terça-feira, 31 de março de 2020

Antônio Sales (Baú de Trovas)


- A certa moça, na rua
bradei com sinceridade:
- Vossa Excelência é a Verdade!
- Por quê? - Porque está tão nua!
- - - - - –

- A fealdade é um direito;
por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito...
Perdão: a senhora abusa!
- - - - - –

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses... mulher de Adão.
- - - - - –

— As cobras que tem no anel,
certo médico alopata,
são, de certo, cascavel:
onde ele põe a mão, mata!
- - - - - –

(A um juiz) 
- A tua venalidade
não tem, neste mundo, a gêmea,
foi uma felicidade
não teres nascido fêmea...
- - - - - –

- E difícil que aconteça
dor de cabeça ela ter:
pode a dor aparecer,   
mas não encontra cabeça...
- - - - - –

— Em certo escritor satírico,
de uma irreverência atroz,
nós achamos muito espírito...
quando não fala de nós.
- - - - - –

- Em tua genealogia
Fidalgo, vais longe... Até
que hás de chegar, algum dia,
ao Congo, Angola ou Guiné...
- - - - - –

Eu conheço um plumitivo*,
cheio de vaidade imensa,
que anda sempre pensativo
e apenas pensa que pensa.
- - - - - –

- "Não gosto de ouvir tolices!" -
exclamas, estomagado;
Para que não as ouvisses,
devias ficar calado.
- - - - - –

- Para que não te despraza**
ver gente má pela frente,
precisas primeiramente
não ter espelhos em casa...
- - - - - –

— Passa na estrada um camelo
e um corcunda palpitante
de alegria, disse ao vê-lo:
- "Mas que animal elegante!"
- - - - - –

- Vi um médico fardado...
Que perfeito matador:
quem escape do soldado,
não escapa do doutor...
________________________________
Notas:
Despraza – do verbo desprazer.
** Plumitivo – escritor ou jornalista sem méritos.


Fonte:
R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.

Antônio Sales (1868 – 1940)


Antônio Ferreira Sales nasceu em Paracuru/CE, em 1868 e faleceu em Fortaleza/CE, em 1940. foi um romancista e poeta brasileiro que ocupou os cargos de secretário da justiça e do interior no tempo em que General Bezerril governou o estado do Ceará, além de deputado estadual.

É muito lembrado como uma das figuras mais marcantes da literatura cearense por ter fundado a Padaria Espiritual juntamente com Adolfo Caminha, Antônio Bezerra, Lívio Barreto, Henrique Jorge, Juvenal Galeno e vários outros jovens intelectuais que formavam o círculo cultural de Fortaleza do fim do século XIX. A Padaria Espiritual ganhou bastante visibilidade por sua forma irônica e irreverente de criticar a "provincianidade" fortalezense da época em busca de um resgate criativo dos espaços e dos meios de cultura no Ceará, movimento que influenciou a Semana de Arte Moderna . Foi redator do jornal "O Pão", através do qual se divulgavam as ideias da agremiação literária que participava, do qual exerceu o cargo de padeiro-mor. É conhecido também por ser amigo de Machado de Assis e por jamais ter aceitado aos inúmeros convites de compor a, então em fundação, Academia Brasileira de Letras. É o patrono da Academia Cearense de Letras e foi batizado por Rachel de Queiroz como "padrinho e figura suprema das letras no Ceará".

Foi nos cafés da praça do Ferreira que Antônio Sales idealizou a Padaria Espiritual com seus amigos.

Publicou apenas um romance de estética realista regional, com traços também naturalistas, chamado Aves de Arribação, inicialmente publicado em folhetins do Correio da Manhã do Rio de Janeiro onde residia o escritor. Viria a ser publicado em forma de livro apenas em 1913. Substituiu Arthur Azeredo na seção humorística de O País, no Rio. Escreveu, os sonetos humorísticos das Agulhas e Alfinetes, do jornal carioca O Tempo.

Até ser reconhecido como escritor, trabalhou no comércio de Fortaleza com a precoce idade de catorze anos. Anos depois, passaria pela vida de funcionário público, político e jornalista, inclusive no Rio de Janeiro. Mas voltara à capital cearense em 1920, onde vivera até seu falecimento, em 14 de novembro de 1940.

