domingo, 11 de janeiro de 2009

Luis Kandjimbo (Breve História da Ficção Narrativa Angolana nos últimos 50 anos) Parte I


Do ponto de vista histórico, o romance é o género literário mais recente em Angola e de um modo geral nas literaturas africanas. A poesia, a narrativa curta, o conto, a narrativa genealógica e retórica são géneros mais antigos que encontramos nas literaturas orais dos povos angolanos.

Originário da literatura ocidental dos séculos XVIII e XIX, durante a ascensão da burguesia e da sociedade industrial, o romance é introduzido nas literaturas africanas com a implantação do sistema colonial. Uma das manifestações mais evidentes da sua existência no espaço angolano é a proliferação da literatura colonial no princípio deste século.

De acordo com os resultados de pesquisas que realizei no Arquivo do Tribunal da Comarca de Benguela, consultando processos de inventário e de abertura de herança quando pretendia obter informações sobre as leituras e obras que circulavam em Benguela na época em que José da Silva Maia Ferreira por lá passou, cheguei a conclusões valiosas sob o ponto de vista sociológico.

As dedicatórias inscritas nas epígrafes dos poemas em Espontaneidades da Minha Alma daquele autor, permitem inferir, na perspectiva da intertextualidade exoliterária, a existência de um universo de leitores, entre naturais de Angola e Portugal, cuja competência é corroborada pela circulação de obras de autores europeus tais como Victor Hugo, Thiers, Alexandre Dumas, Walter Scott.

Com efeito, os primeiros textos romanescos escritos por naturais de Angola são da autoria de membros da geração de 1890. Trata-se de Scenas de África e O Filho Adulterino, obras de Pedro Félix Machado publicadas na segunda metade do século XIX. São igualmente conhecidas referências de textos narrativos escritos por Joaquim Dias Cordeiro da Matta, embora não tenham chegado ao nosso conhecimento por não terem sido publicadas, nomeadamente O Loandense da alta e baixa esfera, O Doutor Gaudêncio (romance). Mas, a prova inequívoca da capacidade deste autor é-nos dada pelo seu Repositório de Coisas Angolenses, uma compilação de textos contendo informações de variável importância para a história social e política de Angola no século XIX.
À semelhança do que se verifica em outros espaços africanos de colonização europeia, também em Angola emerge um romance colonial de pendor exótico e assente na mistificação racialista. Forma-se um conjunto de textos centralmente motivados por uma certa “missão civilizadora” atribuída a personagens brancas, sendo as personagens de raça negra secundárias e vítimas na urdidura da história.

É a chamada literatura ultramarina, designação que na década de 60 é substituída pela de literatura colonial. Em Angola, ela desenvolve-se a partir dos anos 20 deste século, com os concursos de literatura colonial portuguesa, promovidos pela Agência Geral do Ultramar e de estudos sobre Angola numa perspectiva etnográfica, cobrindo as línguas e o folclore.

No parágrafo único do artigo 1º da Portaria nº 6.119 que em 1926 consagra a realização regular daqueles concursos de literatura colonial, lê-se: “será sempre preferida a literatura na forma de romance, novela, narrativa, relato de aventuras, etc. que melhor faça a propaganda do império português de além-mar, e melhor contribua para despertar, sobretudo na mocidade, o gosto pelas causas coloniais.”

Os primeiros prémios de literatura colonial foram atribuídos a dois autores portugueses, nomeadamente, Gastão de Sousa Dias com África Portentosa e Brito Camacho com Pretos e Brancos. Um outro autor de assídua participação nos referidos concursos e cujas obras e pertença podem dar lugar a fecundos debates sobre a estética da narrativa angolana, é Castro Soromenho. Em 1939 concorre com o livro de contos Nhari. A opinião que o júri consagra em acta sustenta que a obra se ocupa do “drama de gente negra (…) a paisagem e a psicologia dos seus protagonistas [é] interessante, cheia de colorido e de vida e, por vezes, a tese que encerram envolve moral e ensinamentos construtivos, pela análise rigorosa e conscienciosa e bem deduzida da psicologia dos indígenas e pelo rico colorido que sabe emprestar ao decorrer da acção.” Em 1941, Castro Soromenho apresenta Noite de Angústia, a melhor obra do XIV concurso segundo o júri.

A progressiva expansão do romance, enquanto género do discurso em prosa, deve-se ao florescimento de jornais nos fins do século XIX e à institucionalização do ensino liceal, no princípio do século XX, em cujo quadro se formam leitores e potenciais escritores. Assim, além das obras de Pedro Félix Machado e Joaquim Dias Cordeiro da Matta, publicam-se nos anos 10 e 20 importantes narrativas, algumas das quais de cunho autobiográfico como é História de Uma Traição de Pedro da Paixão Franco.

O período que se segue ao fim do século XIX e à proclamação da República em Portugal, além de ser marcado pelo jornalismo apologético da causa africana, é esmagador, caracterizando-se pela atitude das autoridades coloniais que tomam as mais diversas providências para cercear as liberdades e reprimir a actividade jornalística dos naturais que defendiam, desde o século passado, a autonomia e a independência de Angola.

Até à década de 30, apenas um romance de António de Assis Júnior, O Segredo da Morta, dava sinais de autonomia de uma verdadeira ficção literária moderna, devendo ser considerado o romance fundador. A sua publicação em livro foi precedida de folhetins no jornal A Vanguarda. Só em 1934 viria a ser editado com a chancela de A Lusitânia. Publicou ainda Relato dos Acontecimentos de Ndala Tando e Lucala, uma narrativa e ao mesmo tempo um testemunho sobre actividades de reivindicação reprimidas cujos actores constituíam um grupo da elite local de que ele próprio fazia parte. António de Assis Júnior é natural de Luanda onde nasceu em 13 de Março de 1887 e faleceu em 1960, em Lisboa.

Nos fins da década de 30, emerge o nome de Óscar Ribas, um outro narrador que viria a confirmar os seus méritos com a publicação do romance Uanga em 1950. Segundo o ensaísta Mário António, Óscar Ribas “surge como um elo necessário entre essa tradição em perigo e os anseios de afirmação literária das gerações mais novas da sua terra.” Mas os seus créditos firmam-se com Ecos da Minha Terra, publicado em 1952.

Em 1947, na ressaca do terrível período de repressão exercido sobre a imprensa e o associativismo autóctones, durante o regime de Norton de Matos, destaca-se no meio jornalístico e literário luandense o nome de Domingos Van-Dúnem, que se estreia no Diário de Luanda com o conto A Praga. Os seus companheiros de geração, entre os quais António Jacinto, Viriato da Cruz e Agostinho Neto, têm uma intervenção reduzida ao mínimo no domínio da ficção. Agostinho Neto publica em 1952 o conto Náusea e em 1979 António Jacinto traz à lume o conto Vovô Bartolomeu. Com esta geração – a Geração de 48 -, a grande narrativa deixa de ser cultivada, para dar lugar à poesia. É uma geração de poetas que se notabiliza e em que avultam os grandes nomes da poética fundadora angolana.

Os narradores reaparecem na cena literária nas décadas de 50 e 60 com os nomes de Manuel Santos Lima, Luandino Vieira e Arnaldo Santos. A estes vêm juntar-se outros autores como Henrique Abranches, Manuel Rui, Pepetela e Uanhenga Xitu.

No panorama literário angolano, a geração de 60, caracteriza-se pela sua dimensão ética que se sedimenta no compromisso político com a causa do nacionalismo, embora seja ela a exercitar a introdução de rupturas significativas no plano da linguagem. Por conseguinte, uma boa parte dos seus integrantes vivem profundas experiências associadas a tal compromisso como presos políticos condenados a pesadas penas de reclusão. São os casos Agostinho Neto, António Jacinto, Uanhenga Xitu, Luandino Vieira, António Cardoso. Outros engajam-se no Movimento de Libertação Nacional dentro e fora do país. Outros ainda actuam em grupos de intelectuais de esquerda na Europa e em África.

Em A Geração da Utopia, Pepetela traça uma espécie de biografia romanesca da sua geração com incidências sobre aquilo que eram os ideais e o desencanto que suscita o comportamento do grupo após a independência, particularmente com a instauração da II República e o pluralismo político.

A geração de 70 é um prolongamento natural da anterior, já que não há grandes soluções de continuidade. Observa-se ainda entre alguns dos seus membros uma atitude ética que se sobrepõe aos imperativos estético-literários da sua época. Com ela chega-se à independência e integram-na nomes como Jofre Rocha, Jorge Macedo, Arístides Van-Dúnem. No plano da ficção, Boaventura Cardoso é sem dúvida o nome de referência tendo em atenção a vitalidade da produção global e as suas preocupações de ordem estética.

Apesar da vitalidade destas experiências de heróis e mártires, vividas pelas duas gerações sucessivamente anteriores, não nos parece que elas e a sua escrita se tenham constituído em modelo de superação para a geração de 80.

Luandino Vieira foi um dos poucos a manifestar a frustração e o estado de espírito que traduzem bem essa ideia. Na entrevista que concedeu a Michel Laban, debita abundante reflexão e crítica sobre a situação do escritor em Angola, em que o imperativo do compromisso político por mais relevante substituíra o imperativo estritamente literário. No dizer de Luandino Vieira, “ o escritor se cortou do mundo do espírito (…) os escritores mais velhos - salvo algumas excepções e mesmo assim penso que eles não se sentem completamente realizados – são intelectuais que vivem do capital acumulado durante os anos todos (…) Muito embora viajem muito e participem em muitos eventos internacionais, essas viagens são, de um modo geral, acontecimentos em que o facto de ser angolano, resistente, de África Austral, do MPLA, conta muito mais do que ser escritor…”[1] Como se depreende das palavras de desencanto de Luandino Vieira, pode dizer-se que no contexto pós-independência ou pós-colonial, aquela atitude de compromisso dos escritores perante o político privava o fundamento da actividade criativa que é radicalmente crítica.Ao aceitarem o status de funcionários do Estado, os escritores das gerações anteriores, acabavam por comportar-se como homens emprestados à política.Mas é essa cumplicidade com a razão de Estado que está na origem no tipo de ensino praticado para a literatura.

Há, por essa razão, uma descontinuidade observável na escrita de ficção e nos padrões estéticos, provocada pela excessiva valorização de temas literários marcados pela ideologia política e sua introdução nos manuais escolares. Mas tal constatação só faz sentido se a associarmos ao facto de, à data da independência, os liceus e os três centros universitários de todo o país serem frequentados por um número de jovens angolanos, até aí nunca visto. Para um país que saía de um colonialismo atroz, essa população de estudantes não deixava de representar uma justificada expectativa. A política educacional portuguesa para Angola colonial sofrera um profundo abalo a partir de 1960.

Mas a filosofia que subjaz a tais modificações da política colonial assenta ainda no assimilacionismo. Em 1970, Pinheiro da Silva, o secretário provincial da educação de Angola, falava da “integração dos portugueses africanos no modo de vida moral, espiritual e material dos portugueses europeus”.

Segundo estatísticas da época, de uma taxa de matrícula inferior a Moçambique no início das reformas, a população escolar angolana do ensino liceal, por exemplo, passaria a 10779, uma cifra superior a de Moçambique, que era de 19524. No ensino universitário, o efectivo angolano, com 1557 era igualmente superior ao de Moçambique, registando 1145.

