sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Jaqueline Machado (Memórias do subsolo, de Dostoiévski)

Em meados de mil e oitocentos, a Rússia opôs muitos conflitos, estava num período de grandes transformações. 

Esse foi um período no qual filósofos modernos da época como: Bentham e Mill, pregavam ardorosamente o utilitarismo e o positivismo. Mas Fiódor Dostoiévski, um grande mestre das Letras, daquele tempo, rejeitava as ideias de que o ser humano pode viver sob total controle, afinal, humano é gente, e não máquina, por isso desabafa suas críticas aos regimes da época na sua obra literária, Memórias do Subsolo, lançada em 1864. A partir da retórica apaixonada, em primeira pessoa, de um personagem que não tem nome, porque ele não representa um indivíduo em particular, mas um tipo social do seu tempo.

As primeiras palavras do personagem se dirigindo a uma plateia imaginária: 

Sou um homem doente, sou um homem raivoso, sou um homem sem graça nenhuma. Acho que sofro do fígado”. 

A seguir “... Sou instruído suficientemente para não ser supersticioso, mas mesmo assim, eu sou”.

Ele era servidor público e adorava fazer uso do seu pequeno poder para ser cruel, humilhar os mais simples. Era malvado de propósito. Havia alguma bondade nele, mas era orgulhoso e não deixava transparecer. Na verdade, ele não passava de um fracassado que precisava parecer superior a todos. 

A narrativa segue um ritmo de falas contraditórias: o que é, em instantes deixa de ser. E depois, volta a ser novamente. É um monólogo coreografado que induz a plateia a uma dança mental: “Dois neurônios pra cá, dois neurônios pra lá”.

É assim, que eu, como leitora, defino a narrativa de Memórias do Subsolo. 

O título da obra é uma metáfora que pode estar se referindo a um lugar ou ao nosso próprio “subsolo”...

E mais... O personagem também filosofa nas entrelinhas, que por causa desse subsolo, o suposto inconsciente, a humanidade, mesmo que, diante de uma vida perfeita, estragaria a perfeição, e estragaria de propósito, pois o ser humano é irracional, e mesmo que seja para provocar a sua própria queda, ele prefere a liberdade. Não abre mão do seu livre arbítrio, quer decidir sobre o próprio destino. E tudo bem. Isso é ser gente...

Ele dá a entender que o ser humano não foi feito para obedecer. Ele é o caos, e isso não é de todo mal, pois é em meio a todo caos, que as grandes e mais interessantes histórias do mundo acontecem. Que tudo acaba e se reinicia. 

Para mim, a síntese da obra é: “A liberdade é a ferramenta que está sempre a destruir e recriar a vida. Sem ela não existiria eternidade.

Fonte:
Enviado por Jaqueline Machado.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Therezinha D. Brisolla (Trov" Humor) 13

 

João da Câmara (O paquete)

 
Era no fim da azinhaga — uma azinhaga estragada pelas chuvas do inverno e tendo ainda marcada na lama seca a passagem do último carro de bois. De um lado e de outro velhas piteiras misturavam a cor verde claro das largas folhas carnosas com o verde escuro, quase negro, das silvas e pilriteiros; de espaço a espaço erguiam-se algum sobreiro decrépito, faias brancas e prateadas, loureiros embalsamando o ar com o cheiro forte e bom das longas folhas agudas.

No fim erguia-se a casa com o seu aspecto senhoril. A hera apoderara-se do exterior e, aproveitando as fendas que o tempo abrira, espreguiçando-se sobre o leito do velho musgo amarelo que revestia cada pedra da parede, ia unir as suas folhas delicadas aos cachos de arroz que desciam em elegantes pirâmides das beiras do telhado.

Uma pequena escada, seis ou sete degraus gastos, abalados, partidos, conduzia do pátio ao vestíbulo do palácio. Sobre o portão, cuja tinta gretada pelo sol caíra pouco a pouco, ostentava-se, comido pelo tempo, o brasão da família, sobre o qual ameaçava ruína uma grande coroa de conde transformada em coito de lagartixas.

Os vidros enegrecidos e apenas translúcidos tremiam de velhice nos caixilhos de chumbo. Pelo pátio, nos interstícios das pedras, crescia livremente a erva, e a um canto um ralo juntava as estrídulas melodias ao monótono coaxar das rãs do pântano vizinho.

O Conde estava na livraria sentado numa velha poltrona de coiro com pregos de metal. Tinha na mão um livro latino, que lia atentamente. 

A livraria era uma vasta sala alumiada por três janelas de grande vão. Avistava-se ao longe a aldeia com seu campanário branco, suas casinhas bem caiadas, e os cimos dos choupos erguendo-se acima dos telhados e indicando a estrada que a atravessava conduzindo duma vila a outra. Entre as janelas e as portas estavam as estantes com os grandes in-fólios amarelos, os grossos dicionários e as obras clássicas latinas, portuguesas e francesas. A parede fronteira ás janelas, por cima da chaminé de mármore branco, era ocupada pelo retrato do avô do Conde. Era um homem alto, bem feito, simpático. Estava vestido à época de D. João V. Tinha uma das mãos nos copos da espada, as suas comendas ao peito e uma sombra esquisita, forte, brutal, na metade do nariz do lado esquerdo. A moldura deixara cair o doirado e estava rendilhada pelo caruncho. A um canto uma aranha tecera a teia e esperava pela presa, escondida num rasgão da tela.

O sol descia e o Conde, para lhe aproveitar os últimos raios, puxara a cadeira para o vão da janela e, com o livro sobre o joelho, o cotovelo sobre a perna traçada e a testa encostada à mão, lia atentamente uma passagem de Suetônio.