O escritor, amigo de Machado de Assis, ajudara este a fundar a Academia Brasileira de Letras, mas segundo ele, por não discursar bem, não quis dela fazer parte.

Em 1892 fundou um movimento de renascença literária no Ceará chamado de Padaria Espiritual, agremiação que marcou, entre 1892 e 1898, a vida da provinciana capital do Ceará naqueles primeiros dias de República e da qual fizeram parte vários grandes autores cearenses.

A Padaria Espiritual
Antônio Sales foi o responsável por escrever o programa de instalação da Padaria, composta por artigos que definiam o modo e a composição da agremiação.

1 – Fica organizada, nesta cidade de Fortaleza, capital da Terra da Luz, antigo Siará (sic) Grande, uma sociedade de rapazes de Letras e Artes denominada – Padaria Espiritual, cujo fim é fornecer pão de espírito aos sócios em particular e aos povos em geral”.

2 – A Padaria Espiritual se comporá de um Padeiro-mor (presidente), de dois Forneiros (secretários), de um Gaveta (tesoureiro), de um Guarda-Livros, na acepção intrínseca da palavra (bibliotecário), de um investigador das Coisas e das Gentes, que se chamava – Olho de Providência, e os demais amassadores (sócios). Todos os sócios terão a denominação geral de – Padeiros.

3 – Fica limitado em vinte o número de sócios, inclusive a Diretoria, podendo-se, porém, admitir sócios honorários que se denominaram Padeiros-livres. 4 – Depois da instalação da Padaria, só será admitido quem exibir uma peça literária ou qualquer outro trabalho artístico que for julgado decente pela maioria.

Um dos principais traços da Padaria Espiritual foi o regionalismo marcante. Além de todos os sócios ganharem o título de amassadores ou forneiros, dependendo das funções. Cada um tinha também o pseudônimo que sempre recebia um sobrenome de uma planta ou palavra indígena presentes na cultura cearense. O pseudônimo de Antônio Sales era Moacir Jurema.

Obras
    Versos Diversos, poesias (1890)
    Trovas do Norte, poesias (1895)
    Poesias (1902)
    Minha Terra, poesias (1919)
    Aves de Arribação, romance e novela (1914)

Fontes:
R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.
Wikipedia

André Kondo (A Máscara)


As tochas incendiavam a coreografia do demônio, que ignorava a santidade do templo às costas. O diabólico rosto parecia flutuar, enquanto o corpo escarlate e branco deslizava em passos firmes, como se a pisar almas. Flautas orquestravam o desfile dos pecados, enquanto tambores marcavam a marcha dos suplícios. Olhares humanos admiravam a entidade de olhos esbugalhados, chifres protuberantes e dentes afiados. O derradeiro passo. Era o fim.

Aplausos. Ensandecidos aplausos.

Nomura abandonou o palco e correu para trás do pano, em que pinheiros de tinta espalhavam seus galhos aprisionados. Seu corpo havia sido possuído pelo demônio. Assustado, retirou a máscara. O bruxulear das tochas que cercavam o palco tomavam a face ainda mais assustadora. Nomura derrubou a máscara, que, do chão, continuava a sorrir.

Estaria enlouquecendo?

Talvez a loucura fosse o preço a pagar. Desde as primeiras performances de Kanami Kiyotsugu e seu filho, Zeami, a arte do teatro Nô nunca havia testemunhado um ator tão talentoso quanto Nomura. Tão talentoso e admirado. Porém, a que preço…

Quando as tochas se apagaram, Nomura buscou refúgio em um tranquilo aposento, nos fundos do templo xintoísta, que em seus rituais originou o Nô.

Despojou-se do peso de sua pomposa pele teatral.

Antes de apagar a lamparina e mergulhar em total escuridão, Nomura se separou da máscara que o consagrara. Depositou-a em uma caixa e a escondeu debaixo do altar do templo. Pensou que, agindo dessa forma, protegido pelos deuses, sobreviveria àquela noite.