Ora, quando em 1975 se realizava a ruptura no plano dos fundamentos do próprio Estado, lançavam-se, nos anos imediatamente a seguir à independência, bases para as necessárias reformas do sistema de ensino. A instauração de um regime político de partido único e o seu desmantelamento nos fins da década de 80, sugerem a constatação de uma reforma educativa inconclusa. Com efeito, passados mais de vinte de independência, chega-se à conclusão de não ter sido ainda realizada a reforma educativa. A comprová-lo estão os produtos desse sistema de ensino pós-colonial, representando os suportes da referida discontinuidade em relação à geração de 70. Estamos a referir-nos à geração de 80. Apesar de marcada por experiências catastróficas como as convulsões políticas de 1974-75, a repressão de 27 de Maio de 1977 e a guerra civil, ela afirma-se logo no princípio da década, através das manifestações associativas e participações em concursos literários. É a vaga das Brigadas Jovens de Literatura. As primeiras formam-se nos principais centros urbanos, nomeadamente, Luanda, Lubango e Huambo, coincidentemente cidades em que se concentram estabelecimentos dos três níveis de ensino (liceal, pré-universitário e universitário), aos quais se juntam os seminários e outros estabelecimentos eclesiásticos. Uma das poucas revelações registadas no domínio da narrativa, é José de Freitas que publica em 1979 Silêncio em Chamas.

Para a ficção narrativa angolana, a geração de 80 traz uma plêiade de nomes. Do interior destacam-se entre outros Cikakata Mbalundu, que com o autor destas linhas formava o núcleo dos fundadores da Brigada Jovem de Literatura da Huíla; Mota Yekenha, um dos poucos clérigos da geração que se dedica ao romance. Despontam igualmente alguns vozes femininas como Ana Major e Rosária Silva. Da diáspora pontificam Sousa Jamba e José Eduardo Agualusa.

CRÓNICA E LITERATURA INFANTIL

O leitor está perante uma síntese que, privilegiando a narrativa de fõlego e o conto, no entanto não perde vista a crónica e as narrativas da literatura infantil. A representar a artesania destes dois géneros da prosa de ficção, temos três nomes: Roberto Carvalho, Ernesto Lara Filho e Sílvio Peixoto. Os dois últimos cronistas tiveram uma morte prematura, não fazendo já parte do mundo dos vivos. Ernesto Lara Filho é na verdade um dos maiores vultos da crónica em Angola. Nasceu em 1932 e morreu atropelado em 1977. Sílvio Peixoto era natural de Malanje onde nasceu em 1962

Morreu em 1995, num acidente de aviação.

No domínio da literatura infantil destacam-se Dario de Melo, Octaviano Correia, Maria Eugénia Neto, Gabriela Antunes, Ceslestina Fernandes, Cremilda Lima, Maria João, Rosalina Pombal e Zaida Dáskalos.
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continua...
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João Maimona (Idade das Palavras)

(mantida a grafia original)

o instante da chegada e as flores da alegria.
perdidos estavam os profetas que condenavam
as testemunhas do silêncio do mar. a reencontrada
confusão da escuridão e o livro do profundo
isolamento do pastor. diante da janela do palácio
de exílio crescia uma esclarecida pátria.

a obscura solidão dos olhos de crinças errantes.
as pedras vinham dos refractários que navegavam
quando o mar vacilava inconfundível. infinito.
invisível. imperceptível. incessante. inarticulado.
inconsciente. sob as cinturas apertadas de um
palácio em exílio. o dia esquecia-se do esplendor
do incêndio. do mapa apenas se libertavam
o deserto e sua cegueira. imprevisível era a voz
intangível que facilitava o descanso da
juventude cristalina: comigo a areia ardente
julga as periferias da alma.
comigo as vitórias da distância mergulham em
caminhos de luz. comigo as notícias enrugadas
dissipam a fidelidade da elegia do instante
da chegada. e pude dissecar o instante da
chegada e as flores da glória.

a alegria e o sal do saber.
enorme por persistir nas sílabas
da harmonia. a chuva pública
continua a testemunhar o
despertar das estrelas. o anoitecer
das folhas que fazem da chama
frágil a segunda respiração
necessária. a sétima árvore
anunciava a efervescência
do novo planeta. o olhar
da linguagem sobre a aliança
dos sorrisos. a madrugada
da inovação sobrevoando
a delicada diluição da música.
a experiência da aproximação
nocturna proclamava a
intenção dos lábios. as fotografias
do espaço dependiam da harmonia
singular do céu. renovei a paisagem
nocturna saudando uma enorme
madrugada por suturar.

a infância do mendigo e a promessa do poema.
imensas interrogações sobre a sintaxe da felicidade.
a chuva como resposta tardia quando
a benevolência do império dispersa seu esplendor.
há na calçada do mendigo o mar e o poema.
na espuma azul do novo dia há milhares
de candeeiros desenhado a arquitectura
da convalescência com letras maíusculas.
são janelas misteriosas. anunciados
crepúsculos em cartas de Deus dispersas
por colinas ensoleiradas. de súbito
o coração do mendigo alegra-se
por ler cartas com suspiros de liberdade
e a fome de outros mendigos dedica
uma noite de amor aos loucos do palácio
de exílio quando a chuva se despede da catedral.

o sentido do regresso e a alma do barco.
antes que o mar anuncie a sua existência
os capitães transfigurados trespassam a
linha do amor. as noites evasivas de
passageiros castigam as raparigas
de saias amarelas. assim se mostravam
as horas selváticas que destapavam
os enigmas da navegação crepuscular.
inicia-se uma peregrinação. os anjos
enviam mensagens para as raparigas
de olhos castanhos.
arrogantes eram os homens que
saudavam o barco.

nestes crepúsculos de agosto
a diluição da incerteza.
murmúrios que abrigam
porções de humidade vindas
de uma cidade corrosiva:
a noite nunca era sinónimo
de melancolia. em aldeias
africanas as aves aprendem
a usufruir da sabedoria
da luz matinal: não hesites
em amar as reticências
obscuras. não procures a alegria
que se aproxime do sinal
da síncope. entre esplêndidas
heranças da adjectivação, verás
o limiar do colapso entrando
pela Ilha do Cabo. nas próximas
décadas culpadas da fidelidade
do lugar de pedra.
um sorriso se desprende dos lábios
do poeta. sobre os séculos que vigiam
o lugar de pedra sobrevivem
a música de renascimento e a luz
harmoniosa em cada folhagem.

dias sorridentes que não reflectem
a fluvial metamorfose.
era a multiplicação do elogio
retorcido no limiar
da inominável chama.
silêncio ignorado ao pé de um
mosaico de lágrimas. serena
a luz do dia volta a olhar
a elegia mais profunda do milênio.
decidi transpor a folha verde
proveniente de uma manhã
de janeiro:este é o instante
de enriquecer a luz serena.

a planicie voltou a soletrar palavras amargas.
ontem as aves sonhavam que os gatos
padeciam de pneumonia crónica:
estas datas tranquilas trazem um perfume
de mar: a claridade oculta que canta.
na penumbra desfilava o equilíbrio da
cidadela decadente. fatia de luz serena.
veio um vento exibir sua ternura
e pronunciei meu discurso em lugar
preparado para proclamar o instante
da ventura, a angústia de uma chuvada
vagabunda que se anuncia interminável.
amanhecer frio, histórico pelas cores que
a pátria aberta mostra mal articuladas,
pôs-se a devorar a solidão das trevas da
penúltima torre da cidade arruínada.
lugar de pedra onde a minúscula aldeia
multiplica uma sequela de plasma.
a folhagem que se faz anunciar,
sólida, trazendo o aroma da fogueira
da união, é apenas o percurso das estrelas
do norte, centro e sul do crepuscular ofício
de séculos e séculos na compartilhada
esperança que procura o dia da estátua.
surgem ondulações que ainda escuto
com minúcia. com o silêncio sinfónico
não se chega ao paraíso: privilegiava
uma voz orgulhosa que transitou pelos
meus ouvidos. canto uma vez mais
o lugar de pedra. o olhar da noite
anónima chega a imaginar
ternuras envelhecidas.
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Sobre o autor
João Maimona (1955)
João Maimona nasceu em 1955, em Quibocolo, município de Maquela do Zombo, na província de Uíge. Em 1961, refugiou-se na República do Zaire. Estudou Humanidades Científicas em Kinshasa e em 1975 ingressou na Faculdade de Ciências, regressando a seu país em 1976. Dois anos depois, fixou residência em Huambo, onde se licenciou em Medicina Veterinária. É membro-fundador da Brigada Jovem de Literatura do Huambo e membro da União dos Escritores Angolanos.
Publicou, entre outros títulos,
Idade das palavras (1997),
Festa de monarquia (2001)
Lugar e origem da beleza (2003).

Fontes:
http://www.lusofoniapoetica.com/
Foto = http://www.antoniomiranda.com.br

Jorge Arrimar (Flor de Milho)

(mantida a grafia original)

Soltaste um pássaro de sol
pelo infinito dos caminhos
a desintegrarem-se em espuma
no vale das estrelas caídas…

Somente aquele poema de fogo
gravado no corpo descarnado dos vulcões
te faz ainda promessas de silêncio,
a mais pura das vozes a descer sobre ti
em gotas de orvalho perfumado.
Do seio prateado das lagoas
enlaçam-te raízes brancas
como asas de borboleta,
mas da tua boca eleva-se um sorriso
lavado com a água da saudade:
-“Nunca me esqueci que vim do Sul”
onde o mágico crepúsculo se banhava
no rio Chilo
e os cafeeiros em flor
cantavam versos de luar
ao som do velho kissanje
de Paulino Valúnje!
Das folhas do teu cajueiro
dispersas na tempestade de uma noite
que jamais se apagará
começa já a despontar a aurora
de uma flor de milho
que tu depuseste no colo nordestino
do teu ser em fuga…
(Açores, ilha de S. Miguel, 24 Out. 1982

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Sobre o Autor
Jorge Arrimar (1953)
Jorge Manuel de Abreu Arrimar, nasceu em Chibia, Huíla (Angola), em 1953. Na década de 1970, criou com amigos o Grupo Cultural da Huíla (Grucuhuíla). Estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Luanda, tendo concluído a licenciatura em História e especializando-se em Ciências Documentais. Foi professor de português nos Açores, onde dirigiu, com Carlos Loureiro, um suplemento literário chamado Página Africana.
Em 1985 radicou-se em Macau, onde ocupou o cargo de director da Biblioteca Nacional. É colaborador do Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, organizado pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro e prepara uma Antologia de Poetas de Macau em parceria com Yao Jingming.
Reside hoje em Portugal.
Bibliografia
Ovatylongo (1975),
Poemas (1979, em parceria com Eduardo B. Pinto),
20 Poemas de Savana (1981),
Murilaonde (1990),
Fonte do Lilau (1990),
Secretos Sinais (1992) e Confluências (1997, em parceria com Manuel Yao).

