansinha,
tomando a forma
de um coração.

Seu corpo sedoso,
macio,
parece vestido
com pano do céu.

A CALÇADA

A calçada da minha rua,
de pedra portuguesa,
preta e branca, já se vê,
que é bonita é,
mas não dá pra jogar maré
e eu já descobri por quê...

Tem desenhos lindos:
— Uma estrela que lembra luz
e ilumina meus pés
na sandália que reluz;
— um trevo de quatro folhas
que dizem dar sorte...
Será que dá?
Passo sobre ele
prá lá pra cá.
— Um dragão sossegado
porque não é de verdade.
Se fosse, nos dias de chuva,
saltava da calçada
e ia embora na enxurrada.
Pulo sobre ele: Plim... plom... plão!
Ôi, dragão! Não tenho medo, não!

A FLORESTA

A floresta é fortaleza
de verdes castelos.

Unem-se as copas
em tetos curvos
verde variado, veludo
— abóbada de beleza —
que lenhosas colunas
sustentam.

Farfalha o vento em volta
da folhagem fechada,
onde nem o sol pode penetrar.

Sobem heras,
descem lianas
que se alastram às raízes,
entre musgos e nascentes,
brotando nas sombras.

Mora o silêncio
nas grutas de mistério.

Mas a vida vem,
vem de pios, cicios,
estalos, rumores,
alaridos, zumbidos,
entre mil aromas
de resinas e flores.

A vida vem
dos pássaros que cantam
e dos ninhos pendurados
nos ramos.

ABC DA FLOR

Flor-abelha
Flor-alegria
Flor-alimento
Flor-amor
Flor-beleza
Flor-borboleta
Flor-colibri
Flor-orvalho
Flor-perfume
Flor-silêncio
Flor-sonho
Flor-vida,
Vida de flor.

A PIPA E O VENTO

Aprumo a máquina,
dou linha à pipa
e ela sobe alto
pela força do vento.
O vento é feliz
porque leva a pipa,
a pipa é feliz
porque tem o vento.
Se tudo correr bem,
pipa e vento,
num lindo momento,
vão chegar ao céu.

Fonte:
http://artculturalbrasil.blogspot.com.br/2009/02/cleonice-rainho.html

Leo Cunha (O Sabiá e a Girafa)


Leo Cunha nasceu em 1966, na cidade de Bocaiúva, em Minas Gerais e formou-se em Jornalismo e Publicidade pela PUC de Belo Horizonte. Em 1994, recebeu com “O Sabiá e a Girafa” os prêmios Bienal Nestlé, Jabuti e Ofélia Fontes - O melhor para a criança -, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Além de escrever vários outros livros de contos e poesias (muitos também premiados), ele é tradutor e redator publicitário.
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O SABIÁ

Sabia que o sabiá sabia assobiar? Dizia o meu avô. Sabia que o sabiá sabia avoar? Avoa, vô, avoa. E de ave ele entendia.

Mas o sabiá da minha história não sabia avoar. Assobiar ele sabia. Mas, que mais batesse as asas, o sabiá não subia.

Avoa, sô, avoa! O pobre não decolava. Pulava lá do galho, aterrizava na bacia.

Não desistia o sabiá. Saltava, caía, pulava, caía, tentava, caía. Sabiá na bacia. À toa, sô, à toa. Todo mundo até ria, mas no fundo já sabia: o sabiá não sabia avoar.

Vivia a assobiar seu apetite: comer o ar, caber no ar.

Passar por cima das casas, das ruas, das gentes, do medo.

Passar de passarinho, passear devagarinho, sem pra onde nem caminho. À toa, à toa, a esmo. Só queria mesmo avoar.

Sonhos também havia. Asas arranhando a barriga das nuvens, vôos atravessando a manhã vazia. Mas, entre as trapaças da brisa, o sabiá não saía.

Assobiava que eu nem te conto. Antes, o canto de tenor, a cor na noite escura. Depois, o canto de temor, a dor da falta de altura. Cantava que eu nem te canto, o sabiá desencantado.

Dias de sonhos rasantes, noites de sono arrasado. Mas ele, ressabiado, teimava em assobiar. Dorremifava macio, no galho ou na bacia, o desejo de avoar.

Um dia, o sabiá dizia, um dia eu consigo avoar.

A GIRAFA

Girafa o meu avô não conheceu. Nunca teve o prazer, não foi apresentado. Mas o velho deitado dizia: filho de peixe, peixinho é.

Isso vale pra outros bichos. Girafa também é sempre igual.

Nada fala, tudo espia. Sem um pio, sem um fio de voz. Só em riso e pensamento, ironiza o mundo no andar de baixo.

Mas a girafa da minha história era muito diferente. A muda queria mudar. Não o mundo, mas a vida. Queria enganar o silêncio que lhe esganava a garganta. Queria encolher a dor de não escolher as palavras. Queria desemudecer.

E não bastava soltar umas palavras no vento. Também sonhava em cantar. Sonhava encantar o dia, molhar as tardes de poesia, melar o canto da noite com doces melodias.

Prestava atenção no trovão, no temporal, na ventania.

Tentava imitar o azulão, o rouxinol, a cotovia. Mas a voz não derramava. Então reclamava baixinho: para que tanta altitude, pra cantar só passarinho?

A girafa andava injuriada. Andava toda a cidade, do alto dos seus andares, adorando a paisagem. Mas ficava na saudade o canto de homenagem.

Um dia, jurava a girafa, um dia eu consigo cantar.

O SABIÁ E A GIRAFA

O encontro se deu por acaso, por acaso o deus dos encontros.

O sabiá resolveu chorar no alto de um pé de caju. A girafa se lamentava no baixo daquele pé. Uma árvore muito esquisita, mas desgosto não se discute.

Estavam os dois ali. Os dois no mesmo pé. Ela vendo o que não cantava. Ele cantando o que não conhecia. Ele queria saltar nas alturas. Ela sonhava assaltar partituras.

E a dupla melancolia - ou foi a tal natureza? - tratou de cruzar os caminhos. A sabedoria do vento mandou o sabiá pro espaço. Pra ver se ele avoava. Pra ver se acertava o compasso, o sabiá avoado.

Mas ele caiu de cabeça na cabeça da girafa. Silêncio. Sabiá assustado. Contudo, depois do susto, o coitado gostou do que viu. Cada passo da girafa passeava ele no céu. Cada girada do pescoço, um horizonte descoberto. E ele recomeçou a cantar.

A girafa ficou fascinada. Aquela voz afinada soltou sua cara amarrada. Desfez a careta enfezada. Ofereceu então moradia ao dono de tal melodia, de canto tão doce e terno. E o canto do sabiá virou o seu canto eterno.

O sabiá ficou morando na cabeça da girafa. A girafa, namorando o canto do companheiro.

Minha história acaba aqui. Mas a dos dois continua, sem platéia nem juiz, depois do final feliz.