Relutante, apagou a luz.

Cricrilar de um grilo próximo. Coaxar de uma rã longínqua. Uma gota pingando na bacia de pedra. Uma folha se desprendendo ao vento... Silêncio.

Nomura sentiu um arrepio. O mundo se calou. Há dez anos, quando ainda não usava máscara, Nomura se equilibrava em meias amarelas e fazia o povo rir, em suas performances de Kyogen, um cômico interlúdio teatral, que havia sido originado para amenizar a austera natureza do teatro Nô. Naquela época, Nomura não gozava de fama; pelo contrário, era motivo de risos entre os espectadores. Em suas atuações, os personagens de Kyogen expõem as tolices e as fraquezas humanas, que todos desejam esconder. Nomura sabia muito bem interpretar esse papel.

Há dez anos, naquela derradeira apresentação cômica, Nomura sentiu-se o mais tolo dos homens. Fazia os outros rirem. E fazia isso sem máscara, vestindo trajes comuns e meias amarelas. Sendo assim, as pessoas riam de sua atuação ou dele próprio? Naquela noite, na primeira fila, Nomura viu a mulher por quem era apaixonado. Ao seu lado, um homem o apontava, dizendo: "Esse é o pior ator que eu já vi em todo o Japão! Esse Nomura não interpreta nada! É apenas um perdedor que finge interpretar um perdedor e um palhaço que finge interpretar um palhaço! Na vida real, ele é muito mais engraçado". Nomura fixou o olhar na garota amada. Ela riu do comentário. Ela riu...

Envergonhado, abandonou o palco sem terminar a apresentação. Fugiu. As risadas se dissipavam com os seus passos que caminhavam para a escuridão. Naquela noite, não quis confraternizar com seus colegas. Não havia o que comemorar. Estava farto de tudo. Caminhou por um longo tempo até embrenhar-se em uma trilha que subia uma montanha coberta de pinheiros. O luar filtrado pelas afiadas folhas bastava para indicar a rota de fuga.

Uma pinha se desprendeu, acertando a cabeça de Nomura. "Maldição!", o grito reverberou por entre os pinheiros, enquanto Nomura apanhava a pinha e a lançava para longe. "Ploc". "O que é isso?".

Ruínas de um antigo templo se arrastavam por entre as árvores. O lintel do portal xintoísta estava ao chão, enquanto as colunas teimavam em se manter de pé, mesmo que em curvados ângulos.

Havia silêncio naquela noite, um silêncio que calava até o som do coração do ator.

Curioso, Nomura explorou o estranho achado. Revirou algumas pedras, levantou madeiras apodrecidas. O que estaria procurando? Não sabia, apenas agia por instinto, como se o destino o tivesse conduzido até ali. "O quê?".

Uma caixa laqueada. Ao contrário de tudo o que havia naquele local, aquela caixa estava muito bem conservada. O altar em que ela estava depositada já havia se esfacelado. Nomura a abriu.

Uma máscara.

Sob a luz do luar, a face do demônio se tomava suave. Mesmo com dentes pontiagudos, o sorriso lhe pareceu simpático. Os olhos esbugalhados vertiam sinceridade. Era o rosto de um demônio, mas era um rosto atraente. Tentador.

"Talvez seja um sinal", Nomura sorriu. "Esta só pode ser uma antiga máscara de teatro Nô. Talvez, uma máscara usada até em rituais xintoístas".

O diabo concordava com Nomura.

"Demônio, quero ser respeitado. Aliás, quero mais... Quero ser admirado! Agora compreendo o que tudo isso significa. Devo tentar novamente, apesar de tantas vezes já ter sido rejeitado, me tornar um respeitável ator de Nô. Com esta máscara, conseguirei!", Nomura ergueu a face do demônio, cujos olhos brilharam. Deitou-a sobre o próprio rosto. Adormeceu entre as ruínas.

"Há um preço a pagar".

"Para ser admirado, aceito qualquer preço".

O demônio sorriu.

***

Nomura despertou, com a máscara sobre o rosto.

Amanhecia.

