quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Valter Luciano Gonçalves Villar (A Presença Árabe na Literatura Brasileira: Jorge Amado e Milton Hatoum) Parte II

Foto por José Feldman
- Casamento árabe -
Por outro lado, o Piloto Anônimo, ao documentar a rota determinada pelo Reino lusitano à armada de 1500, do extremo Ocidente ao Oriente, verificaria, na cultura alimentar indígena, o único traço que aproximaria os nossos índios dos povos árabes. Das anotações do Piloto Anônimo, resultaria a inserção da presença árabe, tanto no evento inaugural da conquista européia em nosso solo, como também em um dos textos iniciais do nosso corpus escritural.

Dessa forma, não obstante constituir-se como uma das mais recentes ondas migratórias no Brasil, os árabes desfrutariam de uma inusitada presença entre nós, desde os primeiros escritos coloniais:

Das quais 12 naus ordenou que 10 fossem a Calecute e as outras duas para a Arábia para irem a um lugar chamado Sofala [...] Aos 24 dias de abril, que foi quarta-feira da oitava da páscoa houve a dita armada vista de terra [...] E alguns dos nossos foram à terra donde estes homens são, que seria a três milhas da costa do mar e compraram papagaios e uma raiz chamada inhame, que é o pão que comem os árabes. (PILOTO ANÔNIMO, 1999, p. 75 – grifos nossos)

Acirrando a similaridade entre árabes e indígenas, ligeiramente esboçada pelo Piloto Anônimo, os portugueses veriam no índio brasileiro, então confundido com o homem árabe, a própria feição semítica arábica. Ante a enorme resistência indígena à perda de sua terra e de sua liberdade, os colonizadores recorriam, sistematicamente, ao termo alarve, isto é, aquele que é árabe, para designar os nossos indígenas. Ao mesmo tempo em que expressam essa similaridade, manifestam o desejo do extermínio dos nossos ancestrais ameríndios, obstáculos à empresa lusitana, como se verifica nos discursos dos colonos portugueses Pero de Magalhães Gandavo e Gabriel Soares de Sousa, ao se referirem aos Aimoré, indígenas que povoavam as capitanias de Ilhéus, a de Porto Seguro e áreas circunvizinhas da Bahia:

Estes Aimorés são mais alvos e de maior estatura que os outros Índios da terra, com língua dos quais não têm destes nenhuma semelhança, nem parentesco. Vivem todos entre os matos como brutos, animais sem terem povoações, nem casas em que se recolham [...] Estes alarves têm feito muito dano nestas Capitanias depois que desceram a esta costa e mortos alguns Portugueses e escravos, porque são muito bárbaros. [...] Até agora não se pode achar nenhum remédio para destruir esta pérfida gente.
(GANDAVO, 1980, p. 140 – grifo nosso)

Deu nesta terra esta praga dos Aimorés de feição que não há aí já mais que seis engenhos, e estes não fazem açúcar, nem há morador que ouse plantar canas, porque em indo os escravos ou homens ao campo não escapam a estes alarves, com medo dos quais foge a população de Ilhéus para a Bahia, e tem a terra quase despovoada.[...] e se senão busca algum remédio para destruírem estes alarves, eles destruirão as fazendas da Bahia. (SOUSA, 2000, p. 42-43 – grifos nossos)

Percorrendo o caminho narrativo do Piloto Anônimo, de Pero de Magalhães Gandavo e de Gabriel Soares de Sousa, José de Anchieta também traria a presença árabe à sua catequese. Sequioso da conversão indígena ao credo cristão e, ao mesmo tempo, receoso de uma improvável, à época, inclinação ameríndia ao Islamismo, o jesuíta, em sua atividade religiosa, busca, principalmente, preparar e incitar os nossos aborígines a brigar, sem que eles saibam a razão (SANTIAGO, 1982, p. 14), contra os reformados e contra os árabes, estes últimos representados por Muhammad, vulgarmente denominado de Maomé, entre os povos ocidentais ou ocidentalizados.

