sábado, 19 de maio de 2012

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Estudos Linguísticos) Parte 1


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.

1
Edson Rosa Francisco de Souza
Ana Cristina Jaeger Hintze
A GRAMÁTICA DISCURSIVO-FUNCIONAL E OS ESTUDOS DE GRAMATICALIZAÇÃO - INTERFACES POSSÍVEIS


O objetivo deste simpósio é reunir diferentes estudos de orientação funcionalista que vêm sendo desenvolvidos por pesquisadores brasileiros. Especificamente, o propósito dos trabalhos é discutir questões de mudança gramatical/semântica em diferentes unidades linguísticas (orações, verbos, conjunções, advérbios), a partir de princípios teóricos provenientes tanto da Teoria da Gramaticalização (HEINE et alii, 1991; HOPPER & TRAUGOTT, 1993; TRAUGOTT, 1995, 1999; TRAUGOTT & KÖNIG, 1991; BYBEE et alii, 1994; BYBEE, 2003) quanto da Teoria da Gramática Funcional (DIK, 1997; NEVES, 2000; HENGEVELD & MACKENZIE, 2008).

Em termos gerais, a gramaticalização (GR, doravante) é definida aqui como um processo de mudança linguística de caráter unidirecional, no interior do qual itens ou “construções lexicais” (HOPPER & TRAUGOTT, 1993; TRAUGOTT, 2003) passam a exercer funções gramaticais ou, se já gramaticalizados, continuam a desenvolver funções ainda mais gramaticais. Trata-se de um processo de mudança linguística que pode afetar, de diferentes formas e em diferentes graus, a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica das línguas naturais. Como afirmam Traugott e Heine (1991), pode-se dizer que o termo se refere à parte da teoria da linguagem que tem por objeto a interdependência entre langue e parole, entre o categorial e o menos categorial, entre o fixo e o menos fixo na língua.

Na verdade, o estudo da gramaticalização põe em evidência a tensão entre a expressão lexical, por exemplo, relativamente livre de restrições, e a codificação morfossintática, mais sujeita a restrições, salientando a indeterminação relativa da língua e o caráter não discreto de suas categorias.

As análises aqui propostas, portanto, devem ser compreendidas como manifestações complexas que concebem as atividades linguísticas de sujeitos que, primordialmente, partem de escolhas comunicativamente adequadas e operam as variáveis dentro de condicionamentos ditados pelo processo de produção de enunciados em condições reais de uso. Ou seja, as investigações avaliam as condições dessas escolhas para o cumprimento de determinadas funções; as condições de produção dessas estruturas; as estratégias e os elementos que efetivamente operam para a construção textual/discursiva. Nesse caso, considera-se tanto a mudança que ocorre devido ao aumento gradual da pragmatização do significado, (inferência) quanto a que ocorre mediante o aumento de abstratização do item linguístico (estratégias metafóricas), evidenciando um processo que vai do uso mais concreto para um uso mais abstrato-expressivo.

Assim, considerando-se os pressupostos teóricos da Gramática Discursivo-Funcional, que muito se assemelha à proposta de Traugott e Hopper e Traugott, e que têm servido como modelo de descrição gramatical e interpretação do processo de mudança linguística, aceitam-se, no presente simpósio, trabalhos que possam apresentar e caracterizar esta possível interface. Mediante tais análises, objetiva-se compreender como as regularidades de certas escolhas podem alterar o sistema linguístico.

2
Alba Maria Perfeito
Terezinha da Conceição Costa-Hübes
CONCEPÇÃO INTERATIVA DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: ABORDAGENS E REFLEXÕES TEÓRICO-PRÁTICAS


Entende-se neste simpósio, de acordo com as OCEM (2006) que a política curricular deve ser interpretada como manifestação de uma política cultural, ao selecionar conteúdos e práticas de uma determinada cultura para serem abordados na instituição escolar. Isso implica, no que tange à disciplina de Língua Portuguesa na educação básica, a construção gradativa de saberes textuais, que circulam socialmente, no apuro das práticas de leitura e de escrita, de fala e de escuta e no desenvolvimento da capacidade de reflexão sistemática sobre a língua e a linguagem, em contínua ampliação, com a clareza de que, em um mundo de rápidas transformações, o aluno deve tornar-se sujeito construtor de sua história.

A linguagem, nesse sentido, deve ser concebida como meio de interação, como local das relações sociais em que homens atuam como sujeitos, ou, mais apropriadamente, constituem-se sujeitos. Em consequência, compreende-se que o papel da disciplina em questão é o de oportunizar ao discente, por meio de ações sistemáticas, o desenvolvimento das atividades de produção de linguagem em diversas situações interativas, perpassando formas de funcionamento da língua e modos de expressão da linguagem, ao construir seus saberes linguísticos em diferentes contextos.

Nessa perspectiva, faz-se necessário salientar, em termos de teorias linguísticas subjacentes, que a concepção de linguagem em foco recebeu contribuições de várias áreas de estudos mais recentes, buscando analisar a linguagem em situação de uso, como a Teoria da Enunciação de Benveniste, a Pragmática, a Semântica Argumentativa, a Análise da Conversação, a Análise do Discurso, a Linguística Textual, a Sociolingüística, a Enunciação Dialógica de Bakhtin. É relevante observar, inclusive, que, historicamente, há aproximadamente trinta anos, no Brasil, discute-se a visão interativa para o ensino, seja por meio da teoria piagetiana, na relação sujeito-objeto de ensino, seja pela vigostskiana: sujeito - mediador - via signo (ideológico).

Mais especificamente, em termos Língua Portuguesa, a concepção interativa no ensino foi inicialmente proposta, no país, por Geraldi (1984), sobretudo, na integração, sem artificialidade, das práticas de leitura, análise linguística, de produção e refacção textuais – fundamentado, no caso, pela teoria bakhtiniana. Após perpassarem documentos estaduais, na década de 90 do século passado, os estudos geraldianos e de seguidores foram incorporados e/ou ampliados/redimensionados em documentos nacionais e regionais e, nesse contexto, pesquisas teórico-práticas foram/são efetuadas em instituições de ensino superior.

É com essa breve configuração de abordagem da visão interativa da linguagem que se pretende no simpósio:

i) constituir um espaço congregador de propostas de ensino de Língua Portuguesa, na educação básica, que integrem as práticas de leitura, análise linguística e produção textual, subsidiadas pela concepção de linguagem em pauta;

ii) propiciar a reflexão sobre a heterogeneidade das perspectivas teóricas subjacentes à prática;

iii) analisar o processo de didatização, o qual envolve rupturas, deslocamentos e modificações - sendo, pois, (re)significado no contexto da ação.

3
Fernando Felício Pachi Filho
Renata Marcelle Lara Pimentel
DISCURSIVIDADES EM DIFERENTES SUPORTES MIDIÁTICOS


Este simpósio visa questionar se é possível delinear formações discursivas em que se inscrevem os diversos acontecimentos na mídia em relação aos suportes em que as informações circulam, sejam eles digitais, impressos ou eletrônicos, ou seja, busca-se explorar discursividades midiáticas, sejam elas impressas ou digitais, de acordo com as potencialidades específicas dos meios. Dessa forma, admiti-se a instabilidade dessas formações, sua permeabilidade e contradições que se formam em seu interior, que permitem a constituição de novos sentidos.

A produção de sentidos vincula-se às possibilidades enunciativas em períodos históricos, em relação ao que é dito, a sentidos anteriores, a não-ditos, ou seja, às condições de produção, entre as quais o suporte em que se inserem os enunciados. Há ainda uma variação do sentido que deve ser captada no movimento da história e da linguagem. Esta variação só é possível porque há rupturas nos sentidos dominantes, falhas (bloqueios da ordem ideológica) que abrem à possibilidade de polissemia, deslocando sentidos e fazendo emergir o novo, o diferente, o ressignificado, o reformulável. Pergunta-se, portanto, se e como o suporte midiático deve ser levado em conta em análises não apenas em termos de condição de produção dos discursos, mas também como determinantes para a constituição de novos sentidos, logo de formações discursivas.

A observação e análise dos diversos suportes midiáticos, em termos comparativos, permite compreender o funcionamento dos discursos, delimitando-se como as interpretações para os acontecimentos são constituídas. Pretende-se, dessa forma, compreender como objetos simbólicos, por definição não-transparentes, produzem sentidos, e os gestos de interpretação realizados pelos sujeitos. Tendo em vista que a formação de corpus é também uma construção do próprio analista, que seleciona o material de acordo com os objetivos de sua análise, questiona-se se, corpus abertos, formados com materiais de diferentes suportes midiáticos, apresentam propriedades discursivas diferentes ou semelhantes.

Além disso, busca-se compreender como os sentidos são homogeneizados em determinadas formações, de acordo com o jogo de forças presentes na sociedade, cristalizando interpretações em relação a formações ideológicas que as sustentam. As temáticas de interesse para este simpósio envolvem, entre outros, sujeitos, formações discursivas e ideológicas, memória e insconsciente, contradição e resistência. A explosão tecnológica e o acesso a dispositivos de tecnologia (celulares, laptops, etc.) levaram a uma potencialização crescente de produtores informais de enunciados midiáticos na internet e também fora dela e/ou não diretamente ligada a ela, mas que também se inscrevem como co-participantes das mídias impressas e eletrônicas (jornais, revistas, etc.). Ocorre, assim, uma fragmentação crescente dos discursos produzidos no espaço público.

Frente a isso, situa-se o interesse pelo funcionamento de discursos possíveis e em circulação em novos ou nos mesmos formatos, repetíveis, reorganizados e/ou modificados, ressignificados ou não.

4
Pedro Navarro
Carlos Piovezani
DISCURSO E SUJEITO: ABORDAGENS TEÓRICO-ANALÍTICAS EM TORNO DA SUBJETIVIDADE, DO CORPO E DA FALA PÚBLICA


Este simpósio, intitulado Discurso e sujeito: abordagens teórico-analíticas em torno da subjetividade, do corpo e da fala pública, tem por finalidade congregar pesquisadores que se debruçam sobre questões concernentes à formulação e à produção de discursos circulantes em espaços institucionais e em textos midiáticos. Assim, os trabalhos a serem apresentados devem girar em torno de dois eixos centrais à Análise de Discurso, quais sejam: o discurso visto como objeto histórico e em diferentes materialidades e o sujeito e as práticas discursivas de produção de identidades e de subjetivação.

Sobre o primeiro eixo, à concepção tão cara de discurso como algo da ordem da história e da língua, somam-se abordagens teóricas que consideram não somente o linguístico como parte integrante dos processos discursivos, mas também o nível imagético e sonoro. Nesse sentido, o caráter semiológico do enunciado, tal como podemos concluir do texto d’A arqueologia do saber, de Michel Foucault (1972) e as pesquisas empreendidas por Jean-Jacques Courtine (2008; 2006), sobre a história do corpo e da fala pública, configuram, atualmente, importantes dispositivos teóricos e metodológicos, com os quais é possível descrever discursos, não perdendo de vista a dispersão enunciativa que lhes é própria e a heterogeneidade de linguagens por meio das quais eles se realizam como acontecimento singular e repetível. No que concerne às pesquisas sobre a produção de subjetividade na relação com os jogos de saber/poder, considera-se oportuno discutir a produção de subejtividades, em um contexto marcado pela desestabilização das velhas identidades sólidas e pela liquidez das formações discursivas.

De um ponto de vista genealógico, a concepção de história em Foucault, pautada na filosofia de Nietzsche, não toma para si a tarefa de reencontrar aquilo que poderia ser raízes de nossa identidade. Pelo contrário, a função dessa história genealogicamente dirigida é dissipar aquilo que liga os homens a uma identidade, ao fazer aparecer todas as descontinuidades que os atravessam.

O alcance dessa perspectiva histórica para as análises discursivas impõe projetos de pesquisa que promovam uma espécie de dissociação sistemática das imagens de identidade que se projetam sobre os sujeitos, se consideramos, como o faz Foucault, que a identidade que tentamos assegurar e reunir sob uma máscara não passa de uma paródia: o plural a habita, inumeráveis almas nela disputam; sistemas se entrecruzam e dominam uns aos outros. Nesse sentido, esse segundo eixo contempla tanto a análise dos dispositivos de subjetivação, que, nos discursos, transformam os indivíduos em objeto e sujeito de um saber, por meio da regulação e do controle da vida, quanto as tecnologias do eu, por meio das quais se produz, discursivamente, a ideia de um sujeito “cuidadoso de si” (FOUCAULT, 1984).

Espera-se, assim, criar um espaço em que se discutam questões relativas à constituição, formulação e circulação de diferentes materialidades discursivas, bem como proporcionar debates acerca da produção do sujeito, a partir de enunciados que circulam nos meios de comunicação de massa.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Sergipe

Wagner Marques Lopes / MG (O PERDÃO em trovas), parte 8


29
Quem da luz se assenhoreia,
perdoando, incontinente,
traz na alma, em Lua cheia,
a bondade por presente.

30
Tem muita gente que pensa:
“O perdão é covardia”;
mas ele faz diferença –
sem ele, a guerra se amplia.

31
Forte chuva de granizo –
as plantações ressentidas.
O ódio traz prejuízos,
conturbando nossas vidas.

32
Quando a calúnia aparece
com seu chocalho estridente,
elevo a Deus uma prece;
abro o passo... E sigo em frente!

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Ricardo Azevedo (Histórias que o Povo Conta) O Gambá e o Jarro de Leite


CONTO DE SABEDORIA

Também chamado de conto de exemplo. Apresenta, claramente, uma lição para a vida. Quase todos os contos populares fazem isso, mas no caso dos contos de sabedoria é mais evidente. É o que você vai perceber na história a seguir, que fala de um gambá muito sonhador.


O GAMBÁ E O JARRO DE LEITE

O gambá vivia escondido num buraco em cima de uma árvore.

Toda noite, depois que o fazendeiro ia dormir, o danado saía da toca e desandava a fazer coisa errada. Roubava e comia as frutas do pomar. Entrava na cozinha e bebia cachaça.

Brigava com o gato. Arrombava a porta do galinheiro, chupava os ovos e ainda matava um monte de galinhas.

Um dia, o gambá encontrou um jarro cheio de leite e logo teve uma idéia. Mandou fazer um paletó, botou o jarro na cabeça e foi embora para a cidade.

"Vou trocar o jarro por duas dúzias de ovos", pensou o gambá. "Dos ovos vão nascer vinte e quatro pintinhos. Os pintinhos vão crescer e virar vinte e quatro frangos. Vou vender meus frangos e com o dinheiro compro um boi e três vacas."

O gambá sorria andando pela estrada de terra com o garrafão no alto da cabeça.

"Do boi e das três vacas vão nascer muitos e lindos bezerrinhos. Vou criar os bezerros para vender e depois comprar mais bois e mais vacas. Quando a minha criação de gado ficar bem grande, vendo tudo e compro uma fazenda."

O gambá sonhava.

"Minha fazenda vai ser das grandes."

E o bicho andava, e andando via a fazenda na sua frente.

"Ali", apontava ele com o dedinho no espaço, "vai ser o pomar cheio de frutas deliciosas". "Mais pra lá", mostrava ele com a outra mão, "vou construir um curral. Em cima daquele morro, assim, vai ser o pasto para a criação de gado.

Minha casa vai ficar bem ali, perto do lago. Vou ter ovos, pois pretendo construir um galinheiro."

O gambá ria sozinho:

"Vou ficar rico. Vou ter um baú cheio de dinheiro".

E ria mais:

"Fora isso, vou mandar plantar bastante cana para fazer cachaça só para mim!".

E o malandro já se imaginava de bota de couro e chapéu de abas largas, fumando charuto e andando para lá e para cá, mandando e desmandando na sua fazenda imensa.

Sonhou tanto que acabou tropeçando numa pedra. O jarro escorregou e se espatifou no chão.

O gambá ficou parado olhando o leite derramado. Depois, voltou para o seu buraco em cima da árvore, pegou uma violinha de dez cordas e cantarolou:

Minha gente eu tive um sonho
Quis do nada fazer renda
Sonhei que de um simples jarro
Eu tirava uma fazenda

Sem trabalho nem esforço
Só na manha e na moleza
Quis ter dinheiro e fortuna
Que ser rico é uma beleza!

Mas foi tudo uma miragem
Bem no meio do caminho
Bem no meio da viagem
Uma pedra fez seu ninho

Que tristeza, minha gente
Por causa de um tropeção
Lá se foi minha esperança
Meu sonho quebrou no chão

Adeus, frutas do pomar
Adeus, gado e galinheiro
Adeus, fazenda e cachaça
Adeus, baú de dinheiro

Agora vivo a cantar
Que chorar não me consola
Perdi fazenda e dinheiro
Mas guardei minha viola!

Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. - (Coleção literatura em minha casa ; v.5)

Esopo (Fábula 14: Os Galos Brigões e a Águia)


Uma vez, dois galos travaram um duelo para se decidir qual havia de ser o rei da capoeira. Por fim, um deles venceu o outro, que fugiu para um canto e se escondeu. O outro voou para cima do telhado da casa e fez um grande alarido, cantando e batendo as asas, a fim de celebrar a vitória.

O ruído atraiuuma águia, que desceu a pique e levou o galo. Como resultado, o outro galo tornou-se o rei da capoeira.

Moral da história

O vencedor duma disputa deveria ser sempre modesto na vitória, porque nunca se pode ter a certeza do que virá a seguir.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Teoria Literária) Parte 5


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.

24
Alba Krishna Topan Feldman
Sérgio Paulo Adolfo
TRANSCULTURAÇÃO E HIBRIDISMO EM LITERATURAS PÓS-COLONIAIS


Na sociedade atual, especialmente nos últimos séculos, observa-se que o sonho da cultura ideal ou mesmo da raça pura se desvaneceu em um conjunto de contatos, quase nunca pacíficos e certamente marcantes, entre culturas e etnias originado do fenômeno que se desenvolveu, principalmente, no século XVI, sendo denominado como ‘colonização’. Dentre estes contatos, pode-se mencionar o encontro do colonizador com os nativos ditos ‘selvagens’ das Américas, Caribe, África, etc., além da descoberta de civilizações já constituídas socialmente há vários séculos, como a China e a Índia.

Tais encontros propiciaram o desenvolvimento de novas relações não só interpessoais, mas também, no que diz respeito à cultura, costumes e políticas sociais dentro das novas comunidades, sem contar o aspecto biológico, responsável pelo surgimento da miscigenação e hibridismo. Entretanto, as transformações não operaram apenas no âmbito do colonizado; o mesmo ocorreu nas sociedades colonizadoras quando os sujeitos coloniais passaram a fazer parte delas através das diásporas causadas pela própria colonização.

A proposta deste simpósio é a análise de aspectos que se tocam, se modificam e que favorecem o surgimento de indivíduos cujas identidades dialogam com outros universos culturais e experiências pós-coloniais, identidades estas, invariavelmente fragmentadas pelas questões decorrentes dos processos de inclusão/exclusão coloniais fundamentados principalmente pelo fator dérmico e, consequentemente, pelo desrespeito às diferenças, tanto na literatura em língua portuguesa quanto em língua inglesa. Para isso, considera-se a construção da identidade em ambientes de transculturação, conforme o abordado por Pratt, os aspectos de hibridismo discutidos por Bhabha e aspectos de estudos sobre a identidade desenvolvidos por diversos críticos, como, por exemplo, Hall.

A definição do termo pós-colonial, sob esse viés, torna-se mais abrangente, referindo-se ao conjunto de ideologias subjacentes aos processos de colonização e dominação, além do discurso do Outro, calcado na representação negativa do termo \"differance\", desenvolvido por Derrida. Esse simpósio pretende discutir de que maneira os textos narrativos, poéticos, descritivos ou testemunhais representam os conceitos aqui expostos, e como demonstram a identidade em um contexto cada vez mais amplo de zona de contato, que, por vezes se mostra hostil e árido, levando em consideração as consequências advindas da ação colonizadora no que concernem todos aqueles sujeitos envolvidos nesse processo, sejam eles, homens ou mulheres, colonizados ou colonizadores.

Procura-se explorar, por meio da literatura pós-colonial, o modo como os sujeitos agem dentro de contextos multiétnicos e multiculturais para compreender, dessa forma, quais os efeitos provocados nas sociedades influenciadas pelo aparato colonial desde seus primórdios.