O crepúsculo foi invadindo a sala. O sol, depois de ter com o ultimo raio brincado um instante na testa veneranda do avô comendador, desceu para detrás do cabeço, e as grandes sombras dos montes fundiram-se pouco a pouco numa tinta geral. 

O Conde fechou o livro sobre o índex e pôs-se a contemplar a aldeia. O vento do norte entrando pelas fendas das paredes sibilava tristemente no corredor, os vidros zuniam nos caixilhos de chumbo, as aves noturnas, que habitavam as vastas chaminés do palácio, começavam a piar e aos ouvidos do Conde chegava a alegria da aldeia como nota estranha duma língua esquecida.

Meados de novembro, as noites eram frias.

O Conde olhou tristemente para as janelas das casas dos lavradores alegremente iluminadas pelo fogo vivo das lareiras, e, estremecendo de frio dentro da velha sobrecasaca parda, levantou-se, tocou uma campainha e, metendo as mãos nas algibeiras, começou passeando pela sala.

Era um velho alquebrado e quase completamente calvo; apenas duas ou três madeixas de cabelo branco e comprido desciam-lhe da nuca até à gola do casaco. Usava a barba toda; era curta e branca. Os olhos, cuja luz a idade ia apagando, eram da cor mal definida que têm os olhos dos velhos e os das crianças de mama: tinham contudo uma expressão doce e melancólica. Ao canto da boca uma prega vertical, desdenhosa e altiva quando o Conde estava serio, dava-lhe uma expressão de simpática tristeza quando sorria.

Ao toque da campainha acudiu um criado.

Era um velho também, mais velho do que o Conde talvez. Trazia vestida uma casaca por certo verde, de tão velha que era, se não lhe ocultassem o estofo acumuladas passagens de linha preta.

Entrou curvado um pouco pelo respeito, outro tanto pelos anos.

— José, disse o Conde, vai arrancar mais uma tábua à sala do trono a arranja o lume.

— Sr. Conde, eu sozinho não tenho forças.

— Chama o caseiro, como tens feito nos outros dias.

— O Manuel foi-se hoje embora, sr. Conde.

— Foi-se hoje embora! Porque?

— Foi trabalhar para a quinta do João Pereira. V. Ex.ª bem sabe que o homem, coitado, tem família que sustentar e como os ordenados andam atrasados...

— Efetivamente, recordo-me de que há já bastante tempo... Ora, coitado! Mas, porque não me disse ele?... Eu esqueço-me de tudo. Hás de dar-lhe dois pintainhos da minha parte. Eu te ajudo hoje a arrancar a tábua.

E saindo ambos, foram a um quarto próximo e arrancaram uma tábua do soalho. O José serrou-a numas poucas de partes, feriu lume numa pederneira, porque o Conde reprovava os fósforos como perigosos, e, pouco depois, uma chama viva e alegre trepava pela chaminé.

O Conde tornou a abrir o livro e continuou a ler Suetônio à luz de um bocado do seu palácio. Tinham-se ido as tábuas pouco a pouco e já quase não restavam senão três quartos completos, o do Conde, o do José e a livraria. Tábuas, vigas, portas e janelas tinham-se desfeito em cinzas.

E os velhos lavradores da aldeia, ao verem o fumo erguer-se acima da chaminé do palácio, sorriam tristemente e diziam:

— Coitado!

Mas o Conde continuava alegre e indiferente. Como até ali nada lhe faltara, Deus sabe à custa de quantos sacrifícios do pobre criado, não pensava no estado de miséria a que se achava reduzido ou, para melhor dizer, não queria pensar. 

Quando ao domingo voltava da missa, vinha conversando alegremente, com um certo ar entre familiar e protetor, com os lavradores que o estimavam e gostavam de ouvi-lo. Entrava nas choupanas mais pobres, e aflito com a miséria que nelas encontrava, dizia baixinho para o velho José, que o acompanhava sempre, com o grande missal romano debaixo do braço:

— José, deixa um pintainho em cima da mesa para esta pobre gente festejar o domingo.

E saía tocando ao de leve com os dedos nas faces rosadas das criancinhas, que olhavam para ele com os seus meigos olhos grandes, cheios de espanto e de curiosidade. 

O José demorava-se como que para obedecer ao fidalgo e saia momentos depois, levando nas vastas algibeiras da casaca os bocados de pão negro e de carne, com os quais e com a ajuda de mais uma tábua o Conde havia de jantar naquele dia. E o Conde continuava alegre e passava os dias conversando, como ele dizia, com os seus autores favoritos e entretendo a imaginação com os sonhos doirados d'um futuro melhor.

Tinha um filho.

Havia três anos que o seu gênio desleixado o obrigara a partir para o Brasil, na esperança de, à força de trabalho, reparar os desastres da fortuna. E não fora a ambição que o levara tão longe. Não ignorava ele a maneira como se sustentava o Conde e o seu gênio altivo custava-lhe sujeitar-se à compassiva esmola dos aldeões.

Um dia, deu parte de suas intenções ao pai, mostrando-lhe a conveniência daquela partida, ocultando-lhe porém uma grande parte da verdade com receio que a revelação dela fosse um golpe fatal na vida do velho. Repelida primeiramente a ideia como absurda e pouco digna, o pobre pai, com o coração esmigalhado pela dor e pela vergonha, teve por fim que render-se e sacrificar o seu orgulho ao orgulho mais nobre do filho.

Obtida a licença, partiu levando como capital a bênção paterna e os poucos pintainhos que rendeu mais uma hipoteca.
***

Os primeiros dias foram horríveis para o Conde. Sentia um vácuo enorme naquela casa, havia pouco tão cheia ainda. Depois a dor foi abrandando pouco a pouco, e o Conde voltou aos hábitos antigos. Tinha mais um sentimento no coração: a esperança.