Fontes:
http://www.lusofoniapoetica.com/
Foto =
http://moodle.crie.min-edu.pt

Folclore Indigena da Tribo Kaingang

Kaingang do PR (desenho de João Henrique
Elliot 1809-1888)
Os Kaingang formam, até o presente, vários grupos espalhados pelo oeste dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, pelo norte do Rio Grande do Sul e pelo leste das Missões Argentinas. Sua língua relaciona-se com a família Gê, podendo ser, provisoriamente, considerada como Grupo Meridional dela. Os fragmentos de lendas abaixo relatados procedem de índios da região do rio Ivaí, e foram coletados em 1912.

A origem dos Kaingang

A tradição dos Kaingang afirma que os primeiros da sua nação saíram do solo; por isso têm cor de terra. Numa serra, não sei bem onde, no sudeste do estado do Paraná, dizem eles que ainda hoje podem ser vistos os buracos pelos quais subiram. Uma parte deles permaneceu subterrânea; essa parte se conserva até hoje lá e a ela se vão reunir as almas dos que morrem, aqui em cima. Eles saíram em dois grupos chefiados por dois irmãos, Kanyerú e Kamé, sendo que aquele saiu primeiro. Cada um já trouxe consigo um grupo de gente. Dizem que Kanyerú e toda a sua gente eram de corpo delgado, pés pequenos, ligeiros, tanto nos seus movimentos como nas suas resoluções, cheios de iniciativa, mas de pouca persistência. Kamé e seus companheiros, pelo contrário, eram de corpo grosso, pés grandes, e vagarosos nos seus movimentos e resoluções.

A criação dos animais

Como esses dois irmãos com a sua gente foram os criadores das plantas e dos animais, e povoaram a Terra com os seus descendentes, tudo neste mundo pertence ou à metade Kanyerú ou à metade Kamé, conhecendo-se a sua descendência já pelos traços físicos, já pelo temperamento, já pela pintura: tudo o que pertence a Kanyerú é manchado, o que pertence a Kamé é riscado. Essas pinturas, o índio vê tanto na pele dos animais como nas cascas, nas folhas ou nas flores das plantas, e para objetivos mágicos e religiosos cada metade emprega material tirado de preferência de animais e vegetais da mesma pintura.

Kanyerú fez cobras, Kamé, onças. Este fez primeiro uma onça e a pintou, depois Kanyerú fez um veado. Kamé disse à onça: "Come o veado, mas não nos coma!" Depois ele fez uma anta, ordenando-lhe que comesse gente e bichos. A anta, porém, não compreendeu a ordem. Kamé repetiu-lhe ainda duas vezes, em vão; depois lhe disse, zangado: "Vai comer folhas de urtiga! Não prestas para nada!" Kanyerú fez cobras e mandou que elas mordessem homens e animais. Queimou um espinho chamado sodn e esfregou a cinza nos dentes da cobra a fim de torná-los venenosos. Kamé quis então fazer um animal muito feroz, e começou a fazer o tamanduá. Eles estavam trabalhando durante a noite, e quando o dia começou a romper, o tamanduá ainda não estava pronto: já tinha unhas enormes, mas a boca ainda estava por fazer. Então Kamé arrancou um cipó e meteu-o como língua na boca do estranho animal, que ficou mal acabado.

Quando já estava claro, eles começaram a correr, e logo uma onça pegou um Kanyerú, e Kamé foi mordido por uma cobra. Pararam para tratar o doente, quando o surucuá (Trogon sp.) cantou: Tug! Tug! Tug! Um velho explicou essa cantiga como tu (- carregar) e mandou que carregassem o doente para o lugar do acampamento. Um pequeno gavião cantou: Tokfín! (- amarrar) e o velho mandou amarrar o membro lesado. Um outro passarinho cantou: Ngidn! (- cortar), e eles abriram a ferida com um corte. Outro cantou: Iandyóro! (- espremer) e eles espremeram a ferida. Por fim um outro cantou: Kaimparará! (kaimpára - inchado), e o velho disse: "Isto é; um mau grito! Amanhã o membro estará inchado!" Assim foram tratando o doente até que se restabelecesse.

A origem dos nomes de pessoas

Quando, depois, os dois irmãos com a sua gente começaram sua migração pela terra, aproveitaram os acontecimentos durante a viagem para impor nomes aos seus companheiros: encontrando um passarinho vermelho de nome erégn, Kanyerú achou bom este nome e o deu a seu filho. Quando mataram um gavião real (hu-mbagn), Kanyerú deu a um dos seus companheiros o nome de Hu-mbagn-niká - penacho de gavião real. Passando, com sol quente, por um campo, uma menina Kamé quebrou um galho de uma árvore chamada soke para usá-lo a jeito de guarda-sol. Quando chegaram ao acampamento, Kamé chamou a menina Soke-kign. No dia seguinte mataram uma onça (mi), e Kamé deu a um dos seus companheiros o nome de Mi-yantkí (- boca de onça), enquanto Kanyerú batizou um outro por Mi-nindó (- braço de onça). Depois outra vez Kamé chamou uma mulher de Mi-kané (- olho de onça) etc. O rezador, que sabe de todos esses episódios pela tradição que ele e os seus colegas guardam, é, por isso, competente para impor o nome à criança, e, já pelo nome, se conhece a qual metade o indivíduo pertence.

As almas de defuntos

A alma do defunto (vaekruprí) penetra no chão, imediatamente ao lado do cadáver, começando logo a se encaminhar rumo ao Toldo dos Defuntos. O primeiro pedaço do caminho é nas trevas, mas logo ela sai outra vez ao claro, onde se encontra com algumas outras almas que lhe oferecem comida. Se comer, continuará o caminho; se não, voltará à superfície da terra, entrando novamente no corpo que a alma abandonara. Assim se explicam os casos em que pessoas aparentemente mortas tornam à vida. Para lá daquele ponto, começam para a alma as dificuldades e perigos do caminho: primeiro, encontra uma encruzilhada onde um caminho errado conduz a um lugar onde uma caba preta, gigantesca (kokfumbágn) espera as almas para devorá-las. Em outro trilho errado, acha-se armado um laço que colhe a alma, atirando-a dentro de uma panela com água a ferver. Finalmente, tem de atravessar um brejo por uma pinguela estreita e escorregadia. Se escorregar e cair, é devorada por um enorme caranguejo ou, segundo outros, por um cágado.

Além da pinguela, a alma encontra o Toldo dos Defuntos, onde os seus conhecidos finados já a esperam com góyo-kuprí (Bebida fermentada de milho) para festas e danças. Nesse Toldo dos Defuntos, tudo é mais ou menos como aqui em cima, na Terra. Algumas coisas, porém, têm lá significado diferente ou oposta: assim, os defuntos tratam umas formigas grandes de "onças"; as minhocas são "peixes"; as aranhas, "cobras" etc. O milho é preto. Naturalmente, as almas também brigam entre si, e quando isto acontece, sempre há entre os vivos algum desastre. Nos cemitérios acham-se muitas vezes vestígios de cacetadas, golpes de terçado e marcas de quedas de corpos impressos no chão, especialmente poucos dias depois do enterro, no lugar que o Pényê (ver nota abaixo) varreu com ramos. Se aparecerem só pegadas, é sinal que logo alguém vai morrer. Bem junto ao cadáver, enquanto este ainda não tiver sido tirado do seu leito de morte, o Pényê encarregado de tratá-lo espalha cinza no chão, alisa-a e marca os lugares da vizinhança: o toldo X, o toldo Y etc. Pouco depois aparecem na cinza, no lugar correspondente, aqueles sinais acima mencionados, e até rastros de cobra, se alguém tiver de ser mordido por um desses répteis. Não é, porém, qualquer um que enxerga essas coisas e sabe explicá-las.

O dilúvio

Quando o dilúvio chegou, os índios se transformaram em macacos-pregos, e os negros, em guaribas, o que se pode verificar pela catinga destes, que é a mesma dos negros. Um homem salvou-se, trepando numa palmeira jerivá. Estava comendo as frutas, enquanto as pontas dos seus pés pendiam n'água. Os dourados vieram para apanhar os caroços, mas de repente morderam também os dedos dos pés do homem. Por isso, o dedo miudinho do nosso pé é menor que os outros. Quando os índios já estavam meio mortos de fome, apareceu o biguá (Krukrú) (Phalacrocorax olivacens, Humb., ave passeriforme que vive nos rios e costas marítimas) e disse: "Eu farei uma terra para vós!" Trouxe uma das mãos cheia de terra que espalhou na superfície da água, de maneira que formou uma ilha. Depois tornou a trazer outra mais, e assim trabalhou durante dias. Quando não espalhava bem a terra, esta formava colinas e montanhas.

Nota: Os Kaingang do Ivaí reconheciam, em ambas as suas metades exogâmicas, quatro (ou mais?) classes, consideradas de maior ou menor sensibilidade quanto a influências más, e consequentemente com funções cerimoniais diversas. A classe dos Pényê era considerada inferior, sendo a menos sensível a feitiço, impureza e doenças. Aos Pényê cabiam as funções de mais importância na ocasião de um óbito, pois só eles podiam lidar sem prejuízo com o cadáver e com a viúva.

Fontes:
http://www.terrabrasileira.net/

Folclore Indigena da Tribo Kuniba

Esta tribo, hoje extinta, habitou até 1912 a terra firme entre a margem esquerda do médio rio Juruá e as cabeceiras do Jutaí. Em conseqüência de um assalto que fizeram a um barracão, a maior parte dela foi morta pelos neobrasileiros. Alguns sobreviventes foram transferidos pelo Serviço de Proteção aos Índios para o Rio Branco. Sua língua é Aruak, do Grupo Pré-andino. A lenda foi anotada em 1921.

A lua

Um homem tinha ido a uma viagem, deixando sua mulher em casa. Esta, durante a ausência do marido, recebia todas as noites, na sua rede, a visita de um desconhecido. Num dia preparou tinta de jenipapo e passou-a no rosto do visitante noturno, para reconhecê-lo de dia. Então verificou que se tratava de um dos seus próprios irmãos. De manhã, contou logo a sua mãe o que tinha feito, mas todos procuraram em vão o homem marcado com a tinta de jenipapo. Então, o chefe da maloca mandou reunir os homens, apresentando-se todos, com exceção do irmão culpado. Ele se escondera e teve de ser trazido à força. Quando seu delito foi descoberto, os outros deram-lhe uma surra e o soltaram. Já em liberdade, ele ameaçou que havia de voltar e acabar com a maloca toda.

Seu irmão, porém, seguiu-o às escondidas, para observar o que pretendia fazer.

À boca da noite, o malfeitor chegou a uma maloca estranha, na qual entrou. Imediatamente os habitantes caíram em massa sobre ele, abatendo-o. Seu irmão, porém, que o havia seguido, escondeu-se perto, no oco de um pau, de onde observou como os inimigos cortaram a cabeça do morto, jogando-a num monturo, enquanto lhe queimavam o corpo. Ele resolveu levar a cabeça para casa.

Assim que anoiteceu completamente, saiu do seu esconderijo e, apanhando muitos vagalumes, esfregou-os no próprio rosto, no corpo e nos membros, que ficaram fosforescentes. Seu aspecto era, agora, o de um fantasma, e quando entrou no meio dos inimigos, que ainda estavam sentados reunidos no terreiro, estes correram apavorados, escondendo-se na maloca. Ele apanhou a cabeça do irmão e fugiu, levando-a. Por mais que corresse, não lhe foi possível alcançar sua maloca na mesma noite. Então resolveu enterrar a cabeça na manhã seguinte e, depois de ter feito uma cama, adormeceu.