Fonte:
Leo Cunha et al. Meus primeiros contos. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2001. (Literatura em minha casa vol. 3)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 559)


Uma Trova de Ademar

Ser grato eu sei que redime,
é um ato de louvação;
não há gesto mais sublime
que um gesto de gratidão.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Passei minha vida ouvindo
sons de várias gerações.
Não conheço som mais lindo
que o silêncio dos canhões!
–HÉLIO DE CASTRO/PR–

Uma Trova Potiguar


Olhando pela janela,
sozinho, do meu recanto,
olho bem nos olhos dela
refletindo o seu encanto.
–GONZAGA DA SILVA/RN–

Uma Trova Premiada


2003 - Niterói/RJ
Tema: CONQUISTA - Venc.


Se a mão da treva se estende
em meu caminho e me alcança,
na chama que Deus me acende
conquisto nova esperança.
–ELEN NOVAIS FELIX/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Saudade – lâmpada acesa
no altar da recordação,
onde a ternura e a tristeza
rezam a mesma oração!
–COLOMBINA/SP–

Uma Poesia


Lembro mãe, lembro pai e meus irmãos,
lembro tudo qual fosse um dossiê;
eu sentado num banco de uma escola
e hoje aqui eu confesso pra você
que a primeira emoção da minha vida
foi pegar numa “Carta de Abc”...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

O Segredo da Vida
–HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–


Quando rapaz, amigo dos amigos,
não cometi, jamais, um ato falho...
tratei com cortesia aos inimigos,
- Desses gratuitos, que nos dão trabalho!...

A alguns, com frio, cedi agasalho
amenizando-lhes pobres abrigos...
e, aos abastados, levei pelo orvalho
em serenatas, nos moldes antigos!

Passado o tempo, ao recordar de tudo,
sinto, em minha alma, afagos de veludo
por todo o bem que faço e me compraz...

Tantas lembranças, boas de verdade,
ainda me mostram que, na realidade,
o Segredo da Vida está na Paz!

Roger Mello (Meninos do Mangue)


Vou dizer todas as coisas
que desde já posso ver
na vida desse menino
acabado de nascer:

aprenderá a engatinhar
por aí, com aratus,
aprenderá a caminhar
na lama, com goiamuns,

e a correr o ensinarão
os anfíbios caranguejos,
pelo que será anfíbio
como a gente daqui mesmo.

João Cabral de Melo Neto
“Morte e vida severina”


A Sorte e a Preguiça foram pescar siri no mangue. Cada uma com o seu puçá. As duas descruzaram as pernas, cruzaram outra vez e se espreguiçaram na ponte. Uma olhou demorado para a outra, enquanto dois siris, dentro de um balde, não tiravam os olhos das duas.


Vez por outra, a Sorte atirava o puçá na água, esperando que outro siri caísse na rede. Mas a espera poderia ser grande demais, até mesmo para a Preguiça, que achava engraçado encher o ar com bocejos. A ponto de quase irritar a outra. Então a Sorte ficou de pé:

- Estou com fome!

- Pensei em contar uma história, mas se você preferir podemos levar os siris para cozinhar.

O balde deu uma tremidinha nesse momento.

- Primeiro a história, Preguiça.

- Então muito bem... Já lhe contei dos doze meninos?

A Sorte disse que não, depois esticou as pernas e apoiou os cotovelos na posição de escutar.

História à toa, sem importância

Eram doze meninos correndo e gritando. Passaram todos os doze por mim, ainda há pouco, e quase me derrubaram. Só vendo! A pior hora para correr pelo mangue. A maré cheia sai transformando tudo em ilha: barracos, pessoas, montes de lixo. O bando corria atrás do menino mais velho, que encontrou um robô de brinquedo. Robô supersônico, acendia luzinha e tudo! Quer saber? Até a melhor brincadeira do mundo cansa. Com um robô supersônico, principalmente do tipo que acende luzinha e mexe os braços, a brincadeira parecia que não ia cansar nunca. Mas o menino mais velho era o estraga-prazer do Zecão, que resolveu levantar o robô fora do alcance de todos, decretando fim de jogo. Brincar de quê, então?

- Telefone-sem-fio! Mas o Zecão não pode brincar.

Zecão disse que não participava mesmo dessa brincadeira de criança e sentou-se meio afastado.

Os outros meninos se apoiaram na cerca, por ordem de tamanho. O menino da esquerda pensou um pouco, depois sussurrou uma frase no ouvido do menino seguinte. A frase foi andando:

- Zecão encontrou o robô no lixo. Depois a gente pega dele. Passe adiante.

- Zecão encontrou o robô no lixo. Depois a gente pega dele. Passe adiante.

- O cão encontrou um robô no lixo. Depois a gente pega dele. Passe adiante.

- O cão ladrão rolou no lixo, pois achou que era dele. Passe adiante.

- O quê! Não entendi direito... O cão do ladrão achou que era lagartixa de parede. Passe adiante.

- Quando o ladrão achou a lagartixa, ficou contente. Passe adiante.

- Quanta lagartixa no mundo, minha gente. Passe adiante.

- Cauda de lagartixa mexendo na areia quente. Passe adiante.

- Cauda de lagartixa no misto-quente. Passe adiante.

- Cauda de lagartixa no misto-quente?

- Cauda de lagartixa no misto-quente! – disse o último menino, em voz alta.

- Qual foi a primeira frase mesmo?

- Zecão encontrou o robô no lixo. Depois a gente pega dele.

Todos riram, menos Zecão, que ameaçou:

- Brincadeira sem graça. Se eu me aborrecer, vocês vão ver só.

- Agora começa quem falou por último!

Josimar, que era o menino mais novo, cochichou, com a mão na boca:

- A irmã do Zecão ia casar hoje, e o noivo sumiu. Passe adiante.

- A irmã do Zecão ia casar hoje, e o noivo sou eu. Passe adiante.

- A irmã do Zecão ia catar ostra, e o noivo sou eu. Passe adiante.

- A irmã do Zecão foi catar ostra, tropeçou e morreu. Passe adiante.

- Traíram Joaquim José, cá pra nós não fui eu. Passe adiante.

- Tadeu, Joaquim e José foram comprar café.

- Taí no que deu, José comprar café. Passe adiante.

- Tem mosquito no meu pó de café. Passe adiante.

- Tem mosquito no pó de café? Passe adiante.

- Dezembro não pode chover. Passe adiante.

- Dezembro não pára de chover! - o último menino gritou.

Josimar riu:

- Totalmente diferente do que eu disse.

- Qual foi a primeira frase, Josimar?

Josimar ia falar, mas mediu Zecão da cabeça aos pés e desistiu...

- Fala, Josimar.

- Diz logo a frase, Josimar.

Josimar tremeu:

- Uma frase boba, brincadeira de criança...

Zecão bafejou na cara do coitado:

- Agora eu faço questão de saber. Qual foi a primeira frase, Josimar?

- A-a irmã do Z-Zecão ia casar hoje, e o noivo sumiu. Pronto, falei.

A princípio, Zecão não reagiu, talvez porque aquela história do casamento da sua irmã fosse verdadeira. Teve um calafrio, misto de raiva com cauda de lagartixa. Depois franziu a cara toda. Os outros esperando por sua reação. Josimar correu, e Zecão saiu furioso atrás de onze crianças.

A verdade é que a irmã de Zecão ia casar mesmo, o noivo sumiu, e ela não estava nem aí. (Mas isso já é outra história.)