Uma tarde chegou uma carta que dizia:
«Meu caro pai, vou bem, vou muito bem. Pelo próximo paquete espero poder enviar-lhe cem mil réis, quantia que continuarei a mandar todos os meses.»

O Conde procurou paquete no dicionário de Moraes, mas achou a palavra comida pela traça. O José chorava de alegria e naquela noite deitou duas tábuas no lume, aceitou um copo de vinho ao João Pereira, e, quando acabou o terço, disse para o Conde, com quem o rezara em voz alta:

— Para que se realize o que sr. D. Carlos nos promete: Salve, Rainha.

E passou-se mês e meio e o Conde dizia:

— O que será paquete?

De Agostinho de Macedo para cá não sabia nada, não lia jornais, nem vê-los queria. Detestava-os com um ódio de velho, quase instintivo. Quando via algum jornal murmurava logo!

— Maçonaria!

E continuava a esperar o paquete, como um sebastianista espera D. Sebastião, com uma confiança cheia de mistérios e de pequenas impaciências.

O palácio já pouco mais tinha do que as paredes. Pouco a pouco, tábua, por tábua, viga por viga, o quarto do criado passara pela chaminé e este dormia agora na câmara do Conde.

E o velho fidalgo dizia ao ver crepitar na vasta lareira as tábuas carcomidas:

— Paciência! Isto concerta-se depois, quando chegar o paquete.

E o José apenas respondia:

— Salve, Rainha.

Estava-se no principio de janeiro.

O Conde começou a separar os livros em duas classes: a dos livros úteis e a dos livros inúteis. Os livros inúteis transformaram-se em calor, e, quando o Conde via as paginas amareladas torcerem-se sob a ação do lume, olhava para elas tristemente e depois, erguendo os olhos para o retrato do avô, dizia mentalmente, como que pedindo desculpa:

— São os piores.

Acabaram os livros inúteis e o Conde pôs de lado os ótimos e queimou os restantes. Duraram dois dias. E como o paquete não chegava, o Conde coçava a cabeça e olhava com um modo menos respeitoso para o missal romano.

O José triplicava o numero das salve-rainhas.

E o paquete não chegava, e os manuscritos arderam, e o Conde queimou as gravuras e conservou apenas o Suetônio.

Passados dias chegou uma carta.

Trazia um sobrescrito azul, um pouco transparente, muito boa letra, uma letra com muitos finos e grossos, como a d'um professor de caligrafia. Trazia a marca do Brasil e cheirava a carvão de pedra.

Foi o José quem a recebeu, e correndo para a livraria, onde o Conde estendia instintivamente as mãos tremulas sobre as cinzas frias da chaminé, entrou gritando:

— O paquete! o paquete!

O Conde estremeceu, ergueu-se e pegou na carta.

Era talvez a riqueza!

Passou-lhe uma nuvem pelos olhos.

Encostou-se a uma poltrona e, tremendo, abriu o sobrescrito.

E leu:
«Temos o doloroso dever de dar parte a V. Ex.ª do falecimento do seu filho...»

O Conde não pode ler mais e deixou cair a carta.

José exclamava:

— Perdidos! Perdidos!

E dava com a cabeça nas paredes.

O Conde conservava-se silencioso e fitava os olhos turvos na folha de papel azul, que tremulava no chão assoprada pelo vento.

— Resta-nos a caridade, José, disse por fim. Vai, vai ter com essa gente a quem ontem ainda eu dei esmola, e diz-lhe que o Conde lhe pede, por amor de Deus, um bocado de pão.

E depois soluçando:

— Manuel! Filho!... Meu querido filho! – e como fazia muito frio, o Conde queimou o Suetônio.

Fonte:
Disponível em Domínio Público
João da Câmara. Contos. Lisboa: Guimrães, Libânio & Cia, 1900.
Atualizado para o português brasileiro por J. Feldman

Exposição da AVIPAF: Vida uma passagem só de ida (Poesias) – 4 –


Realizada pela AVIPAF, Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia
Local: Feira do Poeta de Curitiba.
Duração: 23 de julho/23 à 25 de Setembro/23.

Curadoras: Isabel Furini e Elciana Goedert.
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Marli Terezinha Andrucho Boldori
AVIPAF | Cadeira 11
Patrono | Dídio Augusto

SEM PASSAGEM DE VOLTA

Dia de festa
o bebê nasceu.
Tudo é novo, até o choro é lindo.
O tempo passou,
a vida floresceu e todas as etapas da vida
venceu,
casamento, filhos,
aposentadoria, viagens, porém
a alegria começou a fenecer.

Quando olhou para o futuro viu
que estava chegando
o dia de ir embora,
a vida não é eterna,
se a estadia foi boa ou ruim
de nada adianta chorar agora,
não há mais volta!
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Maria Antonieta G. Teixeira
AVIPAF | Cadeira 10
Patrono | Castro Alves

DESTINO

Vida é ponte cujo final não se vê
A beleza está na travessia
Naquelas pequenas alamedas
Que não estavam no mapa
Quando se planejou a viagem.

Não precisa ter certeza do destino
Viva a vida e vida plena de alegria
Não perca as oportunidades
Mais ação e menos preocupação.

A vida só tem sentido quando
solidária com todas as pessoas
Absolutamente todas. Isso cria
Conexões com pessoas felizes
Gerando novas visões de mundo
Com boas histórias e novos sorrisos.