Pela manha, cedo, a cabeça a seu lado começou a falar: "Meu irmão, dá-me água!" 0 homem assustou-se grandemente: "Que história é esta dessa cabeça?" Foi buscar água, oferecendo-a à cabeça para que bebesse, mas o líquido escorria imediatamente pelo pescoço cortado. Foi buscar mais, porém o efeito era o mesmo. Então cavou, no mesmo lugar, um buraco fundo e nele deixou sepultada a cabeça, continuando o seu caminho em direção à maloca. Vendo, porém, uma fruteira, subiu para comer frutas, pois estava com fome. Nisto, a cabeça tinha-se libertado do buraco e veio pulando pelo rastro do irmão e, vendo-o sentado na fruteira, pediu-lhe que atirasse algumas frutas. O homem apanhou uma e a atirou pelo mato adentro; sem demora, a cabeça pulou atrás a fim de apanhá-la.

O homem aproveitou a ausência da cabeça para descer a toda pressa, e correr para sua maloca. "Mataram meu irmão e a sua cabeça virou fantasma!", contou ele aos outros. Todos se esconderam na maloca, fechando bem as portas, porque a cabeça já vinha perto, pulando. Chegou à porta e pediu a sua mãe que a abrisse; mas ninguém lhe respondeu.

Chorou e se lamentou do lado de fora durante a noite toda: "Que me resta fazer agora?! Macaco eu não posso ser, porque me comeriam. Água não posso ser, porque me beberiam e me ferveriam. Pedra eu não posso ser, porque sobre mim defecariam."

Assim foi discorrendo e, já pela manhã, lembrou-se da lua. "Serei a lua", disse. "Depois de três dias, eu aparecerei, e então acontecera uma coisa à minha irmã (isto é: ela ficará menstruada; naquele tempo, como não havia ainda lua, as mulheres não ficavam menstruadas nem davam à luz). E assim será cada vez que eu aparecer de novo." Depois pediu à sua mãe que lhe desse um novelo de fio de algodão; esta lhe atirou o objeto pedido, por uma fenda na parede, no terreiro.

Ele atirou o novelo para o céu, mas o fio era curto demais; pediu mais outro novelo. Agora alcançou o céu pelo fio que desenrolara. Quando já estava alto, sua gente saiu da maloca e viu como ia subindo cada vez mais e como, por fim, desapareceu no céu.

Fonte:
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Folclore Indigena (Mandioca ; Mavutsin - o primeiro homem ; O primeiro Kuarup - festa dos mortos)



Mandioca - o pão indígena

Mara era uma jovem índia, filha de um cacique, que vivia sonhando com o amor e um casamento feliz. Certa noite, Mara adormeceu na rede e teve um sonho estranho. Um jovem loiro e belo descia da Lua e dizia que a amava. O jovem, depois de lhe haver conquistado o coração, desapareceu de seus sonhos como por encanto. Passado algum tempo, a filha do cacique, embora virgem, percebeu que esperava um filho. Para surpresa de todos, Mara deu à luz uma linda menina, de pele muito alva e cabelos tão loiros quanto a luz do luar.

Deram-lhe o nome de Mandi e na tribo ela era adorada como uma divindade. Pouco tempo depois, a menina adoeceu e acabou falecendo, deixando todos amargurados. Mara sepultou a filha em sua oca, por não querer separar-se dela. Desconsolada, chorava todos os dias, de joelhos diante do local, deixando cair leite de seus seios na sepultura. Talvez assim a filhinha voltasse à vida, pensava. Até que um dia surgiu uma fenda na terra de onde brotou um arbusto.

A mãe surpreendeu- se; talvez o corpo da filha desejasse dali sair. Resolveu então remover a terra, encontrando apenas raízes muito brancas, como Mandi, que, ao serem raspadas, exalavam um aroma agradável. Todos entenderam que criança havia vindo à Terra para ter seu corpo transformado no principal alimento indígena. O novo alimento recebeu o nome de Mandioca, pois Mandi fora sepultada na oca.
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Mavutsin - o primeiro homem

O primeiro homem (kamaiurá). No começo só havia Mavutsinim. Ninguém vivia com ele. Não tinha mulher. Não tinha filho, nenhum parente ele tinha. Era só. Um dia ele fez uma concha virar mulher e casou com ela. Quando o filho nasceu, perguntou para a esposa: É homem ou mulher? é homem. Vou levar ele comigo. E foi embora. A mãe do menino chorou e voltou para a aldeia dela, a lagoa, onde virou concha outra vez. - Nós - dizem os índios - somos netos do filho de Mavutsinim.
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O primeiro Kuarup – a festa dos mortos

O primeiro Kuarup, a festa dos mortos (Kamaiurá) Mavultsinim queria que os seus mortos voltassem à vida. Foi para o mato, cortou três toros da madeira de kuarup, levou para a aldeia e os pintou. Depois de pintar, adornou os paus com penachos, colares, fios de algodão e braçadeiras de penas de arara. Feito isso, mavutsinim mandou que fincassem os paus na praça da aldeia, chamando em seguida o sapo cururu e a cutia (dois de cada), para cantar junto dos Kuarup. Na mesma ocasião levou para o meio da aldeia, peixes e beijus para serem distribuídos entre o seu pessoal. Os maracá-êp (cantadores), sacudindo os chocalhos na mão direita, cantavam sem cessar em frente dos kuarup, chamando-os à vida. Os homens da aldeia perguntavam a Mavutsinim se os paus iam mesmo se transformar em gente, ou se continuariam sempre de madeira com eram. Mavutsinim respondia que não, que os paus de kuarup iam se transformar em gente, andar como gente e viver como gente vive.

Depois de comer os peixes, o pessoal começou a se pintar, e a dar gritos enquanto fazia isso. Todos gritavam,. Só os maracá-êp é que cantavam. No meio do dia terminaram os cantos. O pessoal, então, quis chorar os kuarup, que representavam os seus mortos, mas Mavutsinim não permitiu, dizendo que eles, os kuarup, iam virar gente, e por isso não podiam ser chorados. Na manhã do segundo dia Mavutsinim não deixou que o pessoal visse os kuarup. "Ninguém pode ver" - dizia ele. A todo momento Mavutsinim repetia isso. O pessoal tinha que esperar. No meio da noite desse segundo dia os toros de pau começaram a se mexer um pouco. Os cintos de fios de algodão e as braçadeiras de penas tremiam também. As penas mexiam como se tivessem sendo sacudidas pelo vento.

Os paus estavam querendo transformar-se em gente. Mavutsinim continuava recomendando ao pessoal para que não olhasse. Era preciso esperar. Os cantadores - os cururus e as cutias - quando os kuarup começaram, a dar sinal de vida cantaram para que se fossem banhar logo que vivessem. Os troncos se mexiam para sair dos buracos onde estavam plantados, queriam sair para fora. Quando o dia principiou a clarear, os kuarup do meio para cima já estavam tomando forma de gente, aparecendo os braços, o peito e a cabeça. A metade de baixo continuava pau ainda. Mavutsinim continuava pedindo que esperassem, que não fossem ver. "Espera... espera... espera" - dizia sem parar.

O sol começava a nascer. Os cantadores não paravam de cantar,. Os braços dos kuarup estavam crescendo. Uma das pernas já tinha criado carne. A outra continuava pau ainda. No meio do dia os paus começavam a virar gente de verdade. Todos se mexiam dentro dos buracos, já mais gente do que madeira. Mavutsinim mandou fechar todas as portas., só ele ficou de fora, junto dos kuarup. Só ele podia vê-los, ninguém mais. Quando estava quase completa a transformação de pau para gente, Mavutsinim mandou que o pessoal saisse das casas para gritar, fazer barulho, promover alegria, rir alto junto dos kuarup. O pessoal, então, começou a sair de dentro das casas. Mavutsinim recomendava que não saíssem aqueles que durante a noite tiveram relação sexual com as mulheres.

Um, apenas, tinha tido relações. Este ficou dentro da casa. Mas não aguentando a curiosidade, saiu depois. No mesmo instante, os kuarup pararam de se mexer e voltaram a ser pau outra vez. Mavutsinim ficou bravo com o moço que não atendeu à sua ordem. Zangou muito, dizendo: - O que eu queria era fazer os mortos viverem de novo. Se o que deitou com mulher não tivesse saído de casa, os kuarup teriam virado gente, os mortos voltariam a viver toda vez que se fizesse kuarup. Mavutsinim, depois de zagar, sentenciou: - Está bem. Agora vai ser sempre assim. Os mortos não reviverão mais quando se fizer kuarup. Agora vai ser só festa. Mavutsinim depois mandou que retirassem dos buracos os toros de kuarup. O pessoal quis tirar os enfeites, mas Mavutsinim não deixou. "Tem que ficar assim mesmo", disse. E em seguida mandou que os lançassem na água ou no interior da mata. Não se sabe onde foram largados, mas estão até hoje lá, no Morená.

Fonte:
PINTO, Wilson. As Mais Belas Lendas Brasileiras. Santa Catarina: Excelsus.
http://www.desvendar.com/especiais/indio/lendas.asp

sábado, 10 de janeiro de 2009

Contos do Folclore Português (A Mulher do Mercador)



Havia numa terra um mercador casado com uma formosa mulher.

Todos os dias erguia-se o mercador muito cedo da cama, ia visitar uma propriedade, voltava, ia ao quarto beijar a esposa, e dirigia-se para o seu estabelecimento.

As casas do mercador eram pegadas a um jardim, que comunicava com o paço. O príncipe ouvia falar muito da formosura da mulher do mercador e, sabendo que este ia todos os dias visitar a sua propriedade, ficando a mulher deitada, combinou com um crido desta entrar no quarto da ama, quando o mercador saísse.

Entrou o príncipe no quarto, onde dormia a formosa mulher, abriu os cortinados do leito, mas nessa ocasião veio à pressa o criado participar-lhe que o mercador vinha próximo. Então o príncipe safou-se apressadamente, deixando cair uma luva.

O mercador entrou no quarto da esposa e viu a luva no chão.

Voltou para trás e foi para o estabelecimento sem beijar a mulher. Nesse dia não lhe falou apesar da mulher lhe perguntar a razão. Soube o príncipe, por via do criado, do que se passava entre o mercador e a esposa, e desejou congraçá-Ios. Fez-se amigo do marido e foi um dia convidado por este a jantar em sua casa. Ao jantar assistiram o príncipe, o mercador e a esposa. No fim pediu o príncipe ao mercador que lhe contasse alguma história e como este se recusasse, instou com a mulher. Esta disse apenas:

Eu já fui querida, amada,
Agora sou desprezada
Sem contudo fazer nada.

Respondeu o marido:

Eu à minha vinha fui
Rastos de ladrão achei
Se comeu uvas ou não
Isso não vi nem eu sei.
Então observou o príncipe:

Eu à tua vinha fui
Parras verdes eu abri
Como príncipe aqui juro
Que das uvas não comi.

Houve depois todas as explicações entre os três, e o marido congraçou-se novamente com sua. esposa, visto estar esta completamente livre de qualquer censura ou da mais mínima culpa.
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Este conto você pode encontrar narrado por Luiz Gaspar (em português de Portugal), em seu site, indicado abaixo.
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Fonte:
PEDROSO, Consiglieri. Contos tradicionais do Algarve.
http://www.truca.pt/raposa_textos/historia_76_mulher_do_mercador.html

Rodrigo Farias (Você sabe ler?)



Se você é do tipo que:

» chega ao fim de um livro sem conseguir lembrar do início;
» freqüentemente cochila durante uma leitura mais longa, mesmo quando o assunto interessa;
» várias vezes compra um livro aparentemente bom para descobrir, depois de quinze páginas, que ele não vale meia pataca;
» tem dificuldade para resumir as idéias principais do autor, e quando tenta acaba sempre produzindo resumos muito maiores que o desejável;
» está sempre tendo de queimar os neurônios com livros difíceis de entender, mas obrigatórios para um curso, trabalho ou aula;
» toda vez que vê um colega falar sobre uma leitura que você também fez, acaba se perguntando, "Como é que eu não vi isso?"...

Este texto foi escrito pensando em você.

1 - Informação X Esclarecimento

1.1 - Um diagnóstico triste

A maior parte das pessoas lê mal. Num país como o Brasil, em que a grande massa da população não chega sequer a completar o Ensino Fundamental, isso soa como um truísmo, mas aqui estamos nos referindo também aos felizardos que conseguiram chegar não apenas ao fim do Ensino Médio, mas até mesmo, e principalmente, ao Ensino Superior. Infelizmente, a posse de um diploma não é garantia de uma capacidade de leitura eficaz. Nossa estrutura educacional é falha, muito aquém do que seria preciso para realmente formar um cidadão, e isso vale tanto para o ensino público quanto para grande parte do particular. Além disso, em nossa cultura, ler ainda não é uma prioridade, o que se reflete no mercado editorial: a maioria dos livros têm baixas tiragens (o padrão de uma edição é 3.000 exemplares, num país de mais de 160 milhões) e demoram a vender, salvo um ou outro best-seller, geralmente de ficção. E como se não bastasse, o fato de alguém comprar um livro não significa que vá lê-lo de fato, e mesmo que o leia, não significa que vá entendê-lo tanto quanto a obra merece.

Daí se deduz a pobreza do nosso país no campo da leitura. Mas problemas nessa área não são exclusividade do Brasil, tampouco de países pobres. Já na década de 70, Mortimer Adler -- cujas idéias fundamentam este textos -- já denunciava que a capacidade de leitura dos norte-americanos que não passava do nível do sexto ano letivo, ou seja, mais ou menos o do nosso primário ou 5.ª série. O autor cita um artigo que o professor James Mursell, da Escola de Professores da Universidade de Columbia, escreveu para a revista Atlantic Monthly, em 1939:

"Os estudantes aprendem a ler de forma efetiva em sua língua materna? Sim e não. Até o quinto e o sexto ano, a leitura é de fato ensinada e bem aprendida. Neste nível nos deparamos com um progresso constante, mas a partir daí caminha-se para a estagnação. Não porque o indivíduo tenha chegado ao seu limite natural de eficiência quando ele chega ao sexto ano, porque já está mais do que provado que estudantes mais velhos, e até mesmo adultos, podem continuar fazendo enormes progressos com a orientação adequada. Tampouco isso quer dizer que todos os estudantes do sexto ano lêem suficientemente bem para todos os objetivos práticos. Um número considerável de alunos fracassa no curso secundário simplesmente porque não se mostram aptos a apreender o sentido de uma página impressa. Eles podem melhorar; eles precisam melhorar; mas não melhoram.

O aluno médio das escolas secundários já leu um bocado, e se ele entrar numa universidade vai ler mais ainda; mas provavelmente ele ainda é um leitor fraco e incompetente (observem que isso vale para o estudante médio, não para aquele que recebeu um tratamento especial). Ele pode ler e apreciar um texto simples de ficção. Mas coloque-o diante de um ensaio escrito com rigor, diante de um argumento exposto de forma concisa e cuidadosa, ou uma passagem que exige alguma reflexão crítica, e ele estará perdido. Já foi demonstrado, por exemplo, que o estudante médio revela uma incapacidade surpreendente de indicar qual é o ponto central de um texto, ou os níveis de ênfase e subordinação num texto argumentativo. Para todos os efeitos, ele continua sendo um leitor da sexta série ao longo da universidade
."

Isso era verdade nos EUA em 1939. Em 1972, quando Adler citou esse artigo, ainda era. Alguém tem dúvidas de que seja também no Brasil de hoje? Pergunte a si mesmo quantos livros você já leu este ano. Melhor ainda, experimente fazer uma pesquisa informal entre seus conhecidos: quantos livros já lidos nos últimos 12 meses?

1.2 - Leitura ativa
Para entendermos o que significa dizer que alguém tem um nível de "sexta série", como diz o texto citado, precisamos estabelecer algumas distinções fundamentais. A primeira dela diz respeito à natureza da leitura. Segundo Adler, toda leitura exige um certo grau de atividade por parte do leitor, mas que pode variar tanto, que podemos falar, para fins didáticos, em leitura ativa e leitura passiva.

A leitura passiva seria aquela em que predomina a mera recepção de informações. Você decodifica o texto, não pensa sobre ele. É ler com a postura com que geralmente costumamos ver televisão. Um caso extremo é quando lemos um texto de maneira superficial, "passando os olhos", sem realmente nos interessarmos por ele. O resultado é apenas uma memorização mais ou menos superficial do que se leu.

Já a leitura ativa digna desse nome é aquela em que o leitor se esforça ao máximo para captar a mensagem que o autor tenta lhe transmitir. Ele dialoga com o texto que tem diante dos olhos, tenta determinar suas idéias centrais e a ligação entre elas. Enfim, o leitor verdadeiramente ativo é aquele que "está presente" na leitura, alerta, empenhado em compreender a mensagem do autor. Quanto mais ele é, mais eficaz será sua leitura.

1.3 - Finalidades da leitura

Todo o mundo alguma vez já aprendeu algo que mudou sua maneira de entender o mundo, ou um aspecto dele. Pode ter sido por meio de uma palestra, de uma aula, de um filme, uma conversa com um amigo ou -- o que nos interessa aqui -- um texto escrito ou livro. É quando, mais do que uma informação nova, nos damos conta de que captamos algo mais essencial, uma forma de compreensão, uma espécie de ferramenta mental -- a lógica por trás de alguma coisa. Nessas ocasiões, nós não apenas aprendemos o "quê", mas também e principalmente o "como" e o "porquê". É nossa compreensão que se alarga.

Trazendo isso para o mundo da leitura de livros (e deixando de fora aqueles voltados para o mero entretenimento), Adler dá um exemplo muito simples. Suponhamos que você tenha um livro que deseje ler. Ora, esse livro consiste de um amontoado de palavras escrito por uma pessoa com a intenção de comunicar algo a você. Portanto, seu sucesso na leitura vai depender do quanto você conseguirá captar da mensagem que o autor tentou comunicar.

Óbvio, não? Porém, a sua relação com o livro, continua ele, pode assumir duas formas. Se você entende perfeitamente o que autor quis passar, então vocês dois têm mentes afins e você pode ter assimilado informação, mas não necessariamente compreensão. A leitura pode simplesmente ter expressado uma compreensão comum que ambos já tinham antes de se encontrarem.

Agora, pode acontecer de você perceber que não está conseguindo entender tudo que o livro oferece. Algumas coisas fazem sentido, outras não. O livro tem mais a dizer do que aquilo que foi possível captar, de certa maneira ele excede o seu nível de compreensão ao lê-lo. Logo, para conseguir dar conta de tudo que o autor quis comunicar, é preciso alargar sua capacidade compreensiva. Como fazer isso?

Pode-se pedir ajuda a outra pessoa, consultar outros livros. Entretanto, Adler propõe que, de maneira geral, isso pode ser feito, antes de mais nada, trabalhando no livro.

"Sem nada além do poder de sua própria mente, você manipula os símbolos à sua frente de tal forma que passe de um estado de compreender menos para um estado de compreender mais. Esse avanço, conquistado pela mente que trabalha num livro, corresponde a uma leitura de alto nível, o tipo de leitura que um livro que desafia sua compreensão merece."

Nem sempre a distinção entre um tipo de leitura e outra é clara. Muitas vezes ela é muito tênue. Porém, grosso modo, podemos dizer que textos plenamente compreensíveis, como jornais, revistas, são essencialmente informativos. Não nos atordoam com a complexidade peculiar de quando ultrapassamos nossos limites. Por outro lado, sempre que lemos um texto que nos deixa, ao fim de uma leitura atenta, a sensação de que nã entendemos tudo, ele merece ser tratado como uma leitura compreensiva.

"Quais são as condições sob as quais esse tipo de leitura -- leitura para compreensão -- ocorre? Existem duas: primeira, há uma desigualdade inicial de compreensão. O autor deve ser 'superior' ao leitor em compreensão, e seu livro deve transmitir de uma maneira legível os conhecimentos que ele possui e que faltam aos seus leitores em potencial. Segunda, o leitor tem que estar habilitado a superar essa desigualdade em alguma medida, se não completamente, aproximando-se sempre do escritor. Na medida em que a igualdade é alcançada, a clareza na comunicação é atingida.

Em resumo, só podemos aprender com nossos 'superiores', Devemos saber quem eles são e como aprender com eles. Quem possui esse conhecimento domina a arte da leitura no sentido que nos interessa neste livro. Qualquer pessoa que saiba ler provavelmente terá habilidade para, em alguma medida, ler desta forma.Mas todos nós, sem exceção, podemos aprender a ler melhor e, gradualmente, ganhar mais pelos nossos esforços, direcionando-os para textos mais recompensadores."

Podemos resumir o que vimos até agora em uma única frase:

» A qualidade de uma leitura depende do esforço investido nela, pelo menos em se tratando de livros inicialmente acima de nossa capacidade e que por isso são capazes de nos levar à transição de um estado de entender menos para um estado de entender mais.

2 - Níveis de leitura

Para Adler, existem quatro níveis de leitura. Repare que são "níveis" e não "tipos", porque os níveis mais altos absorvem os mais baixos. São eles, do mais baixo para o mais alto:

1. Leitura Elementar - corresponde ao nível ensinado na escola primária. A preocupação de quem lê nesse nível é com a linguagem em si, a decodificação da escrita, que com qualquer outra coisa. A pergunta que norteia esse nível é: "O que a frase diz?".

2. Leitura Averiguativa (também chamada de "pré-leitura" ou "garimpagem") - este nível é voltado para a melhor avaliação possível de um texto ou livro num período curto de tempo. Por exemplo, quando estamos de passagem por uma livraria, vemos um livro que parece interessante e precisamos saber se ele é bom antes de decidirmos se vamos comprá-lo. Existem alguns bons macetes para isso, dos quais trataremos mais adiante. Por ora, basta saber que a pergunta básica deste nível é: "Este livro é sobre o quê?".

3. Leitura Analítica - é a leitura completa, a melhor que se pode fazer, ativa por excelência. No dizer de Adler, "se a leitura averiguativa é a melhor que se pode fazer num determinado período de tempo, então a leitura analítica é a melhor leitura possível quando não existe limite de tempo". É um nível de leitura voltado basicamente para a compreensão, de modo que, se seu objetivo é apenas informação ou entretenimento, ele pode não ser necessário.