Todos os onze apanharam.

Zecão, além de mais velho, era o mais forte, e o mais forte quase sempre tem mais sorte.

A Sorte e a Preguiça, displicentemente, quatro pernas balançando, penduradas na ponte. A Preguiça começou a bocejar novamente, a ponto de quase irritar a outra que, mais que depressa, exigiu uma história nova. Ainda no meio de um espreguiçamento, a Preguiça desatou a contar:

Teimoso
Não vou mentir para você. De vez em quando, mas muito de vez em quando mesmo, eu fico bamba de sono - nada pior do que ter sono e não ter lugar para se deitar! Eu andava pelo mangue. O chão coberto de garrafas de plástico refletia o sol mil vezes. Nenhuma rede ou esteira, nem mesmo um chãozinho mais ou menos reto, nada. O sapato me apertava, a cabeça rodava, e na casa dos outros é que eu não ia entrar. Acabei me sentando num barco. Então a idéia me veio: um barco, é claro! Um barco macio e sequinho, parado num monte de terra, como um berço encalhado. Quando vi já estava deitada; pequena que eu sou, coube sob medida, e dormi o sono dos justos.

Acordei no susto. Esfreguei os olhos: cadê o monte de terra? Tinha sumido. Esfreguei de novo: o barco não estava amarrado, balançava gostoso em meio à maré que subiu enquanto eu dormia. Não é preciso dizer que eu estava longe, e desesperada, à procura de um remo.

Fui remando com as mãos até alcançar um galho submerso. Me apoiava em cada obstáculo, uma raiz de mangue, um suporte de rede, outra raiz.

Ouvi uma gritaria bem atrás, e logo percebi que a coisa era comigo:

- Este barco é meu!

Na voz de um velho, que vinha numa traineira. A má notícia é que o velho tinha uma espingarda e nem um pingo de paciência. Tentei explicar que tudo não passava de um mal-entendido, mas o vento batia de lá para cá, e eu, com essa mania de falar contra o vento. Foi quando o primeiro tiro disparou, depois outro. Num instante, eu estava deitada de costas, as mãos na nuca. A correnteza me levando - adoro correnteza.

Acredita que eu dormi de novo? No meio dessa situação de risco? Dormi. Só levantei ao ouvir outros tiros bem ao longe. A salvo da espingarda, porém, com o barco à deriva. Nada mais a fazer, me recostei e peguei no sono.

Fui acordada quando alguém puxou o barco para a margem de uma ilha. Saltei fora já com as mãos para o alto, implorando perdão. Mas quem estava à minha frente não era o velho da traineira. Era um rapaz, falando pelos cotovelos:

- Preciso de ajuda!

- Calma, Piaba! (Piaba era o nome do rapaz.) Primeiro vou amarrar este barco. Ajuda para quê?

- Para convencer um teimoso.

Uma proposta inesperada, mexia com minha imaginação. E continuou:

- Você vê aquele homem com o braço todo enfiado na lama?

- Vejo.

- Ele está ali parado há horas, dizendo que conseguiu apanhar o maior caranguejo do mundo.

- E por que não sai?

- Porque o maior caranguejo do mundo tem muita força e não se deixa apanhar.

- Se a disputa é entre ele e o caranguejo, melhor a gente não se meter.

Então Piaba me explicou que o teimoso tinha um casamento marcado, que todos estavam esperando por ele (mas isso já é outra história). Pior: que duas horas atrás, aquela ilha onde nós estávamos não era ilha coisa nenhuma. Era um monte de lama e dali a pouco seria toda coberta pela maré. Dito isto, Piaba entrou no barco. Andei na direção do teimoso, que nem me deixou começar:

- Não saio daqui sem o caranguejo.

Fiquei calada, de cócoras.

- Não adianta insistir... Seja você quem for... O caranguejo é pesado, mas tenho ele bem preso na mão... Pelas costas... Lá no fundo... Não pode fugir!... Não tem jeito.

Ia se justificando.
Eu, pensando.
A maré enchendo.
O barco já balançava, cercado de água.

Piaba rapidamente desamarrou a corda e fez um adeus. Dei três pulos e gritei:

- Piaba, esse barco não é meu!

- Adeus!

- Esse barco não é meu!

Não é que o danado do Piaba conseguiu um remo? Acenou:

- Adeus!

- Esse barco é meu!

Isso não fui eu que disse, foi o velho na traineira.

- Esse barco é meu!

Dois tiros para o alto, de espingarda.

Piaba fugiu remando, sem entender por quê. Nada mais a fazer, pude assistir à traineira e ao barco sumindo no horizonte. Mas a maré veio encostar no meu pé. A essas alturas, o teimoso tinha o corpo todo coberto de água, somente a cara para fora. Fiquei com um pouquinho de raiva:

- Não tem nada aí dentro, muito menos caranguejo maior do mundo.

- Tem sim.

- Vai ou não vai soltar esse caranguejo?

- Nem pensar.

Tive uma crise de nervos, um desespero, sei lá o que eu tive. Só sei que falei trezentas coisas ao mesmo tempo. Bati com o pé no chão inundado, espirrando água por todos os lados. Na confusão, o teimoso reagiu:

- Mexeu, o caranguejo se mexeu!

- O que eu posso fazer para você desistir dessa idéia fixa?

- Tem uma coisa...

- Me diga o que é.

- Eu sempre quis saber por que a maré sobe e desce.

- Isso eu sei! Pode soltar o caranguejo que eu começo a contar! Isso eu sei!

- Blub blub. Conte primeiro, blub, se eu ficar satisfeito, eu solto, blub.

Tempo para perder era o único apetrecho de que a gente não dispunha. Contei tudo. Contei por que a maré sobe e desce, em todos os pormenores. Com um pouco de pressa, mas em todos os pormenores. Uma palavra esbarrando na outra, mas em todos os pormenores. E ainda assim, sem enfeites desnecessários ao desenvolvimento da trama.

Ao final da história, só se via a orelha do teimoso saindo da água. Ele soltou o caranguejo e foi arrastado por uma onda imensa.

Eu, que nem tinha acreditado naquela coisa de maior caranguejo do mundo, vi a lama se remexer num coice gigante. O solavanco foi tão grande, diga-se de passagem, que nos atirou correnteza adentro. O teimoso e eu só paramos bem à frente, numa barreira feita de pneus, perto daqui. Ele foi levantando apressado:

- Estou atrasado para o casamento.

Antes de sair, me disse que teve um dia cheio. Perseguindo o maior caranguejo do mundo, acabou por deixar escapar uns trinta e tantos caranguejos que pegou antes.

- Bom casamento! - gritei. - Espero que dessa vez tenha mais sorte!

A Sorte espirrou na Preguiça:

- Vira essa gripe para lá.

- Sou alérgica, não é gripe.

- Alérgica a quê, pode-se saber?

- A história malcontada. Por que raios é que a maré sobe e desce?

- Não consegue disfarçar. Isso eu tomo como um elogio, a Sorte louca de curiosidade...

Por isso a maré sobe e desce
Nem bem a Maré se casou e uma trouxa de roupa suja a esperava, atrás da porta.