A vida traz felicidade,
A criatividade inventa,
O coração dá o caminho
E a vontade conquista.
Tenha paixão pela vida!
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Miriam Maria Santucci
AVIPAF | Cadeira 22
Patrono | Giacomo Leopardi

MINHA MÃE

Venho te ver.
Agora você é feita de letras
impressas na pedra.
Eu olho pra você
e não sei o que dizer.
As palavras
morrem dentro de mim
uma por uma
e vão te fazer companhia.
Eu olho para você
e os olhos se enchem
de lágrimas.
Você, que não tem mais angústias,
você também me olha
e me repreende por chorar
com seus olhos de pedra…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Nélida Miriam Robledo
AVIPAF | Cadeira 53
Patrono | Domingo Zerpa

A VIDA

Anda.
Não importa quanto. Não importa onde.
Siga em frente, no fim da estrada te espera
a realização concreta de seu objetivo.
Que se faz caminhando para o alto?
Às vezes é difícil a subida?
É a vida!
Que as curvas são estreitas
e as trilhas são íngremes?
Que não há nada que te ajude
quando você sente falta de ar?
Tudo está bem.
Não tenha medo: é a vida.
Apenas siga em frente. Caminhe.
Quando você chegar ao topo
poderá olhar de frente e dizer que,
apesar das quedas, valeu a pena a subida…
da vida…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Rita Delamari
AVIPAF | Cadeira 41
Patronesse | Gilka Machado

VIAGEM

Um brinde à vida!
Jornada de único destino...
Tênue linha, de precípua atenção.
Maquina engenhosa,
de peças tão precisas.
Abrace o seu coração!
Nas estações desta viagem,
não se esqueça de enxergar
o fascínio que existe, na paisagem!
Viver bem e sempre,
com coragem e resiliência.
A vida é agora, é urgente.
E a escuridão da noite,
traz a lume toda a beleza,
nas flores que plantaste!
Cultive sempre a sua colheita
para deixar o seu perfume,
nos caminhos da existência.

Fonte:
Enviado por Isabel Furini.

Antônio Padilha* (O galanteador na fossa)

Ivaiporã antigamente

O vale do Ivaí teve sua fase áurea com o "rush" da cafeicultura entre os anos de 1956 e 1966. Gente de todos os pontos do País chegava ávida por trabalho e pelo enriquecimento rápido. Pequenos povoados se transformaram em prósperas cidades como Faxinal, Borrazópolis, Jardim Alegre e Ivaiporã, entre outras. Os moradores das áreas rurais dessas localidades eram visitados periodicamente por um mascate conhecido por Turquinho, que trazia de São Paulo as novidades para as donas-de-casa e moças casadouras.

Das malas abarrotadas saíam blusas, anáguas, calcinhas, sutiãs, perfumes, sabonetes, linhas, alfinetes, agulhas, novelos de renda, botões coloridos e diversas bugigangas. Após cumprir seu roteiro, as malas ficavam leves; era o momento de promover a liquidação na zona do baixo meretrício mais próxima. Os coronéis não pechinchavam e atendiam os pedidos das quengas com grande generosidade.

Com o passar dos anos, Turquinho adquiriu os hábitos e o linguajar típicos dos moradores, passando a usar expressões como "Oxente Brimo", "Sartei de Banda Tchê", "Arranquei Pena Brimo", tornou-se torcedor do Corinthians e apreciador de uma cachacinha, transformando-se no mais brasileiro dos turcos que apareceram na região.

Nos dias chuvosos, com as estradas intransitáveis, Turquinho matava o tempo em algum boteco contando casos pitorescos; principalmente de um picareta de terras conhecido por João do Rolo, um baiano metido a galã e conquistador que passou a assediar Adelaide, mulher do comerciante Tião Gaúcho. 

Bastava o gauchaço sair com seu jeep 51 para fazer compras em Apucarana, quando ficava ausente por um ou dois dias, que, de imediato, João do Rolo se aproximava de Adelaide com seus galanteios. Como boa comerciante, Adelaide levava na esportiva, mas, foi se cansando do assédio e decidiu deixar o marido a par da situação. Juntos, tramaram um castigo para o picareta assanhado.

Ao ver Tião saindo para mais uma viagem, o garboso galã correu até a venda e começou a enaltecer os encantos de Adelaide. Desta vez ficou surpreso e radiante de felicidade, quando a pretendida concordou em recebê-lo em casa, após o fechamento do estabelecimento às 21 horas. No horário combinado, a porta estava entreaberta, a luz de vela dava um toque de sensualidade e um clima de pecado. Adelaide, com uma garrafa de vinho e de dois copos, sorriu para João e começaram a conversar.

Passados menos de cinco minutos, ouve-se o jeep de Tião adentrando a garagem. Desespero total; o galã não sabia o que fazer, pela frente não poderia sair, pelos fundos não havia saída. Atende então a sugestão de Adelaide, pula a janela e corre para a privada do quintal, cujo assoalho havia sido retirado, e mergulha na fossa.

A trama dera certo. Com todas as lâmpadas acesas, a polícia é chamada, João do Rolo gritando por socorro, curiosos se aglomeraram, os familiares de João chegaram envergonhados e ajudaram os policiais a tirá-lo do vexame. 

Turquinho garante que o picareta foi de mala e cuia para o Mato Grosso, levando o cheiro insuportável da amarga aventura.

Mahamud Nagi Ibrahim, o Turquinho, em seu bar em Ivaiporã, conta casos memoráveis de uma época que deixou saudades.
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* jornalista em Ivaiporã.

Fonte:
300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

Curiosidades Paranaenses


– Antigamente em Curitiba, acender o foco era acender a lâmpada. 

– Jogo de búrico era jogo de gude.

– Bidê era criado mudo. 

– Estilingue era setra.

– Inhapa era o brinde, o “algo a mais”, a vantagem que recebemos em uma negociação.

– Trubisko era coisa sem importância.

– Vina não é salsicha (que em alemão é wurst) e sim um tipo de salsicha, mais especificamente a do tipo Viena. Na verdade, as outras etnias que conviviam em Curitiba ao verem os alemães falando “wiener wurst” e comendo a salsicha, generalizou o entendimento que vina representava salsicha, independente de tipo.

– A qualificação de cidade-sorriso para Curitiba foi dada pelo poeta sergipano Hermes Fontes, impressionado pela alegria das camponesas que vinham vender sua produção agrícola nas feiras da cidade, sempre cantando.

– Jacaré que mora no parque: Virou quase uma lenda da cidade, mas é verdade que um jacaré vivia no Parque Barigui, um dos mais famosos da capital. Há alguns anos, um animal foi capturado por lá, mas outros foram vistos por turistas depois disso. Porém, desde 2015 não há registros da presença deles no local. A história é tão famosa que uma estátua de jacaré foi colocada no parque.

DICIONÁRIO POPULAR PARANAENSE

Alcochoado: cobertor espesso; edredon.

Arruinar-se: ficar doente, piorar (o estado de saúde).

Barroca: Beira acidentada de estrada, barranco.

Burrichó: Asno, jumento. (tratamento geralmente dado a filhote).

Carreiro: Caminho aberto no mato, trilha.

Chupim: nome popular local dado a pássaro que está sempre no dorso do boi; pessoa que se aproveita ou obtém vantagem de outra; que não sai de perto visando interesses.

Data: terreno.

Desacorçoado: desanimado, sem ímpeto.

Dolé: Sorvete, picolé.

Gaiota: Pequena caçamba, com ou sem tampa, rebocada por veículo.

Guapeca: Cachorro pequeno, vira-latas.

Jaguara: pessoa ruim, trapaceira, de má fé, mal intencionada.

Loque: pessoa bobona, que é facilmente enganada.

Malaco: pessoa de má índole, trapaceiro (o mesmo que jaguara).

Nhanho: pessoa chata, sem classe.

Penal: Estojo .

Piá: Criança do sexo masculino, guri.

Pucarana!: Expressão de espanto.

Raia: Pipa (tipo de papagaio de papel levado ao ar com linha).

Redondo: rotatória de veículos.

Sinaleiro: Semáforo.

Sortido: Refeição popular, prato feito.

Tongo: pessoa boba, sem traquejo social, matuto, sem iniciativa.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Vanda Fagundes Queiroz (Trovando) “10”

 

Monsenhor Orivaldo Robles (Melhor idade?)

Ensina a filosofia do irmão da estrada que na escola da vida não há férias. Desde que nascemos entramos em processo de permanente aprendizado. Seguimos aprendendo até ao dia da nossa morte. Morrer é, na verdade, a última lição do curso. Quando ela chega, deveríamos sabê-la direitinho. Afinal, tivemos toda a vida para estudá-la. Não é, infelizmente, o que acontece. A maioria nem quer ouvir sobre ela. Se há uma lição a cuja aula a gente faz questão de faltar é essa.

Dom Murilo Krieger tinha o costume de dizer: “Morro e não vejo tudo”. Queria deixar claro que podemos ter uma experiência, antes não pensada, que supúnhamos impossível. Porque, queiramos ou não, a vida ensina. Quanto mais tempo a gente acumula na sacola, tanto mais vai também ajuntando conhecimentos. Por isso, aos velhos costuma-se atribuir maior sabedoria que aos jovens. Se bem que, em nossos dias, as pessoas não se mostrem interessadas em sabedoria. Muito mais parece se interessarem por dinheiro, beleza e juventude.

Diógenes (412 a. C. – 323 a. C.) de Sinope, da Grécia (não Sinop, do Mato Grosso), filósofo, exilado de sua cidade, instalou-se em Atenas. Foi viver num tonel ou barrica, a cuja frente ergueu uma placa com o anúncio: “Vende-se sabedoria”. Coitado, estivesse hoje no Brasil, iria morrer de fome, com certeza.

Vivemos a era das aparências que fascinam. Dos brilhos sedutores que dão a impressão momentânea de oferecer uma felicidade que nunca terá fim. Entretanto, como a vida é cambiante, cheia de surpresas e novidades, em pouco tempo, já pensamos em mudar de novo. Parece difícil admitir que algo seja definitivo. Queremos que tudo seja substituível, descartável. Até as pessoas. Talvez nunca, como hoje, os casais tenham trocado tanto de companheiro (a).

Não é possível entender como regra absoluta, mas parece que, quando a mulher procura outro, está interessada num mais rico; o homem, numa mais bonita. Dinheiro e bela aparência foram elevados à categoria de valores imprescindíveis. Ainda assim, menos apreciados que juventude, esta, sim, objeto do desejo de dez entre dez pessoas consideradas normais. A fase que atravessamos é bastante curiosa. Nunca as pessoas desfrutaram, como agora, de vida tão longa. Ao mesmo tempo, nunca apreciaram tanto a aparência de jovem sarado (a). Ser (ou somente parecer) jovem tornou-se um ideal a conquistar, qualquer que seja o custo. Chegamos a esta incoerência: ninguém quer morrer jovem, mas também não quer ficar velho.

De todos os mal-estares da vida seguramente nenhum é pior que a velhice. Para a maioria das pessoas, nela reside a desgraça maior. E não há como evitá-la. Ela vem de braço dado com um bando de más companhias, as temidas doenças. Por mais que se disfarce ou dela se evite falar, a velhice vai inevitavelmente instalando-se no corpo da gente. Não há força capaz de impedir.

Dos idosos espera-se sabedoria, não é? Melhor, então, deixarmos de fingimento e piedosas mentiras. Qual o sentido de expressões como “melhor idade” ou tolice semelhante? Melhor para quem? Para os laboratórios produtores dos remédios de uso contínuo, que precisamos tomar? Nenhum idoso inventou essa bobagem, tenho certeza.

Vamos aceitar, com serenidade e gratidão, que a velhice nos alcance. Mas não permitamos que se instale em nosso espírito. No corpo já está de bom tamanho.

Fonte:
Portal do Rigon. Publicado em 30/08/2014.
in https://angelorigon.com.br/2014/08/30/melhor-idade-2/

Exposição da AVIPAF: Vida uma passagem só de ida (Poesias) – 3 –


Realizada pela AVIPAF, Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia

Local: Feira do Poeta de Curitiba.

Duração: 23 de julho/23 à 25 de Setembro/23.

Curadoras: Isabel Furini e Elciana Goedert.
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Isabel Regina Nascimento
AVIPAF | Cadeira 13
Patronesse | Leonilda Hilgenberg Justus

VIDA

Vida estrada sinuosa que se estende
Com passagem só de ida
Um caminho incerto, onde a alma aprende
A sabedoria contida

Viver é um ato sublime e transformador
É aceitar o mistério que a existência traz
É dançar ao ritmo do tempo, sem temor
E cada instante escrever a própria paz

Não há retorno, apenas seguir adiante
Viver intensamente cada instante
Abrir asas e voar rumo ao horizonte
Deixar um legado, um rastro vibrante

A vida é um presente, um dom precioso
Uma viagem com destino desconhecido
E mesmo diante do inevitável destino
É possível fazer dela um livro colorido
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José Feldman
AVIPAF | Cadeira 35
Patrono | Apollo Taborda França

JARDIM DA VIDA

A vida … quimeras sem fim
noite e dia a nos embriagar.
Sementes vivas no jardim,
novas sementes germinar.

Seguimos semeando afora
buscando um novo florescer.
No jardim, a esperança, a flora,
crença de um novo amanhecer.

Sementes da felicidade.
Sementes imersas na dor.
Também sementes da verdade

cultivadas com muito amor.
No coração vive a saudade,
mais um ramalhete em flor…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

José Mauricio Pinto de Almeida
AVIPAF | Cadeira 19
Patrono | Augusto Lopes Côrtes

OUTRA VIDA

Vida que nada me deixa levar
Leva-me, então
Ao sabor das boas coisas
Ao amor às gratidões
Ao entusiasmo dos suspiros
Ao auxílio das sagradas almas
A pensar na sua finitude
Numa volta evoluída
E sem despedida
A uma outra renovada vida
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Jucélia Betinardi
AVIPAF | Cadeira 54
Patrono | José de Alencar

O DOM DE DEUS

A vida é maravilhosa!
É um dom de Deus
A nossa existência

Há coisas magníficas
As quais só Ele pode explicar
O céu, o sol, a lua, as estrelas
As flores, a natureza…

Viver é poder respirar
Dar valor à própria vida
Sempre com nosso espírito
Em paz e em harmonia
Agradecer a cada dia

A vida é tudo isso
E muito mais
Tanta beleza...
Obrigada, meu Deus!
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Luciano Dídimo
AVIPAF | Cadeira 31
Patrono | Horácio Dídimo

VIDA BREVE

"Foge-me a vida no correr do pranto,"
Embora esteja ainda inacabada,
Eu sinto a minha trama ser cortada,
Sem pena, sobreaviso ou acalanto.

Por mais que tenha, pela vida, encanto,
Ao ver a minha tenda desarmada,
Minha morada, à força, arrebatada,
Na dor e no silêncio, eu aquebranto.

Em meio às ilusões e desenganos,
Eu descobri que o amor transbordaria...
Inexplicáveis os divinos planos.

No fim, eu entendi, com alegria:
Para o Senhor, um dia são mil anos,
"Minha ventura só durou um dia!"

* 1° e 14° versos extraídos do poema HOJE, de Auta de Souza

Fonte:
Enviado por Isabel Furini

Hans Christian Andersen (O Pinheirinho)

Lá fora, na floresta, encontrava-se um pequeno e belo Pinheirinho. Nasceu num lugar agradável, onde havia muita luz e muito ar. Estava rodeado de muitas árvores maiores — pinheiros, e abetos também — mas o Pinheirinho ansiava por crescer mais. Não dava valor ao ar fresco, ou às crianças que vinham tagarelar na floresta e procurar morangos e framboesas. Passavam muitas vezes com um cesto cheio, sentavam-se junto ao Pinheirinho e diziam: “Que bonito que é aquele pequenino!”, mas não era isso que o Pinheirinho queria ouvir.

No ano seguinte, tinha crescido um rebento novo e no ano que se seguiu cresceu ainda mais. Pode-se sempre dizer, pelo número de anéis que tem no tronco, há quantos anos uma árvore está a crescer.

— Oh, se eu ao menos fosse tão grande como os outros! — suspirava o Pinheirinho. — Então, espalharia os meus ramos para bem longe e, do meu topo, estaria atento a todo o mundo. Os pássaros construiriam ninhos nos meus ramos e, quando o vento soprasse, apenas abanaria, tão orgulhoso como as outras árvores.

No Inverno, quando a neve pousa por todo o lado branca e brilhante, uma lebre veio a correr e saltou por cima do Pinheirinho, o que o pôs zangado. Mas, três invernos passados, a pequena árvore tinha crescido tanto que a lebre teve que a contornar.

“Oh, crescer, crescer e envelhecer! É, com certeza, a melhor coisa do mundo”, pensou a árvore.

No Outono, os lenhadores vinham sempre para abater algumas das árvores maiores. O Pinheirinho estremeceu de medo, pois as árvores grandes caíam estrondosamente no chão e os ramos eram cortados para que parecessem bastante despidas. Eram colocadas em caminhões e levadas dali. “Para onde iriam?”, perguntava-se o Pinheirinho.

Na Primavera, quando as andorinhas e as cegonhas chegaram, a árvore perguntou-lhes:

— Sabem para onde vão as árvores? Viram-nas?

As andorinhas responderam que não, mas a cegonha disse:

— Sim, penso que sim. Vi muitos navios novos, quando deixei o Egito. Tinham mastros muito altos, penso que eram as árvores. Cheiravam a abetos. Tudo o que posso dizer é que eram altas e imponentes — muito imponentes.

— Quem me dera ser suficientemente grande para ir para o mar! — suspirou o Pinheirinho. — Que tipo de coisa é o mar e a que se assemelha?

— Levaria muito tempo para explicar tudo isso. — disse a cegonha. E partiu.

— Devias estar feliz por ainda seres jovem e forte. — disseram os raios de Sol. E o vento e a chuva beijaram a árvore, mas o Pinheirinho não queria saber do que eles diziam.

Pela altura do Natal, foram cortadas muitas árvores jovens, árvores que eram mais jovens e mais pequenas do que este Pinheirinho impaciente. A estas belas e jovens árvores não foram cortados os ramos quando foram colocadas nos caminhões e levadas para fora do bosque.

— Para onde vão? — perguntou o Pinheirinho. — Algumas são muito mais pequenas do que eu. Porque é que não lhes cortaram os ramos? Para onde vão ser levadas?

— Nós sabemos! Nós sabemos! — chilrearam os pardais. — Andamos sempre a espreitar pelas janelas na cidade e, por isso, sabemos para onde vão. Vão ser decoradas da maneira mais bonita que possas imaginar. Olhamos pelas janelas e vimos que eram colocadas em vasos, numa sala de estar quente e decoradas com as coisas mais bonitas — maçãs douradas, bolos de mel, brinquedos e centenas de velas. 

— E depois? — perguntou o Pinheirinho, com todos os ramos a tremer. — E depois? O que acontece depois?

— Bem! — disse o pardal — Só vimos isso, mas era maravilhoso.

— Talvez isso me aconteça um dia! — gritou o Pinheirinho. — Isso ainda era melhor do que viajar pelo mar. Se pelo menos agora fosse Natal! Oh, se ao menos me levassem! Se ao menos estivesse numa sala de estar quente, decorado com coisas bonitas! E depois? O que aconteceria? Devia ser ainda mais maravilhoso. Porque me enfeitariam? Oh, quem me dera que isto me acontecesse!

— Sê feliz aqui conosco! — disseram o ar e a luz do Sol. — Sê feliz aqui na floresta.

Mas o Pinheirinho não era nada feliz. Crescia, crescia e continuava ali, verde, verde-escuro. As pessoas que o viam diziam: — É uma árvore muito bonita! E, na altura do Natal, foi cortada antes dos outros. O machado cortou-a bem fundo, no tronco, e a árvore caiu para o chão com um suspiro: sentiu uma dor, e agora estava triste por ter de deixar o lar. Sabia que nunca mais iria ver os amigos, os pequenos arbustos e as flores — talvez até os pássaros.

A árvore só voltou a si quando estava a ser descarregada num quintal, juntamente com outras árvores, e ouviu um homem dizer:

— Esta é a melhor. Só queremos esta!

Depois, vieram dois criados vestidos com uniformes brilhantes e levaram o Pinheirinho para uma sala enorme e bonita. Havia, por todo o lado, quadros pendurados nas paredes e, junto do fogão, estavam enormes jarros chineses com leões.

Havia cadeiras de balanço, sofás de seda, mesas cobertas de livros ilustrados e centenas de brinquedos por todo o lado.

O Pinheirinho foi posto dentro de um vaso grande com areia. A árvore tremeu! O que iria acontecer a seguir? Os criados e as crianças começaram a enfeitá-lo. Nos ramos, penduraram pequenos sacos feitos de papel colorido. Cada saco era enchido com guloseimas, maçãs douradas e nozes pendiam, como se tivessem nascido ali, e centenas de velinhas foram atadas aos galhos. Bonecas que pareciam pessoas de verdade pendiam de outros ramos e, mesmo no topo da árvore, estava fixada uma estrela de latão. Era magnífico, extraordinário!

— Esta noite, — disseram todos — esta noite, a estrela brilhará.

— Oh! — disse o Pinheirinho — Se ao menos já fosse noite! Oh, espero que acendam as velas brevemente. Será que as árvores vêm da floresta para me ver? E será que os pardais vão espreitar pelas janelas? Será que vou ficar aqui ornamentado para sempre?

Todas estas perguntas causaram dores de costas à árvore e as dores de costas são tão más para as árvores como as dores de cabeça para as pessoas. Por fim, as velas foram acesas. Que brilho, que esplendor! O Pinheirinho tremeu tanto que uma das velas pegou fogo a um ramo verde, mas foi rapidamente apagado.

E, naquele momento, as portas foram abertas de par em par e as crianças entraram cheias de pressa. Olharam fixamente e em silêncio para a árvore, mas apenas por um minuto. Começaram a gritar de alegria e a dançar em volta da árvore, puxando os presentes.

“O que estão a fazer?”, pensou o Pinheirinho. “O que se está a passar?”

As velas arderam até ao fim, as crianças tiraram as guloseimas da árvore e dançaram com os brinquedos novos. Já ninguém olhava para a árvore, exceto um homem idoso que se aproximou e espreitou por entre os ramos para ver se todas as nozes e maçãs tinham sido comidas.

— Uma história! Uma história! — gritavam as crianças, e levaram, para junto da árvore, um homem divertido, que se sentou mesmo debaixo dela.

— Vamos fingir que estamos no bosque verde, — disse — e que a árvore consegue ouvir o conto.

