terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ialmar Pio Schneider (O Poeta e o Pelicano)


Estava eu a matutar no que iria escrever nestas horas monótonas de minha vida, quando me deparei com uma poesia da época romântica francesa que traduzimos na adolescência, ao cursarmos o Científico. Lembro-me que o professor de francês no Colégio Nossa Senhora da Conceição de Passo Fundo – RS, era o irmão marista Érico, cujo apelido carinhoso era “Foquinha”, e que ao ler as poesias em voz alta ele se empolgava transmitindo uma emoção ímpar e que todos ouvíamos em silêncio, no original desta língua tão melódica quanto sonora, no meu mero entendimento. O livro em que estudávamos era o Cours de Français, de Augusto R. Rainha e José A. Gonçalves, e nas páginas 35, 36 e 37, constava a minibiografia do autor e a poesia a que me refiro, como segue:

“Época Romântica – A Poesia – MUSSET (1810-1957) –

1 – Alfred de Musset nasceu em Paris, onde após excelentes estudos, partiu do Cenáculo e se engajou no romantismo. Entretanto, não tardou a retomar uma independência da qual era cioso (ciumento). Levou, durante algum tempo, uma vida licenciosa que lhe não deixa senão remorso e desencantamento. Tornou-se então um poeta apaixonado. É o período de sua grande poesia.

Este poeta tão grande e tão maravilhoso, é Enfant du siècle (Filho do século), como ele gostava de se chamar a si mesmo, e morreu na idade de quarenta e sete anos.

2 – Suas Obras Líricas estão reunidas em dois volumes: Primeiras Poesias (Contos da Espanha e da Itália); Novas Poesias (as Noites), a melhor parte da obra do poeta.

3 – Musset é antes de tudo o “poeta do amor”. É seu princípio que “toda a obra literária consiste em abrir seu coração e a penetrar no coração do leitor”. “Ah ! bate de encontro ao teu coração: é lá que está o gênio” – escreveu. É um poeta todo pessoal (original), não gostava de imitar: “Mon verre n’est pas grand, mais je bois dans mon verre.” (Meu copo não é grande, mas eu bebo no meu copo).”

Após este prólogo tão interessante quanto necessário, a meu ver, em tradução minha adaptada, vamos à poesia:

“O PELICANO

Qualquer preocupação que sofras em tua vida,
Oh! deixa dilatar-se, esta santa ferida
Que os negros serafins têm cavado em teu peito
Nada nos faz tão grandes como um sofrer perfeito.
Mas, por estar atento, não creias, ó poeta,
Que no Mundo a tua voz deva ficar quieta !
Os mais pungentes são os cânticos mais belos,
E eu conheço imortais que são tristes anelos.
Quando o pelicano, em longa viagem solta,
Nas brumas da tardinha aos seus caniços volta,
Famintos filhos seus caminham sobre a praia,
Vendo-o esbater-se ao longe em cima às plúmbeas águas
Já crendo em apanhar e repartir a presa
Eles correm ao pai com gritos de alegrias
Erguendo os bicos sobre as gargantas frias.
Ele, galgando a passos lentos uma rocha elevada,
Em sua asa pendente abrigando a ninhada,
Pescador melancólico, ele olha os céus.
O sangue corre em golfadas em seu peito aberto;
Em vão dos mares escavou a profundeza:
O Oceano estava vazio e a praia deserta;
Por todo alimento ele traz seu coração.
Sombrio e silencioso, estendido sobre a pedra,
Repartindo aos seus filhos suas entranhas de pai,
No seu amor sublime embala a sua dor,
E, olhando escorrer seu peito a sangrar,
Sobre seu festim de morte ele se prostra e cambaleia,
Ébrio de volúpia, de ternura e de horror.
Mas às vezes, no meio do divino sacrifício,
Fatigado de morrer em tão longo suplício,
Ele acredita que os filhos o deixem vivendo;
Então soergue-se, abre sua asa ao vento,
E, ferindo-se o coração com um grito selvagem,
Solta dentro da noite um tão fúnebre adeus,
Que os pássaros dos mares desertam a beira-mar,
E que o viajor demorado na praia,
Sentindo passar a morte, se recomenda a Deus.”
(La Nuit de Mai (1835).

Ao findar o mês de maio em pleno outono, quis prestar uma homenagem in memoriam a este inigualável poeta romântico francês que com seu poema( inserido em Noites de Maio), demonstrou até onde vai o amor paterno e materno, sacrificando sua própria vida para que seus filhotes continuem a viver. É uma lição divina da natureza.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.iguinho.ig.com.br

Hermoclydes S. Franco (Algumas Trovas Esquecidas)


A vagar pela cidade,
Desde os tempos de menino,
Procuro a felicidade
Que mora além do destino!...

Ser mãe é trabalho insano
Que tal carinho irradia
E te faz, por todo o ano,
Ser a mãe de cada dia!

Foi tanta emoção sentida,
Foram mil sonhos sonhados,
Que atravessamos a vida
Como eternos namorados...

Para ser livre e ufano,
Ter poder, ser sempre um bravo,
Na verdade o ser humano
Da lei deve ser escravo...

Plangem sinos, é Natal,
Festa em nossos corações...
O Deus-Menino, imortal,
É o centro das emoções...

O fulgor da Estrela-Guia
Viu nascer em Nazaré:
Para o mundo, novo dia;
Para os homens, nova Fé!...

Um lençol verde de paz...
Um rio... Uma catarata...
Lindas flores... animais...
Sons do silêncio, eis a mata!... (Sem verbos)

Tu foste, na minha vida,
Tempestade que passou...
Neblina descolorida
Que alguma nuvem deixou!...

Versejando à luz difusa,
Se o sentimento me inspira,
Eu te elejo a doce musa
Que há de tanger minha lira!...

Nas mensagens de prazer,
Carteiro, nas tarde mansas,
Tens o condão de trazer
O renascer de esperanças...

Em privação de sentidos,
Em teus braços perfumados,
Sonhei sonhos não vividos...
Vivi sonhos não sonhados...

Abraça o tempo que corre,
Na rapidez em que avança,
Que um bom momento não morre,
Acaba sempre em lembrança!

Mãe! Flor de amor e bondade,
Nem precisa rima rica,
Na poesia de saudade
Da lembrança que nos fica!

Escondendo tal carinho
Em seu semblante sisudo,
Meu PAI me pôs no caminho
Preparado para tudo!...

Não julgues a alheia sorte
Pelo brilho do brasão:
A luz que brilha mais forte
Tem mais curta duração...

MEMÓRIA... Forja de sonhos,
Arquivo de sentimentos,
Relicário onde os tristonhos
Escondem seus bons momentos...

Noite de Paz e de Amor!
Noite de sonho e de luz...
Veio ao mundo o Salvador,
O Deus-Menino, Jesus!...

A tempestade aparente
Do teu gênio, por magia,
Transformou-se de repente,
Ao meu beijo, em calmaria!

Terminado o encantamento,
Só restou a indiferença
De um calado sofrimento
Marcando sempre presença!

Minha fé a grande força
Que trago desde criança,
Não deixa que a vida torça
O meu rumo de esperança

Não tive coragem, creia,
De fugir nesta revolta...
Por isso é que, volta e meia,
Vivo dando a meia-volta!...

Na luta pela conquista
Do melhor que a via encerra,
Sou um simples pacifista:
“Faço o amor, não faço a guerra”.

A emoção é bailarina,
Num palco azul de ilusões...
Se Deus a fez feminina,
Tinha lá Suas razões.

Com efeitos especiais,
Meus sonhos mostram, em tela,
Os teus encantos reais
Na mais bonita aquarela!...

A inspiração é uma fada,
Com varinha de condão...
Quando toca a musa, amada,
Há poesia em profusão!...

Pelo teu corpo, em viagens
De sonhos e encantamentos,
Minhas mãos passam mensagens
De indescritíveis momentos...

Trago tantas emoções
Nas minhas canções serenas
Que, quando canto as canções,
Vivo de emoções, apenas!...

Para espantar minha dor,
Eu passo a vida a cantar,
Sabendo que mal de amor
Ninguém consegue espantar...

Lobo máu, o vento, ao léu,
Se transforma em furacão
Ao ver, nas nuvens do céu,
Carneirinhos de algodão!...

A vida é a fada-madrinha
Que, ao ver nosso intenso flerte,
Deu-me, em toque de varinha,
O prazer de conhecer-te!

Aquele que a paz expande
Tem a luz, bem definida,
Que se transforma no grande
Prazer de viver a vida!

Na vida, estrada de sonhos,
Conheci divinos seres
Que me ensinaram, risonhos,
Segredos de mil prazeres!...

Vem amor, morar comigo,
Que eu te mostro o que é viver
E, em longa noite contigo,
Eu te ensino o que é prazer...

O triste da caminhada,
Na longa estrada da vida,
É ver a fome estampada
Em tanta gente excluída!

Nossas sombras, abraçadas,
Sob a luz do luar risonho,
Atravessam madrugadas
Em busca do mesmo sonho!

Seria o grande momento,
Para toda a humanidade,
Se o bom Deus mandasse o vento
Varrer do mundo a maldade...

Não há sonho mais bonito
Nem mentira mais falaz
Do que o amor infinito
Que a vida jamais nos traz!

Teu amor é o suave açoite
Que eu desejo, em calmaria:
Como o dia busca a noite...
Como a noite busca o dia!

No meu sonho, em bela imagem,
Neste meu destino incerto,
Seu recado foi miragem
E apagou-se em meu deserto!...

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Jean de La Fontaine (Fábulas) A Raposa e a Cegonha

Ilustração de Gustave Doré
Quis a raposa matreira,
Que excede a todas na ronha,
Lá por piques de outro tempo,
Pregar um ópio à cegonha.

Topando-a, lhe diz: "comadre,
Tenho amanhã belas migas,
E eu nada como com gosto
Sem convidar as amigas.

De lá ir jantar comigo
Quero que tenha a bondade;
Vá em jejum porque pode
Tirar-lhe o almoço a vontade."

Agradeceu-lhe a cegonha
Uma oferenda tão singela,
E contava que teria
Uma grande fartadela.

Ao sítio aprazado foi,
Era meio-dia em ponto,
E com efeito a raposa
Já tinha o banquete pronto.

Espalhadas num lajedo
Pôs as migas do jantar,
E à cegonha diz: "comadre,
Aqui as tenho a esfriar.

Creio que são muito boas -
Sans façon - vamos a elas."
Eis logo chupa metade
Nas primeiras lambidelas.

No longo bico a cegonha
Nada podia apanhar;
E a raposa em ar de mofa,
Mamou inteiro o jantar.

Ficando morta de fome,
Não disse nada a cegonha;
Mas logo jurou vingar-se
Daquela pouca vergonha.

E afetando ser-lhe grata,
Disse: "comadre, eu a instigo
A dar-me o gosto amanhã
De ir também jantar comigo."

A raposa labisqueira
Na cegonha se fiou,
E ao convite, às horas dadas,
No outro dia não faltou.

Uma botija com papas
Pronta a cegonha lhe tinha;
E diz-lhe: "sem cerimônia,
A elas, comadre minha."

Já pelo estreito gargalo
Comendo, o bico metia;
E a esperta só lambiscava
O que à cegonha caía.

Ela, depois de estar farta,
Lhe disse: "prezada amiga,
Demos mil graças ao céu
Por nos encher a barriga."

A raposa conhecendo
A vingança da cegonha,
Safou-se de orelha baixa,
Com mais fome que vergonha.

Enganadores nocivos,
Aprendei esta lição.
Tramas com tramas se pagam,
Que é pena de Talião.

Se quase sempre os que iludem
Sem que os iludam não passam,
Nunca ninguém faça aos outros
O que não quer que lhe façam.

Fonte:
La Fontaine. Fábulas. SP: Martin Claret, 2005.

Monteiro Lobato (O Saci) XIX – Lobisomem; XX – Mula sem Cabeça

XIX - Lobisomem

Nem bem acabara o saci de pronunciar estas palavras e Pedrinho notou grande rebuliço entre os sacizinhos. Parece que também pressentiram qualquer coisa, pois largaram das brincadeiras e desapareceram na floresta, como por encanto.

Era tempo. O mato começou a estalar como se algum animalão por ele viesse rompendo, e por fim surgiu na clareira a carantonha sinistra de um lobisomem. Parou, farejou o ar como se estivesse sentindo cheiro de carne humana. O saci, porém, tivera a precaução de emitir um certo cheirinho a enxofre, e isso iludiu o lobisomem, que continuou o seu caminho e passou. O cheiro a enxofre disfarça o da carne humana, explicou mais tarde o saci.

Apesar do medo que sentira, Pedrinho pôde notar que o monstro tinha a pele virada, isto é, o pêlo para dentro e a carne para fora — uma coisa horrível! No mais, era um perfeito lobo, embora de dimensões muito mais avantajadas.

Assim que o lobisomem deixou a clareira, o menino respirou um ah! de alívio e pediu ao saci que lhe contasse alguma coisa desses monstros.

— Dizem — respondeu o saci — que quando uma mulher tem sete filhos machos, o sétimo vira lobisomem na noite das sextas-feiras. Sai então pelos campos, invade os galinheiros (onde come um produto das galinhas que não é o ovo) e também assalta e devora os cães e as crianças que encontra pelo caminho. Se alguém ataca um lobisomem e corta-lhe uma das patas, ele vira imediatamente no homem que é — e esse homem fica por toda a vida aleijado do membro correspondente à pata cortada.

Pedrinho não resistiu à tentação de ver de perto as pegadas do monstro e apesar das advertências do saci saiu do oco para examiná-las à luz de um vaga-lume. Mas não teve tempo. Assim que saiu do oco, ouviu um estranho rumor ao longe, seguido do agudo assobio do saci chamando-o. Voltou precipitadamente.

— Que há? — indagou.

O saci, que também parecia amedrontado, puxou-o bem para o fundo do esconderijo, murmurando: — A mula-sem-cabeça!

XX – A mula-sem-cabeça

A mula-sem-cabeça!

Pedrinho estremeceu. Nenhum duende das florestas o apavorava mais que esse estranho e incompreensível monstro, a mula-sem-cabeça que vomita jogo pelas ventas! Muitas histórias a seu respeito tinha ouvido aos caboclos do sertão e aos negros velhos, embora Dona Benta vivesse dizendo que tudo não passava de crendice.

A galopada aproximava-se; já se ouvia o estalar dos arbustos que em seu desenfreado galopar a mula-sem-cabeça vinha quebrando. Súbito, parou.

— Vai mudar de rumo! — murmurou o saci, com cara mais alegre.

E de fato foi assim. A mula retomou a galopada, mas em outra direção, embora passasse por perto não chegou ao alcance dos olhos do menino.

— Que pena! — exclamou ele. — Tanta vontade que eu tinha de conhecer esse monstro...

— Que pena? — repetiu o saci. — Que felicidade, deve você dizer! A mula-sem-cabeça é o mais sinistro duende que há no mundo; tem o dom de transtornar a razão de todos que a vêem. Por isso é que tive medo — não por mim, mas por você...

— Mas qual é a origem dessa mula?

— Uma história muito velha. Dizem que antigamente houve um rei cuja esposa tinha o misterioso hábito de passear certas noites pelo cemitério, não consentindo que ninguém a acompanhasse. O rei incomodou-se com isso e certa noite resolveu segui-la sem que ela o percebesse. No cemitério deu com uma coisa horrenda: a rainha estava comendo o cadáver de uma criança enterrada na véspera e que por suas próprias mãos cheias de anéis havia desenterrado! O rei deu um grito. Vendo-se pilhada, a rainha deu outro grito ainda maior — e imediatamente virou nessa mula-sem-cabeça, que desde aquele momento nunca mais parou de galopar pelo mundo, sempre vomitando fogo pelas ventas.

E foi assim que Pedrinho perdeu a única oportunidade que teve de ficar conhecendo pessoalmente o estranho monstro que tanto impressiona a imaginação dos nossos sertanejos.

Ela corre sem cessar, espalhando a loucura por onde passa. Não existe criatura, seja bicho do mato ou gente, que não prefira ver o Diabo em pessoa a ver a tal mula-sem-cabeça. É horrenda!

— Mas como será que vomita fogo pelas ventas, se as ventas estão na cabeça e ela não tem cabeça?

— Também não entendo; mas é assim — disse o saci.
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continua... XXI - Más notícias ; XXII – Chegam ao sítio
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 319)


Uma Trova Nacional

O vento, com peraltice,
leva folhas pelo espaço.
Que bom se um dia o sentisse
levando as preces que faço...
–RUTH FARÁH NASCIF/RJ–

Uma Trova Potiguar

Se eu me for, antes de ti...
Levarei, dos nossos traços,
cada noite que vivi
na cortina... dos teus braços.
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Niterói/RJ
Tema: DELÍRIO - M/E.

Nos delírios desse amor
de saudades desiguais,
eu vivo só de favor
de saber como tu vais!
–EDUARDO A. O. TOLEDO/MG–

Uma Trova de Ademar

Há tempo para as agruras
de um viver que se maldiz,
e há tempo para as venturas,
na busca de ser feliz!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Ah, coração!...não palpites
tão forte que o espaço é estreito,
e esta mágoa, sem limites,
tem que caber no meu peito!
–WALDIR NEVES/RJ–

Simplesmente Poesia

Receita de Longevidade
–JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA/BA–

Levanta a cabeça e segue
olhando firme na frente.
Não há bicho que te pegue
se tens firmeza de mente.

Não digas que te fraqueja
a resistência na luta.
Maior que seja peleja
jamais penses na cicuta.

Nunca olhes para traz,
olha à frente, sê capaz
de pensar que o mal passou.

Com certeza hás de chegar
aos oitenta sem cansar
igual assim como estou.

Estrofe do Dia

Roberto é rei da canção
do barro, foi Vitalino,
do cangaço, é Virgulino
o famoso lampião,
Gonzaga, rei do baião
Brasil foi rei do café,
do futebol foi Pelé,
pinto foi rei do repente,
existe um rei entre a gente:
Patativa do Assaré.
–OLIVEIRA DE PANELAS/PE–

Soneto do Dia

Sessenta Musas
–ROGACIANO LEITE/PE–

Respondam-me, afinal, Nilda, Suzete,
Nenen, Guiomar, Eulália, Mozarina,
Célia, Dora, Socorro, Amilcarina,
Gilca, Norma, Rosália, Dulce, Ivete;

Creusa, Ivone, Ceci, Lourdes, Arlete,
Nisa, Ofélia, Masé, Lindalva, Nina,
Lúcia, Rita, Marli, Sônia, Marina,
Vilma, Zezé, Luci, Neusa, Ivonete;

Clarisse, Adélia, Auri, Zélia, Marleide,
Anita, Zilma, Edi, Laurita, Neide,
Maura, Carmen, Mimi, Olga, Ilma, Talma;

Denise, Helena, Itália, Hilda, Helenice,
Maristela, Zizi, Beatriz e Alice...
- Que é que vocês fizeram de minha alma?

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Patativa de Assaré (O Sabiá e o Gavião)

Imagem por Ivan Simas
Eu nunca falei à toa.
Sou um cabôco rocêro,
Que sempre das coisa boa
Eu tive um certo tempero.
Não falo mal de ninguém,
Mas vejo que o mundo tem
Gente que não sabe amá,
Não sabe fazê carinho,
Não qué bem a passarinho,
Não gosta dos animá.

Já eu sou bem deferente.
A coisa mió que eu acho
É num dia munto quente
Eu i me sentá debaxo
De um copado juazêro,
Prá escutá prazentêro
Os passarinho cantá,
Pois aquela poesia
Tem a mesma melodia
Dos anjo celestiá.

Não há frauta nem piston
Das banda rica e granfina
Pra sê sonoroso e bom
Como o galo de campina,
Quando começa a cantá
Com sua voz naturá,
Onde a inocença se incerra,
Cantando na mesma hora
Que aparece a linda orora
Bejando o rosto da terra.

O sofreu e a patativa
Com o canaro e o campina
Tem canto que me cativa,
Tem musga que me domina,
E inda mais o sabiá,
Que tem premêro lugá,
É o chefe dos serestêro,
Passo nenhum lhe condena,
Ele é dos musgo da pena
O maiô do mundo intêro.

Eu escuto aquilo tudo,
Com grande amô, com carinho,
Mas, às vez, fico sisudo,
Pruquê cronta os passarinho
Tern o gavião maldito,
Que, além de munto esquisito,
Como iguá eu nunca vi,
Esse monstro miserave
É o assarsino das ave
Que canta pra gente uví.

Muntas vez, jogando o bote,
Mais pió de que a serpente,
Leva dos ninho os fiote
Tão lindo e tão inocente.
Eu comparo o gavião
Com esses farão cristão
Do instinto crué e feio,
Que sem ligá gente pobre
Quê fazê papé de nobre
Chupando o suó alêio.

As Escritura não diz,
Mas diz o coração meu:
Deus, o maió dos juiz,
No dia que resorveu
A fazê o sabiá
Do mió materiá
Que havia inriba do chão,
O Diabo, munto inxerido,
Lá num cantinho, escondido,
Também fez o gavião.

De todos que se conhece
Aquele é o passo mais ruim
É tanto que, se eu pudesse,
Já tinha lhe dado fim.
Aquele bicho devia
Vivê preso, noite e dia,
No mais escuro xadrez.
Já que tô de mão na massa,
Vou contá a grande arruaça
Que um gavião já me fez.

Quando eu era pequenino,
Saí um dia a vagá
Pelos mato sem destino,
Cheio de vida a iscutá
A mais subrime beleza
Das musga da natureza
E bem no pé de um serrote
Achei num pé de juá
Um ninho de sabiá
Com dois mimoso fiote.

Eu senti grande alegria,
Vendo os fíote bonito.
Pra mim eles parecia
Dois anjinho do Infinito.
Eu falo sero, não minto.
Achando que aqueles pinto
Era santo, era divino,
Fiz do juazêro igreja
E bejei, como quem bêja
Dois Santo Antõi pequenino.

Eu fiquei tão prazentêro
Que me esqueci de armoçá,
Passei quage o dia intêro
Naquele pé de juá.
Pois quem ama os passarinho,
No dia que incronta um ninho,
Somente nele magina.
Tão grande a demora foi,
Que mamãe (Deus lhe perdoi)
Foi comigo à disciprina.

Meia légua, mais ou meno,
Se medisse, eu sei que dava,
Dali, daquele terreno
Pra paioça onde eu morava.
Porém, eu não tinha medo,
Ia lá sempre em segredo,
Sempre. iscondido, sozinho,
Temendo que argúm minino,
Desses perverso e malino
Mexesse nos passarinho.

Eu mesmo não sei dizê
O quanto eu tava contente
Não me cansava de vê
Aqueles dois inocente.
Quanto mais dia passava,
Mais bonito eles ficava,
Mais maió e mais sabido,
Pois não tava mais pelado,
Os seus corpinho rosado
Já tava tudo vestido.

Mas, tudo na vida passa.
Amanheceu certo dia
O mundo todo sem graça,
Sem graça e sem poesia.
Quarqué pessoa que visse
E um momento refritisse
Nessa sombra de tristeza,
Dava pra ficá pensando
Que arguém tava malinando
Nas coisa da Natureza.

Na copa dos arvoredo,
Passarinho não cantava.
Naquele dia, bem cedo,
Somente a coã mandava
Sua cantiga medonha.
A menhã tava tristonha
Como casa de viúva,
Sem prazê, sem alegria
E de quando em vez, caía
Um sereninho de chuva.

Eu oiava pensativo
Para o lado do Nascente
E não sei por quá motivo
O só nasceu diferente,
Parece que arrependido,
Detrás das nuve, escondido.
E como o cabra zanôio,
Botava bem treiçoêro,
Por detrás dos nevoêro,
Só um pedaço do ôio.

Uns nevoêro cinzento
Ia no espaço correndo.
Tudo naquele momento
Eu oiava e tava vendo,
Sem alegria e sem jeito,
Mas, porém, eu sastifeito,
Sem com nada me importá,
Saí correndo, aos pinote,
E fui repará os fiote
No ninho do sabiá.

Cheguei com munto carinho,
Mas, meu Deus! que grande agôro!
Os dois véio passarinho
Cantava num som de choro.
Uvindo aquele grogeio,
Logo no meu corpo veio
Certo chamego de frio
E subindo bem ligêro
Pr’as gaia do juazêro,
Achei o ninho vazio.

Quage que eu dava um desmaio,
Naquele pé de juá
E lá da ponta de um gaio,
Os dois véio sabiá
Mostrava no triste canto
Uma mistura de pranto,
Num tom penoso e funéro,
Parecendo mãe e pai,
Na hora que o fio vai
Se interrá no cimitéro.

Assistindo àquela cena,
Eu juro pelo Evangéio
Como solucei com pena
Dos dois passarinho véio
E ajudando aquelas ave,
Nesse ato desagradave,
Chorei fora do comum:
Tão grande desgosto tive,
Que o meu coração sensive
Omentou seus baticum.

Os dois passarinho amado
Tivero sorte infeliz,
Pois o gavião marvado
Chegou lá, fez o que quis.
Os dois fiote tragou,
O ninho desmantelou
E lá pras banda do céu,
Depois de devorá tudo,
Sortava o seu grito agudo
Aquele assassino incréu.

E eu com o maiô respeito
E com a suspiração perra,
As mão posta sobre o peito
E os dois juêio na terra,
Com uma dó que consome,
Pedi logo em santo nome
Do nosso Deus Verdadêro,
Que tudo ajuda e castiga:
Espingarda te preciga,
Gavião arruacêro!

Sei que o povo da cidade
Uma idéia inda não fez
Do amô e da caridade
De um coração camponês.
Eu sinto um desgosto imenso
Todo momento que penso
No que fez o gavião.
E em tudo o que mais me espanta
É que era Semana Santa!
Sexta-fêra da Paixão!

Com triste rescordação
Fico pra morrê de pena,
Pensando na ingratidão
Naquela menhã serena
Daquele dia azalado,
Quando eu saí animado
E andei bem meia légua
Pra bejá meus passarinho
E incrontei vazio o ninho!
Gavião fí duma égua!

Fonte:
Portal São Francisco

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 6


Cornélio Pires (Trovas do Coração)



AFIRMATIVA

Entre aqueles que se amam,
Por a união lhes agrade,
Se maior é a disciplina,
Maior é a felicidade.

ALEGRIA

Um amigo me viu e disse:
_ “Olá, Cornélio! É você? ...
Quanta alegria abraçar,
Amigos de Tietê.”

BENEFICÊNCIA

Caridade que não busca
Ver os outros como estão,
Não promove sindicância,
Nem exige gratidão.

CANDEIA VIVA

Que não se alegrem os maus
Porque a vida é transitória;
Nós todos estamos presos
Na candeia da memória.

CASO TRISTE

Expulsando o pai leproso
Que o buscava, há vários dias,
Tonho caiu e morreu,
Ao descer escadarias.

CRIAÇÃO

Deus criou o homem na terra
À sua imagem Divina
Mas não falou quando é
Que esse trabalho termina.

DESENGANO

Numa palestra serena,
Disse-me o sábio Conrado:
“Desengano que mais doi
É o que vem de um ente amado.”

DESERÇÃO

Abel, rapaz elegante,
Casou-se com Zina Alceu;
A moça teve dois gêmeos,
Abel desapareceu.

DESPEDIDA

Saudade, tanta saudade!...
Quem deixa as provas da vida,
È que sabe como dói
O tempo da despedida!...

DESTAQUE

Quem busca festas e balas,
No destaque do próprio nome
Lembra a aranha: tece e teia,
A teia em que se consome.

DISCIPLINA

Outro amigo me oferece
Um licor de tangerina
Explico: -Agora não posso,
Eu estou em disciplina.

DIVINO REI

Tutor da terra foi Rei
E é sempre Rei, o Amado Jesus,
Teve a coroa de espinhos,
Por trono, o lenho da cruz

ESQUEÇAMOS

Lendo livros ou jornais
Guarda no bem a cabeça,
Esqueçamos qualquer mal
Para que o mal nos esqueça.

ESTAS TROVAS

Estas trovas que escrevo
São de amor e de saudade,
Lembram flores que colhi
No jardim da Amizade

FESTA

Festa é um jardim de alegria,
Flores, quitutes, emblemas,
No entanto, de várias festas,
Saem difíceis problemas.

FILHO E PAI

João, viuvo, foi pedir
Para o filho a mão da Bela,
Mas gostou tanto da moça
Que se fez esposo dela

FINAL

Versos simples de meus sonhos
Ah! queridos sonhos meus!...
Estas provas, finalmente,
São todas de mor a Deus.

GÊMEOS

Léo e Téo eram dois gêmeos
Téo amava Conceição...
Téo no turismo atrasou
Léo quis a noiva do irmão.

GUERRA ANÔNIMA

Um tipo de guerra existe
Que a muitos perturba e estraga,
É a guerra que se mantém
Por dentro da própria casa.

GRANDES EVENTOS

De grandes reuniões,
Seja aqui, seja acolá...
É preciso vigilância
Não se sabe o que virá.

GRATIDÃO

Das grandes forças da vida
À mais pequenina flor,
Tudo canta sobre a terra:
Louvado seja o Senhor!...

HORA DE FÉ

Não sei exaltar, ao certo,
Na força que nos conduz
O excelso apoio de Deus
E a proteção de Jesus

IMPACIÊNCIA

Nos dias de provação
Não te aborreças nem fales
Impaciência é uma brasa
Por cima de nossos males.

LIGAÇÕES

Ligações na vida humana?
Será talvez a mais forte
A novela entre as pessoas
Que prossegue além da morte.

NOVO DIA

Um novo dia aparece,
Temos o beijo solar
E a vida perto nos fala:
“Servir e recomeçar...”

O INIMIGO

O inimigo, muitas vezes,
Quando surge em nossa estrada
É alguém que viveu conosco
Por pessoa muito amada.

O SERVIDOR DE JESUS

Quem ama e serve a Jesus
Seguindo-lhe as diretrizes,
Perdoa aos irmãos errados
E socorre aos infelizes.

ORAÇÃO

Entram em curta oração
Meus sentimentos plebeus,
Agradeço os dons da vida
E peço a bênção de Deus.

ORIGEM DO AMOR

Onde a força que há no amor
É assunto que não me cabe
A origem certa do amor
Somente Deus é que sabe

PERDA

A pessoa quando ama
Acha esta nota na vida,
Quando mostra mais ciúme
Perde a pessoa querida.

PREVISÕES

As previsões nunca faltam
Com suportes de alarido,
Todos, porém, navegamos
No mar do desconhecido

PROBLEMA DA PAZ

Filósofos, cientistas,
Inteligências de luz,
Só nos garantem a paz
Quando unidos a Jesus

PRODÍGIO DO AMOR

Admiro certa mãe
Que tem em si tanto amor
Que a bondade dela própria
Cativou o obsessor.

PROSSEGUE

Servindo ao bem continua,
Espalhando amo e paz,
Do caminho de Jesus
Não se volta para trás.

REALIDADE

Quem se afasta de Jesus
Como sempre tantos vi,
Não muda por própria escolha
Porque não foge de si

RECONFORTO

“Vinde a mim vós que sofreis”
Diz Jesus à alma ferida...
Não nos cura, mas ampara,
Agindo nas leis da vida.

RELAÇÕES

Se as relações entre dois
Sempre fosse naturais,
O casamento no mundo
Duraria muito mais.

RESUMO DA LEI

Vale a pena recordar
Este resumo da Lei:
“Amai-vos” – disse Jesus –
“Assim com vos amei!...”

SEGREDOS

Há tão amargos segredos
Nos corações intranqüilos,
Que é falta de caridade
O intento de descobri-los

SEGREDOS DA VIDA

A fim de não entendermos
Neste mundo quem é quem,
Deus, nos caminhos da vida
Não dá cópias a ninguém

SOLIDÃO ÚTIL

Quem anda na senda estreita,
Vendo as pedras do caminho,
Prossegue servindo aos outros
Mas prefere estar sozinho.

TRANQUILIDADE

Vive sempre de alma limpa,
Que aceita, serve e se curva
O Céu nunca se reflete
Em lagoas de águas turvas.

VALIOSA POUPANÇA

Poupa conversa e festança
Onde estejas e onde vais,
Qualquer tempo gasto em vão
É tempo que não vem mais.

USUFRUTO

De nada vale ao sovina
Ser homem esperto e astuto,
O mundo é apenas de Deus
A nossa posse é usufruto.

VIDA ÍNTIMA

Nossos próprios sentimentos
Agindo em luta sem voz,
Igualam-se a tempestade
Rugindo dentro de nós.

VIAGEM ADIANTE

Cada reino quer domínio,
Usando força incomum,
Mas, em milênios se irmanam,
E apenas são três em um.

VIAGENS DA ALMA

Em nós existem três reinos
Que lutam contra a razão,
Por nome são conhecidos:
O Amor, a Paz e o Perdão.

INVENCÍVEL

Dos poderes que há na terra
Que mudam bens de lugar,
A morte é força invencível,
Não se deixa subornar

Fonte:
Francisco Cândido Xavier (psicografia) Trovas do Coração.

Amosse Mucavele (Luzí(a)das e Voltas do Avô Camões)

Ao Manuel António Pina - Prêmio Camões 2011

Feito dos homens, que em retrato breve
A muda poesia ali descreve(vii,76)
E como a seu contràrio natural
A pintura que fala querem mal(viii,41)
in Os Lusíadas-Luis V.de Camões

Caro poeta, o inesperado acabou por acontecer, não tardou, ele anda a uma velocidade cósmica tal como a luz em brasas.

O velho adágio dizia: esperança é a última a morrer, mas consigo foi diferente, ela chegou de forma inusitada, em ti ainda não tinha nascido, coitado morreu ainda no ventre da sua mãe.

Eu o vi no Rio de Janeiro de mãos dadas com os seus dois netos - João Ubaldo Ribeiro e Ferreira Gullar à entrada da Biblioteca Nacional , digo-te que o avô está rejuvenescido, ele passou todo o ano 2010 com Ferreira Gullar, foram a Maranhão. Na última conversa que tive com o avô, quando perguntei-lhe sobre a poesia, ele disse-me que já não sabe escrever, bem sabe sujar o poema pois aprendera com F.Gullar.

Quando chegarem a Portugal não o deixe ficar em Lisboa, porque aí, ele vai te largar, pois o Rio Douro reflete a luz do sol após a sua enciclopédica voz, a Torre de Belém evoca os seus cantos e o Mosteiro dos Jerónimos tem o seu rosto, e com certeza ele perguntar-te-a sobre Miguel Torga, Sophia de Melo Breyner Anderssen e José Saramago (não o diga que subiram às estrelas), diga-o que exilaram-se na memória do povo, pois com o Saramago aprendeu a viajar como o Elefante, ele não se esquece de nada, vai te contar as estórias da Indía e do Vasco da Gama, A terra Sem Fim, foi por isso que António Lobo Antunes chamou-o “Memória de Elefante". Volto a repisar nunca aborde a questão da morte com ele: porque para ele a morte é um Reflexo num Espelho Ausente, como ele vive de lembranças irá procurar o espelho em todos cantos do mundo, vai te falar da ilha dos amores e da casa do rei , você conhece? Foi o que aconteceu comigo, Autran Dorado, João Ubaldo Ribeiro e Ferreira Gullar quando passeávamos com ele, e alguém disse aquela é a casa dos Budas Ditosos, sorriu e em seguida mandou parar a viatura. Descemos juntos com ele, chegamos perto da casa, dentro da mesma tinha um monte de gente armada a intelectual, politicos e bebâdos, dirigiu-lhes a palavra -Tudo bom com vocês, posso ler um poema para vocês?, e eles responderam:

-Nós somos do partido no poder, nos distinguimos com os ideiais do FMI, Banco Mundial e da NATO.

-ELE RESPONDEU-...vão se danar, vocês todos mentirosos, mentirosos, a esmagadora maioria hipócrita e santarrona, viva nós os mentirosos a força, os conscientes (1).

Saimos com o velho Camões a arder de nervos e de repente disse: - Vamos a Bahia. Mandem um fax ou liguem para o Jorge Amado dizendo que estamos a caminho.

Ficamos em silêncio, sem saber qual seria a resposta a dar ao velho Camões.

- Serà que não ouviram o que eu disse. Querem que eu repita? - retorquiu ele

- Oh, VÔ! O Jorge Amado não està na Bahia - respondemos em coro com vozes a tremer de medo.

- Para onde ele foi, digam-me o que esta a acontecer. Vocês estão estranhos, digam onde ele esta afinal!

O Ferreira Gullar disse-lhe o seguinte: O Jorge foi ao Japão ajudar o Kenzaburo OE da tragédia que assolou aquele País Niponico irmão. Não se trata de uma questão Pessoal, mas de uma questão Natural.
-------
- Prezado amigo previna-se e não toque neste assunto, leve-o a (Sabugal) Guarda de carro. Não se atreva a viajar com ele de barco, pois falar-te-á da Indía e quando chegarem e ele perguntar-te se jà chegaram a Casa Perdida?

Responda-o: - Ainda Não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma ! É Apenas um Pouco Tarde

E quando perguntar-te onde estão?

Responda-o seguinte:

-Estamos No País das Pessoas de Pernas Para o Ar,nunca diga que estão em Portugal, porque irà te pedir ir à Leiria.

Sei que da África Portuguesa conhece pouco ou por outra ainda nao visitou. Peça para que te conte sobre a sua estadia em Moçambique com José Craveirinha, veràs o sorriso que dilacera os seus olhos e a doçura do mel que unta as suas sábias palavras. Falar-te-a das doces tangerinas de Inhambane, daquela dança denominada Chigubo e daquela mulher linda que ele apadrinhou quando do seu casamento com Craveirinha, a Maria.

Conheceu Angola pelas mãos do Pepetela, e foi là onde acreditou que o homem é o melhor amigo do cão, quando viu o Cão e os Caluandas sempre juntos, e se quiser saber mais da guerra da Unita e o MPLA. Peça–o, ele vai te falar do Mayombe, e foi em Angola onde escalou a Estepe e o Planalto.

Volvidos 9 anos voltou de novo a Angola ,ao encotro do José Luandino Vieira, mas para a desilusão de todos nós, o Luandino não quis recebê-lo,a legando não sendo ele a pessoa indicada para o receber, e recusou por motivos íntimos e pessoais.

Mas o avô Camões não voltou, foi recebido como rei pela comunidade de Luaanda, gente humilde onde o singular não tem expressão, o coletivo é a palavra de ordem.

Quando interpelou um deles perguntando-lhe o nome, responderam todos em coro dizendo:

-Nós Os do Makulusu.

Ficou muito feliz, coisa jamais vista. Sairam da cidade a caminho do subúrbio onde vive esta humilde comunidade.

O avô Camões inconformado, irrequieto, quando viu aquelas casas de madeira e zinco, questionou:

-Esta não é a Mafalala do José Craveirinha?

Responderam: - Não, este é o Nosso Musseque.

Questionou de novo: - E aquela senhora não é a Dona Flor com os Seus Dois Maridos?

Responderam: - Não, aquele é o João Vêncio e Os Seus Amores.(2)

E sobre Cabo-Verde, onde esteve em 2009 com o Arménio Vieira, será a partir deste debate, o papo com o velho Camões que perceberás que em África não estamos no Inferno, como todo mundo diz.

Aquela beleza da Cidade de Praia, ímpar é um verdadeiro Eleito Do Sol, a Ilha do Sal é a raiz de todas Mitografias deste povo Crioulo - assim ele definiu Cabo-Verde.

E quando estiveres a pintar as palavras não deixe os Papeis espalhados, o velho Camões não gosta de ver desarrumações, caso isto acontecer, ouvirás a seguinte questão.

-São Papeis de K?

Responda o seguinte: - São Livros - e não o diga que são poemas,percebeu? Porque com o Poema, o Velho Camões encontra a sua Viagem e o Sonho.

Caro poeta, abrace-o e ande com ele com muita cautela, pois ele está velho ,esta é a sua 25ª viagem ao mundo Lusófono, depois de ele te contar todo o essencial das suas digressões. Conte aquela interessante História do Sabio Fechado na sua Biblioteca.

Mande muitos abraços, beijos, cumprimentos e larguras, e diga a ele que estamos a espera dele muito em breve. E quando perguntar-te de mim, diga que estou trancado na biblioteca a aprender a recriar mundos, tal como fez Saramago no seu Memorial do Convento (o Convento de Mafra).
Kanimambo pela atenção dispensada, poeta.
---------------
Notas:
(1) in a casa dos budas ditosos pag 144 de João Ribeiro
(2) Romance de Luandino Vieira

Fonte:
Texto enviado pelo escritor moçambiquano.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 318)


Uma Trova Nacional

Após busca pertinaz,
descobri, um dia, a esmo:
– Só hei de encontrar a paz
na renúncia de mim mesmo!
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP–

Uma Trova Potiguar

De beijar-te tenho ânsia,
pois vivemos separados...
"o beijo é a menor distância
entre dois apaixonados".
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Ribeirão Preto/SP
Tema: UNIVERSO - 5º Lugar.

Meu Peito que é só pedaço,
na dor cruel que o invade,
não sabe onde arruma espaço
“pra” colocar mais saudade!
-MANOEL NAHAS NETO/SP-

Uma Trova de Ademar

Entre sonos e cochilos,
numa deslumbrante rota,
meus sonhos voam tranquilos
nas asas de uma gaivota...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Quem parte devagarinho,
mas vai de rumo traçado,
ao começar seu caminho,
tem meio caminho andado.
–WALDIR NEVES/RJ–

Simplesmente Poesia

Acróstico...
–JOÃO BATISTA XAVIER/SP–

Amanhecer com seus versos na tela
Devaneio nas cores da paisagem;
Enalteço o arrebol que na passagem
Mistura os brilhos em linda aquarela.
Aurora potiguar, a luz mais bela,
Resplandecendo em bênçãos sua imagem.

Manhãs floridas na semana inteira:
Alento que balsama nossa lida;
Convite e busca à alegria perdida
Exalando os aromas da roseira.
Desperta a cadência em rima fagueira
O Poeta do Amanhecer à vida!!!

Estrofe do Dia

Seu poema é como a foz
dos sentimentos escritos,
por isso são mais bonitos
do que sua própria voz,
só não canta como nós
mas se quisesse podia,
o verso é Deus quem lhe envia
como o mar manda a maré;
patativa do Assaré,
gênio imortal da poesia.
NONATO COSTA/CE–

Soneto do Dia

O Que é a Vida.
–CLARISSE BARATA SANCHES/PT–

A Vida é uma pluma espaço fora…
Uma nuvem no Céu a deslizar;
Primavera vestida de Luar,
Aurora que deslumbra e não demora!

A Vida é uma luz de tempo e hora,
Uma ilusão que dura até chegar
Ao Átrio de Amor, sonhado Lar,
Onde termina a mágoa de quem chora!

A Vida é um abrir e fechar de olhos…
Um barco a navegar em mar de abrolhos
Para ancorar na Terra da Verdade!

A Vida é uma graça de momento;
Um perfume de rosa em movimento:
- Segredo a desvendar na Eternidade!..

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Esio Antonio Pezzato (Antologia Poética)


COLCHA DE RETALHO

A minha velha colcha de retalho,
Feita por minha Mãe, na minha infância,
(Tempo este já perdido na distância...)
Hoje, ainda, me serve de agasalho...

Altas noites friorentas, e eu, em ânsia,
Busco-a e me cubro – feito um espantalho –
E a ela coberto lembro-me o trabalho
Que teve minha Mãe em longa estância...

Muito mais que meu corpo, ela me aquece
O coração, que bate como prece
E mais parece guizo de um chocalho...

Não quero, não, uma coberta nova,
Do amor de minha Mãe – é eterna prova,
A minha velha colcha de retalho!
22.09.2001

EXORTAÇÃO

Canta, Poeta, os versos que fabricas
Como as águas correntes, junto ás bicas
Que correm cristalinas, pelo mato;
Canta em versos perfeitos e sonoros
A inspiração que brota de teus poros
Tirando da beleza todo o extrato!

Canta, Poeta, o amor justo e perfeito,
A sinfonia que exacerba o peito
Em alvorada multicolorida;
Canta a Graça, a Ternura, a áurea Esperança,
Canta o Amor, canta a Paz, canta a Bonança,
Canta toda a Beleza que há na vida!

Canta, Poeta, às luzes da alvorada,
O que te deixa de alma apaixonada
Num sorriso fremente, num sorriso
Que contém dentre as armas – mais poderes,
O que traz sonhos a milhões de seres
Que almejam alcançar o paraíso!

Canta, Poeta, em versos benfazejos,
Os soluços de amor dos sertanejos
Dedilhando, na tarde, uma viola;
Canta toadas com a simplicidade
De quem sabe encontrar felicidade
E de quem, entre afagos, se consola!

Canta, Poeta, em qualquer tempo, canta!
Pois tuas rimas servem-nos de manta
Tuas estrofes são nossos escudos;
Enquanto em versos soltas tua Lira,
Em nossos corações acende a pira
E a tua voz – permanecemos mudos!
14.10.1998
SEXTILHAS SOBRE O CORVO

Cada vez mais de Poe, o negro corvo,
Na minha vida anda causando estorvo
A guturar seus versos sepulcrais...
É que seu negro, atro e nefasto grito,
– Eco de sombra a ungir todo o Infinito! –
Em minh’alma crocita:– nunca mais!

Este grito de morte me atordoa,
No mais fundo de mim, lúgubre soa,
Como o verso da morte que me vem
E arrepiam-me peles e cabelos,
Iguais horripilantes pesadelos
Que caminho, na noite, sem ninguém.

A noite fere em luz pingos de estrelas,
Eu – solitariamente andando pelas
Noites de horror que estão dentro de mim,
Avisto em meio aos trôpegos destroços,
Um punhado de brancos, podres ossos,
Das vidas todas que tiveram fim.

Alem, perdida num moirão da estrada,
Eis a ave negra e funeral, pousada
Alertando meus rumos a seguir:
Armadilhas estão em cada canto,
– Fico parado, pálido de espanto,
Talvez pelo final de meu porvir!

Perscruto o olhar de lince... Calmamente
A passos lerdos vou pisando em frente
E o corvo fica a me seguir no olhar.
Está dentro de mim um denso medo!
Mas vou a desvendar este segredo
Embora sinta enorme falta de ar.

Os passos alardeiam-me a presença,
E o corvo negramente, em sua crença,
Repete-me seus ecos guturais.
É noite. Vou perdido no caminho,
E ao desespero deste andar sozinho
É o corvo crocitando:– nunca mais! –

15.11.1997

PESCADOR

(para meu filho Esio, pescador convicto)

O pescador passa as horas
Sentando á beira do rio

O sol corre o espaço aberto
E o pescador distraído
Sentando á beira do rio
Não vê o tempo passar

Tranqüilo calmo em seu mundo
As horas lerdas se arrastam

E dentro de seu silêncio
No lento arrastar das horas
O pescador pensativo
Brinca ao silêncio do tempo

Na água lerda da corrente
Navega a sua ilusão

A brisa mansa e serena
Cheia de sonhos repisa
Momentos e horas passadas
Em cardumes de esperanças

Escamas brilham em lua
Com os braços do pescador

O denso suor escorre
Pelos caminhos vincados
Das faces contemplativas
Tentando a luta vencer

O samburá prende sonhos
Dourados jaús pintados

Mas a vida provisória
Da cadeia de bambu
Prolonga a hora da morte
Para o instante da partida

Silêncio pede silêncio
Quando retesam-se as linhas

Formando um longo trapézio
Entre as mãos os pés e a água
O reflexo mais parece
Um triângulo escaleno

Equilibra-se na angústia
Do percebido e não visto

A luta submersa trava-se
Com a vontade infinita
De vencer a vida aquática
Com anzóis de aço e de fisgas

Luta – fieira de silêncio
Para a vitória do nada

Mas o pescador bem sabe
Que além da aquática luta
Há o caminho para a casa
E á vida – maior disputa

14.10.1998

BALADA INSPIRADA

Há na minh’alma a inspiração
De oferecer a ti, amada,
Aos sons do amor, uma canção,
Para mostrar que – apaixonada,
Ela anda em plena madrugada
A repetir este refrão:
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

Por isso, em plena comoção,
Dentro da noite enluarada,
Vou aos teus pés – com devoção,
Oferecer-te esta balada.
És minha Musa, és minha Fada,
Hino de vida e de razão.
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

Ardo de amor como o verão
Que deixa a vida incendiada.
E vivo sempre na estação
Que a vida faz iluminada.
Contemplo em luzes a alvorada
Que traz-me o sol com explosão.
– Sem ti, querida, não sou nada
E a vida é apenas ilusão.

OFERTA


És minha fruta açucarada!
Provo-te o sumo em emoção!
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

14.08.2002

CONSIDERAÇÕES

Minha poesia já não traz o encanto
Da passada e esmaecida mocidade.
Hoje é tangida em cordas da saudade
E é sem sonoridade este meu canto.

Poucos anos separam o passado
Deste presente insípido e tristonho.
O porvir não me traz ridente sonho
E fica em pesadelo transformado.

A primavera vai perdendo as flores
E o verão antecipa a cor do outono.
As folhas vão rolando no abandono
E o inverno se transmuda em frias cores.

A exclamação do corpo belo e altivo,
Numa interrogação atroz se tange.
A costa arqueada lembra um frio alfanje,
Das intempéries fica-se cativo.

Tudo é veloz de mais... a loura aurora
Alcança o sol a pino e traz a arde...
O fogo do desejo já não arde
E o que era doce e lindo... vai-se embora...

O entardecer de dúvidas se fere,
O olhar se torna baço e se enevoa...
E a silenciosa sombra sempre soa
Num ritual de triste miserere...
13.11.2000

DESESPERANÇA

Pelas sombras, nas trevas, solitário,
Coração perambula no caminho,
Na tortura de sempre estar sozinho
Lembra Alguém que seguiu atroz calvário.

Como é triste, Senhor, o itinerário
De quem, na vida, já não tem carinho.
Ave que foi expulsa de seu ninho
Já não tem mais encantos de canário...

Mudo e tristonho vou, sem esperanças,
Carregando farrapos de mil sonhos
Pelos ermos perdidos das lembranças...

O outrora céu azul da mocidade
Hoje contém relâmpagos medonhos
E anuncia terrível tempestade...

23.10.2000

CANTO NOTURNO
(1982)

Em pleno dia o Pássaro da Noite
Cortou, felino, a tua trajetória:
E calou tua voz
E levou teu sorriso
Também tua esperança
Longe de todos nós.
– Teus sonhos de criança
Anseios de mulher,
Projetos do futuro
Lembranças do passado;
– Está tudo acabado.

A morte veio e entrou na tua vida
Deixando em todos nós, uma saudade:
Saudade dos teus cantos
E da agressividade
Junto às canções de brasa
Que soubeste cantar:
Ódio, raiva, delírio,
Amor, fogo, paixão,
Desespero inflamado
No ato da louvação
Ao cantar o passado.

Anjos cheirando a cocaína e álcool
Desmoronaram o teu corpo físico,
E a dor da morte paira
No tédio da saudade,
No palco do Teatro,
No pranto de um amigo,
Que agora, a recordas,
Lembra do paraíso
Na voz do teu sorriso
Que era maior que o mar.

Basta de soluções e mil hipóteses
Para sair da Noite a tua morte.
Melhor será lembrar-te
No palco cintilante,
Porque tudo na vida

Brilha a falsa brilhante,
E a transversal do Tempo
Não tem curva ou retorno,
E a história tão-somente
Seguindo a longa estrada,
Jamais e esquecerá.
Basta de conjecturas, pois as tramas,
Ficarão, para sempre, no segredo:
Fatos – serão passados,
Fotos – serão guardadas;
E os cantos, na magia
De tua voz perfeita,
Agradarão ouvidos
Num poema feliz
E todos, ao ouvi-los,
Relembrarão saudosos:
– Esta voz é da Elis!

25.01.1982

Fonte:
Esio Antonio Pezzato. Colcha de Retalhos. 2002.

domingo, 28 de agosto de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 5


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 317)


Uma Trova Nacional
Uma Trova Potiguar

Se todos fossem honestos,
ninguém veria, na praça,
mendigos comendo restos
do pão que a miséria amassa!
–CLARINDO BATISTA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - ATRN-Natal/RN
Tema: MOTIVOS ECOLÓGICOS - 8º Lugar

Na angústia das mais estranhas,
estão chorando as cascatas:
são murmúrio das montanhas
refletindo a dor das matas.
–CLÁUDIO DE CÁPUA/SP–

Uma Trova de Ademar

Mesmo na terceira idade
busco fontes de prazer;
amemos pois, de verdade...
Não há mais tempo a perder!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Dizem que, dos tempos idos
no pelourinho da praça,
ainda se escutam gemidos
de torturas de uma raça...
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

Ontem...
–MANOEL RODRIGUES DE LIMA/SP–

Ontem não haveria sol
conforme anunciara o homem do tempo.
Não haveria chuva,
não haveria vento.
O que haveria em mim era a solidão.

Ontem não haveria risos,
conforme anunciara os velhos palhaços.
Não haveria alegria.
Haveria sim, mil pedaços,
desse meu sofrido e pobre coração.

Ontem não haveria cantos,
conforme anunciara a própria natureza.
Não haveria revoadas.
Haveria sim, tristeza
demonstrada em minha desilusão.

Ontem não haveria festa,
conforme anunciara o meu interior.
Haveria pranto,
haveria dor.
Haveria o silencio dentro de mim.

Estrofe do Dia

Olho os mares, os vejo revoltados
quando o vento fugaz transtorna as brumas
e as ondas raivosas lançam espumas
construindo castelos encantados,
as sereias se ausentam dos pecados
que nodoam as almas dos humanos
e tiram notas das cordas dos pianos
que o bom Deus ocultou nos verdes mares,
e gorjeiam gravando seus cantares
na paisagem abismal dos oceanos.
–DINIZ VITORINO/PB–

Soneto do Dia

Sobre as Ondas
–MARIO BARRETO FRANÇA/PE–

Era noite. O alto mar se enfurecia...
Para o barco veloz que à morte avança,
não restava uma simples esperança
de incólume rever a luz do dia...

Entre as brumas, porém, da noite fria
aparece uma sombra, calma e mansa...
Era um fantasma? – Não! – era a bonança
que em Jesus, como bênção, se anuncia.

Inda hoje o mar do mundo se encapela;
e, no barco da vida, já sem vela,
não nos resta sequer uma ilusão...

Mas – Senhor! – sobre as ondas revoltadas,
volta a trazer às almas torturadas
o consolo da tua salvação!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Nilto Maciel (Duzentos Livros Indispensáveis…)


Will Durant – filósofo, historiador, escritor americano – fez, há muitos anos, uma lista dos cem livros que ninguém, culto, poderia deixar de ter lido. Mas o rol me pareceu, de imediato, muito sujeito ao lugar e à época em que nasceu e viveu seu autor, donde deduzi que uma relação minha teria de ser em grande parte diferente da dele. E aqui está ela, a pedido do poeta de Ilhéus, Fabrício Brandão, claro que sujeita às minhas limitações. Uma delas foi a de que não consegui levantar cem, mas duzentas obras sem as quais não poderíamos nos dar por satisfeitos.

Pra começo de conversa: que obras teríamos em comum com o mundo de Durant? 1) a Bíblia, como base da cultura religiosa de nossos povos; 2) a Ilíada e 3) a Odisseia, clássicos do grego Homero, fonte primeira de toda a visão do mundo ocidental. Aí teríamos de incluir em nossas leituras, pelo menos uma peça de cada autor da grande tríade do teatro helênico: o Prometeu Acorrentado, de Ésquilo (4); o Édipo Rei, de Sófocles (5); e Medeia, de Eurípedes (6), para não falar de todas outras grandes tragédias, além de comédias do ciclo. A História, de Heródoto (7), é obrigatória por estabelecer os fundamentos da ciência que estuda a passagem do Homem pelo tempo e pelo espaço. E seria terrível deixar a Grécia de lado, agora, sem conhecermos pelo menos um livro de cada um de seus dois maiores filósofos, como A República, de Platão(8), e a Política, de Aristóteles (9), com grande esforço meu pra omitir outras obras dessas duas sumidades, como O Banquete, do primeiro e a Poética, do segundo.
Do Império Romano não se sai sem passar pela Eneida (10) de Virgílio, pela Guerra das Gálias (11) de Júlio César, pelo Asno de Ouro (12) de Apuleio, por um dos muitos volumes das Vidas Paralelas, de Plutarco - a exemplo do César e Alexandre (13) -, além da comédia Anfitrião (14) de Plauto, As Catilinárias (15) de Cícero, As Odes (16) de Horácio, A Arte de Amar (17) de Ovídio, a História (18) de Tito Lívio, e A Vida dos Doze Césares (19) de Suetônio.

Com isso já temos muito de nossa base estabelecida.

Aí podemos saltar para As Confissões (20) de Santo Agostinho, a Suma Teológica (21) de Tomás de Aquino, o Leviatã (22) de Hobbes, o Discurso sobre o Método (23) de Descartes, a Ética (24) de Spínoza. Por outro lado, seria uma lacuna de grande porte desconhecermos o Príncipe (25) de Maquiavel e o Elogio da Loucura (26) de Erasmo de Roterdã. E, é claro, temos de dar uma parada em Shakespeare. Seria impossível limitarmo-nos a apenas uma das 36 peças, dele. Hamlet (27)? Muito bem. Mas não dá pra passar por cima de Rei Lear (28), de Macbeth (29), Júlio César (3o), Henrique V (31) e Romeu e Julieta (32)... pelo menos. Fora da Inglaterra, não se pode omitir, jamais, a Divina Comédia (33) do italiano Dante, o Fausto (34), do alemão Goethe, A Vida é Sonho (35) e o Don Quixote (36), dos espanhóis Calderón de La Barca e Cervantes, além de Os Lusíadas (37), do português Camões.

Há uma série de filósofos – Locke, Berkeley, Hume, Diderot, Rousseau, Fichte, Schelling, – importantíssimos, claro, mas cujas ideias uma boa História da Filosofia Ocidental, como a de Bertrand Russell (38), pode resumir, situar e interpretar melhor do que nós. Sem falar que essa História lhe entregará bastante simplificado o pensamento de outras figuras essenciais mas bastante complexas, como Kant, Hegel e Heidegger. É indispensável, também, uma boa História da Arte (39 ) como as de Sheldon Cheney, Élie Faure, W. H. Janson ou Gombrich. Para atualizá-la, é necessária a colossal Arte Moderna, de Giulio Carlo Argan (40), e a Arte Contemporânea (41) de Klaus Honnef. Para penetrar nos mecanismos da pintura, nada melhor do que Universos da Arte (42), de Fayga Ostrower. Não se pode esquecer, nesse levantamento, a importância da fotografia, conforme se pode ver no Icons of Photography (the 20th) century (43) da editora Prestel.

Há outros nomes que não podem ser passados às pressas. Descartes com seu Dicionário Filosófico (44), Schopenhauer com seu O Mundo como Vontade e Representação (45), Marx com O Capital (46), Nietzsche com seu Assim Falava Zaratustra (47), Bergson com seu Evolução Criadora (48).

Paralelamente, você tem que conhecer a Teoria da Evolução com A Origem das Espécies (49) de Darwin, tem de entender o liberalismo clássico na economia com o Riqueza das Nações, de Adam Smith (50), repassar a história da economia até os anos 70, com A Era da Incerteza (51) de John Kenneth Galbraith, e a História do século XX, com A Era dos Extremos (52) de Eric Hobsbawm.

Freud não pode ser descartado, claro. A Interpretação dos Sonhos (53) é uma obra fundamental. Também Psicopatologia da Vida Cotidiana (54), como todos os outros livros do Pai da Psicanálise. De seu discípulo - depois dissidente - Jung, temos Tipos Psicológicos (55) e O Eu e o Inconsciente (56). Importantíssimo, também, o livro organizado por ele, O Homem e seus Símbolos (57).

A Rússia do século XIX nos deixou uma literatura poderosa. Aí temos as obras de Tólstoi, principalmente Guerra e Paz (58) e Ana Kariênina (59); as de Dostoiévsky, com destaque para Irmãos Karamazov (60) e Crime e Castigo (61); o teatro (62) e os contos (63) de Tchécov; o Capote (64) de Gogol, e A Mãe (65) de Górki. A Rússia do século XX produziu Dr. Jivago (66) de Pasternak, O Arquipélago Gulag (67) e O Pavilhão dos Cancerosos (68) de Soljenitsin, o 150.000.000 (69) do poeta Maiakóvski. Pra entender a Revolução de 1917, são indispensáveis a densa História da Revolução Russa (70) de Trótsky, e Dez Dias que Abalaram o Mundo (71) de John Reed.

Marcante, no século XX, foi o poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht, com seus Poemas (72) e inúmeras peças, como Galileu Galilei (73), Mãe Coragem (74), Os Fuzis da Senhora Carrar (75), Terror e Miséria no Terceiro Reich (76) e muitas outras. Alemão notável, também, foi Hermann Hesse, pelos romances Demian (77), O Lobo da Estepe (78) e O Jogo das Contas de Vidro (79). Thomas Mann marcou também forte presença com Buddenbrock (80), A Montanha Mágica (81), Morte em Veneza (82) e Doutor Faustus (83).

A França tem uma infinidade de nomes significativos, como Corneille, Racine, Molière, Montaigne, Rabelais, Ronsard, Montesquieu, Verlaine e Mallarmé, mas podemos nos ater a romances como Os Miseráveis (84) de Victor Hugo, O Germinal ( 85), de Zola, Os Três Mosqueteiros (86) de Dumas, O Vermelho e o Negro (87) de Stendhal e Madame Bovary (88) de Flaubert. Balzac tem uma obra romanesca imensa, englobada sob o título geral de A Comédia Humana, mas podemos destacar dela os romances Ilusões Perdidas (89), A Mulher de Trinta Anos (90), Pai Goriot (91) e Eugênia Grandet (92). Ah, claro, não podemos eliminar os grandes poetas Baudelaire, com Flores do Mal (93), e Rimbaud, com Uma Temporada no Inferno (94). No século XX, marcaram presença Proust, com os sete volumes do Em Busca do Tempo Perdido (95), Camus , com os romances O Estrangeiro (96) e A Peste (97), mais a bela peça teatral Calígula (98); Sartre, com suas obras filosóficas - que, como as de Camus e Wittgenstein, prefiro ver resumidas e analisadas por Bryan Magee, por exemplo, em sua História da Filosofia (99) – Sartre tem como suas mais notáveis criações seu romance A Náusea (99), seu livro de contos O Muro (100), além das peças A Prostituta Respeitosa (101) e Mortos sem Sepultura (102).

A Itália vem de longe com o Decameron de Boccaccio(103), o Orlando Furioso (104) de Ariosto, o Jerusalém Libertada (105) de Tasso, e chega ao século XIX e XX com a peça Seis Personagens em busca de um Autor, de Pirandello(106), além dos romances O Conformista ( 107) de Moravia e O Leopardo (108) de Lampedusa.

Da velha Inglaterra destacam-se Ivanhoé (109) de Walter Scott; Orgulho e Preconceito (110) de Jane Austen; Jane Eyre (111) de Charlotte Brontë, e O Morro dos Ventos Uivantes (112) de Emily Brontë. Computem-se aí, ainda, A Ilha do Tesouro (113) e Dr. Jeckyll e Mr. Hyde (114), de Robert Louis Stevenson.

Como pude me esquecer do francês Júlio Verne e de sua prole inumerável de sucessos, entre os quais Vinte Mil Léguas Submarinas (115), Miguel Strogoff (116), A Volta ao Mundo em Oitenta Dias (117), Da Terra à Lua (118) e Viagem ao Centro da Terra (119)? E do inglês George Bernard Shaw, com suas peças teatrais Santa Joana (120) e Pigmalião (121)? E do também inglês Oscar Wilde, com seu romance O Retrato de Dorian Gray (122) e peças como Salomé (123) e A Importância de se chamar Ernesto (124)? E da também inglesa Virginia Woolf, com seus belos romances Orlando (125) e Mrs Dalloway (126)? E de Anthony Burgess com seus romances Laranja Mecânica (127) e Sinfonia Napoleão (128)?

Dos Estados Unidos vêm, enormes, o Folhas de Relva (129) de Walt Whitman, o romance de James Fenimore Cooper – O Último dos Moicanos (130), os Poemas (131) de Edgar Allan Poe (incluindo o famosíssimo O Corvo), bem como seus Contos (132), entre os quais se incluem O Poço e o Pêndulo, Os crimes da rua Morgue, e A Queda da Casa de Usher. Há Mark Twain, com seus fabulosos Tom Sawyer (133) e Huckleberry Finn (134). Há Melville, com Moby Dick (135). Há Theodore Dreiser e seu romance Uma Tragédia Americana (136), e Steinbeck com As Vinhas da Ira (137). E Eliot com a poesia intensa de Terra Devastada (138).

Hemingway tem pelo menos quatro obras-primas indispensáveis: Adeus às Armas (139), Por Quem os Sinos Dobram (140), O Velho e o Mar (141) e O Sol Também se Levanta (142). Como se não bastasse, Faulkner criou Enquanto Agonizo (143), O Som e a Fúria (144), Luz em Agosto (145), etc, etc.

Não se pode omitir, também, Lorca, na Espanha, com suas peças densas – Bodas de Sangue (146), A Casa de Bernarda Alba (147) e Yerma (148), sem falar da Antologia Poética (149), envolvendo poemas como Romancero Gitano, Ode a Walt Whitman, Poema del Cante Jondo, etc, etc.

E o inglês Aldous Huxley, com seus romances Contraponto (149) e Admirável Mundo Novo (150)?

E o francês Teilhard de Chardin, com seu profético O Fenômeno Humano (151)? E temos Einstein, com seu Como vejo o Mundo (152). Temos o irlandês James Joyce com seu monumental Ulisses (153), seus maravilhosos Dublinenses (154) e Retrato do Artista enquanto Jovem (155). Já nem me atrevo a falar do Finnegans Wake... porque esse romance nunca esteve, está ou estará ao meu alcance.

E há o argentino José Hernández, com seu poema clássico Martin Fierro (152); e o chileno Pablo Neruda, com seu Canto Geral (153) e seus Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada (154); e o argentino Jorge Luís Borges, com seus livros de contos – Ficções (155), Aleph (156), O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam (157) , além de sua fantástica Obra Poética (158).

E há Cortázar, com seus romances Jogo da Amarelinha (159), Os Prêmios (160) e Livro de Emanuel (161), mais os livros de contos Bestiário (162), Final de Jogo (163), Todos os Fogos o Fogo (164), A Volta ao Dia em Oitenta Mundos (165), Octaedro (166), Queremos tanto a Glenda (167).

Claro: temos o Gabriel García Marquez, lá da Colômbia, com Cem Anos de Solidão (168), considerado por Eric Hobsbawm, na supramencionada A Era dos Extremos, como o último romance de consenso universal.

Resta-nos o Brasil. Aqui temos, indispensáveis, o Casa Grande & Senzala (169) de Gilberto Freire; Raízes do Brasil (170), de Sérgio Buarque que Holanda; Macunaíma (171) e Pauliceia Desvairada (172), de Mário de Andrade; Oito Anos de Nassau no Brasil (173), de Gustavo Barleus; a História do Brasil (174) de Frei Vicente do Salvador; O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade na Restauração de Pernambuco (175), de Frei Manuel Calado; Os Sermões (176) do Padre Vieira; Geografia da Fome (177), de Josué de Castro; Os Sertões (178) de Euclides da Cunha; o Grande Sertão:Veredas (179) do Guimarães Rosa; o Vidas Secas (180), do Graciliano Ramos; Fogo Morto (181) e Menino de Engenho (182) de José Lins do Rego. E ainda há o Eu (183) do Augusto dos Anjos. Morte e Vida Severina (184) de João Cabral de Melo Neto. Que País é Este? (185), de Affonso Romano de Sant´Anna. Poema Sujo ( 186), de Ferreira Gullar.
Há o Estrelas de Couro – A Estética do Cangaço, de Frederico Pernambucano de Mello (187). Formação Econômica do Brasil (188), de Celso Furtado. O Dilema da América Latina (189), de Darcy Ribeiro.

Ia me esquecendo de As Veias Abertas da América Latina (190), de Eduardo Galeano! Claro, nenhum brasileiro pode deixar de ler alguns romances de Machado de Assis, como Memórias Póstumas de Brás Cubas (191) e Dom Casmurro (192). Nem os Poemas (193) de Castro Alves, em que se incluem o Navio Negreiro e Espumas Flutuantes. Nem os Poemas (193) de Manuel Bandeira. Nem os Poemas (194) de Carlos Drummond, em que se incluem José, Claro Enigma e Rosa do Povo. Ariano Suassuna, claro, comparece com A Pedra do Reino (195) e O Auto da Compadecida (196).

O teatro brasileiro tem no Vestido de Noiva ( 197), do Nelson Rodrigues, sem dúvida, um divisor de águas para a modernidade. E a educação tem na Pedagogia do Oprimido (198), do Paulo Freire, uma saída que a ditadura desestruturou. Chatô, o Rei do Brasil (199), de Fernando Morais, retrata com fidelidade um personagem paraibano que revolucionou o país.

Ah: e as Poesias (200) de Fernando Pessoa, pra fechar a relação com chave de ouro!
Claro que ao rememorar todas essas obras de um jato só, sem me dar tempo de correções ou inclusões, devo ter cometido omissões imperdoáveis. Ah, faltaram os portugueses Eça de Queiroz, Camilo de Castelo Branco, Saramago, Florbela Espanca; faltaram os brasileiros José J. Veiga, Antonio Torres, Érico Veríssimo, Ubaldo Ribeiro, ... e Jorge Amado, caramba! O paraibano Paulo Pontes!!!
Chega!

Fonte:
Nilto Maciel

Caldeirão Poético do Goiás I


Aidenor Aires
A ESPERA

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
meu rosto espera pronto
os dentes do teu arado.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
minhas mãos assistiram,
quais raízes,
a morte azul
das flores e dos ventos.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
antes que alguém
vibre na noite
gemidos de Chopin,
vem.

Tu, que hás de vir um dia,
o céu de maio é doloroso e belo,
as flores começam a morrer.

Vem, antes que o Scherzo
da agonia vibre
o amaríssimo clamor
dos seus acordes
e eu queira vida.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?

É maio,
é belo o dia.

Aidenor Aires
PRESENÇA

Ter que ficar aqui
no meio da rua testemunhando a vida
quando todas as ruas estão mortas.

Vir para o meio do mundo
e dizer do alto das escadas
que a poesia é triste
e que a vida é feita de estradas.

Vir para o meio do mundo
quando já não cabe no mundo
a chave da sua porta.

Alberto Vilela Chaer
CAFÉ

mil anos depois

a porcelana
toca teus lábios

é lá
onde vou buscar
a nova especiaria

ferver
os grãos mais nativos
na infusão de teu vestido

revelar uma Gazela
te levar embora para a Abissínia

lá sou amigo das cabras
vou coar o oriente
pelos teus poros
teu brilho perderá o sono

Bandeira passou perto

Abissínia fica depois de Pasárgada

Alberto Vilela Chaer
SANDÁLIAS

sejam as pedras
portuguesas
de São Tomé
ou de Pirenópolis

todas as calçadas
cochicham
os teus passos

aprendi com elas
a escutar os sussurros
das tuas pernas

para abafar
a espera acústica
desta alma mascate
um coração estendido
tapete persa
mosaicos do descompasso

teus pés sempre estarão nus
nas cerâmicas
das minhas mãos frias

os ladrilhos
se esta rua
se esta rua fosse minha

Alexandre Bonafim
QUARESMEIRAS

Por entre as paredes
da memória
desenhado a giz
um menino teima
em brincar
com as sombras
do silêncio.

Quaresmeiras
latejantes de cor
também insistem
em fincar raízes
no que se perdeu.
ao adentrares a brancura
dessa página
folhas e húmus
hão de enredar
o teu nome
o teu passado.

A brancura desse poema
há de mergulhar
a tua voz
nas origens
de todo
esquecimento.

Por entre os muros
da palavra
uma criança teima
em desenhar
na existência
um rosto de chuva
para sempre iluminado.

Alexandre Bonafim
O PAVÃO

As penas do pavão
guardam as entranhas
da luz
as raízes da água.
Olhos do inominado
pupilas do silêncio
as penas do pavão
desvelam a lua
na arquitetura
do arco-íris.
E tudo se silencia
tudo se cala
ante a fulguração
do mistério:
a estranheza
o susto
toda a perplexidade
se petrificam
ante a cintilação
do real.
Aos pés
daquela esfinge
tombam perguntas
ocas
ecos de ecos
sem voz.
As penas do pavão
abrem o ministério
como um leque
de brisas insanas.

Alice Spíndola
SEMPRE BUSCANDO A CANÇÃO ESQUECIDA

No frêmito da ventura,
a fuga e o retorno da imagem
do pequeno barco.
Imagem — fonte e oráculo —
mergulhada na insularidade
do mar de gestos e de palavras.

Com a alma seqüestrada
pela beleza do rio
e pelo rumor de suas águas,
o menino procura a canção esquecida.

Menino parisiense voga nas milhas do sol.

Alice Spíndola
A CHAVE

No meio da noite, configura
a fragrância das palavras mágicas
Na chave da noite, a ternura,
pluma que verte enigmas

Nas mãos do tempo,
o arado que rasga os mistérios
do sentimento que define
O homem da meia noite,

em seu caminho de volta
que faz

ao adentrar a meia lua
das unhas dos enigmas.
A mão da noite destrava a chave
da fragrância das palavras mágicas

Angélica Torres Lima
DE LOBOS E ANJOS II

O que é que eu faço, Anjo?
Quer que eu corra, que eu dance
que eu morra? que me levante
e cante uma ode à insõnia?

Não vê que o crepúsculo
já faz muito se desfez?
Que a lua é selada
em céu negro-martírio?

E não guarda o meu sono
nem me faz companhia,
Cruel, que só me inspira
elegias!

Angélica Torres Lima
TRILHAS PARA O ALTAR

Face de maçã trincada na manhã de louça.
Lâminas de agulhas negras fatiam
o altiplano azul no sonho das cabeças

A pedra engastada em prateleiras
oculta o segredo de gestos e passos
: corpos estagnados de anseio.

Antonio Carlos Machado
ANUNCIAÇÃO

Urubús em vôo altaneiro
— quem os sabe —
Planando em tarde estival
(morte consumada!)

Andorinhas prenunciadoras
— quem as esperava —
o verão tão distante
as esperanças sepultadas.

Antonio Carlos Machado
AMOR QUE SE ESCOA LENTO

Que eu durma,
enquanto repousas!

Que a memória permaneça,
enquanto passamos!

Que a dor silencie,
enquanto não partimos!

Que os cães ladrem,
é noite, apenas!

Que a neblina as adormeça,
vagas estrelas testemunhas.

E a lua, o cavalo, o êxtase,
o silêncio solidário?

Antonio Geraldo Ramos Jubé
BURITI

Buriti, buriti da verde várzea.

A saudade é paisagem, água quérula.
O céu, redoma azul sobre a planura,
no espaço claro de manhã de pérola.

Buriti, buriti ancião, decrépita
testemunha de coisas e mudanças.
Que fizeram contigo? Edifícios
te afogaram, em sombras e lembranças.

Foram-se os anos te deixando, apenas,
nos campos invadidos, espectral.
Antes, a água bebida nas raízes,
agora, um pranto podre no canal.

Buriti, buriti da verde várzea,
testemunha calada da mudança.
Ainda estás de pé em meio ao tráfego.
Em volta a fúria, a fúria urbana avança.

Antonio Geraldo Ramos Jubé
AS SEARAS

I

Arrozal, verde vento, verdes chuvas
plantadas nesta água verdemente.
A esperança cavalga aéreas nuvens,
germina nos segredos da semente.

Veranicos dardejam sóis, presente
o dinamismo oculto das saúvas.
Nos cachos do arrozal o dia acende
seu coração de luz sob áureas luvas.

Deus vê crescer a planta: ela precisa
de iguais rações de sol e chuva. E o tempo
amadurece o grão na mão da brisa.

Agora ei-lo saudoso de sua haste
chino cristal de leite simplesmente.
Dando graças à terra em que o plantaste.

II

Em fila o milharal ergue cocares
cor de ouro na manhã de papagaio.
E as folhas lanceoladas de guerreiros
armados para a guerra, perfilados.

O verde milharal sobe da terra
para o espaço de sol, todo lavado.
Em torno gira a festa buliçosa
das jandaias e dos maracanãs.

Rebentam as bonecas promissoras
com seu cabelo ruivo, de entre a palha.
— Doce milho que chega à nossa mesa
envolvido nas palhas da pamonha.

III

Do canavial as verdes lanças
e o verde mel nos colmos acondicionado.
A doçura do caldo a ferver nas tachas,
depois no alambique, elaborando
a cachaça e a rapadura.

De onde vem essa essência doce,
essa seiva nutriz?

Do suor do lavrador no eito?
Da mansidão do boi na canga?
Do carro moroso a gemer no eixo?
Da tortura da engrenagem no engenho
gira-girando no sereno da madrugada?

Esse gosto de mel de moenda...

Fonte:
Antonio Miranda
Imagem = criação por José Feldman