Seu marido foi logo se desculpando:

- É a roupa de uma semana de trabalho que precisa ser lavada.

Conversa manjada, isso sim, a Maré ficou tiririca. Xingou o marido disso, daquilo e sentenciou:

- Lave você a sua roupa!

- Tenho alergia a sabão.

- Então vista roupa suja! Sua roupa é que eu não lavo!

E foi para o quarto chorar.

O marido trabalhava longe e voltava sempre uma semana depois, trazendo mais roupa. A trouxa ficava cada vez maior.

Mal ele chegava, a Maré novamente desatava no choro. E por provocação, trazia suas próprias roupas sempre cheirosas, passadas a ferro, os vincos arrematados com perfeição. Foi numa dessas idas e vindas que o marido lhe trouxe uns tais pasteizinhos. O recheio era de carne bem branca e macia. A casca crocante, preparada com a mais fina farinha de que já se teve notícia. Eram pastéis diferentes, enfeitados com oito pernas, que insistiam em se mexer. A Maré não resistiu ao perfume. Abocanhou, de uma só vez, vários desses petiscos.

O marido sorriu:

- Fui eu que fiz, meu benzinho. Receita secreta.

- Muito bem, se você cozinhar eu lavo sua roupa.

- Você lava minha roupa e eu cozinho.

E até concordaram que era um trato bem justo, uma vez que a trouxa já nem tinha mais tamanho. Desde então, toda vez que a Maré põe uma parte da roupa para lavar, a água sempre transborda, inundando todos os mangues. Quando ela tira a roupa e pendura na cerca para secar, a água do mangue esvazia. Permanecendo assim durante seis horas, até o
momento de enxaguar outra vez. Só por isso a Maré sobe e desce.

Mas tem uma coisa que eu quase esqueci... No espaço de tempo entre a vazante e a enchente, a Maré sempre saboreava alguns daqueles pasteizinhos com pernas que brincavam mansos por entre seus dedos. De tanto achá-los engraçadinhos, a Maré resolveu não mais comê-los.

- A partir de agora vocês vão se chamar siris.

E não tendo filhos, achou por bem zelar pelos siris, provendo-lhes de duas armas poderosas: um par de pinças afiadas, feitas com pregadores de roupas. Depois deixou os siris caírem no leito do rio, ensinando-lhes a modalidade de nado que até hoje conhecem.

Siri-candeia, siri-comum, siri-patola. Os siris foram os primeiros a chegar com a enchente, mas isso já faz muito tempo. Foi depois do casamento da Maré. E eu fui dama de honra, por sorte.

A Sorte avançou na Preguiça:

- Mentira mentirosíssima. O sujeito da história anterior engoliu essa aí?

- Não só engoliu, como se encheu de lágrimas.

- Muito trouxa neste mundo! Tenho outra versão, bem melhor: antes de mais nada, a maré nunca foi de carne e osso, não se casou e siri também nunca foi pastel. Vê se esquece essa bobajada toda! A maré foi uma coisa in-ven-ta-da.

- Ha, ha.

- Silêncio! Foi inventada, sim, senhora. Para acabar com a tal divisão do dia em dois. Essa coisa ultrapassada de sol e lua, noite e dia. Nada disso! A partir de então, o dia se dividiria em quatro marés: maré alta - maré baixa, maré alta - maré baixa. E tem mais, quem criou a maré foi uma assembléia. Decreto-lei, assinado e registrado em cartório, a quem interessar possa, obrigado, não há de quê, ponto final.

- Essa é a sua versão.

- Agora, mudando de assunto... Quem vai trocar a água do balde dos siris?

- Aqui só estamos eu e você. E eu é que não vou.

Chega uma hora em que é preciso traçar algumas considerações sobre as manias da Sorte. De uma coisa todo mundo já sabe: a Sorte pensa que tudo se resolve com um passe de mágica. Mas ela morre de medo do sobrenatural, preferindo atribuir alguns feitos às artimanhas do Acaso. Quer ver só?

Quem acorda mais cedo e assopra a nata do leite? Quem elabora a trama dos sonhos? Quem
corta a melancia em cubos e elimina os caroços? Quem? O Acaso, ela pensa, uma vez que todas essas coisas já deviam vir prontinhas da fábrica. Se a Sorte pudesse escolher um funcionário assistente, escolheria o Acaso. Muito competente, muito bem-humorado e discreto, muito discreto, o Acaso. Ninguém repara nele, tem gente que acha até que ele não existe. Quando se vê, algo de extraordinário já aconteceu. Mas voltemos à pergunta que ficou esperando:

- Quem vai trocar a água do balde dos siris?

- Aqui só estamos eu e você. E eu é que não vou. - Isso foi a Preguiça que disse.

- Vamos tirar no palito, então.

- Nunca mais faço aposta com a Sorte.

- Medrosa. Quer saber de uma coisa?

Pegou o balde e se levantou. Pela primeira vez, a Sorte, elazinha da silva, toma a iniciativa, deixando o Acaso de molho. Depois arregaçou a barra da calça e desceu da ponte. Maré baixando, beira do rio, a Sorte com água até os tornozelos. A calça pescando siri, a água dos siris na mesma temperatura da água de fora. O balde boiando no rio, tão perto, tão longe, para desespero desses crustaceozinhos azuis.

Mas o que interessa é a Sorte, seus pés, os olhos brincando de fazer foco aqui no balde, lá adiante, lá adiante, aqui no balde...

A Preguiça reclamou da demora.

- Só mais um minuto, Preguiça, meus pés estão na água.

Como se isso servisse de justificativa. Quer saber? Que justificativa melhor do que esta? Uma gostosura de água morna em volta dos pés, desafiando a curva mais inatingível, a dobra, a linha mais inescrutável, aquela entre o dedo mindinho e o seu-vizinho. Um peixe mordiscando de vez em quando... Silêncio, por favor! Naquele lugarzinho, a Sorte sentiu um arrepio esquisito como se decifrasse um enigma indecifrável. Ali, bestamente.

A Preguiça que aguardasse mais um pouco. Quem mandou? Podiam muito bem ter esperado a hora em que a maré encostasse novamente na ponte para trocar a água do balde, não podiam?

Mas os dedos dos pés da Sorte começaram a enrugar, culpa da mesma água morna gostosa de antes. Ou seja, hora de voltar para a ponte, hora de encher o balde, hora de levar os siris para cozinhar.

Foi só por descaso do Acaso que a Sorte e a Preguiça vieram ao mangue. Entre a cheia e a vazante, homens e mulheres se ocupam com seus afazeres. A Maré se ocupa de seis em seis horas. Meninos se ocupam com aratus, chiés, qualquer tipo de vida pequena. E todos, na falta do que fazer, se ocupam da vida dos meninos.

Depois de um punhado de histórias, a Preguiça e a Sorte deixaram o mangue famintas, debaixo da tarde de mosquitos.

Saíram ainda agora, à procura de uma lata furada e um bocado de brasas, levando dois siris para cozinhar.