E o homem divertido contou o conto de Klumpey-Dumpey, que estava sempre a cair pelas escadas abaixo e, já no fim, casou com uma princesa. O Pinheirinho ficou bastante silencioso e pensativo. Os pássaros do bosque nunca tinham contado uma história como esta. Klumpey-Dumpey sempre a cair pelas escadas abaixo e, mesmo assim, casou com uma princesa.

— Bem! Bem! — disse o Pinheirinho. — Quem sabe? Talvez eu também tenha de cair pelas escadas abaixo e casar com uma princesa! — e estava ansioso por ser de novo decorado com velas, brinquedos e frutos, na noite seguinte.

Mas, de manhã, os criados vieram tirá-lo da sala, levaram-no para o sótão e puseram-no num canto, onde não entrava a luz do dia. “O que significa isto?” pensou a árvore. “O que estou a fazer aqui? O que está a acontecer?”

Encostou-se à parede, pensou e pensou. E teve tempo suficiente, pois passaram-se dias e noites e ninguém voltou lá a subir.

A árvore parecia ter sido totalmente esquecida.

— Agora é Inverno lá fora. — disse o Pinheirinho. — A terra está dura e coberta de neve, e as pessoas não podem plantar-me. Suponho que devo ficar aqui abrigado, até que venha a Primavera. Que atenciosos! Mas que pessoas boas! Se ao menos aqui eu não estivesse tão às escuras e tão sozinho!… Era bonito lá fora, na floresta, quando a neve pousava espessa, e aquela lebre vinha saltar por cima de mim mas, na altura, eu não gostava. Isto aqui em cima é terrivelmente solitário! Mas que pessoas boas!

De repente, dois ratinhos aproximaram-se lentamente. Cheiraram o Pinheirinho e, depois, subiram para os ramos.

— Está muito frio aqui em cima. — disseram os dois ratinhos. — Também achas, árvore velha?

— Não sou velha. — disse o Pinheirinho.

— De onde vens? — perguntaram os ratos. — E o que conheces?

Eram muito inquisitivos.

— Conta-nos sobre o lugar mais bonito do mundo! Já estiveste lá?

— O lugar mais bonito do mundo, — disse a árvore — é a floresta, onde o Sol brilha e os pássaros cantam. E, depois, contou aos ratos tudo sobre a sua juventude. Os ratinhos ouviram e disseram:

— Tantas coisas que já viste! Deves ter sido muito feliz!

— Fui! — disse o Pinheirinho. — Aqueles foram, realmente, tempos de felicidade.

Mas, depois, contou-lhes sobre a Véspera de Natal, quando tinha sido enfeitado com guloseimas e velas.

— Oh! — disseram os ratinhos. — Como foste tão feliz, árvore velha!

— Não sou velha. — disse a árvore. — Só saí da floresta este Inverno.

— Mas que histórias maravilhosas podes contar! — disseram os ratinhos.

E no dia seguinte, vieram com mais quatro ratinhos para ouvir o que a árvore tinha para contar.

Assim, o Pinheirinho contou-lhes a história do Klumpey-Dumpey e os ratinhos correram direitos para o topo da árvore, cheios de satisfação. Na noite seguinte, vieram muito mais ratos, e o Pinheirinho contou outra vez a mesma história. Mas, quando descobriram que a árvore não sabia mais histórias, os ratos ficaram aborrecidos e foram-se embora.

O Pinheirinho ficou triste.

— Era muito agradável, quando os ratinhos divertidos ouviam a minha história, mas em breve vai chegar a Primavera. Vou ficar tão feliz quando me tirarem deste local solitário!…

Quando chegou a Primavera, as pessoas vieram remexer no sótão. Um criado levou a árvore para baixo, onde a luz do dia brilhava.

“Agora, a vida vai começar de novo!”, pensou a árvore.

Sentiu o ar fresco e os raios do Sol no pátio. O pátio estava perto de um jardim, onde as rosas estavam em flor, as árvores cheias de folhas e as andorinhas a cantar.

— Agora, tenho de viver! — disse a árvore, alegremente, e esticou os ramos. Mas, meu Deus! Estavam todos murchos e amarelos. Ficou a um canto, entre as urtigas e as ervas daninhas. A estrela de latão ainda lá estava e brilhava com a luz do Sol.

No pátio, as crianças, que no Natal tinham dançado à volta da árvore, estavam a brincar. Uma delas trepou à árvore e tirou a estrela dourada.

— Vejam o que está agarrado a este velho e feio Pinheirinho. — disse a criança, e começou a pisar-lhe os ramos até partirem debaixo das botas.

E a árvore olhou para todas as flores e para o belo jardim e, depois, para ela própria, e desejou ter ficado no canto escuro do sótão. Pensou na juventude fresca na floresta, na Véspera de Natal feliz e nos ratinhos que ouviram com tanta alegria a história do Klumpey-Dumpey.

— Passado! Passado! — disse a velha árvore. — Acabou tudo. Se ao menos tivesse sido mais feliz naquela época.

E veio um criado e cortou a árvore aos pedacinhos. Estava ali um feixe enorme. Ardia resplandecente no fogão, suspirava profundamente e cada suspiro era uma pequena explosão. As crianças sentaram-se junto da lareira, olharam para ela e gritaram:

— Zás! Trás!

Mas, a cada explosão, que era um suspiro profundo, a árvore pensava num dia de Verão na floresta, ou numa noite de Inverno, quando as estrelas brilhavam. Pensava na Véspera de Natal e no Klumpey-Dumpey, a única história que tinha ouvido ou que sabia contar; e, depois, a árvore foi queimada.

As crianças brincaram no jardim e o mais novo usou a estrela dourada que a árvore tinha usado na sua noite mais feliz.

Agora, tudo acabara. A vida da árvore tinha terminado e o conto também.

Fonte:
Disponível em domínio público
Contos de Andersen. Publicado originalmente em 1844.