Num tom distante da fraternidade entre os homens, máxima da religiosidade cristã, marcado pela hostilidade e desumanização, para lembrar Edward Said, Anchieta procede a uma configuração, cruel e demoníaca, do Profeta dos muçulmanos, conforme vemos expressa nos “Diálogos dos Diabos, Satanás e Lúcifer, contra São Maurício, no adro da igreja”, ato II, do texto dramático anchietano, Na vila de Vitória ou de S. Maurício, encenado em 22 de setembro de 1595, na Vila de Vitória no Espírito Santo:

Satanás a Lúcifer, antes que tente a São Maurício:
Onde irás,
sem levar a Satanás,
teu fiel, servo contigo?
Tens outro melhor amigo?
Eu te dou Barrabás
E com Judas te maldigo.
Com Mafoma e com Lutero,
Com Calvino e Melantão,
Te cubra tal maldição
que te queimes, bem, o quero,
ardendo como tição.
(ANCHIETA, 1977, p. 289-290 – grifo nosso)

Nessa recorrência, a frequentação árabe em nossa literatura – sem destacarmos, ainda, o importante papel da narrativa arábica, na formação da moderna ficção européia e, consequentemente, na constituição e sedimentação da nossa – chegaria às letras poéticas do Barroco, pelos versos satíricos do poeta brasileiro, Gregório de Matos.

Filho da nobreza luso-baiana, o berço fidalgo propicia a Gregório de Matos uma esmerada formação acadêmica, de base européia. Em Coimbra, onde se tornara bacharel, Gregório de Matos é agraciado com o título de doutor in utroque jure, num reconhecimento que, aliado à sua origem, abre-lhe amplas possibilidades de uma carreira promissora, como salienta Alfredo Bosi (BOSI, 1992, p. 99). O vendaval mercantil, da segunda metade do século XVII, vem alterar-lhe, no entanto, o curso de sucessos.

Com a queda do preço do açúcar e com a perda da proteção real à sua pequena fidalguia baiana – Portugal, a esse tempo, encontrava-se submisso, economicamente, aos ingleses – Gregório dispara contra essa desordem, elegendo, como seus objetos de ataque, os velhos alvos europeus: o árabe e o homem brasileiro. Nesse caminho, Gregório de Matos investe contra o brasileiro em formação, ainda com uma boa dose do sangue indígena, reatualizando, assim, em nossos primeiros versos, os discursos de Pero de Magalhães Gandavo, de Gabriel Soares de Sousa e de José de Anchieta. Nessa poeticidade, o poeta baiano reporia, em circulação, os preconceitos étnicos e religiosos, herdados dos europeus, conforme se lê nos versos abaixo:

O certo é, pátria minha,
Que fostes terra de alarves,
E inda os ressábios vos duram
Desse tempo e dessa idade.
(MATOS, 1990, p. 83 – grifos nossos)

Que pregue um douto sermão
Um alarve, um asneirão,
E que esgrima em demasia,
Quem nunca já na Sofia
Soube dar um argumento:
Anjo Bento.
(MATOS, 1990, p. 31 – grifo nosso)

Como na lei de Mafoma
Não se argumenta, e se briga,
Ele, que não argumenta,
Tudo porfia.
(MATOS, 1990, p. 61-62 – grifo nosso)

Dessa forma, Gregório de Matos garantiria, em vários de seus poemas satíricos, a presença árabe em nossa poesia que se iniciava. Elaborada, poeticamente, num estreito amalgamento com os traços indígenas, ou melhor, confundida com o próprio rosto ameríndio, a representação árabe/indígena de Gregório alteraria a nossa ascendência étnica. Com os olhos guiados pelo etnocentrismo europeu, tematizaria o Brasil, como pátria de alarves, nos considerando, cegamente, como descendentes do povo árabe, enquanto desclassifica, como José de Anchieta, o Profeta e fundador da religião dos muçulmanos.

Com o surgimento do Arcadismo, o tom do nosso discurso poético se alteraria. Última expressão da literatura clássica portuguesa no Brasil, o Arcadismo se processaria em meio à circulação das ideias iluministas, das idéias escolásticas, das discussões antimonarquistas, procedidas por setores do Iluminismo. Importando as teorias francesas e italianas, os árcades brasileiros se preocupariam com os grandes temas vindos do Ocidente, compartilhando, com o pensamento ilustrado, o ideal da paz, o elogio do saber e a condenação da violência, de acordo com Fábio Lucas, estudioso do Arcadismo no Brasil (1998, p. 18).