Fonte:
Conta que eu conto (Ana Maria Machado, Angela-Lago, Daniel Munduruku, Heloisa Prieto, Roger Mello ; apresentação de Tatiana Belinky ; ilustrações de Mariana Massarani). - 1a. ed. - São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002. (Coleção Literatura em minha casa ; v. 2)

Cícero Alvernaz /SP (Noite Pequena)


Esta noite tão pequena
Para mim se fez mui grande:
Fugiu de mim o meu sono,
Fiquei só, no abandono.

Fiquei roendo ideias,
O amor foi remoendo,
Lá fora o galo cantava
E a lua no céu brilhava.

Eu virava para o canto
Tentando assim dormir.
Eu pensava em um verso,
Que fosse lindo, diverso...

Esta noite tão pequena
Para mim se fez mui grande:
Eu não dormi quase nada
Até alta madrugada.

Eu pensei em tanta coisa
Até cantei e dancei.
Me vi sozinho no escuro
Pulando um alto muro...

Quando a noite enfim passou
E o sol no céu despontava,
Fui achado pelo sono
Perdido, triste e sem dono.

Então dormi como um anjo.
Será que os anjos dormem?
Depois, porém, levantei
E estes versos rabisquei.

Fonte:
http://caeseubt.blogspot.com.br/

Guimarães Rosa (Conto de Sagarana: A Volta do Marido Pródigo)


Conto narrado em 3ª pessoa, sendo pois o narrador onisciente, não participa da história. Neste conto, farto em citações de lugares e personagens da região de Itaguara, assim como em Conversa de bois, os animais se transformam em heróis, questionando o saber dos homens com o seu suposto não saber.

Em A volta do marido pródigo, o autor descreve um ladino que vende a mulher para dedicar-se a aventuras na cidade grande, mas depois se arrepende, volta para sua região e, malandramente, reconquista sua posição e sua mulher.

O conto é uma paródia da "parábola do filho pródigo”, e apresenta traços de humor, presentes, principalmente, na maneira pela qual a personagem protagonista é caracterizada como malandro folclórico. Essa questão também é amparada na concepção de mundo às avessas presente na narrativa.

O que se percebe é que, no conto, não existe julgamento moral a respeito de nenhuma das atitudes de Lalino, que poderiam, segundo o senso comum, ser consideradas “más”. Também, as personagens do texto ditas respeitáveis são descritas como “não tão respeitáveis assim”. No entanto, em qualquer caso, a leveza e a ironia com que tais situações de desregramento moral são apresentadas amenizam a seriedade que o tratamento desses assuntos poderia assumir.

Na releitura de Guimarães Rosa há uma visão bem diferente daquela encontrada no ensinamento moral que a parábola pretendeu passar. No conto, o que importa é retratar a personagem do malandro, do típico brasileiro que, para tudo, dá um “jeitinho”.

Personagens

Lalino Salãthiel - todos o chamam de Laio. Mulato vivo, malandro, contador de histórias. Garante que conhece a capital, Rio de Janeiro, mas nunca foi lá. Certa vez, foi realmente conhecê-la.
Maria Rita - mulher de Lalino; trata-o com especial carinho.
Marra - encarregado dos serviços; depois que a obra acabou, mudou-se do arraial.
Ramiro - espanhol que ficou com Ritinha, a mulher de Lalino.
Waldemar - Chefe da Companhia.
Major Anacleto - chefe político do distrito, homem de princípios austeros, intolerante e difícil de se deixar engambelar.
Tio Laudônio - irmão do Major Anacleto. Esteve no seminário, vivia isolado na beira do rio. Poucas vezes vinha ao povoado. Chorou na barriga da mãe, enxerga no escuro, sabe de que lado vem a chuva e escuta o capim crescer. Era conselheiro do Major.
Benigno - inimigo político do Major Anacleto.
Estêvão - capanga respeitado do Major Anacleto. Jamais ria. Tinha pontaria invejável: atirava no umbigo para que a bala varasse cinco vezes o intestino e seccionasse a medula, lá atrás.

Lalino é um sujeito simpático, espertalhão e falante, avesso ao trabalho, sabe como poucos contar uma estória. A chave para entendê-lo melhor está em suas contínuas alusões a peças de teatro, quase sem ter visto nenhuma. Ele parece constantemente representar, em tudo o que faz ou fala. Assim, sai-se bem em tudo o que faz.

Assemelha-se a Leonardo, de Memórias de um sargento de milícias, e a Macunaíma: os três heróis sem nenhum caráter.

Essas são as aventuras de um herói picaresco, Eulálio Salãthiel (Lalino), que abandona a mulher após seis meses de casado e vai conquistar o mundo. Antes de viajar, consegue extorquir algum dinheiro de um espanhol interessado nela e que dela iria tomar conta. Sua esposa, Maria Rita, abandonada por ele, passa a morar com o espanhol Ramiro.

Ao vender Ritinha, o protagonista abre mão do que lhe é mais caro, mas que ele ainda não é, naquele momento, capaz de perceber.

Desiludido com o Rio de Janeiro retorna à sua terra e urde um plano para recuperar a mulher - Maria Rita - e o prestígio junto ao povo do lugar. Com paciência e astúcia, vence todos os obstáculos, recupera a mulher, expulsa os espanhóis do lugarejo e reconquista o prestígio junto ao coronel para cuja vitória nas eleições contribui.

Após ter passado por tudo o que passou, o Lalino do final não é mais a mesma pessoa, que se engana no que decide fazer e apressa-se a reparar o erro, nem tampouco se utiliza de todos os seus atributos de astúcia e malandragem para recuperar o que havia perdido, mas sim, aprende a dar importância às coisas que realmente devem ter importância atribuída.

Ele agora tem plena consciência de que deve cuidar de seu tesouro mais precioso, pois, do contrário, corre o risco de entregá-lo, mais uma vez, de mãos beijadas, a quem o estiver cobiçando.

Através de ironia claramente perceptível, o autor mostra lendas populares da região dos Campos Gerais de Minas, assim como ditados que louvam a esperteza e a paciência.

Resumo do conto

Na introdução do conto o cenário é apresentado: homens trabalham duro escavando o solo para dele retirar minério. Seu Marra é o encarregado, de olho em todos para que o trabalhe ande a contento. Lalino Salãthiel é um mulato vivo, malandro, que chega tarde ao trabalho e inventa desculpas. Em vez de trabalhar duro, como os outros, inventa histórias, conta causos. A maioria admira-o. Mas há quem enxergue nele apenas um aproveitador. Generoso acha que Ramiro, um espanhol, anda rondando a mulher de Lalino.

Laio, naquela noite, não comparece à casa de Waldemar para a aula de violão. No outro dia, fica em casa vendo umas revistas com fotografias de mulheres. À tarde, vai à empresa e acerta as contas com Marra. Está disposto a ir embora. Na volta para casa, encontra Ramiro, o espanhol que lhe anda cercando Maria Rita. Nasce, imediatamente, um plano: tomar um dinheiro emprestado do espanhol. O argumento é convincente: quer ir embora sem a mulher, mas falta-lhe dinheiro para viajar. Ramiro empresta-lhe um conto de réis. Com o dinheiro no bolso, Laio pegou o trem na estação rumo à capital do País. Seu Miranda, que foi levá-lo, ainda tentou dissuadi-lo. Não conseguiu.