4. Leitura Sintópica ou Comparativa - implica a leitura de muitos livros sobre um certo tema, pondo-os em relação uns com os outros e com o tema. Estudantes de Ciências Humanas são obrigados a se familiarizar com ela. É o nível mais difícil de se alcançar, e não há pleno acordo sobre suas regras. Porém, é também o mais recompensador de todos os níveis.

Por questões de espaço, aqui trataremos apenas da leitura averiguativa e de algumas sugestões para a leitura analítica.

2.1 - Leitura averiguativa

Conforme já foi dito, este nível é na verdade uma pré-leitura, uma inspeção mais ou menos rápida de um material de que, por limitações de tempo, você não pode dar conta por inteiro ainda. Isso não significa que seja pouco útil, muito pelo contrário. Pessoas que têm uma grande carga de leitura, sejam profissionais ou estudantes, podem se beneficiar muito com o conhecimento de técnicas simples de leitura averiguativa. Afinal, mais que qualquer outra coisa, ela foi feita para poupar tempo e nem todo livro merece uma leitura analítica. Saber separar o joio do trigo é uma necessidade cada vez mais premente no mundo de hoje.

Aqui vai uma lista de sugestões para uma boa garimpagem, divididas em duas fases para fins didáticos. A primeira tem como finalidade saber se o livro merece uma leitura mais atenta; a segunda, facilitar a leitura de um livro difícil:

A) Pré-leitura propriamente dita:

» Comece pela capa e pela folha de rosto. Muitos livros hoje têm títulos comerciais que não dizem nada sobre seu conteúdo, mas deixam uma pista no subtítulo. Veja o que ele diz, se houver um. Livros expositivos, de não-ficção, normalmente têm um. Também preste atenção ao nome do autor. Soa familiar? Existe alguma referência extra? Livros de autores de algum renome freqüentemente mostram ao lado do seu nome uma indicação do tipo "Autor de [nome de obra mais conhecida]". Também verifique a edição do livro; uma obra com várias edições e/ou reimpressões certamente é bem-sucedida e pode dar uma idéia da sua popularidade.

» No verso da folha de rosto costuma ficar a ficha catalográfica do livro, com a notação bibliográfica e os tópicos que ele aborda. Isso é muito importante, especialmente quando se trata de livros de caráter mais acadêmicos. Por exemplo, na ficha catalográfica do excelente "A Educação dos Sentidos", de Peter Gay, editado pela Companhia das Letras, ficamos sabendo que o livro trata de:

1. Classe média - História - século 19. 2. Sexo (Psicologia) - Aspectos sociais - século 19.

Ou seja, em uma ou duas linhas, ficamos sabendo que o livro trata da história dos aspectos sociais e da psicologia do sexo das classes médias no século 19. E ainda nem lemos uma única frase que realmente tenha sido escrita pelo autor

» Agora que você já sabe do que trata o livro, em linhas gerais, podemos passar aos detalhes -- o índice. É o mapa da estrutura do livro e há autores que se esmeram na sua confecção, especialmente quando se trata de ensaios e trabalhos acadêmicos. Obras antigas eram extremamente minuciosas nos seus índices, com títulos que chegavam a ser verdadeiras sinopses. Porém, hoje em dia, esse é um hábito que caiu em desuso, e os velhos índices analíticos muitas vezes dão lugar a índices com títulos misteriosos que mais parecem peças publicitárias. Ainda assim, você só vai saber se o índice é bom conferindo-o, então convém fazê-lo.

» Além do índice tradicional, algumas obras contêm índices onomásticos ou remissivos nas suas últimas páginas. Ali estarão listados nomes e temáticas de forma específica, bem como as páginas onde são citados. É uma boa fonte para ter um panorama dos assuntos tratados pelo autor e pode ser útil usá-lo para identificar passagens potencialmente interessantes e fazer uma leitura rápida. Naturalmente, a importância de um assunto pode ser avaliada pelo número de vezes em que é citado e se isso acontece muitas vezes é possível que ele seja um dos pontos centrais do livro.

» Leia a contracapa do livro. Algumas vezes contém trechos da introdução, em outras, como em livros americanos, referências elogiosas publicadas na imprensa. O mais provável, em se tratando de uma obra brasileira, é que você encontre uma sinopse do livro feita pela editora.

» Leia a orelha. Livros mais recentes costumam trazer uma breve resenha da obra, assinada por alguém importante na área temática em questão, ou uma sinopse mais aprofundada que a da contracapa. Também é comum encontrarmos uma nota biográfica do autor: onde nasceu, suas credenciais acadêmicas e/ou profissionais, outras obras que tenha escrito. Isso é especialmente útil em obras de não-ficção.

» Dê uma olhada na bibliografia, se houver. Ali você pode ter uma idéia da erudição da obra que tem em mãos, bem como ter referências sobre o mesmo assunto ou outros a ele relacionados. É até possível que encontre uma indicação que seja mais importante para o tema que o livro que tem ora em mãos. Cruzando os autores ali indicados com o índice onomástico, pode-se ter uma idéia de quais das obras listadas foram mais importantes para o autor do livro que você está examinando.

» O livro contém apêndices? Obras históricas ou jornalísticas, por exemplo, costumam deixar a reprodução mais extensa de fontes documentais ou iconográficas para essa parte do livro. Também é freqüente encontrar estatísticas, tabelas, e outros dados que podem ser muito pesados para serem transcritos no corpo da obra. Às vezes, trata-se de uma abordagem mais profunda de subtemáticas muito específicas. Em todo o caso, se há apêndices, dar uma olhada neles pode ser crucial para sua decisão sobre o livro valer ou não a pena.

» Folheie o livro. Leia alguns parágrafos, talvez duas ou três páginas, se o tempo permitir. Os últimos parágrafos de um capítulo muitas vezes contêm uma síntese do que foi abordado nos anteriores,e os do último capítulo -- não necessariamente o epílogo, quando existe -- podem conter uma síntese das idéias centrais do livro todo.

» E, por último mas não menos importante, ao folhear o livro, veja se a estética o agrada. Isso pode ser irrelevante para obras recentes, com apenas uma edição disponível, mas pode fazer muita diferença para aquelas mais antigas ou clássicas, disponíveis em várias edições, por várias editores ou, no caso de autores estrangeiros, em várias traduções. A fonte utilizada torna a leitura agradável? A impressão é boa ou há falhas? A paginação está correta? A diagramação (organização dos blocos de textos na página) é bem feita? A encadernação é de boa qualidade ou o livro parece estar prester a soltar páginas? No caso da tradução, em se tratando de obras literárias ou mais técnicas, pode ser conveniente procurar uma referência antes. Se toda tradução é uma traição, como dizia Voltaire, algumas traições são particularmente sórdidas e podem distorcer o pensamento do autor. Obras de filosofia e psicanálise vertidas do alemão, repletas de neologismos difíceis de traduzir para o português, por exemplo, costumam esbarrar nesse problema, como os leitores de Freud e Kant devem saber. A escolha da edição, nesse caso, se torna particularmente importante, especialmente quando algumas obras não são traduzidas do original, mas de outra tradução, geralmente inglesa ou francesa, e não raro antigas e "ajustadas" ao gosto da época.

B) Leitura superficial

Findas essas etapas, que constituem um tipo muito ativo de leitura, você já será capaz de dizer bastante coisa sobre o livro que tem em mãos, e se ele vale uma leitura analítica. Se não valer, nem por isso deixará de saber as idéias principais do autor, que tipo de obra escreveu e ampliar sua cultura geral, quem sabe deixando o livro para uma consulta futura.

Mas suponhamos que o livro valha a pena e você opte por lê-lo de fato, ou, o que é bem possível, simplesmente tenha de lê-lo por obrigação. Ao fim de algumas páginas atentas, você descobre que a obra é complexa. Muito complexa. Você chega à página 15 e se dá conta de que não está entendendo as coisas como deveria, e torna a ler do começo. Esbarra em algumas palavras ou frases obscuras, tenta decifrá-las e descobre que está perdendo muito mais tempo do que gostaria empacado nas primeiras páginas. E a leitura se torna uma fonte de angústias.

Os leitores de primeira viagem de literatura clássica talvez se identifiquem com essa situação. Qualquer curioso mediano que, na adolescência, tenha tentado ler Shakespeare ou Camões, ou simplesmente um poema nas aulas de Literatura, foi sério candidato a esse tipo de frustração. Para alguns, entender a Teoria da Relatividade pode ser muito mais simples que o primeiro ato de "Romeu e Julieta". Nas palavras de Adler (grifos meus):

"O enorme prazer que vem de ler Shakespeare, por exemplo, foi estragado para gerações de estudantes secundários que eram forçados a avançar em 'Júlio César', 'Como gostais' ou 'Hamlet' cena a cena, decifrando todas as palavras estranhas num glossário e estudando todas as notas acadêmicas de rodapé. O resultado disso é que eles nunca leram de fato uma peça de Shakespeare. Quando eles chegavam ao final, já tinham esquecido o início e já tinham perdido a visão de conjunto. Em vez de serem forçados a adotar essa abordagem pedante, eles deveriam ser encorajados a ler a peça de uma vez só e discutir o que tivessem assimilado desta primeira e rápida leitura. Só então eles estariam prontos para estudar a peça cuidadosamente, porque já teriam entendidoo suficiente sobre ela para aprenderem mais."

Com a experiência de quem tentou ler Shakespeare com um dicionário do lado aos 12 anos, posso dizer que esse é um ótimo conselho. Leia sem se angustiar pelos pontos obscuros, pelas notas de rodapé herméticas, pelos neologismos mal-explicados e as referências exóticas. Essa primeira leitura, aqui chamada de "superficial" no sentido positivo, serve para nos familiarizar com a obra em todos os seus aspectos: idéias centrais, estilo, vocabulário etc. Ela vai identificar os pontos mais ou menos difíceis, vai nos sinalizar para o tipo de ajuda de que talvez possamos precisar, vai nos preparar, enfim, para a segunda leitura e o alargamento de nossa compreensão -- o benefício mais duradouro de uma boa leitura.

Pode ser que tenham nos ensinado justamente o contrário. Muitos pais e instrutores bem intencionados ensinam as crianças e jovens a procurar no dicionário qualquer termo obscuro, ou pesquisar sobre algum tema desconhecido que surja no texto. Isso não está errado, mas deve ser feito no momento certo, sem interromper a leitura inicial. Especialmente porque, especialmente no caso de crianças, a preocupação com esses detalhes e a angústia daí gerada pode fazer com que a leitura se torne uma atividade penosa demais.

NOTA:
Por "livro" nos referimos, naturalmente, a obras voltadas para o leitor em geral, por difíceis que sejam.

Fonte:
Baseado em Como Ler um Livro, de Mortimer Adler e Charles Van Doren
http://www.bestreader.com/port/txcomolermelhor.htm

Antonio Boto (Poesias Avulsas)

História breve de uma boneca de trapos

Era uma vez uma boneca
Com meio metro de altura.
Insinuante, bonita,
Mas, pobremente vestida.

Um ar triste - uma amargura
Diluída no olhar ...
Grandes olhos de safira,
E um sorriso combalido
Como flor que vai murchar.

Quase a meio da vitrine
Lá daquela capelista
Essa boneca de trapos
A ninguém dava na vista!

Ninguém via o seu sorriso!
Ninguém sequer perguntava:
Quanto vale a «marafona»?
Quanto querem pela «Princesa»? ..

Passaram anos. - Com eles,
Foi a minha mocidade
E cresce a minha tristeza.
- Quem é que dá p'la Boneca
Que os meus olhos descobriram
Lá naquela capelista
Quase à esquina do jardim? ...
Quem dá por Ela? Ninguém.

E quantas almas assim!

As canções de António Botto
As cartas devolvidas
17
Ainda bem que nos afastámos. Ainda bem que o fizemos.
Eu não podia mais... Era impossível, acredita. Se continuássemos a viver como vivíamos — e mudar, dificílimo seria, — se nós desistíssemos desta separação ou deste sacrifício, apartávamos, certamente, as nossas almas, e para sempre! Ainda bem que nos afastamos. Ainda bem que o fizemos. Dizes-me na tua carta relida já quatro vezes que a tranqüilidade da nossa vida vale mais que todas as paixões, que todos os desejos... Tu dás-lhe esse nome; mas, para mim, tem outro: — sim; chamemos-lhe egoísmo. O teu é sacrificar todos os prazeres para evitar uma dor; — és cobarde e comodista. O meu, também se chama egoísmo, porém, é egoísmo diferente, é egoísmo ideal: — sacrificar tudo ainda que o sacrifício possa destruir a minha vida e essa destruição entristeça para sempre a minha alma. Ah!, como nós somos opostos! Tu acabaste para esquecer ou pôr de parte a minha camaradagem; eu, acabei para te lembrar continuamente e para mais te pertencer. Tinha que ser: está bem. A vida é uma sucessão de imagens; se umas se apagam há outras que permanecem...
18
Notícias da minha vida — para quê? O que tu possas imaginar dela talvez tenha mais encanto. Notícias minhas? Caberiam em três palavras: — Tento, apenas, esquecer-te!
19
Eu não devia responder á tua carta; nem sei dizer porque o faço. Também de que servia dizer-te? A verdade parece traição àqueles que vivem da mentira. Tentei esclarecer-te, para meu sossego e minha tranqüilidade esse desagradável mal entendido que deu origem á nossa frieza atual, tão firme, segundo parece. Não quiseste escutar-me. Pouco depois, saías, — sem me deixar sequer a esmola de uma palavra... Dias passaram, longos dias decorreram, e hoje, a tua carta de quatro linhas vem dizer-me que te arrependes da simpatia que me deste... E num tom seco terminas: que eu que sou bem diferente daquele que tu julgaras... Nada respondo. Apenas te lembro que a vida é cruel, imensamente cruel; e a sua maior crueldade é não permitir que pessoas da nossa estima possam conhecer a verdade dos nossos pensamentos e a verdade do nosso sentir. Adeus. As grandes paixões são para as grandes almas.

Tenho a certeza

Tenho a certeza
De que entre nós tudo acabou.
- Não há bem que sempre dure,
E o meu, bem pouco durou.

Não levantes os teus braços
Para de novo cingir
A minha carne de seda;
- Vou deixar-te, vou partir!

E se um dia te lembrares
Dos meus olhos cor de bronze
E do meu corpo franzino,
Acalma
A tua sensualidade
Bebendo vinho e cantando
Os versos que te mandei
Naquela tarde cinzenta!

Adeus!
Quem fica sofre, bem sei;
Mas sofre mais quem se ausenta!

À memória de Fernando Pessoa

Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boemia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me. Transformemos
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!

Andava a lua nos céus

Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas

Na minha alcova
Ardiam velas
Em candelabros de bronze

Pelo chão em desalinho
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho

Ele, olhava-me cismando;
E eu,
Placidamente, fumava,
Vendo a lua branca e nua
Que pelos céus caminhava.

Aproximou-se; e em delírio
Procurou avidamente
E avidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.

Arrastou-me para ele,
E encostado ao meu ombro
Falou-me de um pajem loiro
Que morrera de saudade
À beira-mar, a cantar...

Olhei o céu!

Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombria.

Deram-se as bocas num beijo,
Um beijo nervoso e lento...
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento

Vinha longe a madrugada.

Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecera cansado
E que eu beijara, loucamente,
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente
Bebia vinha..., até cair.

Soneto

Se, para possuir o que me é dado,
Tudo perdi e eu próprio andei perdido,
Se, para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido.

Se, para estar agora apaixonado,
Foi necessário andar desiludido,
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido!

Porque, depois de tantas cicatrizes,
Só se encontra sabor apetecido
Àquilo que nos fez ser infelizes!

E assim cheguei à luz de um pensamento
De que afinal um roseiral florido
Vive de um triste e oculto movimento

Se passares pelo adro
No dia do meu enterro,
Dize à terra que não coma
Os anéis do meu cabelo.
Já não digo que viesses
Cobrir de rosas meu rosto,
Ou que num choro dissesses
A qualquer do teu desgosto;
Nem te lembro que beijasses
Meu corpo delgado e belo,
Mas que sempre me guardasses
Os anéis do meu cabelo.
Não me peças mais canções
Porque a cantar vou sofrendo;
Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.
Se a minha voz conseguisse
Dissuadir essa frieza
E a tua boca sorrisse !
Mas sóbria por natureza
Não a posso renovar
E o brilho vai-se perdendo ...
- Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.

Canção

Venham ver a maravilha
Do seu corpo juvenil!

O sol encharca o de luz,
E o mar, de rojo, tem rasgos
De luxúria provocante.

Avanço. Procuro olha-lo
Mais de perto... A luz é tanta
Que tudo em volta cintila
Num clarão largo e difuso...

Anda nu – saltando e rindo,
E sobre a areia da praia
Parece um astro fulgindo.

Procuro olha-lo; – e os seus olhos,
Amedrontados, recusam
Fixar os meus... – Entristeço...

Mas nesse olhar fugidio –
Pude ver a eternidade
Do beijo que eu não mereço...
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Os poemas acima podem ser ouvidos declamados no site de Luiz Gaspar, abaixo.
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Fonte:
http://www.truca.pt/

Antonio Tomás Botto (1897 - 1959)



António Tomás Botto nasceu em Concavada (Abrantes) em 1897, e veio viver mais tarde para Alfama, em Lisboa.

Estreou se na literatura com as coletâneas poéticas "Trovas" (1917), "Cantigas de Saudade" (1918) e "Cantares" (1919), celebrizando-se com a publicação de "Canções" (1921), que Fernando Pessoa traduziria para o inglês em 1930. A segunda edição desta obra, datada de 1922, foi apreendida, tornando-o um poeta maldito. Em 1930 surgiu uma terceira edição que englobava os livros de poemas "Motivos de Beleza" (1923), "Curiosidades Estéticas" (1924), "Pequenas Esculturas" (1925), "Olímpiadas" (1927) e "Dandismo" (1928) aos quais, dez anos depois, numa quinta edição, seriam acrescentados "Ciúme" (1934), "Baionetas da Morte" (1936), "A Vida Que Te Dei" (1938) e "Os Sonetos" (1938), livros entretanto publicados. As obras poéticas "O Livro do Povo" (1944) e "Fátima — Poema do Mundo" (1955) permaneceram excluídas de todas estas edições.

A sua poesia caracteriza se por algum decadentismo, associado à tendência modernista da vivência do quotidiano, pelo sentido do ritmo e pela limpidez do estilo. Alguns dos seus melhores momentos poéticos estão nas descrições do quotidiano cinzento do bairro de Alfama ou na celebração da beleza masculina.

Fernando Pessoa, de quem foi amigo, Gaspar Simões e José Régio escreveram, ao longo dos anos 20 e 30, vários artigos sobre a sua poesia.

Para além da poesia, António Botto dedicou se também à ficção e do qual se destacam as obras "Antônio" (1933), "Isto Sucedeu Assim" (1940), "Os Contos de Antônio Botto" (histórias para crianças, de 1942) e "Ele Que Diga se Eu Minto" (1945). Escreveu ainda a peça de teatro, em três atos, "Alfama" (1933), e colaborou com Fernando Pessoa numa "Antologia de Poemas Portugueses Modernos".

António Botto faleceu em 1959.

Fonte:
http://www.truca.pt

Iara Pacini (Teia de Poesias)

Chama que Queima...

Vem, chama que queima,
que acaricia em plena relva,
sentindo forte e em chamas coloridas
seguindo a caminho da sanga.
Novo sopro de energia no ar,
em caminhos umectantes de desejos,
como se toda a natureza despertasse
e sentisse os mais doces perfumes
do aroma do campo,
saudosa do calor do sol.

Vem me afagar em plena coxilha,
fazendo brilhar as tuas folhas
em mais puro encanto
Semente desse momento em amor...
corre pelo córrego o néctar das flores,
borboletas sentem a doce presença
dessa mágica noite avassaladora de amor.

Fico em transe nessa espera...
quimeras dos meus desejos...´
Em beijos ardentes,
vislumbro tuas formas me querendo,
teus loucos desejos me oferecendo,
teus beijos me convidando,suplicando,
desejando em entregas loucas de paixão
=====================

Junto ao mar

Suspiro junto ao mar e ,
em infinitos desejos,
sinto que não posso ficar só.
Preciso do teu amor junto a mim
e sei que sentes minha falta
Vem me ver...
Na esperança hoje te acaricio só em sonhos,
e vamos dançar a nossa valsa de amor
em plenas estrelas a nos guiar no horizonte,
a conquistar a essência
e saciar a nossa fome de amor
===================

Distância

Olho o céu azul,
invento para a vida,
filtrando a alma
em conflito com a minha solidão,
faço e desfaço imagens
contidas em pensamentos doloridos
neste momento,
e acaba nos deixando saudades
de quem um dia esteve ao meu lado,
mas que hoje não esta mais aqui.
te amo,
hoje em lagrimas nos olhos
e dor no coração,
maus pensamentos vêm e vão
atordoados pela distância
saudades, da pele,
do cheiro,
dos beijos,
de te sentir nos meus braços.
===============

Sintonia de amor

A noite chega,
caminho sem rumo,
nas alamedas escuras,
e meus pensamentos voam...
com esperanças em sentir uma noite de amor.
Olho as estrelas e vejo vida,
e me re-invento pra lua, como deusa
que caminha ao teu encontro,
e dorme nos teus braços em sintonia de amor.
===============

Dança da esperança

Eu dancei a esperança em desejos
nos quais eu vivo a esperar por ti,
onde me reinvento nas noites de luz cheia,
com vestidos de cetim dourado,
sinto que preciso te ver, te beijar.
Vem e me tira da saudade...
=========================

Horizonte Distante

Longe é meu horizonte,
sob controle restrito da saudade
meu travesseiro chora,
os anjos rompem a minha madrugada,
falando de amor,
o perfume dos lençóis me açoitam
pelo loco desejo em te ter ao meu lado
Onde vou carrego minhas tristezas,
a queda tantas vezes cai em meu coração torturado
e nessa hora vejo e sinto o inferno,
e na tapera dispersa,
as minhas pegadas pelas estradas vividas
Pensar em prazer em meu comedido coração,
é perfumar as nuvens onde possam levar ate você,
esse louco amor,
a alegria o amor rompe a cada dia com intensidade da luz
quero sim sair do inferno e ir ao teu encontro
com a certeza de que seremos felizes
---------------
Sobre a autora:
Poeta gaúcha, nasceu em são Jerônimo, em 14 de fevereiro de 1953. professora de Educação Física, sempre escreveu sobre seus sentimentos, mas de forma intimista, sempre guardando os seus escritos. Hoje escreve a leveza e os puros sentimentos de sua alma, por persistência dos amigos.

Acadêmica virtual da AVSPE, da Academia de Artes e Letras de Porto Alegre, ativista cultural, no mundo da internet atua também em vários sites, onde mantém uma rede de amigos artistas e poetas. Site: http://www.simplesmente-iara.com

Fontes:
- http://www.teiadosamigos.com.br/Nossos_Poetas/IaraPacini/
- Foto = http://www.usinadaspalavras.com
- ORSIOLLI, Sonia Maria Grando e outros (orgs.).1ª. Coletânea Teia dos Amigos 2008. Itu,SP: Ottoni Editora, 2008.

1ª Coletânea de Poesias Teia dos Amigos



Lista dos Participantes da Coletânea Teia dos Amigos


Antonio Carlos Menezes
Badú
Dorival C. Fernandes
Efigênia Coutinho
Elaine Freitas
Fátima Mello
Iára Pacini
Ieda Cavalheiro
Mara Inez N. de Moraes
Maria Antonia Canavezi Scarpa
Marilda de Almeida
Regina Lu
Sandra M. Julio
Socorro Lima Dantas
Sonia Pallone
Sonia Orsiolli
Vany Campos

Capa executada por Sonia Orsiolli
Editora Ottoni
166 páginas

Prefácio:
Sob luzes de estrelas, essa teia de poetas que ousa estender-se, como uma teia, que se une a nós.

São as folhas ao vento, distendidas ao caule, onde a doce seiva depreende-se no olor poético, vazando a produção, nesta obra, de valor.

Desde 2002... Julho. E o site em 2003, aos poucos, iniciando, como nascente, depois, um fio de água, até formar esse forte tributário, o que vem gerar luz, acordar, os que precisam ver acreditar, navegar, ser o próprio timoneiro.

São mãos agregadas, as que tecem na teia, e formaram uma rede, sedimentadas, às vezes nas lágrimas, outras tantas a emoção, e bem outras, no amor; o que queima se sentir.

Cada qual de nós sabe que são os tempos de paixão, sobretudo de amizade.

E do que falar, dessa plêiade, que são os pontos cristalinos, os irmãos que enfeitam o céu, e se derramam, emprestam o ouro da poesia em seus tesouros.

Ao centro a Sonia Maria Grando Orsiolli, uma semente, entre as tantas desses girassóis, que pelo coletivo, dá o colorido vivo.

Assim estendo o tapete no átrio, abraços estendendo a gratidão, e nosso obrigado.

Fica a nossa homenagem, antes fácil, a teia, com um nó de amor, onde enfeixo o laço, nessa ultima “Flor do Lácio”, onde cada qual se apura da ganga impura. Homenagem aos poetas de valor.

A todos e a cada um, a nossa gratidão e de muitos como nós, ao que mais nos deliciamos, coletando essas pétalas e sementes, espargidas, dessa equipe.

JOÃO FERREIRA FILHO (Advogado e Poeta)
Ribeirão Preto/SP

Para adquirir a Coletânea solicitar pelo email: teiadosamigos@uol.com.br

Rita Chaves (Angola e Moçambique: Experiência Colonial e Territórios Literários)


São Paulo: Ateliê Editorial, 295 págs.

Para quem quer conhecer as literaturas africanas de expressão portuguesa Angola e Moçambique: experiência colonial e territórios literários, de Rita Chaves, é um caminho seguro.

Reunindo textos que abrangem um esforço iniciado ao final da década de 1980, quando o interesse no Brasil pelas culturas africanas ganhou maior intensidade, e chegam até o começo do novo século, o volume é, porém, o resultado de um trabalho de três décadas de paixão pela literatura africana de Língua Portuguesa, pois foi em 1978, sob a orientação de Vilma Arêas, na Universidade Federal Fluminense, que a autora descobriu o seu caminho para o continente africano. Desde então, não se limitou apenas àquelas viagens interiores que se costuma fazer através dos livros, mas percorreu in loco a África do Atlântico ao Índico, tendo sido professora visitante na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, entre os anos de 1998 e 2000.

Dividido em três seções, o livro de Rita Chaves, na primeira parte, “Signos de identidade na literatura angolana”, discute a nova literatura nascida especialmente a partir da independência do país em 1975, analisando especificamente autores como José Luandino Vieira, Agostinho Neto, Pepetela, José Eduardo Agualusa, Ana Paula Tavares e Ruy Duarte de Carvalho. Num dos oito ensaios que compõem essa parte, “O passado presente na literatura angolana”, a autora, baseada nas idéias de Frantz Fanon (Paris, Pour la révolution africaine, François Maspéro, 1964), a partir da experiência francesa na Argélia, tenta compreender o colonialismo português em Angola, observando que também ocorreram tentativas de apagamento da história anterior à chegada dos europeus. O que justificaria a idéia de libertação que marca o início do processo literário angolano, repetindo, guardadas as distâncias e proporções, o que ocorreu no Brasil no século XIX, quando os românticos procuraram fazer do índio um dos símbolos da identidade brasileira.
Após a independência”, diz a autora, “a essa noção de passado instaurado no período pré-colonial, junta-se outra.

A euforia da vitória converte em passado o próprio tempo colonial. É o momento então de centrar-se nesse período como forma de engrandecer o presente. A celebração eleva as antinomias: aos heróis do passado remoto se vão aliar os heróis que participaram na construção desse presente em contraposição àqueles que o discurso colonialista apresentava como vencedores do mal
”.

Em sua análise, Rita Chaves constata uma segunda fase na literatura angolana, a idade adulta, em que, passada a euforia dos primeiros anos da independência e depois do fracasso da experiência socialista e de guerras civis devastadoras, o que há é a injustiça do presente, já que, como diria Antônio Lobo Antunes, o destino de todas as revoluções seria, afinal, sempre o de substituir uma aristocracia por outra.

A continuidade da guerra, as imensas dificuldades no cenário social, o esvaziamento das propostas políticas associadas ao estatuto da independência, a incapacidade de articular numa concepção dinâmica a tradição e a modernidade compuseram um panorama avesso ao otimismo”, diz a autora, observando que, em função dessa realidade imutável, em que o colonizador já não pode ser responsabilizado como antes, regressa-se ao passado outra vez “para se tentar compreender o presente desalentador”. É nesta situação em que viveria o escritor angolano de hoje, buscando no passado – às vezes, num passado remoto e até mitológico – uma maneira de vislumbrar hipóteses para um mundo que, por razões diversas e em variados níveis, lhe surge como um universo à revelia”.

Já na segunda parte do livro, “A poesia em português na rota do Oriente”, formada por quatro ensaios e uma entrevista com José Craveirinha, Rita Chaves não busca compreender a literatura moçambicana de hoje como resultado do colonialismo português como fez em relação à literatura angolana, embora haja paralelismos bem evidentes nos dois processos. Concentra-se, isso sim, na análise da obra de poetas como José Craveirinha, Eduardo White, Rui Knopfli e Luís Carlos Patraquim.

Em “Eduardo White: o sal da rebeldia sob os ventos do Oriente na poesia moçambicana”, ensaio publicado também em África e Brasil: letras em laços (São Caetano do Sul-SP, Yendis Editora, 2006) de Maria do Carmo Sepúlveda e Maria Teresa Salgado (organizadoras), procura compreender a obra de um dos nomes mais expressivos da poesia moçambicana de hoje, a partir de suas ligações com a Ilha de Moçambique, a presença mais marcante hoje no imaginário poético de Moçambique. “Ali, o autor vai buscar as sedas, o m´siro, as miçangas, as oferendas de Java, o séqüito ajawa, o curandeiro macua, o monge birmanês, com que compõe o desenho do universo em que projeta a sua identidade”, diz a autora.

Na terceira parte, “Literaturas em Língua Portuguesa: a utopia em trânsito sob os vento do Império”, que reúne mais quatro ensaios, chama a atenção o texto “O Brasil na cena literária dos países africanos de Língua Portuguesa” em que a autora procura estabelecer a utopia que a terra brasileira sempre representou no imaginário africano, concluindo que, felizmente, os escritores africanos souberam catalisar numa chave progressista as imagens (brasileiras) que convidavam à mudança. E conclui que esses escritores souberam compreender como a realidade brasileira – povoada pelas injustiças e pelos preconceitos que conhecemos – poderia auxiliá-los na mobilização em favor de “um projeto conduzido pelo sentido da liberdade e outras utopias”.

Além de ensaios bem elaborados, o livro de Rita Chaves traz uma entrevista que ela fez com o poeta moçambicano José Craveirinha (1922-2003), em fevereiro de 1998, em sua casa em Maputo. Nela, Craveirinha, filho de pai português e mãe africana, entre outros tantos temas, diz da influência que ele e outros autores moçambicanos receberam na década de 40 e 50 de escritores brasileiros, como Jorge Amado e Rachel de Queiroz, e, especialmente, daqueles jornalistas e cronistas que escreviam na célebre revista O Cruzeiro, como David Nasser, embora sua formação inicial tenha sido mesmo por meio de Eça de Queirós, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Camões e Soeiro Gomes e ainda dos franceses Victor Hugo e Zola.

Curiosa é também esta frase: “(...) hoje andam aí pelas ruas grande parte daqueles que de fato lutaram, mas os que estão nas cadeiras são precisamente aqueles que não lutaram. E que engordam desavergonhadamente. E a gente olha e fica triste, mas paciência”, dizia para, em seguida, reconhecer que ficava admirado quando ia a Portugal e recebia alguma homenagem: “(...) Há qualquer coisa que não bate bem: ou eu, ou eles! Uma das mais importantes comendas de Portugal foi concedida a mim. Depois de tudo, toda a comenda que eu deveria receber de Portugal era uns pontapés no rabo, mas não uma comenda. Ora, isso faz com que fiquemos um pouco duvidosos de nós próprios e ao mesmo tempo isso retira um determinado ônus de cima da cabeça dos portugueses”, dizia, com bom humor. Até porque teve oportunidade de constatar que o Portugal que o homenageou na década de 1990 não era o Portugal das décadas de 60 e começo de 70 que ele combateu em Moçambique, quando, então, passou um bom tempo na cadeia.

Professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, Rita Chaves, hoje, dirige o Centro de Estudos Portugueses da instituição e é pesquisadora associada do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Entre outros títulos, publicou A formação do romance angolano em é co-organizadora de Portanto... Pepetela, Literaturas em movimento – hidridismo cultural e expressão e Exercício crítico e Brasil/África: como se o mar fosse mentira.
___________________
Outro artigo da Rita Chaves (Caminhos da Ficção da África Portuguesa)
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/02/caminhos-da-fico-da-frica-portuguesa.html

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Fonte:
Adelto Gonçalves (Viagem ao universo africano).
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/2009/01/viagem-ao-universo-africano-adelto.html