Assustado, lançou a carranca para longe. "Como?". Na noite anterior, havia colocado a máscara no altar, agora, ela o assombrava em sua face. Olhou á volta. A manhã já invadia as frestas do cômodo.

Havia sobrevivido mais uma noite.

O sacerdote do templo em que Nomura estava hospedado deslizou a porta. Trazia uma bandeja com chá e bolinhos. Olhou para o chão e viu a máscara, com a face voltada para baixo.

— Vejo que já reencontrou seus demônios... Ontem à noite, alguém invadiu o templo — o sacerdote sorriu.

— Perdoe-me, eu estava fora de mim — Nomura envergonhou-se.

— Por que queria se livrar de sua máscara? — perguntou o sacerdote.

— Estou cansado... Desde que a encontrei, não tenho tido paz.

— Curioso — disse o sacerdote, enquanto despejava chá na tigela.

— Estou enlouquecendo... A máscara está me dominando, mal me reconheço no espelho.

— Você não é o único. Neste mundo de aparências, todos vestem máscaras.

Nomura não compreendia.

— Você passou a usar a máscara para impressionar uma garota, não é? — o sacerdote entregou a tigela de chá.

Não houve resposta.

— Como sei? Normalmente, começa assim. Usamos uma máscara para agradar a quem amamos. Certamente, a máscara de um demônio não seria a minha primeira escolha, mas... — o sacerdote balançou a cabeça.

Nomura segurava a tigela, esperando as próximas palavras.

— Pegue um bolinho — o sacerdote ofereceu.

Nomura aceitou, pegando o menor bolinho do prato.

— Por que pegou o bolinho menor? Não queria o maior? — o sacerdote perguntou, pegando o maior de todos.

— Sim, mas peguei o menor, por educação — respondeu Nomura.

— Neste caso, sou mal-educado — o sacerdote gargalhou, cuspindo migalhas entre os dentes.

"Que sacerdote estranho", pensou Nomura.

— Você me acha estranho por não me comportar como um sacerdote, não é?

— Sim.

O sacerdote caminhou até a máscara e a apanhou.

— Isto não passa de um pedaço de madeira. O demônio que teme não está aqui, mas dentro de você.

— Mas foi ela que me deu fama.

— A fama veio de seu talento.

— Não tenho talento. Antes, eu era apenas um ator secundário de Kyogen, um palhaço.

— Naquela época, você não tinha talento?

— Não, pois tudo o que fazia no palco saía naturalmente. Eu não precisava fingir nada e se não precisava fingir, não precisava ter talento para...

— Para mentir? — o sacerdote emendou.

— Aonde quer chegar?

— A questão é: aonde VOCÊ quer chegar?

— Eu...

— Nomura, você não precisa usar uma máscara para que as pessoas gostem de você. No fim, as pessoas acabam se afeiçoando á sua máscara e não ao que está atrás dela. Se quer mesmo ser admirado, seja o que você é de fato. Seja verdadeiro.

— Há muito tempo não sei mais o que é isso. Parece que interpretei a minha vida inteira...

— Para ser feliz, basta ser sincero naquilo que faz — sorriu o sacerdote.

— Ser feliz...

Sim. Ele havia sido feliz. Não precisava de uma sorridente máscara para demonstrar a própria felicidade.

Pouco tempo depois, Nomura subiu ao palco, de meias amarelas. E enquanto toda a plateia ria, Nomura ria junto... de cara limpa.

Fonte:
André Kondo. Contos do Sol Renascente. Jundiaí/SP: Telucazu Ed., 2015.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Varal de Trovas n. 224


Amilton Maciel Monteiro ("Corona Vírus”)


Há já noventa e um anos na escola da vida,
no entanto, nem por isso sinto-me formado,
ou pronto para a prova que será sofrida
a quem jamais cuidou de preparo adequado...

Perdoa-me Senhor, por ter desperdiçado,
o tempo que me deste para a pretendida
melhora que não fiz; e sei que sou culpado!
mas, por favor, meu Deus, retarda-me a partida.

De agora em diante, quero usar o que me resta
de prazo para dar à vida melhor festa,
com a presença e a fé de todos os meus irmãos!