Um mês depois, Maria Rita ainda vivia chorando, em casa. Três meses passados, Maria Rita estava morando com o espanhol. Todos diziam que Laio era um canalha, que vendera a mulher para Ramiro. E assim, passou-se mais de meio ano.

As aventuras de Lalino Salãthiel no Rio de Janeiro excederam à expectativa. Seis meses depois, Laio estava quase sem dinheiro e começou a sentir saudades. Tomou a decisão: ia voltar. Separou o dinheiro da passagem e programou uma semana de despedida: "uma semaninha inteira de esbórnia e fuzuê". Acabada a semana, Laio pegou o trem: queria só ver a cara daquela gente quando o visse chegar!

Enquanto atravessava o arraial, Laio teve que ir respondendo às chufas dos moradores. Finalmente, chegou à casa de Ramiro, o espanhol que se apossou de Ritinha. Laio informou-lhe que estava de volta para devolver o dinheiro do empréstimo. Ramiro, querendo evitar que Laio visse Ritinha, perdoou o empréstimo: a dívida já estava quitada. Mas Laio insistiu: "eu quero-porque-quero conversar com a Ritinha"! E disse isso com a mão perto do revólver. O espanhol concordou, desde que não fosse em particular. De repente, Laio esmoreceu: não queria mais ver a Ritinha. Queria só pegar o violão. Depois, quis saber se o espanhol estava tratando bem a Ritinha. E despediu-se. Primeiro pensou em ir à casa de seu Marra. Depois, dirigiu-se para a beira do igarapé: era tempo de melancia. Depois de apreciar a paisagem, Laio deu de cara com seu Oscar. Trocaram idéias, e Oscar prometeu que ia falar com o velho (Major Anacleto) e tentar arranjar um trabalho para Laio na política.

Além de chefe político do distrito, Major Anacleto era homem de princípios austeros, intolerante e difícil de se deixar engambelar. Quando Oscar lhe falou de Laio, ele foi categórico: aquilo é um grandessíssimo cachorro, desbriado, sem moral e sem temor a Deus... Vendeu a família, o desgraçado.

Tio Laudônio era irmão do Major Anacleto. Esteve no seminário, vivia isolado na beira do rio. Poucas vezes vinha ao povoado. Chorou na barriga da mãe, enxerga no escuro, sabe de que lado vem a chuva e escuta o capim crescer. Pois foi Tio Laudônio que intercedeu a favor de Laio. O Major concordou. Era mandar chamar o mulato no dia seguinte.

Mas Laio não apareceu no dia seguinte. Só apareceu na fazenda na quarta-feira de tarde. E topou logo com o Major Anacleto. Quando o Major tentou expulsá-lo da fazenda, Laio deu-lhe notícias de todas as manobras políticas da região, quem estava com o Major e quem o estava traindo. Já descobrira a estratégia do Benigno para derrotar o Major na próxima eleição. Em troca de tanta informação, pediu a proteção do Estêvão, o capanga mais temido do Major. Assim, o povo do arraial ficou sabendo que Laio era o cabo eleitoral do Major Anacleto e, como tal, merecia respeito.

Major Anacleto, depois do relatório de Laio, mandou selar a mula e bateu para a casa do vigário. O padre teve de aceitar leitoa, visita, dinheiro, confissão e o cargo de inspetor escolar. Antes de o Major sair, o padre contou-lhe que Laio estivera na igreja. Também se confessara e comungara e ainda trocara duas velas para o altar de Nossa Senhora da Glória.

Quando o Major e Tio Laudônio passaram em frente à casa de Ramiro, o espanhol aproveitou para denunciar Lalino: o mulato estava de amizade com Nico, o filho do Benigno. Foram juntos à Boa Vista, com violões, aguardente, e levando também o Estêvão. O Major ficou danado de zangado. Não via a hora de encontrar o Laio.

Depois de peregrinar por todas as bandas, o Major voltou para a fazenda, onde Laio já o esperava. Primeiro o Major xingou o mulato de muitos nomes feios, depois Laio teve tempo de explicar: era tudo estratégia política para saber das coisas. Passara, sim, em frente à casa de Ramiro, mas não o insultara. Dera vivas ao Brasil porque não gostava de espanhóis. E tinha mais (coisa que o Major não sabia): espanhol não vota porque é estrangeiro.

Houve um período de calmaria política em que Laio ficou tocando viola e fazendo versos no meio da jagunçada do Major. Um dia, pediu um favor a seu Oscar, filho do Major: que ele fosse ter com Ritinha e conversasse com ela, mas sem dizer que era da parte do Laio. Oscar foi e fez o contrário: falou mal do mulato, disse a Ritinha que o marido andava fazendo serenata para outras mulheres. Aproveitou a proximidade e pediu-lhe um beijo. Ritinha expulsou-o, não sem antes confessar que gostava mesmo era do Laio, que ia morrer gostando dele. De volta, seu Oscar contou o contrário: que Ritinha não gostava mais do marido, gostava de verdade era do espanhol.

Certa tarde, depois de dormir um pouco na cadeira de lona, o Major foi acordado com uma barulheira dos diabos. O mulherio no meio da casa, os capangas lá fora, empunhando os cacetes, farejando barulho grosso. Ritinha jogou-se aos pés do Major e suplicou-lhe proteção. Que não deixasse os espanhóis levá-la à força dali. O Ramiro, com ciúmes, queria matá-la, matar o Laio e, depois, suicidar-se. Disse tudo isso chorando e falando na Virgem Santíssima.

O Major mandou chamar o Eulálio e foi informado de que o mulato estava bebendo juntamente com uns homens que chegaram de automóvel. Foi a conta: o Major pensou que eram da oposição e começou a xingar o Laio. Cabra safado, traidor. Ia levar uma surra, pelo menos isso. Tio Laudônio procurava acalmá-lo. De repente, lá vem o Laio dentro de um automóvel. E a surpresa foi geral. Era gente do governo, Sua Excelência o Senhor Secretário do Interior. Aí o Major desmanchou-se em sorrisos e gentilezas. E a autoridade satisfeita, elogiando muito o Laio, pedindo ao Major que, indo à capital, levasse o mulato junto.

O Major, contentíssimo, mandou trazer Maria Rita para as pazes com Laio. Convocou a jagunçada e ordenou: "mandem os espanhóis tomarem rumo"! Se miar, mete a lenha! Se resistir, berrem fogo!

Fonte:
Passeiweb

Esopo (Fábula 19: O Velho Cão e o Seu Dono)


Havia um homem que tinha um cão cheio de vida, que acompanhava o dono em muitas caçadas e nunca deixara de ser um bom e leal servidor. Por fim, quando o cão ficou velho e cansado, incapaz de correr depressa, a única recompensa que o dono lhe dava era bater-lhe duramente. "Dono", disse o cão, "Tenho tão boa vontade como dantes, mas faltam-me as forças e os meus dentes estão a cair. Perdes o teu tempo a bater-me, porque eu não posso trabalhar melhor e tu não podes curar a minha velhice."

Moral da história

Trabalhar muito e arduamente é um mérito por si só; um servo fiel e verdadeiro só pode esperar recompensa no outro mundo.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Estudos Linguísticos) Parte 4


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.