25
Jaime Ginzburg
Alamir Aquino Corrêa
VIOLÊNCIA E TRISTEZA NA NARRATIVA DE FICÇÃO DO SÉCULO XX


Um dos temas mais constantes da literatura é aquele da tristeza, quase imensurável, muitas vezes resultante do espaço da violência. A tônica que permeia queixas, lamentos e dores passa por perdas, depressões e estados melancólicos. A proposta do simpósio é discutir o tom lamentoso e tristonho em textos narrativos no recorte temporal do século XX, por seu aspecto mais revelador da emoção com toques de reflexão, especialmente em narrativas autodiegéticas, com particular interesse sobre as relações entre autoritarismo e violência.

Questões sobre o sentido da vida e sua representação estética, as profundidades dialéticas na relação matéria/espírito sobre a finitude, a memória dilacerada pela ausência do outro e a voz diante da violência são exemplos de abordagem comparatista. Deve predominar a leitura de textos enquanto textos, sem desprezar a fortuna crítica, fundada na detecção de relações intra e intertextuais; ou seja, o aparato teórico deve ser menos importante/evidente que a explicação do texto artístico.

Entre vários textos de suporte teórico, oriundos da Antropologia , da Sociologia, da Filosofia, da Psicologia/Psiquiatria ou da História, lembramos entre vários de Edgar Morin, Philippe Ariès, Norberto Elias, Mircea Eliade, Nicole Loraux, Sigmund Freud, Carl Jung, Georg Friedrich Hegel, Martin Heidegger, Abram Rosenblatt, Hannah Arendt, Primo Levi e Giorgio Agamben. Há de se tomar como premissa que o advento do Romantismo leva a percepção do tempo para outro nível - o do mundo que deveria ter sido. A tônica da fundação das nações modernas com a necessidade de construção de um pai e de uma mãe novos - um passado que possa ser glorificado a justificar o presente - vai encontrar especialmente na prosa de ficção o campo apropriado para sua efetivação. Por outro lado, essa relação com uma nova mátria ou pátria e sua afirmação também sinaliza embates entre o indivíduo e a vontade do Estado.

Há uma desvinculação do passado, substituído por outro - imaginado como objeto de consolação também. O olhar de Orfeu para o passado faz com que ele tenha de procurar, por compensação, outra saída, uma outra história, um outro tempo. A perda é irrecuperável - aquele passado não pode mais estar presente, pois não mais pertence ao mundo, Eurídice se desvincula por completo do mundo de Orfeu. Não mais em busca de uma glória divina, não mais a imagem e semelhança de Deus, há de se buscar no passado um Outro. A tristeza ou a melancolia daí resultante, própria de um passado idealizado e irrealizado, provoca a contemplação do mundo que deveria ter sido - o distanciamento ou a fuga dolorida em direção ao passado pensado se torna a saída compensatória diante do mundo que é. Busca-se assim ler o passado, não mais com a sua força normativa, para sustentar a compreensão histórica das coisas.

O mundo perfeito, idealizado da Antiguidade, não existe mais; imitar é normatizar, mas nisso reside a impossibilidade, pois não é possível reproduzir. No século XX, a prosa de ficção se torna cada vez mais capaz de lidar com o inimaginável - a ausência de consolo futuro diante da industrialização da guerra e seu forte conjunto de interesses econômicos, e com o imponderável - a presunção de fruição da arte e o desprezo pelo homem. As atitudes ou emoções são o arrependimento, o pesar, a confusão, a raiva, a ansiedade, a dúvida, a alienação e o desespero. Se a morte por si já era um mundo contrário aos desejos, as perdas e embates no século XX tornam tudo inconsolável, o que exige da voz literária uma dureza acima das forças antes pensadas.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Santa Catarina

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Entre Poetas)


Caríssimos amigos e queridas amigas.

Hoje estamos apresentando mais um projeto do site www.sardenbergpoesias.com.br.

O objetivo desse projeto é divulgar poesias de amigos que possuem trabalhos no nosso site bem como de novos poetas que vamos conhecendo durante nossa caminhada.

Hoje temos conosco os seguintes poetas:

Antonio Manoel Abreu Sardenberg
Yeda Araújo Pereira
Zz Couto
Amilton Maciel Monteiro
Ciducha
Roberto P. Acruche.
Sandra Lúcia Ceccon Perazzo
Maria Nogueira Martinelli
Marise Ribeiro
Edla Feitosa Costa

Espero que gostem e nos ajudem a repassar esse projeto que é de todos nós.

Um abraço terno e amigo.
Antonio Manoel Abreu Sardenberg

Encruzilhada
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis "Cidade Poema"


Na encruzilhada da vida,
A dúvida bate tão forte
Que a gente perde o norte,
A reta, a rota, o rumo...
Perde o equilíbrio, o prumo,
O tino, o jeito, o porte.
Perde o fio da meada
E, para achar a estrada,
É preciso muita sorte.
=========
A razão com seu jeitinho
Fala pra gente baixinho
Qual o caminho mais certo,
Qual o atalho mais perto,
Onde fica o paraíso!
Aí vem o coração
Cheio de sonho e paixão
A discordar do juízo...
============
A incerteza aparece.
Nosso peito então padece,
Sem saber a quem ouvir.
E pra gente se encontrar,
Aonde devemos ir?
==============
Vamos partir para o norte,
O leste, o centro, o oeste
Ou esperar que, na noite,
Naquele céu todo azul
Brote o cruzeiro do sul
Nos apontando ao certo
O nosso porto seguro
E nos tirar do apuro,
Nos resgatar do deserto
===============
E com a lição aprender
Que, em toda encruzilhada,
Há uma direção errada,
E outra que é a certa,
Que nos conduz a chegada!

Quem Sou
YEDA ARAUJO PEREIRA


Em meio à multidão um exemplar apenas,
perdida entre olhares dispersos e distantes...

Mas sou única... Isto sim...
Eis o fato relevante!

Sou inédita a cada novo dia,
a cada instante... Assim como Você!

Minha história é única também...
Intransferível...

Ninguém mais viveu mesmo destino...
Ninguém mais trilhou idênticos caminhos...

Nenhum amor igual aconteceu por aí...
Nenhuma saudade teve a mesma dor...

Outro passado não tem iguais lembranças...
Outro futuro não será da mesma cor...

Minhas alegrias tão minhas!
Minhas tristezas também!

Até mesmo minhas crenças são originais,
ainda que meu Deus seja o mesmo pra Você!

Em meio à multidão, entre olhares dispersos e distantes,
sonho algum será igual ao sonho meu!

Quero Você
ZZ COUTO


Na incerteza do tempo,
viver mesmo que seja,
um curto momento,
sem juramento,
nem testamento,
em torno de ansiedades
e sem saudades...
Quero ficar com você!

Fazer da vida uma alegria,
um pacto de amor profundo
em busca de meus sonhos,
rumo ao não sei onde,
num vai e vem que não tem fim...
Só para ficar com você!

Quero sentir bem fundo,
num sorriso... num olhar...
Num beijo jogado no ar,
numa procura incessante
sem deixar de te pertencer...
Apenas quero você!

Abriguei-me nas
lembranças do vivido,
crendo haver te esquecido...
E mais e mais perto ficando,
eu de ti... pobre de mim...
Se a vida não é minha,
como querer você?

Parte de Nós
AMILTON MACIEL MONTEIRO/SP


Criar poema é qual plasmar um filho;
lhe damos todo o amor que houver na gente,
mas, depois que soltamos seu anilho,
quem toma conta dele... é o Onipotente.

Também, quando criamos sonetilho,
queremos que ele seja convincente,
correto, puro e tenha certo brilho;
... nem sempre ocorre isso, infelizmente.

Mas não importa. O que conta é só amá-lo!
Quer fique lindo, ou mesmo um pouco feio,
de porte soberano, ou de vassalo;

Pois é parte de nós, porção de amor,
que quisemos doar ao nosso meio,
por vocação do próprio Criador!

Divagando...
CIDUCHA


No tempo
no ontem
no passado...
- O que restou?
Apenas imagens amareladas
semi apagadas
velhos retratos,
e uma saudade
sem fim!

Queria que acontecesse alguma coisa,
que algo absorvesse meus pensamentos,
queria dominar as horas,
não cultivar mais demoras,
acima de tudo, queria libertar-me
das piores recordações do passado.
Mas minhas melhores recordações
são de um tempo
em que o sol brilhava
diuturnamente ...

Recordo-me dos amores
e recordo-me de um deles em especial ..
que fez especial a minha vida,
meus melhores momentos...

Mas tudo se transforma em esquecimento!
Até mesmo as lembranças...
vão fraquejando lentamente,
tornando-se transparentes...
diferentes...
até que não as reconheço mais.
E então fico mais só ainda!
Mais só...
só...
só...

Brumas da Velhice
ROBERTO P. ACRUCHE.


Os anos passam correndo,
e eu acumulando idade,
os cabelos brancos aparecendo,
desfigurando a face da mocidade.
Minha alma insiste, remoça!...
Resiste o tempo e não envelhece.
A dor chega, o corpo padece...
-Deveras!

É só saudade das primaveras,
que precederam a de agora...
E nesta hora:
Inédito encanto
livra-me do pranto
renovando-me a esperança
com um riso de moço.

Entretanto:
A idade avança,
atinge a minha alma
que cansa
depois de tanto esforço...
Fazendo-me sentir as brumas da velhice!

Partida e Chegada
SANDRA LÚCIA CECCON PERAZZO


Pousou serena sobre a flor
Brincou com o vento
Partiu invisível
Deixou sua sombra
Que ficou amando a luz da flor
Chegou brilhante
No mundo fantástico das borboletas...

Fim do amor
MARIA NOGUEIRA MARTINELLI
(Sapeka)


Palavras amargas, ecoando a solidão,
despertando velhos fantasmas há tanto tempo esquecidos,
abrindo antigas feridas, escondidas no canto escuro do coração.

Velhas lembranças... a lágrima ainda é a mesma,
ardendo lentamente, corroendo aos poucos os resquícios da ilusão,
como se assim pudesse lavar qualquer vestígio do amor.

A tristeza também é a mesma companheira que já seguiu junto,
conhece bem o longo caminho, insiste até virar uma lembrança
adormecida, a espera de um outro final de amor.

Os sonhos são esquecidos, esses são os primeiros que partem,
deixando apenas a vaga sensação de que um dia existiram,
não deixam promessas de retorno,... apenas abandono.

É o retrato do amor que se esvai em pinceladas de dor,
em cada palavra dita e repetida em ecos de amarguras,
relembradas em todos os momentos de solidão.

Disfarce
MARISE RIBEIRO


Passo a mão na face,
camuflo o riso da derrota,
riso nervoso, impreciso, sem siso...
Desvio o olhar para o lado,
olhar desnivelado, distraído, traído...
Mascaro a dor, deixo-a incolor,
desmaio no disfarce o temor...
Ergo a fronte como se fosse um monte
apontando ao norte...
... e só assim encaro a morte.

A Palavra
EDLA FEITOSA COSTA


A palavra permanece presa
No cárcere do pensamento
A boca cala
A mão só afaga.

Um dia a palavra cresce,
Transcende, extrapola, escapa.
A boca fala
Então a mão escreve.

A palavra, agora,
Que já foi pensada,
Depois falada
Se transforma em palavra escrita.

Fonte:
Colaboração de A. M. A. Sardenberg

Wagner Marques Lopes/MG (O PERDÃO em trovas), parte 7


25
Sol vibrante das manhãs -
esperança das colheitas,
o perdão em seus afãs
tornando as almas perfeitas.

26
(A neve... O gelo...) – o bloqueio...
Deixando as gentes retidas.
O perdão – o sol em cheio
liberando quantas vidas!

27
Há quem condene o lugar
de destaque do perdão,
mas treme só em pensar:
pedi-lo... E obter um não.

28
Tem brilho aquele minuto,
expressão mais radiosa,
quando o perdão, resoluto,
vence o espinho... E colhe a rosa.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Ricardo Azevedo (Histórias que o Povo Conta) A Tartaruga e a Fruta Amarela


CONTO DE ORIGEM

Esse tipo de história sempre tenta explicar como surgiu alguma coisa. Nisso, relaciona-se com os mitos, narrativas religiosas que contam como os deuses fizeram o mundo, como apareceram os homens, os animais, as plantas e tudo o que é conhecido.


A tartaruga e a fruta amarela

O tempo era de seca. O calor estava de rachar pedra. Sem chuva, a floresta quase secou. A bicharada andava para lá e para cá cheia de fome e de sede.

Um dia, ninguém sabe como, apareceu uma árvore carregadinha de frutas. As frutas eram lindas e amarelas mas os bichos ficaram com medo.

- E se for azeda? - disse o papagaio.

- E se for venenosa? - disse o macaco.

- E se for feitiço? - disse a capivara.

Com água na boca, a bicharada olhava aquelas frutas madurinhas mas ninguém tinha coragem de experimentar.

- A gente não pode comer a fruta sem saber o nome dela - ensinou a coruja.

Então, os bichos fizeram uma reunião e escolheram a anta.

- Vá até o céu - pediram eles -, e pergunte a Deus qual o nome dessa fruta.

A anta foi e Deus explicou tudo direitinho. Para não esquecer o nome da fruta amarela a anta voltou do céu cantando:

Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome

Acontece que no caminho morava uma bruxa malvada.

A mulher perguntou que cantoria era aquela e a anta explicou.

A bruxa deu risada e gritou:

Caranguejo, caramujo
Carapaça, carrapicho
Carrapato, carraspana
Carapeta, carabina

Ouvindo o canto da bruxa, a anta se confundiu. Ao chegar na floresta não conseguiu mais lembrar nome nenhum.

Os bichos fizeram outra reunião e escolheram o tatu.

- Vá até o céu - pediram eles -, e pergunte a Deus qual o nome dessa fruta.

O tatu foi e Deus explicou tudo direitinho. Para não esquecer o nome da fruta amarela, o tatu voltou do céu cantando.

Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome

No caminho, encontrou a bruxa malvada.

A mulher perguntou que cantoria era aquela e o tatu explicou.

A bruxa deu risada e gritou:

Caranguejo, caramujo
Carapaça, carrapicho
Carrapato, carraspana
Carapeta, carabina

Ouvindo o canto da bruxa, o tatu se confundiu. Ao chegar na floresta não conseguiu mais lembrar nome nenhum.

Outra vez, os bichos fizeram uma reunião e escolheram a tartaruga.

- Vá até o céu - pediram eles -, e pergunte a Deus qual o nome dessa fruta.

A tartaruga foi e Deus explicou tudo direitinho. Para não esquecer o nome da fruta amarela a tartaruga voltou do céu cantando:

Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome

No caminho, encontrou a bruxa malvada.

A mulher perguntou que cantoria era aquela. A tartaruga não disse nada e continuou cantando:

Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome

Mas a bruxa deu risada e gritou:

Caranguejo, caramujo
Carapaça, carrapicho
Carrapato, carraspana
Carapeta, carabina

A tartaruga nem ligou. Continuou pelo caminho cantando:

Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome

Carambola, carambola
Que meu povo está com fome

Então a bruxa gritou:

Carapina, carapuça
Caravela, caravana
Cara-suja, caradura
Carafuzo, carapinha

A tartaruga gritou mais alto:

Carambola, carambola
Não posso esquecer seu nome
Carambola, carambola
Que meu povo está com fome

A bruxa berrou:

Carapeba, carangola
Carandonga, caripora
Caraúba, caraíba
Carantonha, curupira

A tartaruga nem ligou. Continuou cantando sua música sem errar:

Carambola, carambola
Não posso esquecer o nome

Foi quando a bruxa perdeu a cabeça, agarrou a tartaruga, bateu e jogou no chão.

E a tartaruga:

Carambola, carambola
Que meu povo anda com fome

A bruxa atirou um monte de pedra em cima da tartaruga.

E a bichinha:

Carambola, carambola
Não posso esquecer o nome

No fim, a bruxa bateu na tartaruga com um pedaço de pau.

Depois, com um pedaço de ferro. Depois, atirou a coitada do alto do despenhadeiro. A tartaruga caiu lá embaixo no meio das pedras, levantou-se, sacudiu a poeira e continuou cantando:

Carambola, carambola
Não posso esquecer o nome
Carambola, carambola
Que meu povo anda com fome

Vendo isso, a bruxa desistiu de tudo e foi embora para sempre.

A tartaruga chegou na floresta cansada. Contou o nome da fruta amarela. A bicharada agradeceu, fez uma festa e matou a fome e a sede de tanto comer a fruta amarela.

Desde então o povo da floresta passou a conhecer a carambola.

Desde então, por causa de tantos tombos, pancadas e quedas, a tartaruga ficou com o casco enrugado e achatado na parte de baixo.

Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. - (Coleção literatura em minha casa ; v.5)

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Teoria Literária) Parte 5


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

Diariamente estão sendo postados Resumos dos Simpósios que serão apresentados em 13 a 15 de junho, até totalizar os 25 a serem apresentados.

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.


21
Lúcia Osana Zolin
Nincia Cecilia Ribas Borges Teixeira
REPRESENTAÇÃO/CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NA LITERATURA DE AUTORIA FEMININA BRASILEIRA


No âmbito dos estudos literários contemporâneos e, de modo especial, dos estudos de gênero, a noção de representação ocupa um espaço de incontestável importância. Isso porque, nas últimas décadas, a crítica literária tem refletido acerca de seu objeto a partir de vieses teóricos que problematizam insistentemente a relação texto-contexto. O conceito aponta significações múltiplas, entre elas, para o ato de fazer as vezes da realidade representada; ou para o de tornar uma realidade visível, exibindo-lhe a presença (GINZBURG, 2001).

De acordo com Chartier (1990), é “instrumento de um conhecimento mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por uma imagem capaz de o reconstituir em memória e de o figurar como ele é”. As representações são variáveis e determinadas pelos grupos ou pelas classes que as edificam; sendo que o poder e a dominação estão sempre presentes. Também para Bourdieu (1998), uma das principais problemáticas que envolvem a questão da representação reside nas imposições e lutas pelo monopólio da visão legítima do mundo social. O fato é que a identidade do ser ou da coisa representada, não raro, se resume à aparência dela, escamoteada que está por configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída.

O conceito foucaultiano de discurso, relacionado com o desejo e com o poder, traz, igualmente, importantes contribuições ao trabalho de identificação do modo como as “verdades” são edificadas. Tem contribuído com a crítica literária no sentido de investigar as fronteiras entre o real e o ficcional e refletir acerca do tema da representação dos seres e das coisas pela linguagem. Consideradas como “fatos”, as práticas discursivas e os poderes que as permeiam ligam-se a uma ordem imposta, cujas redundâncias de conteúdos reproduzem o sistema de valores das tradições de uma dada sociedade, em uma determinada época, autorizando o que é permitido dizer, de que maneira se pode dizê-lo, quem o pode dizer e a que instituição o que está sendo dito se vincula.

Para reverter esse estado de coisas, há que se promover o desnudamento das condições de funcionamento do jogo discursivo e de seus efeitos (Foucault, 2001). Se representar significa dar visibilidade ao outro, no dizer de Chartier (1990), pode significar, também, falar em nome do outro. Para ter assegurado o direito de falar, enquanto o outro é silenciado, o sujeito que fala se investe de um poder que lhe é doado por circunstâncias legitimadas pelo lugar que ocupa na sociedade, delimitado em função de sua classe, de sua raça e, entre outros referentes, de seu gênero os quais o definem como o centro, a referência, o paradigma, enfim, do discurso proferido. Historicamente, esse sujeito imbuído do direito de falar - e falar com autoridade - é de classe média-alta, branco, e pertencente ao sexo masculino. No âmbito da arte literária, até meados do século passado, os discursos dominantes vinham circunscrevendo espaços privilegiados de expressão e, consequentemente, silenciando as produções ditas “menores”, provenientes de segmentos sociais “desautorizados”, como as das minorias e dos/as marginalizados/as. No limite, o quadro comportava, de um lado, a visibilidade das obras canônicas, a chamada “alta cultura”, cujas formas de consagração guardam relações bastante estreitas com o modo de o mundo ser representado, com a ideologia aí veiculada e, também, é claro, com quem o está representando. De outro, o apagamento da diversidade proveniente das perspectivas sociais marginais, que incluem mulheres, negros, homossexuais, não-católicos, operários, desempregados...

Tendo isso em vista e, sobretudo, a tradição literária de mulheres que, no Brasil, nasce na segunda metade do século XIX, bem como as reflexões teóricas acerca da representação literária, empreendidas pelos teóricos/as empenhados em debater o tema, este simpósio propõe o debate da representação/construção de identidades na literatura de autoria feminina.

22
Cecil Jeanine Albert Zinani
Salete Rosa Pezzi dos Santos
REPRESENTAÇÕES DO SUJEITO FEMININO: GÊNERO, SEXUALIDADE, IDENTIDADE, HISTÓRIA


No contexto cultural da pós-modernidade, destaca-se a voz feminina, na medida em que, apropriando-se da palavra, denuncia sua exclusão e defende seu direito de falar e de representar-se nos diferentes domínios tanto público quanto privado. Nos estudos sobre a mulher, ressalta a questão da sexualidade feminina, no sentido de verificar a relação existente entre sexualidade e dominação.

Para Foucault (1988, p. 46), a sociedade burguesa oitocentista é \"uma sociedade de perversão explosiva e fragmentada\". Nesse aspecto, complementa Giddens (1993, p. 30), \"o estudo e a criação de discursos sobre o sexo levaram ao desenvolvimento de vários contextos de poder e de conhecimento”. Rita Schmidt, em “Repensando a cultura, a literatura e o espaço da autoria feminina”(1995), destaca a importância da inserção da prática discursiva feminina no espaço do logos, classificando-a como um ato político, na medida em que a mulher desconstrói a sua imagem negativa projetada pelas práticas culturais masculinas que constituem a norma, o padrão.

Considerando essa perspectiva, assoma a relevância da obra literária, na medida em que ela faculta uma nova consciência receptora, visto abrir-se para o leitor outra possibilidade de percepção do mundo, tanto da realidade externa quanto interna. Assim, é possível pensar que narrativas que se movimentem em torno da representação do sujeito feminino poderão favorecer a problematização de vivências da mulher, desestabilizando mecanismos de poder e colocando em pauta a hierarquização de gêneros, cujas relações se estabelecem não apenas a partir da noção de diferença, mas também da concepção de inferioridade, marcadamente, feminina.

A identidade de gênero, como qualquer outro aspecto da identidade cultural, configura-se dentro de um processo socioistórico, não constituindo um componente fixo, permanente, mas móvel e transitório. Na medida em que os elementos formadores da cultura operam o movimento de articulação/desarticulação, a identidade modifica sua configuração, como também os próprios sujeitos, que, devido a sua vivência e experiência, re-inventam, ressignificando a sua identidade.

A construção da identidade feminina, num território periférico como a América Latina, está mediada por um sistema de representações culturais de características patriarcais e androcêntricas, tidas como naturais, ou seja, fundadas numa dominação legítima que precisa ser subvertida para que essa construção se efetive. Assim, é impraticável pensar essa identidade sem levar em consideração o sistema de gênero, uma vez que é esse sistema que vai codificar o comportamento e o desempenho dos sujeitos sociais tendo como base o fator biológico. Essa modalidade de representação, além de posicionar o sujeito no espectro social, caracteriza e dá significado ao sujeito, condicionando uma organização social assimétrica, em que o masculino define-se a partir do centro, do positivo, restando para o feminino a posição marginal (SCHNEIDER, 2000).

Questões fundamentais ligadas à história da literatura e às representações de gênero, identidade e sexualidade, perpassadas, transversalmente, pelo olhar da história e da psicanálise, constituem o objeto de problematização do presente simpósio.

23
Márcio Roberto do Prado
Jaime dos Reis Sant Anna
SOB O SIGNO DA CONVERGÊNCIA: ARTICULAÇÕES ENTRE TEORIA E PRÁTICAS DE SALA DE AULA NO ENSINO DE LITERATURA


Quando pensamos nos aspectos ligados ao estudo da literatura, sobretudo no meio universitário, não é raro que tenhamos uma cisão entre uma abordagem eminentemente teórica e outra de viés prático, voltada para a aplicação de conteúdos em sala de aula. Assim, a abordagem teórica destacaria a pesquisa e a produção de conhecimento científico para divulgação por meio de publicações de livros e periódicos especializados, ao passo que a prática visaria questões relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, tendo como foco a otimização de tal processo e o estabelecimento de estratégias e planos capazes de contribuir para semelhante cenário de eficiência.

Todavia, essa separação não existe em termos tão radicais, de modo que as questões ligadas à Teoria da Literatura e aquelas que lançam mão de uma prerrogativa didático-pedagógica acabam por se articular, cruzando-se várias vezes. De modo mais incisivo, podemos ainda destacar que semelhante “contaminação” contribui para o avanço nas duas frentes, uma vez que permite que se lance luz sobre aspectos que, diante de uma idealizada (e impossível) segmentação inquestionável, seriam, no mínimo, negligenciados. Tendo em vista este panorama, cumpre destacar que se trata de algo em perfeita consonância com as demandas atuais em termos que não se limitam ao contexto de pesquisa científica academicamente considerada e da sala de aula no âmbito do ensino de literatura. Nomes como Henry Jenkins apontam para a natureza de convergencial de nossa cultura (atingindo, assim, a atividade docente), na qual mídias, interesses e indivíduos encontram pontos de contato teleologicamente organizados, o que abarca inclusive a convergência teórico-prática. Outros, como Pierre Lévy, destacam o contexto cultural que emerge do impacto das tecnologias de informação e comunicação em nossas vidas, em suas mais variadas frentes (a “cibercultura”), mostrando como há uma urgência e uma obrigatoriedade de modificações em diversos de nossos paradigmas, não escapando dessa condição o próprio professor que, instigado por uma verdadeira revolução na dinâmica comunicacional, vê-se impelido a buscar novas possibilidades que, por seu turno, têm como condição incontornável uma reflexão teórica mais pormenorizada capaz de dar base a essas possibilidades que se abrem.

Assim, impõe-se um cenário em que o professor deve ir além (sem desconsideração) do tradicional tripé “giz-lousa-saliva” e lançar mão de recursos tecnológicos e das mídias deles emergentes, além de propostas de ensino e de verificações de aprendizagem capazes de utilizá-los de modo eficiente. Por seu turno, o pesquisador não pode fechar os olhos para tais inovações, uma vez que seu reflexo até mesmo em nossa concepção de arte e, portanto, de literatura, é por demais evidente, destacando a importância de inovações equivalentes em termos de instrumental teórico e crítico.

Deste modo, o presente simpósio pretende abordar variadas facetas de abordagem das questões suscitadas pela articulação entre Teoria da Literatura e Metodologia do Ensino de Literatura, destacando em especial aquelas que enfoquem a mediação de leitura e a formação do leitor, bem como as atuais demandas tecnológicas e comunicacionais, com o intuito de apresentar reflexões e experiências ilustrativas nesse sentido. Por fim, tomará forma uma visão mais colaborativa e interativa do professor e do pesquisador, visão esta capaz de ilustrar com eloquência que a prática sem teoria é diletantismo, ao passo que a teoria sem a prática é alienação.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) São Paulo

Wagner Marques Lopes/MG (O PERDÃO em trovas), parte 6


21

Sempre que alguém se aproxima
a rogar-nos o perdão,
vem claridade de cima -
luz ao nosso coração!

22

Não pode ser meritória
nenhuma glória do instante,
se o homem não traz a glória
do perdão ao semelhante.

23

As janelas do Infinito
se abrindo de par em par:
alguém, num gesto bonito,
por aqui vai perdoar.

24
O ódio sempre destoa... -
tornando a vida pequena.
Perdão – faz a vida boa,
engrandecida e serena.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Gelert, O Cão Real do País de Gales


Uma das vilas mais bonitas do País de Gales é Beddgelert, que fica na junção de três vales, no condado de Gwynedd.

Milhares de visitantes de todas as partes do mundo vão para lá todos os anos, mas não é devido aos jardins ornamentais ou pelas atraentes lojas de souvenir. Há uma razão especial para esta vila ser tão popular e tem tudo a ver com um incrível cão real.

O cão, Gelert, é uma das maiores lendas do País de Gales e sua estória aquece o coração dos amantes de animais. O nome da vila, Beddgelert, está fortemente ligada a esta estória romântica e se traduz literalmente como "o túmulo de Gelert"- o nome do leal cão do príncipe Llywelyn, que reinou esta parte do País de Gales muitos séculos atrás.

Gelert nasceu no castelo do rei John da Inglaterra, que reinou entre 1199 e 1216, e quando a filha do rei se casou com o príncipe Llywelyn, o filhote foi dado a eles como presente de casamento. Gelert cresceu e se tornou um cão de caça corajoso e conhecido por sua lealdade. Com o passar do tempo, Llywelyn ficou cada vez mais apegado ao cão e Gelert era sempre visto ao seu lado. Em um curto período de tempo Gelert foi nomeado líder da matilha de cães do príncipe, pois não havia outro que tivesse a sua persistência e força.

Cerca de um ano mais tarde, a esposa do príncipe deu a luz a um lindo garoto. Gelert se encantou com o bebê e ficava noite e dia ao lado do berço. Ele recusou-se a ir caçar com o príncipe um dia e parecia preferir ficar guardando o bebê enquanto ele dormia no berço. Embora Llywelyn sentisse muito a falta do animal, entendia que o cão precisava proteger a família e por isso não forçou Gelert a acompanhá-lo. Llywelyn sabia que no final do dia Gelert sempre estaria esperando no portão do castelo pelo retorno do seu senhor.

Um dia Llywelyn voltou para casa e encontrou seu fiel cão no portão. Ao se aproximar, ficou horrorizado em ver sangue no focinho e corpo de Gelert. O príncipe correu para dentro do castelo e para o quarto de seu filho. Não havia sinal do bebê, mas o berço estava virado e as cobertas da criança estavam caídas no chão, encharcadas de sangue.

O príncipe ficou com o coração partido e concluiu precipitadamente que Gelert, com ciúmes, matara o bebê enquanto estava caçando. Em um ataque de raiva, Llywelyn sacou sua espada e matou Gelert. Mas quando Llywelyn caiu de joelhos chorando, seus gritos foram respondidos pelo choro do bebê.

Llywelyn endireitou o berço e encontrou seu filho embaixo dele. O bebê não tinha sofrido mal algum e estava dormindo tranqüilamente dentro do emaranhado de cobertas no chão. Enquanto o príncipe colocava seu filho no berço pode ver a cauda de um animal embaixo de um dos cobertores. Lá estava o corpo de um grande lobo que havia sido morto por Gelert enquanto tentava atacar o bebê dentro do berço.

A estória conta os remorsos do príncipe. Tentando mostrar ao mundo o quão orgulhoso era de seu leal Gelert, enterrou o cão nos arredores do castelo e deu-lhe um enterro digno de um rei. É dito que o príncipe e seu filho visitavam o local freqüentemente e que ordenou que o local fosse conhecido como Beddgelert, em memória a seu amado cão.

Embora pareça uma estória triste, a lenda do corajoso Gelert tem lugar nos corações de gerações de amantes de cães ao redor do mundo. Ela continua sendo uma maravilhosa estória que toca os corações das milhares de pessoas que visitam o local. E a lealdade de Gelert, o verdadeiro cão real do País de Gales, vive nos corações de muitos.

Fontes:
http://www.pedigree.com.br/o-cao-real-do-pai-s-de-gales
STALL, Sam. 100 Cães que Mudaram a Civilização. 2. Ed. SP: Prumo, 2009.

Ricardo Azevedo (Histórias que o Povo Conta: Conto de Encantamento) O Rei que Ficou Cego


CONTO DE ENCANTAMENTO

É o famoso conto maravilhoso ou conto de fadas. É aquele tipo de história, por exemplo, em que um príncipe é transformado em monstro por uma bruxa, ou então sai pelo mundo enfrentando desafios impossíveis e acaba sendo ajudado por algum elemento mágico. O conto de encantamento quase sempre tem um final feliz.


O REI QUE FICOU CEGO

Era um rei muito poderoso. Certa manhã, ao acordar, reparou que tudo estava escuro. Tateando, cruzou o quarto e abriu a janela. Para sua surpresa, o céu estava negro, o chão estava negro, as árvores estavam negras e o mar estava negro.

Soltando um grito de dor, o rei compreendeu que tinha ficado cego.

Muitos médicos e feiticeiros foram chamados mas nenhum conseguiu trazer a luz de volta aos olhos do rei.

Um dia, um vulto encapuzado e curvo, coberto de panos, apareceu no palácio. Disse que no país do Quem-vai-lá-não-volta morava um gigante e que o tal gigante tinha uma fonte. Segundo o vulto, as águas dessa fonte podiam curar os olhos do rei. Bastava alguém ir até lá com uma garrafa buscar um pouco da água milagrosa.

O vulto disse isso e desapareceu no ar feito fumaça.

O soberano tinha três filhos.

Ao ouvir a notícia sobre a fonte do país do Quem-vai-lá-não--volta, o rei foi conversar com o filho mais velho, que exclamou:

- É muito simples! Basta mandar um soldado pegar a tal água!

Mas o filho mais novo não concordou:

- E se o soldado disser que foi mas não foi? Acho que um de nós deve ir.

Ficou acertado que iria o príncipe mais velho.

O rapaz pegou seu cavalo negro e partiu. Andou dias e noites e, ao chegar a um certo país distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.

O filho mais velho do rei cego perguntou o que era aquilo.

Responderam que naquele lugar quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser enterrado. Ficava no chão para ser devorado pelos animais.

O moço sacudiu os ombros e seguiu em frente.

Depois de muito andar, chegou ao país de Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Entrou, bebeu, comeu e foi atendido por uma moça muito linda. Acabou se esquecendo do gigante, da fonte, da garrafa e dos olhos do pai.

Foi ficando por lá mesmo.

O tempo passou.

Acreditando que seu filho tinha sido morto pelo gigante, o rei cego pediu ajuda a seu filho do meio.

O rapaz pegou seu cavalo cinza e partiu. Andou dias e noites e, chegando a um certo país distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.

O filho do meio do rei perguntou o que era aquilo.

Responderam que naquele lugar quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser enterrado. Ficava no chão para ser devorado pelos animais.

O moço sacudiu os ombros e seguiu em frente.

Depois de muito andar, chegou ao país do Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Ficou feliz ao reencontrar seu irmão mais velho. Entrou, bebeu, comeu e foi atendido por uma moça ainda mais linda. Acabou se esquecendo do gigante, da fonte, da garrafa e dos olhos cegos do pai. Foi ficando por lá mesmo.

O tempo passou.

Acreditando que seu filho do meio também tinha sido morto pelo gigante, o rei cego pediu ajuda a seu filho caçula.

O rapaz pegou seu cavalo branco e partiu. Andou dias e noites e, chegando a um certo país distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.

O filho caçula do rei perguntou o que era aquilo.

Recebeu a mesma resposta: naquele reino quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser enterrado. Ficava no chão para ser devorado pelos animais.

O moço não gostou do que ouviu. Pagou as dívidas, mandou enterrar o defunto e seguiu viagem.

Depois de muito andar, chegou ao país do Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Ficou surpreso ao reencontrar seus irmãos.

- E o gigante? E a garrafa? O que aconteceu? - perguntou o moço.

Os outros riram sem jeito:

- Tudo aqui é tão gostoso!

E pediram ao irmão caçula que descesse do cavalo para descansar um pouco.

O rapaz entrou, bebeu, comeu e foi atendido por uma moça muito, muito linda.

Quando acabou de comer, disse que precisava encontrar o gigante e a garrafa com o líquido que podia curar os olhos cegos do pai. Levantou da mesa, pegou seu cavalo e foi embora.

Viajou pelo país do Quem-vai-lá-não-volta até encontrar o castelo do gigante.

Bateu na porta. O próprio gigante veio atender.

O príncipe explicou o caso. Contou dos olhos cegos do pai. Disse que precisava levar uma garrafa com água da fonte.

O gigante disse que daria a água mas com uma condição. Só se o rapaz fosse até o palácio de vidro que ficava no alto de uma montanha pegar uma espada de ouro.

- Se conseguir trazer a espada, eu deixo você levar a garrafa cheia de água - prometeu o gigante.

O rapaz montou no cavalo e partiu.

Infelizmente, no meio do caminho esbarrou num rio imenso com correntezas violentas e ondas de mais de vinte metros.

Era impossível atravessar. O rapaz ficou sem saber o que fazer.

Foi quando apareceu um vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto disse:

- Não tenha medo. Pegue seu cavalo, feche os olhos e atravesse o rio, pois nada vai acontecer.

E disse ainda que, quando o rapaz chegasse ao palácio, de vidro, ia encontrar dois exércitos guerreando. Haveria mortes, gritos, sangue, espadas, lanças e flechas para todos os lados.

- Não se preocupe com nada - disse o encapuzado.

- Passe no meio da batalha como se nada estivesse acontecendo, entre no palácio, pegue a espada de ouro e vá embora. E não se esqueça de trazer a bainha.

O vulto disse isso e desapareceu no ar feito fumaça.

O rapaz não tinha escolha.

Fechou os olhos, saiu galopando e saltou dentro do rio.

Nada de mau aconteceu. Chegando ao palácio de vidro, meteu-se no meio da batalha e passou sem ser ferido. Entrou no palácio, pegou a espada e bainha e saiu. Não encontrou mais nem batalha, nem rio. Tudo havia desaparecido.

O moço correu para o castelo do gigante, que ficou muito contente com a espada, mas disse:

- Só deixo pegar a água da fonte se você for ao palácio de cristal e trouxer o cavalo prateado.

O príncipe não teve outro jeito e concordou.

No meio do caminho, encontrou novamente o vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto disse:

- O gigante quer acabar com você, mas não vai conseguir. Preste bem atenção.

Havia um novo e perigoso rio. Suas águas eram cheias de monstros. O vulto mandou o rapaz atravessar o rio, sempre de olhos fechados. Disse que, quando chegasse do outro lado, ia encontrar mais de duzentos cavalos lutando, dando coices e patadas uns nos outros.

- Não tema. Meta-se no meio deles até encontrar o cavalo prateado. É o mais bonito, o mais bravo, o mais louco, o que dá mais coices. Vá até ele, passe uma corda em seu pescoço e venha embora.

O vulto disse isso e desapareceu sem mais nem menos.

O rapaz não tinha escolha.

Fechou os olhos, saiu galopando e saltou no rio dos monstros. Nada de mau lhe aconteceu. Chegando ao palácio de cristal, meteu-se no meio da luta entre os cavalos e não levou nem um coice. No meio da confusão, encontrou o cavalo prateado. Era uma fera, empinando, mordendo e dando patadas. O filho mais novo do rei jogou uma corda no pescoço do bicho e veio embora. Na volta, não encontrou mais nenhum cavalo lutando, nem rio cheio de monstros, nem nada. Tudo havia desaparecido.

O moço correu para o castelo do gigante, que ficou muito contente ao ver o cavalo prateado mas disse:

- Só deixo levar a água da fonte se você for ao palácio de diamante e trouxer minha filha que vive lá presa.

O príncipe não teve outro jeito e concordou.

Quase no fim do caminho, encontrou novamente o vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto avisou:

- Não se preocupe. Essa vai ser sua última viagem a mando do gigante. Não tenha medo de nada. Vai encontrar um rio de fogo. Salte dentro das chamas e vá em frente. Ao chegar ao palácio de diamante, você vai enxergar vários leões tomando conta. Se estiverem de olhos fechados é sinal de que estão acordados. Se estiverem de olhos abertos, é porque estão dormindo.

E o vulto acrescentou que o rapaz só deveria entrar no palácio quando os leões estivessem de olhos abertos. Disse também que a filha do gigante estava no palácio sentada num trono com doze cobras venenosas em volta. Mandou ter coragem, andar com cuidado para não pisar nos rabos das serpentes, pegar a moça no colo e fugir. Aconselhou ainda:

- Quando estiver voltando para casa, não pare de jeito nenhum, na estalagem onde estão hospedados seus irmãos!

Dizendo isso, sumiu.

O rapaz atravessou o rio de fogo, fez tudo o que o vulto recomendou e trouxe a moça de volta.

Foi correndo para o castelo do gigante, que ficou muito contente ao ver a filha e disse:

- Agora você pode escolher: ou fica com minha filha, com o cavalo prateado e com a espada de ouro ou leva a garrafa cheia de água.

O rapaz vacilou.

A filha do gigante era a moça mais linda e perfumosa que ele já tinha visto na vida.

O rapaz abaixou a cabeça. Disse que levava a garrafa.

Depois, já com a água, montou o seu cavalo branco e partiu.

No meio do caminho, escutou um galope. Olhou para trás.

Era a moça, a filha do gigante. A moça chegou toda risonha cavalgando o cavalo de prata com a espada de ouro na mão:

- Eu estava encantada pelo gigante e agora sou livre, graças a você. Quis ficar com a garrafa mas agora, além dela, tem também a espada de ouro, o cavalo prateado e a mim, se quiser.

O rapaz abraçou a moça cheio de felicidade.

No fim do dia, os dois chegaram a uma estalagem. Era o lugar onde estavam hospedados os dois irmãos do moço.

Ao reencontrar seus irmãos, o príncipe ficou tão feliz que se esqueceu das palavras do vulto:

- Queridos irmãos - disse ele -, consegui arrancar do gigante a garrafa com a água que vai curar nosso pai.

Arrumem suas coisas. Amanhã cedo vamos todos juntos de volta para casa.

Os irmãos mais velhos vibraram de alegria. Por fora. Por dentro, ficaram mordidos da mais negra e suja inveja.

No dia seguinte, o grupo partiu.

Andaram, andaram e andaram. Numa tarde, o calor estava abrasador e os viajantes sem uma gota d'água. Quando finalmente encontraram um poço, descobriram que não tinham como tirar a água.

- A gente amarra você numa corda, você vai até o fundo e pega a água com o chapéu - disse o irmão mais velho ao irmão caçula.

O moço foi. Quando estava lá embaixo, os dois irmãos cortaram a corda, agarraram a garrafa com o remédio, a filha do gigante, o cavalo de prata, a espada de ouro e foram embora.

Diante daquela traição, a pobre moça se desesperou, deu um grito e ficou muda.

O irmão mais velho e o irmão do meio chegaram de volta ao palácio de seu pai e foram recebidos como heróis.

Mentiram. Disseram que tinham arriscado a vida para conseguir o remédio. Disseram que o irmão mais novo tinha morrido durante o combate.

A moça muda chorava sem conseguir dizer nada.

Na hora de mostrar o cavalo prateado, o bicho empinou, deu coices e patadas para todos os lados e desembestou fugindo para um morro perto dali.

Na hora de mostrar a espada de ouro, ninguém teve força para arrancá-la da bainha.

Na hora de abrir a garrafa com a água que traria a luz para os olhos do rei, ninguém conseguiu, nem com martelo nem com alicate.

A decepção foi geral. Abatido, o rei voltou para seu quarto escuro. De que adiantava um santo remédio que ninguém podia tomar?

Enquanto isso, o filho mais moço do rei continuava preso no poço chorando e gritando por socorro. Um dia, escutou uma voz. Era, de novo, o vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto disse:

- Bem que eu avisei. Não devia ter voltado à estalagem onde estavam seus irmãos. Agora, pegue essa corda e segure firme.

E assim, graças ao vulto, o rapaz conseguiu sair do poço.

Foi então. O vulto arrancou os panos que cobriam seu corpo. Era um esqueleto. O filho caçula do rei cego levou um susto.

- Não tenha medo - disse o esqueleto. - Graças a você minhas dívidas foram pagas e eu pude ser enterrado.

Se quiser, posso levá-lo agora, neste instante, até o reino de seu pai.

- Mas o reino fica muito longe daqui! - exclamou o jovem.

- Confie em mim. Basta você se agarrar nas minhas costas.

Desconfiado, o príncipe caçula examinou o esqueleto. Perguntou:

- Você é o morto ou é a morte?

- Eu sou o morto agradecido! - revelou o esqueleto com seu sorriso cheio de ossos.

O rapaz respirou fundo, agarrou firme nas costas do esqueleto e fechou os olhos.

O esqueleto levantou vôo mergulhando num espaço incompreensível.

A viagem durou pouco tempo. Logo, os dois já estavam aterrissando nas terras distantes do rei cego.

O moço agradeceu, despediu-se do esqueleto e saiu andando.

Estava magro, barbudo e esfarrapado, por isso ninguém o reconheceu.

Chegando ao castelo, avistou o cavalo prateado passeando ali perto, solto, no alto do morro. Perguntou que cavalo era aquele.

- Nesse ninguém monta - disseram as pessoas.

A figura magra e barbuda pulou a cerca, foi até o morro, chamou o cavalo e montou.

A notícia logo chegou aos ouvidos do rei.

- Se o barbudo montou no cavalo, talvez seja capaz de tirar a espada de ouro da bainha - disseram todos.

O desconhecido esfarrapado foi convidado a visitar o palácio.

Trouxeram a espada de ouro.

A figura magra e barbuda tirou a espada da bainha com a maior facilidade.

O espanto era geral.

- Se o barbudo montou no cavalo e desembainhou a espada de ouro, talvez seja capaz de abrir a garrafa com o remédio do rei - disseram todos.

Trouxeram o vidro mas o desconhecido disse:

- Só abro o remédio no quarto do rei.

A figura magra e barbuda foi levada até lá. O rei estava deitado na cama. O esfarrapado então tirou a tampa da garrafa e, com cuidado, passou o líquido nos olhos do rei.

Foi um milagre.

Os olhos do rei se abriram e brilharam. Em seguida, o velho examinou a figura magra e barbuda e, espantado, gritou:

- Filho!

Nesse instante, a moça muda apareceu no quarto acompanhando a rainha.

Ao ver o esfarrapado, simplesmente voltou a falar:

- Ele voltou!

Então a moça contou tudo o que havia acontecido. Falou do país do Quem-vai-lá-não-volta, do gigante e tudo o mais.

No fim, os irmãos traidores foram trancados na prisão.

O príncipe caçula casou com a moça.

O rei, que agora tudo via, mandou realizar a maior festa que jamais se viu até os dias de hoje.

Eu também estive lá
E trouxe até um docinho
Mas confesso minha gente
Comi tudo no caminho!

Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. - (Coleção literatura em minha casa ; v.5)

Milton Hatoum (Nas Asas do Condor)


Quase morri de medo nas asas do Condor. Voei, voei muito alto, mas a verdade é que renasci...

Quando?

Faz muito tempo, mas me lembro do dia, mês e ano: 7 de setembro de 1958. Lembro-me também do lugar, pois há lugares da infância que ficam bem guardados na memória. Naquela época, na manhã do Dia da Independência, eu estava na beira do rio Xapuri, lá no Acre, brincando com meus amigos... Nós cavávamos buracos na areia a fim de encontrar ovos de tracajá. Em cada buraco havia dezenas de ovos que as nossas mãos transformavam em pequenas pirâmides e colinas brancas... Suávamos sob o calor inclemente, e, de vez em quando, a gente mergulhava no rio, nadava e voltava para a praia à procura de ovos... Quando terminei de construir a terceira pirâmide, tive minha primeira crise de asma. Senti falta de ar, e abri a boca para tentar respirar...

Não há nada pior do que sentir falta de ar, porque, sem ar, eu, você e o mundo inteiro não podemos viver. Meus amigos, assustados, correram até minha casa e viram minha tia Leila limpando um peixe na varanda. Apontaram para a beira do rio, e um deles disse que meu rosto estava estufado e vermelho. Tia Leila, a mais dramática de minhas tias, pensou que eu tinha me afogado no rio e correu para avisar minha mãe, que correu para o rio e entrou nas águas do Xapuri. Estava tão nervosa que não me viu na beira do rio e, é claro, não me veria nas águas do rio. Quando voltou para a praia, seu vestido azul colado no corpo e seus cabelos longos escorridos lhe davam um ar engraçado. Assim, vi minha mãe e tive vontade de rir, mas se eu mal conseguia respirar, imagine se podia rir. Minha mãe, atônita, correu para avisar meu pai, e no meio do caminho ela se lembrou de que meu pai não estavaem casa, nem na cidade. Meu pai estava viajando num barco. Ele descia e subia o rio Acre, vendendo tecidos e roupas ou trocando tecidos e roupas por pélas de borracha e sacos de castanha. Nossa casa ficava na praça Plácido de Castro, a menos de cem metros da prefeitura da cidade. Minha mãe se lembrou de que havia um médico em Xapuri, o Dr. Monte, um médico de Rio Branco que a cada dois meses visitava a cidade. Mas o Dr. Monte tinha ido atender um doente em Brasiléia, lá na fronteira com a Bolívia. Então, apavorada, ela se dirigiu à prefeitura, pois o prefeito era primo de meu pai. O prefeito correu para a praia e me viu estendido na areia, cercado por pirâmides e colinas de ovos de tracajá. Meu rosto devia estar vermelho que nem melancia, porque o prefeito olhou para mim e disse:

- Por Deus, o menino tá sufocado!

Ele olhou para o céu e disse para minha mãe e tia Leila:

- Fiquem aqui, eu vou cuidar desse menino.

Ele me pegou pelos braços. Carregou-me como se eu fosse um boneco de pano e me levou até o carro dele, um “Ford” velho e enferrujado que nunca saía da cidade, porque não havia estrada de Xapuri a nenhum lugar, nem de nenhum lugar a Xapuri. Mas havia uma estrada de barro que cortava a floresta e terminava numa pista de cascalho que devia ter uns duzentos metros. Não sabia para onde o prefeito me levava. Então eu ouvi a voz dele:

- Lá está ele, lá está o bonitão!

E quem era ele, o bonitão?

O Condor...

Nos braços do prefeito eu entrei no Condor. Era um avião verde e prateado, um bimotor alemão que passava por Xapuri a cada quinze dias e fazia uma viagem impressionante para São Paulo. O Condor escalava em seis cidades (duas da Bolívia e quatro do Brasil) antes de aterrizar na capital paulista. O prefeito, que sabia pilotar, disse ao dono do Condor que ia dar uma volta comigo. Além da falta de ar, comecei a sentir medo. Nunca viajara de avião, e agora estava num aviãozinho que parecia um sapo metálico. Tremia de medo, e, com medo e falta de ar, sentado na cabina, percebi que o avião corria na pista de cascalho. Fechei os olhos...

Minha primeira aventura: voar com falta de ar aos dez anos de idade. Quando abri os olhos, a cidade parecia uma maquete, uma cidade de brinquedo, vi os dois rios, o Acre e o Xapuri, como se fossem duas cobras amarelas. O Condor ainda chacoalhava, o barulho dos motores era infernal e o vento que entrava pela janelinha da cabina tinha a força de um furacão. Aos poucos, fui me acostumando com aquela idéia louca de voar. Estava nervoso, mas no ar. Era um milagre... e também uma alegria, pois navegando no espaço, não sei por quê, comecei a respirar melhor... Já não sentia a angústia de estar perdendo o fôlego, de abocanhar em vão um punhado de ar.

Voltava a ser como você, que respira pelo nariz, normalmente, sem ânsia, sem sufoco. O prefeito-piloto, ao notar minha melhora, sorriu. Logo depois ele riu e disse:

- Agora vamos conhecer as nuvens.

Ele puxou um pouquinho o manche, o Condor começou a subir, subir... E subimos tanto que entramos nas nuvens, essas nuvens que lá de baixo parecem enormes blocos de mármore, que nem esculturas aéreas flutuando no céu azul da Amazônia. Nuvens de todos os tamanhos e formas: nuvem-dragão, nuvem-serpente, nuvem-tartaruga, nuvens que são formas do céu da minha infância. Depois começamos a baixar, e sobrevoamos o rio Acre, sinuoso, barrento, como uma cobra-d'água sem fim. Vi um barquinho navegando perto de uma vila, imaginei que podia ser o barco de meu pai e dei um adeus na janelinha da cabina. Depois o Condor baixou ainda mais. O piloto apontou para uma árvore e disse: uma sumaumeira. Outras árvores: a castanheira, a seringueira, árvores enormes que eu via do alto. No meio da floresta, vi uma cortina esverdeada, com tons de amarelo. O piloto me disse que era um bambuzal. Vi o barracão de um seringal, o

Soledad, e canoas que pareciam de papel pardo, pequeninas e frágeis. Em vinte minutos de vôo vi coisas que só podia imaginar.

Hoje, quase quarenta anos depois desse vôo, penso que escrever uma história se parece com isso: voar, ver o que nunca vimos... imaginar.

Aterrizamos na pista de cascalho. No galpãozinho à beira da pista, minha mãe e tia Leila estavam ao lado do dono do avião. Minha mãe xingou o prefeito-piloto de louco e irresponsável; tia Leila, de cara emburrada, mal falou com ele. Mas quando me viram são e salvo, respirando como uma criança sadia, ficaram aliviadas.

Olhei para o avião na pista, e me despedi daquele sapo metálico que havia me curado. Enfim, agradeci aos céus, mas nunca perdi o medo de voar. Anos depois, iria voar muito, e em aviões ainda menores que o Condor. Mas aquele vôo foi inesquecível.

Até hoje me lembro daquela manhã em que voei no Condor e vi lá do alto o mundo da minha infância.

Fonte:
Era uma vez um conto. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002.
Moacyr Scliar; José Paulo Paes; Milton Hatoum; Marcelo Coelho; Drauzio Varella

Artur Azevedo (Pipi)


A cena passa-se num hotel de Caxambu.

A sineta do almoço acaba de retinir pela segunda vez.

A mesa redonda está posta, à espera dos hóspedes.

O primeiro que aparece é um homem de meia-idade, barbeado de fresco, ressumbrando saúde e bom humor. Senta-se, desdobra o guardanapo, prende-o entre o colete e a camisa, deita a luneta, lê com atenção a lista dos pratos, guarda a luneta, põe a lista de parte, e esfrega rapidamente as mãos uma na outra, evidente sinal de que o menu não lhe desagrada.

A pouco e pouco vêm vindo os demais hóspedes - senhoras e cavalheiros.

À cabeceira senta-se um sujeito velho, de óculos, muito sério, com muita barba e a barba muito branca.

Trocam-se cumprimentos.

Conversa-se. Conversa-se muito. Fala-se de política. Repetem-se boatos.

Afinal, chega o primeiro prato.

O homem de meia-idade respira.

Começa o almoço.

Nisso, aparece uma senhora muito distinta, muito elegante, muito bem vestida, trazendo pela mão uma linda menina de três anos. Ninguém a conhece. É uma hóspede nova. Vem à mesa pela primeira vez.

Todos a encaram silenciosamente e se interrogam uns aos outros com os olhos. Curiosidade geral.

A recém-chegada cumprimenta os circunstantes com um ligeiro movimento de cabeça e - um tanto "encafifiada" - procura lugar para sentar-se à mesa.

O velho de óculos fulmina-a com um olhar de inquisidor-mor.

O criado afasta uma cadeira e oferece-lhe lugar. Depois, vai buscar uma cadeira de criança e, suspendendo a menina, fá-la sentar-se ao lado da senhora.

Os comensais, um momento distraídos pela inesperada presença da desconhecida, entregam-se afoitamente ao trabalho da mastigação.

Ninguém fala. Só se ouve o bater das mandíbulas, o estalar das línguas e a bulha dos talheres.

De repente, a menina de três anos corta o silêncio com estas palavras:

- Mamãe, eu téio fazê pipi.

Todos riem, à exceção do velho de óculos, que franze os sobrolhos e murmura algumas palavras ininteligíveis.

A desconhecida cora até as raízes do cabelo. Entretanto, ergue-se, agarra na pequena, e entra com ela no quarto.

Fazem-se rápidos comentários. Continua o almoço.

Minutos depois, a senhora volta, trazendo a filhinha pela mão.

Tomam ambas os seus lugares.

A menina deixa passar alguns segundos e diz, passeando os olhinhos por toda a mesa:

- Eu zá fiz pipi.

E, depois de uma ligeira pausa, acrescenta muito séria:

- E mamãe também fez.

Fonte:
Historinhas Pescadas. Editora Moderna, 2001.

Esopo (Fábula 13: O Leão e o Rato)


Sentindo-se ensonado, um leão deitou-se à sombra duma árvore a descansar, quando um rato lhe trepou para cima e o acordou. Soltando um rugido, o leão bateu com a pata no rato e estava quase a matá-lo, quando a pequena criatura lhe disse: "Por favor, não me mates! Não é digno de uma criatura tão nobre como tu destruir um rato pequeno e insignificante como eu."

Apiedando-se, o leão deixou fugir o rato. Passado algum tempo, durante uma caçada, o leão caiu numa armadilha e soltou um grande rugido. O rato ouviu o leão e correu em seu auxílio, dizendo: "Não tenhas medo, eu sou teu amigo!" E, sem dizer mais nada, o rato roeu as malhas da rede e em breve o leão estava solto.

Moral da história

Não há no mundo nenhum ser tão grande e tão importante que nunca venha a precisar do auxílio dum pequeno e insignificante.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Olivaldo Junior (Arvoredo)


Amigo

Eu tinha tanto a lhe escrever. Tanta coisa se perdeu, tanto em mim já feneceu. A vida é um coração pulsando, mas o pulso já não pulsa, não. Se não lhe escrevo o quanto devo, escrevo o quanto posso então. Eu tinha um pé de cravo e rosa no meu ser. Hoje a rosa e o cravo são canção. São mais de mil no mesmo eu. Não sei ser nada que não seja assim: silêncio e música no fim. O mesmo em que começam versos e músicas, canções que eu mesmo fiz pra mim. O verso é meu direito. Direito é meu avesso. O preço de ser só é ser sozinho na vida. A vida é um velho arvoredo em que fizemos ninho. E o seu, amigo, foi sempre alto demais.

Obrigado, amigo.
Boa sorte em seus revoos.

Trovas

Arvoredo


Arvoredo ou flor miúda,
vivo em volta de mim mesmo:
por mais que Deus nos acuda,
nossas folhas vão a esmo...

Arvoredo dá viola,
violino e violão,
só não dá nem deu esmola
para as cordas da paixão.

Arvoredo é sombra certa,
grande abrigo pela estrada,
flor e fruto e fronha aberta
para o filho sem pousada.

Moji Guaçu, SP, dezesseis de maio de 2012.

Fonte:
O autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 554)


Uma Trova de Ademar

Somente a ti, Pai amado,
eu confio os dias meus;
pois sei que serei curado
pela Fé que tenho em Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Diante de doença alarmista
numa pessoa tão boa,
Deus operou tua vista
com a mão de outra "Pessoa"!
–NEI GARCEZ/PR–

Uma Trova Potiguar


Das luzes da mocidade,
que deram luz à ilusão,
sobrou sombra de saudade,
dando sombra à solidão…
–LUIZ DUTRA/RN–

Uma Trova Premiada


1999 - Nova Friburgo/RJ
Tema: BILHETE - 2º Lugar


Mesmo sem assinatura,
-o bilhete me revela
tanta meiguice e ternura
que eu sei que o bilhete é dela!
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Deus que é paz e amor profundo,
em sua excelsa grandeza,
se é mistério para o mundo,
para mim é uma certeza!
–WALDIR NEVES/RJ–

Uma Poesia


Pela luz do pirilampo
e pelo brilho do sol,
pela beleza do campo
e pela cor do arrebol,
por um orvalho caindo
por ver uma flor se abrindo
e pelos três filhos meus;
por minha Fé consagrada
por Dalva ser minha amada...
Muito Obrigado, Meu Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Messe.
–DARLY O. BARROS/SP–


Não há que esmorecer! A um dia escuro,
segue-se sempre um outro ensolarado;
dedica-te ao cultivo, é prematuro
queiras em flor um grão recém-plantado!

Lembra, porém, com vistas ao futuro,
que todo grão requer o teu cuidado:
irriga-o bem, até que enfim maduro,
se faça em frutos como planejado!

Contra o mau tempo luta e, peito aberto,
sua a camisa ¾ é esse o rumo certo
para quem tem por meta, em sua história,

depois de batalhar toda uma vida,
a recompensa justa e merecida,
nos frutos, à mancheia, da vitória!

Esopo (Fábula 12: Júpiter e o Camelo)


Uma vez, o camelo foi ter com o bondoso Júpiter e queixou-se dos seus grandes agravos. "Eu não sou como as outras criaturas", disse ele, "porque não tenho cornos, nem dentes, garras ou outras armas para me defender dos ataques dos meus inimigos. Peço-te que me concedas uma coisa de jeito."

Júpiter ficou irritado com um pedido tão impertinente e, em vez de satisfazer os desejos do camelo, ordenou que as orelhas do animal fossem cortadas cerces como castigo.

Moral da história

Os privilégios da natureza foram divididos por todas as criaturas de tal modo a que cada uma tenha a sua parte. Pedir que tais coisas sejam modificadas é desafiar a própria Mãe Natureza. Devemos contentar-nos com aquilo que ela nos concedeu.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.