Então, meu Deus, nos livre dessa epidemia,
do vírus assassino e que muito judia!
Todo o poder, Senhor, está em Tuas mãos!

Fonte:
Soneto enviado pelo poeta

Fernando Sabino (Com o Mundo nas Mãos)


Bernardo tem 5 anos mas já sabe da existência do Japão. E aponta para o céu com o dedo:

- É atrás daquele teto azul que fica o Japão?

Tenho de explicar-lhe que aquilo é o céu, não é teto nenhum.

- Mas então o céu não é o teto do mundo?

- Não! O céu é o céu. O mundo não tem teto. O azul do céu é o próprio ar. O Japão fica é lá embaixo - e apontei para o chão: - O mundo é redondo feito uma bola. Lá para cima não tem país mais nenhum não, só o céu mesmo, mais nada.

Ele fez uma carinha aborrecida, um gesto de desilusão:

- Então este Brasil é mesmo o fim do mundo. Daqui pra lá não tem mais nada...

Difícil de lhe explicar o que até mesmo a mim parece meio esquisito: o mundo ser redondo, o Japão estar lá em baixo, os japoneses de cabeça pra baixo, como é que não caem? Às vezes, andando na rua e olhando para cima, eu mesmo tenho medo de cair.

Na primeira oportunidade compro e trago para casa um mapa-múndi: um desses globos terrestres modernos, aliás de fabricação japonesa, feitos de matéria plástica e que se enchem de ar, como os balões. O menino não lhe deu muita importância, quando apontei nele o Japão e a Inglaterra, o Brasil, os países todos. Limitou-se a fazê-lo girar doidamente, aos tapas, até que se desprendesse do suporte de metal. Logo se dispôs a sair jogando futebol com ele, não deixei. Consegui convencê-lo a ir destruir outro brinquedo, o secador de cabelo da mãe, por exemplo, que faz um ventinho engraçado - e assim que me vi só, tranquei-me no escritório para apreciar devidamente a minha nova aquisição.

Com o mundo nas mãos, descobri coisas de espantar. Descobri  que a Coreia é muito mais lá para cima do que eu imaginava - uma espécie de penduricalho da China, ali mesmo no costado do Japão. O que é que os Estados Unidos tinham de se meter ali, tão longe de casa? O Vietnã nem me fale: uma tripinha de terra ao longo do Laos e do Camboja. Aliás, a confusão de países por ali, eu vou te contar. Tem a Tailândia e tem Burma, dois países de pernas compridas, tem a Malásia, a Indonésia. A Tasmânia não tem. Pelo menos não encontrei. Continua sendo para mim apenas a terra daquele selo enorme que em menino era o melhor da minha coleção. Dou um piparote no mundo e ele gira diante de meus olhos, para que eu descubra o que é mais que tem. Outra confusão é ali nas Arábias, onde o pau anda comendo: Síria, Líbano, Saudi-Arábia, Iêmen, e o diabo de um país cor-de-rosa chamado Hadramaut de que nunca ouvi falar. Estou ficando bom em geografia.

Duvido que alguém me diga onde fica Andorra. A última pessoa a quem perguntei, me disse que ficava nos limites de Aznavour. Pois fica é logo aqui, encravada entre a França e a Espanha, um paisinho de nada, vê quem pode. E fez aquele sucesso todo no Festival da Canção. Em compensação a Antártida é muito maior do que eu pensava, ocupa quase todo o Polo Sul. E é bem no centro dela que eu tenho de soprar para encher o mundo.

De repente me vem uma ideia meio paranóide. De tanto apalpar o globo de plástico, ele acabou meio murcho, acho que o ar está se escapando. E quando me disponho a enchê-lo de novo, imagino que eu seja um ser imenso solto no espaço, botando a boca no mundo para enchê-lo com meu sopro. O nosso planeta é mesmo uma bolinha perdida no cosmo,  e do tamanho desta que tenho nas mãos é que os astronautas devem tê-lo visto da lua: uma linda esfera de manchas coloridas, com seus oceanos cheios de peixes e singrados  por navios, as cidades agarradas aos continentes, ruas cheias de automóveis, casas cheias de gente, o ar riscado de aviões, de gaivotas, e de urubus... Tudo isso pequenino, insignificante, microscópico, os homens se explorando mutuamente, se maltratando, se assassinando para colher um segundo de satisfação ao longo de séculos de História, não mais que alguns  minutos  em  face  da eternidade. Que aventura mais temerária, a de  Deus, escolhendo caprichosamente este lindo e insignificante planetinha para ele enviar através dos espaços o seu Filho feito homem, com a missão de  redimir a nossa pobre humanidade.

Faço votos que tenha valido a pena e que um dia ela se veja redimida. Até lá, este mundo não passará mesmo de uma bola, como esta que meu filho Bernardo, irrompendo  alegremente no escritório, me arrebata das mãos e sai chutando pela casa.

Fonte:
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo Falar. RJ: Record, 1976.

Fernando Sabino (Como Comecei a Escrever)

Quando eu tinha 10 anos, ao narrar a um amigo uma  história  que havia lido, inventei para ela um fim diferente, que me parecia muito melhor. Resolvi então escrever as minhas próprias histórias.

Durante o meu curso de ginásio, fui estimulado pelo fato de  ser sempre dos melhores em português e dos piores em matemática o que, para mim, significava que eu tinha jeito para escritor.

Naquela época os programas de rádio faziam tanto sucesso quanto os de televisão hoje em dia, e uma revista semanal do Rio, especializada em rádio, mantinha um concurso permanente de crônicas sob o título  "O Que Pensam Os Rádio-Ouvintes". Eu tinha 12, 13 anos, e não pensava grande coisa, mas minha irmã Berenice me animava a concorrer,  passando à máquina as minhas crônicas e mandando-as para o concurso. Mandava várias por semana, e era natural que volta e meia uma fosse premiada.

Passei a escrever contos policiais, influenciado pelas minhas leituras do gênero. Meu autor predileto era Edgar Wallace. Pouco  depois passaria a viver sob a influência do livro mais sensacional que já li na minha vida, que foi o Winnetou de Karl May, cujas aventuras procurava imitar nos meus escritos.

A partir dos 14 anos comecei a escrever histórias "mais sérias", com pretensão literária. Muito me ajudou, neste início de carreira, ter aprendido datilografia na velha máquina Remington do escritório de meu pai. E a mania que passei a ter de estudar gramática e  conhecer bem a língua me foi bastante útil.

Mas nada se pode comparar à ajuda que recebi nesta primeira fase dos escritores de minha terra Guilhermino César, João  Etienne  Filho  e Murilo Rubião e, um pouco mais tarde, de Marques Rebelo e Mário de Andrade, por ocasião da publicação do meu primeiro livro, aos 18 anos.

De tudo, o mais precioso à minha formação, todavia, talvez tenha sido a amizade que me ligou desde então e pela vida afora a Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes  Campos, tendo como inspiração comum o culto à Literatura.

Fonte:
Para gostar de ler. vol.4. Ed. Ática, 1998.

Álvares de Azevedo (Baú de Trovas)


Acorda, minha donzela!
Foi-se a lua — eis a manhã.
E nos céus da primavera
a aurora é tua irmã!
- - - - - –

Acorda, minha donzela,
soltemos da infância o véu...
Se nós morrermos num beijo,
acordaremos no céu!
- - - - - –

Amemos! Quero de amor
viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
que desmaia de paixão!
- - - - - –

Amo a voz da tempestade
porque agita o coração,
e o espírito inflamado
abre as asas no trovão!
- - - - - –

Dá-me um beijo — abre teus olhos,
por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
és a minha alma no céu!
- - - - - –

Descansar nesses teus braços
fora angélica ventura:
Fora morrer — nos teus lábios,
aspirar alma tão pura!
- - - - - –

É doce amar como os anjos
da ventura no himeneu;
minha noiva ou minha amante,
vem dormir no peito meu!
- - - - - –

Entre os suspiros do vento,
da noite ao mole frescor,
quero viver um momento,
morrer contigo de amor!
- - - - - –

Quero viver de esperança,
quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança,
quero sonhar e dormir!...
- - - - - –

Tenho músicas ardentes,
ais do meu amor insano,
que palpitam mais dormentes
do que os sons do teu piano!

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

Agatha Christie (Resenha de Livros) 6


ENCONTRO COM A MORTE
Appointment with Death


O crime parece perseguir Hercule Poirot: onde quer que o grande detetive se encontre, ali será cometido um assassinato. É o que acontece novamente enquanto ele está de férias no Oriente. Desta vez, a vítima é a senhora Boyton, uma mulher repulsiva e perversa, ex-vigia de uma prisão feminina. Os principais suspeitos são seus próprios filhos, que viveram submetidos à tirania da mãe. Mesmo sem nutrir qualquer simpatia pela morta, Poirot não admite que alguém queira fazer justiça com as próprias mãos, e decide cumprir seu dever. Assim, depois de uma investigação minuciosa e angustiada, ele descobre e revela, para assombro de todos, a insuspeitada identidade do assassino.
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O NATAL DE POIROT
Hercule Poirot’s Christmas

As festas do fim de ano costumam ser sinônimo de paz e tranquilidade. Mas nem todos pensam assim. Na véspera de Natal, o velho milionário Simeon Lee é brutalmente assassinado em seu quarto. E o mais estranho é que todas as saídas do aposento estavam trancadas por dentro. Intrigado com o crime aparentemente insolúvel, o chefe da polícia local pede ajuda ao detetive Hercule Poirot. Mais uma vez, Agatha Christie engendra uma trama que fascina pelo inusitado, pelas situações originais e pela elaborada construção do perfil psicológico dos personagens, criando uma obra prima do gênero.

Após o cruel e horrendo assassinato de um pai de família, Hercule Poirot soluciona mais um crime em sua grande carreira. Qualquer um na casa teria um motivo para matá-lo, mas apenas um de seus parentes praticou esse crime de uma maneira tão perversa e no final o detetive descobre quem foi.
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É FÁCIL MATAR
Murder Is Easy


Graças à sua sagacidade e a um aguçado talento psicológico, a velha solteirona Miss Fullerton consegue descobrir a identidade de um criminoso, responsável por quatro assassinatos, e garante saber inclusive o nome da próxima vítima. É isso, pelo menos, o que ela conta a seu companheiro de viagem Luke Fitzwilliam, um ex-policial aposentado que retorna de trem a Londres depois de uma longa ausência do país. Fitzwilliam está disposto a desfrutar do sossego da aposentadoria, mas quando, logo em seguida, descobre que Miss Fullerton foi assassinada, desconfia que terá que abandonar o merecido descanso e voltar à ação.
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O CASO DOS DEZ NEGRINHOS
Ten Little Niggers


Dez pessoas recebem um estranho convite para passar um fim de semana na remota Ilha do Negro. Na primeira noite, após o jantar, elas ouvem uma voz, aguda e desafiadora, acusando cada uma delas por crimes cometidos no passado. Todas entram em pânico e mortes inexplicáveis se sucedem. Como na canção infantil dos Dez negrinhos, cada um dos convidados é eliminado e, a cada execução, também desaparece um dos negrinhos de porcelana que enfeitam a mesa de jantar. Mas quem seria o juiz de tal sentença? O Caso dos Dez Negrinhos é uma das obras-primas de Agatha Christie e foi adaptado para o cinema pelo diretor René Clair, em 1945.

Por motivos diferentes, dez pessoas vão parar na ilha do negro, Anthony Marston, Emily Brent, Ethel Rogers e seu marido, Philip Lombard, Henry Blore, Vera Claythorne, o general Macarthur, Lawrence Wargrave e o dr. Armstrong. Eles nunca haviam se encontrado antes, o que possibilitou uma boa convivência, será mesmo? Era boa até irem morrendo de acordo com uma perversa historieta infantil, diante disso Agatha Christie mais do que nunca desenrola o mistério fazendo de o caso dos dez negrinhos o melhor livro de sua carreira.

O Caso dos Dez Negrinhos conta a história de dez pessoas que ficam presas em uma ilha. Ninguém vem resgatá-los, então começam a se desesperar. Se assustam mais ainda quando começam a morrer um por um, de acordo com um quadro localizado acima da lareira da sala, que conta um poema de como dez negrinhos morreram. Os perdidos devem desvendar quem é o assassino, alguém entre as dez pessoas, antes que chegue a hora da morte. O livro promete muito suspense e angústia até acharem uma garrafa com uma carta do assassino contando tudo à polícia.
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CIPRESTE TRISTE
Sad Cypress


À primeira vista, o amor parece ser a causa do assassinato de uma linda e atraente mulher. E todas as circunstâncias apontam como culpada uma outra jovem, igualmente encantadora, motivada em princípio pelo medo de perder o homem que ama. Mas nada costuma ser assim tão óbvio para o imbatível detetive belga Hercule Poirot, que põe suas “células cinzentas” em ação para elucidar mais este caso - e mostra que, por trás de sua aparência de homem frio e racionalista, esconde-se um grande sentimental.
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UMA DOSE MORTAL
One, Two, Buckle my Shoe


Suicídio ou crime? O Dr. Morley era um homem satisfeito, respeitado pelos colegas, amado pela família e pelos amigos. Uma pessoa que não tinha nenhum inimigo nem motivos para se matar. No entanto, ele foi encontrado morto com um tiro na cabeça e um revólver na mão. O inspetor Japp acredita na hipótese de suicídio, mas o detetive Hercule Poirot desconfia das estranhas circunstâncias em que seu dentista morreu. As suspeitas aumentam quando um dos pacientes do Dr. Morley é assassinado e outro desaparece misteriosamente. O detetive belga tem que desvendar o caso antes que seja tarde demais.
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MORTE NA PRAIA
Evil Under the Sun


Nem sempre a maldade se esconde nas sombras da noite: às vezes, ela pode surpreender os incautos e ingênuos em plena luz do dia. Mas o detetive Hercule Poirot, que nada tem de ingênuo e está passando férias de verão numa praia paradisíaca, sabe que o Mal costuma estar sempre à espreita sob o sol. Por isso, ele será o mais indicado para desvendar o mistério do assassinato de uma linda mulher, provável vítima de sua própria beleza. Morte na Praia é mais uma genial criação de Agatha Christie, a “velha dama” do crime, que continua conquistando milhões de leitores em todo o mundo.

Para finalmente relaxar, Hercule Poirot vai a um hotel e se vê com um monte de pessoas estranhas e com passados desconhecidos, como o Comandante Kenneth, Arlena e Linda Marshall, Patrick e Christine Redfern, Horace Blatt, Rosamund Darnley entre muitos outros. Acontece então um previsível assassinato, que leva Poirot a retomar o seu trabalho em pleno descanso.
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M OU N?
N or M?


Um agente é friamente assassinado na Escócia depois de descobrir indícios de atividade nazista na Inglaterra no início da Segunda Guerra Mundial. Suas últimas palavras: “M ou N”. Com as missão de colaborar com o Serviço Secreto inglês, os jovens aventureiros Tommy e Tuppence seguem para a Escócia e se hospedam na pensão Sans Souci. A princípio, senhoras tricotando em cadeiras de balanço e homens que só falam de negócios não parecem ter qualquer relação com o crime. Mas essa é a única pista para solucionar a intrincada trama de crime e espionagem. E eles precisam decifrar o mistério antes que o assassino volte a agir.
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UM CORPO NA BIBLIOTECA
The Body in the Library


Membros respeitáveis da comunidade de Saint Mary Mead, o Coronel Bantry e a mulher descobrem certa manhã, na biblioteca de casa, o corpo de uma jovem, morta por estrangulamento. A polícia é chamada, mas quem se dedica a descobrir a identidade da desconhecida e identificar o criminoso é a simpática vizinha dos Bantry, a solteirona Miss Marple. Detetive amadora com um faro apurado para mistérios, ela segue a pista do estrangulador, que depois de assassinar outra mulher, é atraído para uma armadilha ousada e extremamente arriscada.

Fonte:
http://users.hotlink.com.br/pmgi/agatha/index.html