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Luzmara Curcino Ferreira
Henrique Silvestre Soares
LER NA ATUALIDADE: HISTÓRIA, PRÁTICAS E DISCURSOS


A leitura é ao mesmo tempo um gesto interpretativo individual que, no entanto, é regido por diferentes formas de injunção social. Ela é também uma prática culturalmente delimitada, uma vez que se altera ao longo da história assim como de uma cultura a outra. Textos, gestos de leitores e objetos culturais são relacionados e explorados segundo crivos teóricos particulares de modo a permitirem a estudiosos da leitura oriundos de diferentes campos de saber (teóricos da comunicação, linguistas, críticos literários, professores, psicólogos, historiadores etc.) descreverem e sistematizarem essa prática que, por si só, não deixa marcas tangíveis de sua realização que possam atestar uma homogeneidade em sua prática ou uma singularidade quanto aos sentidos produzidos na apropriação dos variados textos a que estamos expostos.

A proposição deste GT visa congregar pesquisadores da leitura, especialmente aqueles voltados para a análise das representações discursivas que orientam nossas concepções sobre a leitura assim como nossa maneira de ler. Essa orientação pode se estabelecer de duas maneiras: de um lado, pela produção e reprodução de discursos sobre a leitura que elegem não somente os tipos de textos como também as formas legítimas de se ler/de se ensinar a leitura; de outro, pelo controle exercido pelos próprios textos em circulação e que, por suas estratégias de escrita, pelo modo como selecionam, priorizam ou empregam as linguagens, ordenam a maneira, enfim, o ritmo como nosso olhar leitor deve percorrê-los e os sentidos que a eles devemos ou podemos atribuir.

Nosso interesse é congregar estudiosos que abordem em seus trabalhos de pesquisa a leitura como objeto de conhecimento, em uma de suas várias dimensões – como prática educacional, estética, social, cognitiva, histórica, subjetiva, tecnológica etc. – mas especialmente em sua dimensão discursiva, ou seja, como prática de interpretação de textos historicamente orientada, de maneira a contribuir com uma melhor compreensão acerca do que faz o leitor quando lê, ou como ele exerce (ou não) essa prática, levantando as coerções ou liberdades que atuam quando do exercício da leitura, no nível da materialidade textual ou não, definindo assim os limites ou extensões da intepretação. Este GT, portanto, pretende atuar como um espaço privilegiado de debate sobre o leitor e suas práticas de leitura, especialmente em relação ao leitor brasileiro na atualidade. Para tanto, serão bem vindos trabalhos que abordem as formas peculiares de leitura de comunidades de leitores diversas, especialmente aquelas, tão heteróclitas assim como desconhecidas, que podemos designar, com base na definição dos historiadores culturais da leitura, como novos leitores. São aqueles leitores, em sua grande maioria, não pertencentes ao universo sociocultural erudito que, graças à expansão dos textos e às novas tecnologias de produção e circulação de textos impressos e eletrônicos da atualidade, têm travado contato mais freqüente com a escrita, por meio de textos da cultura de massa mas também da cultura letrada.

Objetivamos, assim, fomentar a discussão sobre os discursos sobre a leitura e seu papel na formação dos indivíduos na atualidade, as novas formas de produção e circulação de textos e seu impacto sobre a leitura, as estratégias de mercado que vêem no leitor um consumidor e as políticas públicas voltadas para a leitura, compreendendo assim as injunções de diversas ordens que determinam, em alguma medida, as condições de produção da leitura na atualidade. Essas discussões nos permitirão levantar prováveis continuidades e/ou descontinuidades nas práticas e nas representações discursivas da leitura e do leitor ao longo da história, o que pode nos permitir apreender melhor o fenômeno e suas variações e avançar hipóteses de trabalho e propostas de atuação no âmbito da pesquisa ou no âmbito político-pedagógico, junto a órgãos governamentais e a intituições escolares e universitárias, entre outros.

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Neiva Maria Jung
Cristina Marques Uflacker
LETRAMENTO, ETNOGRAFIA, INTERAÇÃO E APRENDIZAGEM


Neste Simpósio, tem-se como objetivo reunir trabalhos que examinam práticas sociais letradas, mais especificamente, estudos que buscam descrever e compreender os usos sociais da escrita e as suas implicações para a aprendizagem escolar.

Os pressupostos teórico-metodológicos são os estudos sobre letramento (STREET, 1984, 1988, 2000, 2003, 2004; HAMILTON, 2000; BARTON, 1994; BARTON, HAMILTON e IVANIC, 2000; BAINHAM, 2004; KLEIMAN, 1995, 2004; OLIVEIRA, 2010), que apresentam e discutem letramento como prática social. De acordo com Street (1995), os usos da leitura e da escrita são socialmente determinados, têm valor e significado específico para cada comunidade, portanto, não podem ser tratados isoladamente como “neutros”.

Nesse sentido, os Novos Estudos de Letramento (NLS) representam uma nova tradição de pesquisa, por considerarem a natureza do letramento, pois ele pode variar de acordo com o tempo e o espaço e está articulado com as relações de poder (STREET, 2003). Para descrever esses usos sociais da escrita, Street recomenda a realização de trabalhos etnográficos, pois somente esses trabalhos seriam capazes de descrever a complexidade dos fatores envolvidos em práticas situadas de uso da escrita e compreendê-los em nível micro. Trata-se de uma metodologia que permite reconhecer os fatores culturais e sociais envolvidos nas práticas de escrita, ou seja, como as pessoas fazem uso da escrita e como elas interagem umas com as outras ao fazê-lo, e qual a relação desses modos de participação com as culturas que constituem os participantes, articulando a compreensão micro com as relações macrossociais.

Para a descrição micro, a articulação com os estudos de fala-em-interação social também tem se mostrado bastante produtivos. A perspectiva da Análise da Conversa Etnometodológica (ACE) (SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON, 1974; LODER; JUNG, 2008, 2009) entende a fala como uma forma de ação social, isto é, como uma forma de fazer coisas no mundo. Desse modo, a ACE investiga como as pessoas envolvidas na interação compreendem o que sua fala e outras condutas estão fazendo e estas compreensões são evidenciadas nas sequências organizadas da fala. Essa compreensão permite analisar de que modo as pessoas presentes em um evento de letramento efetivamente se engajam nesse evento, mostrando a sua participação e aprendizagem, ou seja, neste viés como as pessoas por uma série de práticas operacionalizam ações e atitudes orientadas para a confirmação, modificação ou ampliação do conhecimento (ABELEDO, 2007; SCHEGLOFF, 1991).

Nesse caso, o espaço para a participação deve ser construído na escola para que todos possam participar e ter a palavra para dizer o que estão aprendendo e o que está difícil de aprender, o que possibilita que os alunos passem a ser protagonistas de seus processos de aprendizagem (SCHULZ, 2007). Em síntese, este simpósio propõe reunir trabalhos que descrevam práticas de letramento em sala de aula que evidenciem efetivamente a participação de professores e alunos, propostas de práticas para a aprendizagem escolar, que descrevam o papel das novas tecnologias nessas práticas e proporcionar um espaço para que outras práticas sociais de uso da escrita possam ser descritas e apresentadas, como práticas religiosas, procurando reconhecer a sua contribuição (ou não) para as práticas letradas escolares.