Partidários do despotismo esclarecido, da simplicidade da linguagem e do racionalismo filosófico, os neoclássicos do Brasil se ocupariam, tematicamente, com a virtude civil, a melhoria do homem pela instrução, pela obediência às leis da natureza, como assinalam os vários compêndios de literatura. Mais laicos, os nossos árcades se afastariam do verbalismo barroco e do seu espírito, que se identificava com a glorificação da monarquia absoluta como fato de origem divina; e, como que esmagado pelo sentimento da fé e do poder, favorecia na literatura o senso agudo das tensões (CÂNDIDO; CASTELLO, 1988, p. 78). Assim se distanciariam do conformismo barroco, ante os fundamentos da ordem social estabelecida, como também da delimitação geográfica, ao qual estava circunscrita a poética barroca, como observam Antonio Cândido e José Aderaldo Castello, quando discorrem sobre a ação mais ampla do Arcadismo:

A Academia dos Renascidos, fundada naquela cidade em 1759, já procura superar o âmbito local e congregar escritores de todo o país, numa primeira demonstração de solidariedade geral. Esta tendência aumentou difusamente a partir de então, e por isso o legado dos árcades foi mais atuante que o dos cultistas, o principal dos quais, Gregório de Matos, ficou esquecido nos seus manuscritos inéditos até o século XIX. (CÂNDIDO; CASTELLO, 1988, p. 84)

Numa escritura diferenciada da que lhe antecedeu, as representações árcades brasileiras, apesar da roupagem mitológica e da identificação cultural com as metrópoles europeias, se voltariam para o cenário nacional, particularizando-o. Nessa particularização, se não elegem o autóctone como herói ficcional, lhe garante o estatuto de objeto estético e de signo de brasilidade em sua lírica e epopeia. Dessa forma, os árcades se afastam das representações indígenas de Gregório de Matos, transformando suas manifestações literárias em representações pré-românticas, como reconhece Walnice Nogueira Galvão, em diálogo com o crítico Antonio Cândido:

Volvendo os olhos para as representações pré-românticas do índio na literatura brasileira, há que mencionar obrigatoriamente dois poemas épicos setecentistas, O Uraguai (1769), de Basílio da Gama, e o Caramuru (1781), de Santa Rita Durão, cuja matéria indígena se expõe desde o título. Num caso, o assunto é o arrasamento das reduções jesuíticas dos Sete Povos de Missões; no outro, a colonização da Bahia através do oportuno conúbio entre o pioneiro português e a princesa indígena. Mesmo assim os índios lá estão mais como signo, como observou Antonio Cândido, do que propriamente como personagem literária. Ambos os poemas pretendem defender outra causa que não a dos índios, o primeiro a causa da Ilustração e da política portuguesa contra os catequizadores, ao modo arcádico, e o segundo, da autoria de um padre, a causa da religião cristã contra a Ilustração anticristã, ao modo clássico-barroco. (GALVÃO, 1979, p. 384)

Nesse caminho, os árcades abririam seus textos à presença indígena, transfigurando-os em gênese da vertente indianista em nossa literatura. Gênese, essa, que os românticos brasileiros souberam muito bem aproveitar, em suas representações do índio como objeto estético, herói literário e antepassado mítico-histórico (GALVÃO, 1979, p. 383).

Apesar da ausência da representação árabe nos textos do Arcadismo brasileiro, encontramos, contudo, uma representação do Outro, totalmente diversa das formas lusitanas no tratamento ao distinto de si. Desejosos da harmonia social e da felicidade na terra, os nossos árcades defenderiam os métodos pacíficos para a resolução dos conflitos entre os povos, como lavraria Cláudio Manoel da Costa, em sua poética. Em “Vila Rica”, o líder do Arcadismo no Brasil descarta a violência na resolução das discórdias entre as nações, elegendo a brandura como o caminho privilegiado para o exercício do poder e da interação humana. Curiosamente, os versos de Cláudio Manoel da Costa retomam, pelo tom e pelo conteúdo, o discurso de Japia-açu, cacique tupinambá do Maranhão, no século XVII.

Aliado dos franceses na luta contra os portugueses, Japia-açu manifestaria, ao comandante da França, não somente a esperança de seu povo na brandura e na amabilidade dos soldados franceses, notadamente de seus comandantes, enquanto explícita, numa atitude preventiva, o modus político dos nossos indígenas. Nesse discurso, Japia-açu precede Cláudio Manoel da Costa na recusa da violência e da aspereza no exercício do poder, como também no elogio da brandura, tematizada como signo da sabedoria, conforme se observa na leitura dos discursos do árcade e do índio brasileiro:

Convém que antes os meios da aspereza
Se tente todo o esforço da brandura.
Não é destro cultor o que procura
Decepar aquela árvore que pode
Sanar, cortando um ramo, se lhe acode
Com sábia mão a reparar o dano.
(COSTA, 1996, p. 390 – 420 – grifos nossos)

Te direi a esse propósito que quanto mais um homem é grande de nascença e quanto maior autoridade tem sobre os outros, mais brando, obsequioso e clemente deve ser. Pois os homens, especialmente os desta nação, mais facilmente se levam pela brandura do que pela violência. 
(JAPI-AÇU, apud D'ABBEVILLE, 1975, p. 61 – grifos nossos)

Com o advento do Romantismo, surgido nas últimas décadas do século XVIII, o discurso literário ocidental passaria por uma revolução. Substituiria o racionalismo neoclássico e estabeleceria, nas letras, o reino da emoção, da fantasia e da imaginação. Compreendido como visão do mundo, ou como crítica da modernidade, isto é, da civilização capitalista moderna, em nome de valores e ideais do passado (pré-capitalista, pré-moderno) (LÖWY; SAYRE, 1995, p. 34), essa vertente literária se abriria à curiosidade do exótico, do diferente, do longínquo; atenta a outros povos e a outras civilizações, como ressaltam Antonio Cândido e Aderaldo Castelo:

A curiosidade do romântico, alimentada pela insatisfação e também indefinição, multiplica-se no tempo e no espaço. Ela pode ser largamente enumerada, a partir do interesse pela cor, pelo exotismo que apresentam os países estrangeiros ou as regiões longínquas, com outros povos e outras civilizações. Para o europeu é a América ou o Oriente, para o brasileiro a Europa, por exemplo, aspectos da paisagem romântica da Itália, o mistério também do Oriente, sugestões retomadas à Bíblia, freqüentes em Castro Alves que chegou mesmo a contaminar com tudo isso as impressões da própria paisagem brasileira. (CÂNDIDO; CASTELLO, 1988, p. 160)

No Brasil, os inícios do Romantismo seriam marcados pela busca de si mesmo. Identificados com a recente nacionalidade, os românticos brasileiros, seja de forma mais acentuada ou de modo mais sutil, empreendem uma jornada escritural em busca de nossas feições culturais. Na atualização da temática do local e do próprio, da representação do índio como objeto estético, herói literário e antepassado mítico-histórico, prenunciadas pelos árcades, as nossas letras se dedicariam a traçar os variados tipos nacionais: o índio, o bandeirante, o sertanejo, o matuto, o gaúcho, o cangaceiro, o malandro, o senhor, o escravo, ao lado do universo feminino – urbano ou rural, de cujo mundo o Romantismo se ocupava.

Mesmo envolvidos nas configurações de nossas identidades, os românticos não se desapercebiam do novo aparato literário, nem da nova temática européia. Assim, se não vamos encontrar, restritamente, a presença árabe nesses textos, encontramos, porém, a presença oriental, como se verifica em Castro Alves, em sua saudação às noites orientais expressa no poema “A bainha do punhal”, do livro Os escravos (1972):

Salve, noites do Oriente,
Noites de beijos e amor!
Onde os astros são abelhas
Do éter na larga flor...
Onde pende a meiga lua,
Como cimitarra nua
Por sobre um dólman azul:
E a vaga dos Dardanelos
Beija, em lascivos anelos
As saudades de Istambul.

Salve, serralhos severos
Como a barba dum Pachá!
Zimbórios, que fingem crânios
Dos crentes fieis de Alá!...
Ciprestes que o vento agita,
Como flechas de Mesquita
Esguios, longos também;
Minaretes, entre bosques!
Palmeiras, entre quiosques!
Mulheres nuas do Harém!

Mas embalde a lua inclina
As loiras tranças p’ra o chão...
Desprezada concubina,
Já não te adora o sultão!
Debalde, aos vidros pintados,
Aos balcões arabescados,
Vais bater em doudo afan...
Soam tímbalos na sala...
E a dança ardente resvala
Sobre os tapetes do Iran!...
(ALVES, 1972, p. 217-220)

Unindo-se, solidariamente, às escrituras dos românticos europeus, Castro Alves inclui, em seus versos, a presença oriental, alusões e citações bíblicas, terminando por trazer a presença semítica, tanto a ligada ao Islamismo quanto ao Judaísmo, à sua poética. No poeta baiano, essa presença se fará de duas formas. Seja pelo discurso do próprio eu lírico, como no caso de “A bainha do punhal”; seja pela voz do artista europeu, mais particularmente de Victor Hugo e Edgar Sue, a quem incorpora em sua poesia.
_____________
continua
_________________
Fonte:
VILLAR, Valter Luciano Gonçalves. A Presença Árabe na Literatura Brasileira: Jorge Amado e Milton Hatoum. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Literatura Brasileira. Universidade Federal da Paraíba – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – Programa de Pós-Graduação em Letras. João Pessoa/PB, 2008

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Concurso “Poesia no Ônibus” de Balneário Camboriú - 2016 (Poesias)


Poesias vencedoras por ordem alfabética

André Foltran
São José do Rio Preto/SP

POEMINHO

Reparei
que todo sabiá
que é de gaiola

pela manhã
antes de tudo

canta a Canção
do exílio.
________________

André Luís Soares
Vila Velha/ES

BEM-TE-VI

Bem te vejo,
bem te digo,
bem te quero,
benfazejo
sempre aqui.
Bendito fruto,
Deus te guarde
nas florestas,
onde, entre réstias,
bem te vi.
_____________________

Alfredo Guimarães Garcia
Ananindeua/PA

Sussurros da terra
Entre os caminhos da chuva:
De repente, a flor.
__________________________

Alvaro Posselt
Curitiba/PR

Nem cofres nem gavetas
Tudo que me vale cabe no olhar
Voam borboletas
__________________

Ana Luiza von Döllinger de Araújo
Belo Horizonte/MG

POEMA LÓGICO

Enxaguar no balde ou bacia
manter a torneira fechada
reflorestar as margens dos rios.
São bons conselhos, porém
o que têm a ver com poesia?

Acontece que a natureza
pode trazer dor ou beleza.
E a escolha entre errado ou certo
é que define se haverá versos
ou o silêncio infinito do deserto.
_____________________________

Anderson Gibathe
Saudade do Iguaçu/PR

SOBRE GAIVOTAS E HUMANOS

Requebra em voo a gaivota
Pelos ares praianos
Quiçá estará morta
Ou viva por mais um ano.

Humanos sujam mares
Com lixo na calçada
Humanos poluem ares
Vidas são ameaçadas

Se continuar o ritmo insano
Nem gaivotas, nem humanos.
_______________________

Carlos Pessoa Rosa
​Atibaia/SP

NATUREZA MORTA

morta natureza
que o homem resenha com seus pincéis afiados
em lâminas e dentes

morta natureza
que serve ao poema pela falta e pela ausência
e inspira o poema pela estranheza

morta natureza
que poetiza a agonia e a perda
daqueles que destroem o próprio oxigênio
_________________________

Bruna Rodrigues Tschaffon
Niterói/RJ

POESIA RECICLÁVEL

No meio do caminho tinha uma lixeira, avisaria Carlos, mas ninguém reparou
e Gonçalves sonhava com a terra de palmeiras que a construtora derrubou
Manuel quer ir embora para Pasárgada, nos rios daqui não pode se banhar
já Casimiro, da aurora da vida saudoso, inspira dióxido de carbono no ar
Olavo dizia ouvir estrelas, até que o arranha-céu lhe interpôs a visão
Não seja do contra, Mário, passará mesmo um dia toda esta [poluição?
O trânsito de carro após carro não mais cabe no poema do Zé Gullar
O meio-ambiente, Vinícius, só é infinito enquanto dure.  Faça-o durar.
___________________

Catarina Maul
Petrópolis/RJ

Fotografei
Na lentes do olhar
O que a tecnologia
Não foi capaz de dimensionar.
O balançar do coqueiro
O odor de maresia
Exalado em sintonia
Com a dança do mar
Sob o sol, que nenhum projetor
Foi capaz de copiar.
_____________________________

Cris Dakinis
Cabo Frio/RJ

NOTURNO

O céu desenhou
um palco na lagoa:
Grilos estrelam!
_________________________

Domingos Freire Cardoso
Ílhavo/Portugal

VOZ

Uma voz nos arrebata
Passa por vales e montes
Dorme no abrigo da mata
Chora no cantar das fontes;
É voz que sopra dos mares
Dominando as latitudes
Soltando no azul dos ares
Prece de urgente clareza:
Mudem vossas atitudes
E salvem a Natureza!
________________________

Eduardo F. F. de Abreu
Cachoeiras de Macacu/RJ

Lixo no chão
sente-se gente:
Por solidão
volta pra gente
na primeira enchente.
______________________

Fábio D. A. L. Silva
Florianópolis/SC

PITANGUEIRO

Da altíssima, verdejante árvore
Vem a sombra
Que me acolhe
Nutre-me desde pequeno
Rubro, forte, ileso
Eu, hoje
Vasto homem
Repleto de litoral
Incólume, inteiro
Pitangueiro.
__________________________

Flavio Machado
Cabo Frio/RJ

ATAQUE AÉREO

o dia claro inventa o poema
as andorinhas tomam de assalto a cidade
na desordem dos acontecimentos
como um movimento popular de ocupação

para reinaugurar a república
propor uma ordem econômica mais justa
na inversão dos valores
do tempo em que água vale
mais do que ouro.
________________________

Francisco Ferreira
Conceição do Mato Dentro/MG

SILÊNCIO

Calaram-se para sempre
na queda da última árvore
a motosserra, as aves
e o meu coração.
________________________

Frederico Flósculo Pinheiro Barreto
Brasília/DF

PASTEL DE TRAGÉDIA

Mar marrom
Céu cinza
Terra pastel
Recheada de azeitonas de caroços duros
Cercada de carne triturada moída e tostada
Num óleo antigo como aquele velho vendedor
Em seu caldeirão cheio daquele mar particular
Que chia e sobe em nuvens pesadas de vapor
Transformando o horizonte em aventura crocante
Fazendo minha fome passageira de tragédia ambiental
______________________

Geraldo Trombin
Americana/SP

PRIMAVERA

Aonde você flor,
eu... beija-flor!
___________________

Giana Guterres
São José dos Pinhais/PR

O QUE SOBRA?

A araucária embelezou o caminho
E o tapete de pétalas no chão
Floresceu dentro de mim

O mar gigante e azul
E a gaivota que cortou o céu
Mergulhou dentro de mim

E se cortarem a floresta?
E se sujarem o mar?

O que sobra?
O que resta dentro de mim?
__________________________

Hélio Pedro Souza
Natal/RN

Para um caminho seguro
temos que agir no presente,
zelando o meio ambiente,
com vistas para o futuro;
sem horizonte obscuro
que nos trate feito algoz,
bom mesmo é ser porta-voz,
dizendo daqui pra frente:
Natureza é permanente,
passageiros somos nós.
____________________

Julieta de Souza
Divinópolis/MG

RETROCESSO

Nasci verde!
Respirava feliz até o dia
em que lavaram minha cor
e me pintaram de cinza.
Hoje, o ar me sufoca,
a pressa me comprime
e a paisagem desbotada embaça meus olhos.
É o progresso engolindo
a seiva do meu coração!
________________________

Líam Naví
Biguaçu/SC

MENTE TECNOLÓGICA

Olhe à janela!...
O mundo cresce, globaliza, tecnologiza!
Você se conforta, eu me conforto, nos saciamos;
Um clique, um touch, uma passagem...
E tudo o mais nos parece sorrir!

Olhe à janela!...
Dentro em pouco a contradição.
Mude a lente que mente e verás,
Quem sabe, se assim o quiseres,
Nossos restos pelo chão!
_________________

Lunara
São Leopoldo/RS

CINZA
  
O amanhã
                   chegou
                                   cinzento...
                        ... despido de verde...
                                  e de folhas...
                                                           e  não coloriu
                                           minha alma...
_____________________________

Marlene Gil
Itararé/SP

PROPOSTA

De ponto em ponto,
De ponte a ponte,
De ponta a ponta.
Aperte o freio,
Veja a flor,
Olhe o bosque,
Sinta o calor
De ponta a ponta,
De ponte a ponte,
De ponto em ponto.
_____________________________

Ricardo Gualda
Niterói/RJ

DOIS TRECHOS DE UMA CANÇÃO QUE SE EXTINGUE

Minha terra tem _______
Onde canta o ________:
As _______ que, aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais _____,
Nossas _________ tem mais _______.
Nossos _________ tem mais vida,
Nossa vida mais amores.
________________________

Ricardo Mainieri
Porto Alegre/RS

BIODIVERSIDADE

dor me atinge
ao ver a mata devastada

enlaça
todos os seres vivos

uma epiderme
invisível & contínua
nos une

implacavelmente.
_______________________

Rodolfo Minari
Rio Branco/AC

PRISÃO

Passarim, na gaiola de ouro,
agradece a migalha de pão.

Menino pensa ele cantar,
escuta encantado,
na tarde de sol.

Isso não é canto, menino!,
é choro…
__________________

Rosmari Aparecida Capella Fernandes
Araraquara/SP

POLUIÇÃO NÃO

Rasga o véu negro de fumaça
Que rouba,
Que esconde o ar
E o tempo dos seres.
Corta o véu,
E leva ao léu
O que mata
O que rompe
E suga a vida
Que ainda resta.
____________________________

Silvio Valentin Liorbano
Osasco/SP

ROTA DE ESTRELAS

A árvore olha o passageiro
A vida é um vulto
Que passa ligeiro.

A abelha distraída
Beijou a flor
Numa lata de bebida.

Pelas janelas do coletivo
Cardumes de estrelas
Boiam no mar ao vivo.
_______________________________

Solange Firmino
Rio de Janeiro/RJ

REDOMA

O verde viçoso que brilha
no olho de cada bicho,
na folha de cada árvore,
no meio ambiente
que o homem insiste em empobrecer
é de esperança -
para que um dia se lembre
que a natureza, os animais
e a humanidade são um só,
conectados.
_______________________________

Ulisses Tavares
São Paulo/SP

QUEM AMA CUIDA

Gosto de passarinho.
Em homenagem ao seu voo,
Abro a gaiola e, dentro,
Coloco vento.
___  ___  ___  ____  ____  ____  ____

Contos do Oriente (Remédio para cavalo)

Em Urumqi, um taoísta vendia remédios no mercado e algumas pessoas diziam:

— Esse aí é feiticeiro. E dos grandes!

Ele tinha sido visto em um albergue e, pouco antes de dormir, abriu uma bolsa que trazia na cintura. De dentro da bolsa tirou uma menor. E nessa menor, pegou dois comprimidos de cor escura. Imediatamente duas mulheres belíssimas apareceram no quarto para dormir com ele. Elas só deixaram o quarto de madrugada.

No dia seguinte, alguém perguntou como tudo tinha acontecido. Ele fez cara de desentendido. Negou de pé junto que soubesse alguma coisa.

Eu me lembro de ter lido nos “Trabalhos Ininterruptos”, de Zhou Yuexi, uma explicação de que pessoas como esse monge taoísta são “caçadores de almas”. Como essa magia perde a eficácia se a pessoa comer carne de cavalo, e como um cavalo acabava de morrer na guarnição, enviei um ajudante com instruções secretas ao dono do albergue. Ele devia dizer ao taoísta que havia boa carne de cavalo e que ele estava convidado para comer um pouco.

O taoísta moveu a cabeça de um lado para o outro.

— Carne de cavalo? Claro que não — disse.

Isso reforçou minhas suspeitas e decidi tomar providências.

Meu colega, general Chen Tiqiao, foi contra:

— Que moças estejam com o taoísta é impossível saber, porque você não viu com seus próprios olhos. E não viu igualmente se ele come ou não carne de cavalo. Fiar-se a boatos não verificados para abrir um processo às pressas me parece perigoso. Nessa região, não se tem o direito de prender um indivíduo com base apenas na suspeita: melhor pedir a repartição competente para expulsá-lo do território e o assunto fica resolvido.

Estava pensando nos passos a dar quando o general Wen soube da história e disse:

— Querer ir a fundo nessa questão é ir longe demais. Suponhamos que por medo de castigo esse homem confesse qualquer coisa. O assunto ficaria então muito grave e seria preciso tomar outras providências.

Como não existe nenhuma prova ainda, como fazer para pôr um fim nisso? Expulsá-lo do território não resolve, por que ele vai para outro lugar, dá um golpe e declara que viveu durante muito tempo em Urumqi. Quem ficaria com a responsabilidade?

Todas as guarnições devem interrogar, investigar, examinar todos os indivíduos de comportamento suspeito. Se existem provas reais, ele será entregue à autoridade competente. Caso contrário, melhor enviá-lo ao lugar de onde ele veio, para que ele não engane o povo. Não é uma boa solução?

Nós ficamos admirados com a sabedoria dos senhores generais.

Fonte: 

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Concurso “Poesia no Ônibus” de Balneário Camboriú - 2016 (Trovas)


Trovas vencedoras por ordem alfabética

Dá medo o “progresso” louco
que, na caçada à riqueza,
dia a dia, pouco a pouco,
vai matando a natureza.  
A. A. de Assis
Maringá/PR

Nas longas noites de estio,
eu ouço estranha canção:
São os lamentos do rio
morrendo de poluição...
Angelica Villela Santos
Taubaté/SP

Passageiro e passageira,
prestem bastante atenção:
- Lixo é só lá na lixeira;
não joguem lixo no chão!
 Antonio Colavite Filho
Santos/SP

Deixe às gerações futuras
mundo melhor, mais perfeito:
amor pelas criaturas
e à natureza, respeito!
Cristina Cacossi
Bragança Paulista/SP

Degradando sem cessar,
o futuro será drástico.
O mundo vai sufocar
nas sacolinhas de plástico.
Dora Oliveira
Ipatinga/MG 

Quantas árvores cortadas
por um machado inclemente!
E nas áreas devastadas,
morre o mundo lentamente.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora/MG 

Criança conscientizada,
aprende e ensina a teus pais
que a água desperdiçada
é bem que não volta mais...
 Élbea Priscila de Sousa e Silva
Caçapava/SP

O cidadão consciente
toma exemplar atitude:
preserva o meio ambiente
pra preservar a saúde.
Francisco José Pessoa
Fortaleza/CE

Ato que não se concebe,
natureza destruída:
Poluição ninguém bebe,
e nem concreto é comida !
Henrique Eduardo Alves  Pereira
Maracanaú/CE

A luz do sol da alvorada
brilha no mar transparente.
Sendo a praia bem cuidada,
encanta os olhos da gente.
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba/PR

Natureza... obra divina,
sopro sagrado de amor,
maravilhosa menina
dos olhos do Criador!!!
Maria Nelsi Sales Dias
Santos/SP

Nem sempre os ventos socorrem
as asas desesperadas
dos passarinhos, que morrem,
na insensatez das queimadas.
 Messias da Rocha
Juiz de Fora/MG

Preservar a natureza,
mais que princípio, dever,
é conservar a beleza,
embelezar o viver.
Olga Maria Dias Ferreira
Pelotas/RS

Você que lê estes versos
nas ruas desta cidade,
não deixe em mãos de perversos
a biodiversidade.
Plácido Amaral
Caicó/RN

“Ganância" é terra ferida,
o homem destrói... põe à venda.
A terra é fonte de vida...
não uma fonte de renda.
Reovaldo Paulichi
Atibaia/SP