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Maria Regina Pante
Elódia Constantino Roman
LINGUÍSTICA FUNCIONAL: TENDÊNCIAS E INTERFACES


Este simpósio tem por objetivo constituir-se como espaço de discussão de trabalhos de pesquisadores de graduação e de pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá e de outras instituições nacionais e internacionais que promovam discussões integradas das contribuições de base funcionalista, sob os mais diferentes modelos de análise textual e discursiva, relacionando tais investigações com possíveis interfaces (estudo de mudanças históricas de itens e construções; interação sociodiscursiva, em que a língua é vista como atividade estruturada e cooperativa; estudos relativos às competências básicas; estudos de contexto e contexto, associados a questões de ordem pragmática entre outros).

Com base na perspectiva que trata a linguagem como um instrumento de interação verbal e toma, dessa maneira, as propriedades formais das unidades linguísticas, descrevendo-as em termos de intenção comunicativa em que são produzidas para a descrição de língua em uso, considera-se, assim, os vários níveis de análise da língua portuguesa no Brasil e em outros países em que ela é falada. As análises aqui propostas devem ser compreendidas como manifestações complexas que concebem as atividades linguísticas de sujeitos que, primordialmente, partem de escolhas comunicativamente adequadas e operam as variáveis dentro de condicionamentos ditados pelo processo de produção de enunciados em condições reais de uso. Ou seja, as investigações avaliam as condições dessas escolhas para o cumprimento de determinadas funções; as condições de produção dessas estruturas; as estratégias e os elementos que efetivamente operam para a construção textual/discursiva.

Com base nesse pressuposto, as diferentes pesquisas a serem expostas podem considerar desde as unidades menores, como itens que, ao serem construídos e expandidos pelo uso foram integrando outras categorias (processos de gramaticalização interpretados aqui, nos termos de Hopper & Traugott (1993); Traugott, (1995,1999); Traugott & König (1991), como processo de mudança linguística em que itens ou construções menos gramaticais passam em determinados contextos a assumir traços morfossintáticos, semânticos e pragmáticos de itens ou construções mais gramaticais ainda quanto unidades maiores que a oração – um período ou uma sequência discursiva e extensões distintas). Nesse caso, considera-se tanto a mudança devido ao aumento gradual da pragmatização do significado (inferência) quanto o aumento de abstratização do item linguístico (estratégias metafóricas), evidenciando parte de um uso considerado mais concreto para um uso mais abstrato-expressivo que implica situações discursivas distintas.

Aceitam-se, no presente simpósio, trabalhos que possam apresentar e caracterizar essas possíveis interfaces com os diferentes modelos de gramática de base funcionalista – Gramática Sistêmico-Funcional, Gramática Funcional, Modelo de Halliday (1989), Dik (1989), Dik e Hengeveld (1997) Linguística Textual, Pragmática entre outros. Mediante tais análises, objetiva-se compreender como as regularidades de certas escolhas podem alterar o sistema linguístico.

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Helson Flávio da Silva Sobrinho
Maurício Beck
O CAMPO PARADOXAL DAS IDEOLOGIAS, ENTRE IDENTIFICAÇÕES, SIMETRIAS E RUPTURAS


A proposta deste Simpósio é aprofundar o debate sobre o campo paradoxal das ideologias a partir das noções de identificação, contraidentificação e desidentificação em Pêcheux e as noções freudianas de identificação. Para Pêcheux, no transcurso do século passado, persistiu certa tendência de produção-reprodução do Estado (de tipo prussiano, espécie de fortificação ocupada) nas inversões/subversões de aparelhos ideológicos dos países sede do “socialismo realmente existente”.

Nestes enclaves assimétricos no interior do desenvolvimento geral da acumulação do Capital, não deixaram de funcionar dispositivos estratégicos e práxis ideológico-discursivas de contraidentificação “simetrificantes do adversário vencido”(Pêcheux, 1982: 112). Essa leitura pecheuxtiana coloca novos problemas em relação ao estudo dos antagonismos no movimento do real, impondo-nos o questionamento sobre quais formas de inversões/subversões rompem radicalmente a ponto de não funcionar como espelho invertido do Capital-Estado? Na Análise do Discurso, as contradições são inerentes aos discursos, afinal, o dito pode ser negado e contrariado dentro de uma mesma formação discursiva, sem que, por isso, haja paradoxo no funcionamento dessa formação no âmbito de uma dada formação ideológica.

Talvez seja por isso que, nas tentativas esquerdistas de subversão do poder ao longo do século XX, temos mais uma troca de gestores na extração de mais-valia, que, de fato, uma negação do Capital, conforme Mészarós, a despeito de todas as conquistas sócio-históricas alcançadas, impensáveis na periferia do sistema capitalista antes do advento da Revolução de 1917. Para aprofundarmos essa questão, é preciso antes entender como funcionaram essas formas simetrificantes nas lutas antagônicas do século XX mencionadas por Pêcheux. Entre as abordagens pertinentes para esse problema, há uma via ainda pouco trabalhada: a da articulação entre as noções de indentificação, contraidentificação e desidentificação em Pêcheux, com as noções freudianas de identificação (mecanismo de defesa) e sugestão propostas em “Psicologia das Massas” e “Análise do Eu”. Além disso, as elaborações freudianas acerca do funcionamento de aparelhos como a igreja e o exército podem contribuir na investigação dos mecanismos de produção e reprodução da forma de produção capitalista.

Ao mesmo tempo, a crítica de Pêcheux à práxis do Estado de Emergência em que tudo se justifica em nome da urgência pode nos remeter aos estudos de Agamben acerca do Estado de Exceção e às formas de segregação (homo sacer) engendradas pelo aparelho de Estado em relação à população (Gulgag, no caso do stalinismo), formas de segregação essas que já foram adiantadas por Gramsci, quando tratou da divisão social do trabalho entre Homo faber e Homo sapiens. O trabalho de um fogo crítico em relação à teoria e às práticas das forças anticapitalistas do século XX condiz com a postura teórico-política desafiadora de Pêcheux e converge com a postura de Zizek de que é necessário que a autocrítica do materialismo histórico seja mais rigorosa e mais contundente que a crítica externa, a de seus adversários políticos (liberais, pós-modernos).

O desenvolvimento dessas questões, neste Simpósio, pode ajudar a compreender, de modo mais profícuo, como a língua e as linguagens são cotidianamente trabalhadas na condição de campos de força em meio aos (e não como um meio ou mero espelhamento dos) variados processos sociais de resistência-revolta-revolução, desde a atualização de fronteiras enunciativas, com a manutenção de não-ditos no silêncio, ao atravessamento dos seus limites, configurando novas posições do dizer, removendo \"ininterruptamente os pontos discursivos de assujeitamento ideológicos e os locais a partir dos quais é possível enunciar oposição, sem que a lógica dessa remoção jamais [possa] ser descrita em um sistema fechado\" (Pêcheux, 1982: 119).

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral