segunda-feira, 9 de julho de 2012

Irene Coimbra (Roberto, Sebastião e a Feia)


Ela havia acabado de entrar no elevador, quando aquele senhor a olhou, viu-a com três livros nas mãos e disse-lhe:

- Isso é que é gostar de ler!

- Ganhei um agora e os outros dois são meus.

- Você é escritora?

- Sim.

- Posso dar uma olhada?

- Naturalmente. O senhor gosta de ler?

- Muito.

Nesse momento o elevador chegou ao térreo e os dois saíram conversando até a calçada. A seguir se despediram e quando ele já ia atravessar a rua, ela o chamou e disse:

- Algo me diz que devo dar-lhe um livro. Com ele quero passar-lhe minha mensagem: A palavra “impossível” não existe para Deus.

Ele pareceu emocionar-se e disse-lhe:

- Você acertou. Estou com problemas de saúde e precisava ouvir essa mensagem. Muito obrigado. Nunca mais vou esquecê-la.

Ela continuou seu caminho sentindo-se leve, feliz. Ia caminhando e pensando naquele encontro quando sua atenção foi atraída para dois jovens que caminhavam à sua frente.

Eles falavam num tom de voz alto e era impossível deixar de ouvi-los. De repente um deles virou-se para ela e disse:

- A senhora viu que muié feia?

Ela virou-se, instintivamente, mas viu somente as costas da mulher que acabava de passar. Viu que o vestido era muito colorido e que ela usava meias amarelas. Sorriu, mas não disse nada. E o rapaz, animado talvez por aquele sorriso, continuou:

- Num é feia mesmu?

O companheiro retrucou:

- Eu que qui ocê tem cum issu, Robertu?

- Nada. Só sei qui é muitu feia.

- Pára di falá bobêra, rapaiz.

- Pódi sê bobêra, Sebastião, mais qui ela é feia, é.

- Ocê nun sabi de nada, Robertu, é mio calá a boca.

- Nun é mio não. Vô falá até cansá. A muié é feia mesmu.

- Cala boca, rapaiz, ocê nun tem nada ca vida da muié.

- Nun tenhu mais vô falá. Ela é feia.

- Pódi sê feia procê, mais nun devi di sê pru maridu dela.

- Que issu, Sebastião? Caquela feiúra ocê acha qui ela tem maridu? Si tive é purquê u cara tem qui pagá us pecadu du mundu intêru. Si eu acordassi di manhã i vissi uma muié feia daqueli jeitu era capaiz di caí mortu di sustu. Nunca vi feiúra mais feia.

- Oia, ocê tá izageranu, Robertu.

- Quarqué izagêru ainda é pôcu pra feiúra da muié, Sebastião.

Os dois continuaram andando à sua frente enquanto ia ouvindo-os falar. Começou a observá-los. Pareciam dois amigos que acabavam de sair do trabalho. Um vestia macacão azul e o outro, calça e camisa bege. O de bege era o revoltado com a feiúra, e o de macacão, o defensor da feia. Talvez tivessem passado em algum barzinho antes e, agora, levemente embriagados, estavam mais falantes, e por isso, continuavam batendo na mesma tecla.

- Cala a boca, sô. Ocê nun tem nada mió prá falá não?

- Tenhu.

- Intão pára di falá da mardita da muié.

- Nun páru. Tô revortadu caquela muié. Ela é feia dimais da conta. Tenhu vontadi di vortá lá, oiá bem na cara dela i dizê:

- Nossa, mais cumu ocê é feia!

- I u quê ocê ia ganhá cum issu?

- Só u gostinhu di falá.

- Ocê é um besta mesmu, Robertu.

- Besta é a muié di saí na rua caquéla feiúra.

- Oia, ocê já tá mi danu nus nervu cum essa falação. É mio pará di falá.

- Só vô pará quandu chegá nu pontu di ônibus.

- Ah, mardição!

Sentiu que não ia conter o riso e se perguntava como acabaria aquele diálogo.

Finalmente chegaram ao ponto de ônibus onde eles ficaram.

Olhou para eles como se quisesse gravar para sempre aquela imagem e continuou caminhando sozinha. Enquanto isso pensava:

“Por que será que aquele rapaz se sentiu tão agredido pela feiúra da mulher? Será que ela era realmente muito feia? Por que será que muitas pessoas só enxergam o exterior?”

Meditando sobre isso chegou em casa. Foi direto para o computador, escreveu essa história que você acabou de ler e agora lhe pergunta:

- Você também se preocupa muito com o exterior das pessoas?

 Fonte:
Irene Coimbra . “Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas”. p. 81. 

Adélia Prado (Final Feliz)


 E o locutor da festinha continuou empolgado, fazendo bonito pra sua mulher, que deixara, naquela noite, comparecer ao seu trabalho, tendo-lhe adquirido, ele próprio, o convite. ... "porque, além de militar reformado da PPMG, é ainda o proprietário do animado Bar Central, o avô da nossa Lesliene, a feliz aniversariante desta noite.” Quando disse "nossa Lesliene”, acreditou desapontado que a mulher não salvava sua inventividade narrativa. Arrependeu-se de tê-la trazido e insistiu com o moço do vídeo para que filmasse mais à esquerda do palco, a mesa da dona da festa. De verdade, queria mesmo é que a mãe de seus filhos não aparecesse no filme; uma mulher que não passava uma sexta-feira sem encher latas e latas de biscoitos e só sabia ir em festa daquele mesmo jeito: saia preta, blusa de seda, por fora, pra disfarçar as ancas e arquinho na cabeça — putisgrila —, desse tinha vários de diversas cores, devia se achar nua sem o arco nos cabelos, logo ele, um homem conhecido, com aquele talento incrível para animar festas. “... agora, senhoras e senhores, o momento tão esperado em que a nossa — olhou de novo pra mulher olhando pra ele embevecida, se esquecendo de ficar em pé —, a nossa festejada Lesliene, a menina-moça da noite, vai apagar as merecidas velinhas.” Ai, será que estava certo dizer “merecidas velinhas”? Achou ótimo ser o locutor e estar dispensado de dançar com a mulher, que não conseguia terminar o pratinho, bebendo guaraná em pequenos goles. Pensou ter sido um erro tê-la trazido à festa. Se sentia desconfortável, inseguro dos adjetivos, querendo tirar a gravata e mostrar pras pessoas o que o roqueiro doidão mostrou durante um show e acabou preso. Gente do céu, o que está acontecendo comigo? Olhou para o avô, da Lesliene. Um filho da mãe, esse "militar reformado" espancador de presos. Nem que a marica estica eu falo mais o nome dele aqui, E essa Lesliene está me saindo uma perua e tanto. Então isto é salto para uma menina de quinze anos? “... e agora, senhores — esqueceu das senhoras —, o Toniquinho do Arlindo vai tocar a valsa que a aniversariante dançará com o pai dela.” Não disse "o talentoso músico Antônio Miranda, filho do nosso popular Zico Miranda, tocará a valsa que Lesliene dançará com o seu progenitor". Meio escondida por uma coluna do salão, sua mulher ainda não terminara os salgadinhos. Finíssima. Lembrou que ela lhe aconselhara trocar de camisa, "você fica melhor com a de linho creme". Teve vontade de chorar e ao mesmo tempo sentiu raiva daquele amor paciente e silencioso, capaz de morrer por ele. 

 Foram pra casa calados. Quando se virou pro canto, um homem roubado, ela disse: você fala tão bonito, Raimundo! — Pois você fique sabendo que de hoje em diante não pego mais bico de locução noturna. Já tou cheio disso. Vou reabrir minha oficina que é melhor negócio. — Acho pena, você fala tão bem! — Cremilda, se eu te pedir, você nunca mais põe arquinho no cabelo? Dá pra sua irmã aquele conjunto de saia e blusa? Você me perdoa? Não entendia bem o discurso do marido, estranho naquela noite, mas era uma verdadeira mulher, fez como Nossa Senhora, disse sim ao senhor. E Raimundo fez com ela o que faz um homem competente para deixar feliz sua mulher.

Fonte:
Adélia Prado. Filandras", Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág.11.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 602)


Uma Trova de Ademar  

Quadro de extrema beleza, 
de cor verde e cor de anil, 
onde a própria natureza 
pinta o mapa do Brasil!... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

A canção do amor primeiro 
o teu sorriso gravou… 
Mas foi assim tão ligeiro, 
como o vento que passou! 
–Cidinha Frigeri/PR– 

Uma Trova Potiguar  

O sol, eterno andarilho, 
nas rotas do movimento, 
abre as cortinas com brilho 
no escuro do firmamento. 
–Hélio Alexandre/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012  -  Ribeirão Preto/SP 
Tema  -  CIDADÃO  -  1º Lugar 

Não se ata pelas algemas, 
mazelas ao cidadão, 
que enfrenta tantos dilemas 
doando vida à nação. 
–Vanda Alves da Silva/PR– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Dei conforto em hora aguda
a tantos (que nem mais sei),
mas na dor só tive ajuda
de mãos que nunca ajudei.
–Alonso Rocha/PA– 

U m a    P o e s i a  

Magia se tem (e quanta!), 
e a inspiração vem de cima; 
Deus vê com olhos de agrado 
os plantadores de rima 
que fazem do "amor-semente" 
a sua matéria-prima! 
–José Ouverney/SP– 

Soneto do Dia  

APANIGUADOS I. 
–Haroldo Lyra/CE–

Tenho pena de quem não é capaz
De sustentar-se pelos próprios meios,
Nos donativos finca os seus esteios
E a propaganda de um viver falaz.

Tenho pena dos que romperam veios
Das batalhas que não enfrentam mais;
Mendigos de padrões oficiais
Classificados sem quaisquer receios.

Que pena!... quando o silo esvaziar-se
E o joio dessa safra esparramar-se
Sobre as mentes que o dolo enfeitiçou.

Será penoso então o amanhecer,
Pois apenas terão para comer:
As sengas do pão que o diabo amassou.

Jota Jota Souza (Paredes da Solidão)


Esta é a história de um homem lá do meu pedaço de chão. A história do homem que entrou dentro de si mesmo e nunca mais saiu. Antes, cuidadosamente olhou em volta. Não por receio ou medo. Apenas para certificar-se de que nada esqueceria do lado de fora. E fechou a porta assim como se fecha uma residência e esta com o tempo passa a guardar tão somente lembranças de quintais, passos e risos de crianças, cheiro bom de fruta madura, bicar de pássaros na fruta, vôos de colibris, lembranças de amantes.

 Ao travar a porta, muito jovem era ainda. E assim o tempo foi passando, passando, passando. E implacável é o tempo em seu curso. Tanto que, sem saber de quanto o tempo havia passado, ao tocar vagarosamente as mãos sobre a epiderme do rosto sentiu ondulações. Eram as rugas denunciando a implacabilidade do tempo e muito desconfiado só murmurou: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Não! Não ousou, como é desejo contido no homem desde os primórdios fazer com este tempo pacto algum. Não quis nenhuma liberdade, não desejou parar o preciso relógio e assim esquivar-se de seus efeitos, isentar-se de pagar o alto preço. Estava certo de sua decisão.

 Não ousava olhar-se no espelho e assim não via seu rosto, o cabelo longo, a barba já longa. Ora! Ele era uma casa desabitada a guardar apenas recordações. E recordações só no espelho d’alma refletem. Porém aprendeu; Todas as vezes que tinha curiosidade em consultar o tempo, passava as mãos sobre a epiderme do rosto e só murmurava: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Numa distante ocasião, ousou abrir um pouco a janela. Uma fresta suficiente para uma espiada. E sorriu ao ver que aquele mundo não lhe era de todo estranho. -Tudo tão igual!- Entes conhecidos, familiares até, no ir e vir que ele abdicara. Boca a salivar desejou os tenros umbus que envergavam os galhos dos verdejantes umbuzeiros da quinta em frente. Cavalos e homens desfrutavam sem pressa da sombra de frondosos tamarindeiros. Uma formosa senhora a passos lentos rumava para a rua da feira. Estreitou ainda mais a fresta. Seria a amada? A razão daquele silêncio? Porém, sorrindo das caretas das crianças com o azedo tamarindo fechou-se novamente, só murmurando: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Embora tudo o que viu fosse uma espécie de convite para abrir a janela, escancarar a porta, deixar o Sol de intenso brilho entrar e aquecer as frias paredes (do coração), ele não cedeu. Bateu a janela e se viu novamente dentro de si mesmo. E o tempo passando, passando, passando. E implacável é o tempo em seu curso! Certo dia sentindo um estranho cansaço, desconfiado do tempo passou as mãos pela epiderme do rosto. Era como se camadas de musgos tomassem todas as paredes. Fez um intenso frio. -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo! - Murmurou. Agora segurando por minutos a epiderme do rosto. Saiu para abrir um pouco da janela e com um acre sabor na boca, peito ofegante e olhos estupefatos viu pela fresta que não havia tamarindeiros, nem umbuzeiros, nem passos e risos de crianças, cheiro bom de fruta madura, bicar de pássaro na fruta, vôos de colibris. Alongou seu decepcionado olhar de espera e a formosa mulher não passou. As crianças de outrora já homens e mulheres feitos. Dentro das paredes solitárias formou-se o eco: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! ! Teeemmmpo!. Sentiu o intensificar do gélido vento na epiderme, receoso fechou a janela e se viu novamente dentro de si mesmo. Deitado ia murmurar: -Teem... quando ouviu bater à porta: -Toc, Toc, toc... Pensou ser brincadeira de velhos amigos de juventude insistindo para ele abrir e sair e quem sabe acenar-lhes com o real motivo da enigmática solidão. Solidão que a todos ali intrigava. Ficou tentando adivinhar:

 -Tomaz?- Mas ninguém respondia. Ia dormindo e novamente a porta:-Toc, toc, toc.

 -Quem está aí?...É você Salú? E assim por dias este estranho sinal se repetindo sem respostas. E ele: -Cicim? -João? -Indé? -Raimundo de Zefinha? -Daguia? Não se dava conta de que não podiam ser estes velhos camaradas, simplesmente porque os mesmos já eram ausentes.

 Até que um dia ela apareceu-lhe. Implacável e decisiva. Sentiu seu hálito gélido e imperativo. E como se desta já estivesse à espera, só murmurou: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo! E profundamente dormiu.

 Agora para sempre.

Fonte:

Manuel Bandeira (50 Poemas Escolhidos Pelo Autor)


Artigo por Ana Lúcia Santana

50 poemas escolhidos pelo autor”, de Manuel Bandeira, não é uma mera antologia, mas uma seleção de poemas realizada pelo próprio autor em 1955. Contém, portanto, os melhores e mais inspirados momentos do poeta em sua trajetória literária. Bandeira recortou em sua obra o que há de mais representativo e essencial na sua produção.

50 Poemas Escolhidos Pelo Autor – Manuel Bandeira – Cosac Naify – São Paulo – 88 pp. – Acompanha CD.

Este trabalho foi empreendido pelo autor a pedido de José Simão Leal, responsável pela edição da coleção “Os Cadernos de Cultura do MEC”. Mas o poeta não encarou esta oportunidade como uma encomenda, e sim como um meio de reafirmar a unidade de sua obra e nela destacar a essência, compondo assim nesta versão um todo renovado, que ganha uma nova significação. Não se encontra nesta obra nenhum poema de sua fase parnasiana. Pelo contrário, ele ironiza este momento de sua poética com o eterno “Os Sapos”, que provocou frissom na Semana de Arte Moderna, em 1922, e não por acaso abre esta publicação.

O poeta passeia pelos temas comuns à sua poesia – crítica ao Parnasianismo, o erotismo, a morte, religião e o Recife de sua infância. Eros e Tanatos estão sempre presentes no cerne das preocupações do autor. Ora aparentemente em conflito, como em “A Dama Branca”, ora confundindo-se no poema como se fossem ambos uma coisa só, tal como no “Rondó dos Cavalinhos”.

A morte se oculta sob a face do tempo e traz consigo o aprendizado, em poemas como “Canção do vento e da minha vida”, e a vida infinita, presente nos versos de “Maçã”. Não somente os corpos encontram seu fim nos braços da Morte, mas também os dias, a infância, casas e ruas antigas, personagens freqüentes na poesia de Manuel Bandeira. É o que se percebe nos poemas “Evocação do Recife”, “Profundamente” e “Última Canção do Beco”, entre outras. Ao mesmo tempo, a morte assume outros significados, como o mergulho no nada, um “morrer completamente”, sem deixar rastros, “A Morte Absoluta”.

A esfera do sagrado atrai o poeta. Reflexões sobre a transcendência da vida, sobre anjos e arcanjos – como no poema “Eu vi uma Rosa” – perpassam sua obra como uma corrente de energia que a vitaliza e estabelece um certo equilíbrio entre o profano e o sagrado. Muitos desses poemas retratam também a religião do ponto de vista da cultura popular, enfocando este tema sob a ótica do tão celebrado sincretismo brasileiro. É o caso de “Os Sinos” e “Boca de Forno”.

A solidão do homem destaca-se também na poesia de Bandeira, sinalizando a condição humana como a de um ser exilado, embora no caso do poeta esta sensação seja a de um exílio no tempo, uma vez que este o distanciou dos personagens e cenários de sua infância, criando no mesmo espaço uma paisagem diferente, que ele não mais reconhece. È em suas lembranças que o poeta reencontra a vida palpitante, a perenidade de suas experiências afetivas. “Marinheiro Triste” e “Eu vi uma Rosa” são exemplos desses poemas perpassados pelo insulamento.

Esta obra tecida delicadamente pelas mãos do poeta é rematada por um Posfácio à edição, de Augusto Massi e Carlito Azevedo – “Manuel Bandeira, Intérprete de Si Mesmo”. Nele os autores definem antologia poética como “um gênero antigo e arbitrário”, e destacam a importância de saber incluir com coerência e excluir com rigor. Manuel Bandeira foi com certeza um mestre nessa arte, pois sabia como ninguém realizar a mais perfeita bricolagem poética, o que se pode perceber com clareza em um poema intitulado “Antologia”, de 1965, incluído neste Posfácio, no qual Bandeira extrai cada verso de um poema diferente. O poeta o define como um poema construído “com versos ou pedaços de versos” mais marcantes para ele, que também poderia ser lido como um poema autônomo por quem nada conhecesse de sua obra. Assim como esta antologia pode ser igualmente considerada, de certa forma, como uma publicação independente, tal a sua lógica própria. 

  Manuel Bandeira praticamente especializou-se em antologias, desde obras-primas da poesia brasileira, superando as fronteiras das estreitas classificações por períodos, até as de autores, dedicando-se depois a reorganizar constantemente sua própria obra, revelando-se seu mais acurado “leitor”. Para ele, é possível lançar um olhar para o passado e resgatar o que há de essencial, criando para a posteridade uma imagem ideal, sua desejada “mitologia pessoal”. Além disso, reunidos neste volume poemas antes dispersos em outras publicações, é possível flagrá-los em diálogo renovador, gerando entre eles laços originais.

Ler esta antologia e poder complementar a compreensão de seus poemas e a relação entre eles através da audição do CD que o acompanha, possibilita ao leitor-ouvinte se aprofundar no conhecimento do poeta e de sua obra, bem como surpreender faces desconhecidas de Manuel Bandeira, ampliando assim a visão muitas vezes restrita que se tem do poeta. 

Fonte

domingo, 8 de julho de 2012

Doze em Ritmo de Sextilhas (Parte 9)


193 - Assis
Às sextilhas enviadas,
respondo-as de coração,
enquanto aguardo o momento,
até com certa emoção,
de ajustar os meus ponteiros
para o horário de verão.

194 - Delcy
Esse horário,  meu  irmão,
podes crer, já está existindo,
pois passou da  meia-noite
como estavam nos pedindo!
Que a esperada  economia
deixe o meu Brasil sorrindo!...

195 - Elisabeth 
O tempo aqui vai seguindo,
estou em hora de almoço..
segunda feira... a preguiça
não quer saber de alvoroço...
peguei sobras de domingo,
do frango só  resta um osso! 

196 - Prof. Garcia
Sei que a vida é um colosso,
é rica em seu conteúdo,
tento mudar minha sorte
mas isso eu sei que não mudo,
pois o destino da gente
faz a mudança de tudo!

197 – Gislaine
Macio como veludo
é o amor, se verdadeiro.
Se existe a amizade e o sonho,
nosso destino é o veleiro
que nos conduz mar a dentro,
pois se faz nosso parceiro!

198 - Hélio
 A jura do amor primeiro
a gente nunca se esquece,
fica gravada na mente
vez por outra ela aparece...
Se compara a uma semente,
que regada, brota e cresce.

199 - Milton
O sextilheiro padece
para se manter na trilha,
ou a internet demora
para trazer a sextilha,
ou, quando menos espera,
traz duas, três, uma pilha...

200 - Ouverney
No horizonte o sol rebrilha,
no instante em que surge o raio:
céu azul mudou de cor,
sol simulou um desmaio,
e na mata, antes tranquila,
não sobrou um papagaio. 

201 - Tadeu
Aqui também teve raio
nos dias de chuvarada
mas a terra, pela seca,
andava tão ressecada
que ninguém quis reclamar 
do raio e da trovoada.

202 – Thalma 
Quando ouvia a trovoada
minha avó, cheia de medo,
à Santa Bárbara orava
fazendo sinais com o dedo,
dizendo: - “Acalma-te, ó raio!...
Ó chuva, acaba mais cedo!”

203 - Vanda
Não revelo meu segredo,
se temo ventos ao léu...
Relâmpago é luz que acende;
se um trovão faz escarcéu,
eu penso: é festa de arromba
dos anjinhos, lá no céu!
   
204 - Zé Lucas
 Com certeza, lá no céu
a vida é somente amor;
necessidades, não há;
dinheiro não tem valor,
e a felicidade eterna
supõe ausência de dor. 

205 - Assis
Penso o céu como o esplendor
do grande encontro fraterno,
e a vida aqui como a trilha
de retorno ao Lar Paterno,
onde de braços abertos
nos espera o Amor eterno.

206 - Delcy
Passou o tempo. Hoje, o inverno
já  chegou  à minha  vida!
O  fim já diviso perto
e, às vezes, fico  sentida,
porque  dúvidas me assaltam,
quanto  à  hora  da  partida!

207 - Elisabeth
Ninguém sabe o fim da vida, 
mas se ela tem o seu preço, 
é bom que no seu roteiro 
nós saibamos o endereço 
da justiça e da esperança, 
pois teremos recomeço! 

208 - Prof. Garcia
Penso que o novo endereço
é diferente demais,
não tem cep e não tem rua
nem precisa numerais,
porque Deus sabe onde fica
o endereço dos mortais!
  
209 – Gislaine
Não esqueçamos jamais
que a meta de nossa vida,
é trilharmos nossa estrada
com a fé, então, devida,
para, ao céu, então, chegarmos,
depois da missão cumprida!

210 - Hélio Pedro 
 Não existe outra saída 
do além não vem endereço, 
por isso é que pela vida 
todos têm um grande apreço; 
mas pra quem vive na fé 
vê que a morte é um recomeço. 

211 - Milton
A tal morte eu nem conheço,
deve ser uma bandida...
Leva o moço, leva o velho,
com ela não tem saída...
Morrer é a última coisa
que eu quero fazer na vida...

212 - Ouverney
Tal papo não me intimida,
de que adianta ter receio?
Morte é vida, vida é morte,
uma é aula, outra é recreio;
tem gente que está no mundo
sem nem saber a que veio.

213 - Tadeu
 Ah! se eu encontrasse um meio
de enganar esta "danada"
que leva a vida da gente!
Eu esticava a jornada
e não entregava mesmo
minha carcaça por nada.

214 – Thalma 
A vida não vale nada
se a gente nada produz...
E eu disse uma vez, em trova
com a fé que me conduz:
tanto a enxada quanto a pena
abrem veredas de luz!

   215 – Vanda 
   É certo: Melhor reluz
   a enxada que sulca o chão,
   do que uma joia ostentada
   na pérfida e suja mão
   que abre veredas do mal
   e indica a má direção.

216 - Zé Lucas
O pobre caleja a mão,
suando na roça alheia,
por um salário mesquinho
que não lhe garante a ceia,
e há tantos que nada fazem,
mas vivem de bolsa cheia!

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continua…
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Parte 1 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/06/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-1.html 
Parte 2 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-2.html 
Parte 3 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-3.html
Parte 4 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-4.html
Parte 5 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilha-parte-5.html
Parte 6 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-6.html
Parte 7 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-7.html
Parte 8 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-8.html

Fonte: 
Doze em Ritmo de Sextilhas: Debate pela Internet. 20.02.2010 a 22.12.2010., 2012.

Carlos Daniel Toni (A Teimosa Ana Clara)


CURIOSIDADES SOBRE AS ABELHAS 
• Têm seu sexo definido por um processo natural chamado de partenogênese. 
Se o ovo da fêmea for fecundado, nasce uma abelha fêmea, caso contrário, nasce macho. 
• Vivem em sociedade. 
• O que diferencia a rainha das operárias é a alimentação. Enquanto a rainha, que só come geleia real, vive cerca de cinco anos, as operárias, que comem mel, vivem cerca de três meses. 
• Têm o corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdômen. 
• São invertebradas (não possuem coluna Vertebral).
––––––––––––––-

Ana Clara era uma linda princesa. Suas cores pareciam pintadas à mão, de um amarelo forte que realçava a elegância de seu corpo listrado. Todas as abelhas da colmeia maravilhavam-se ao ver tão belas cores. 


Mas isso não era tudo. Além de bela, Ana Clara era dotada de rara inteligência. Conhecia toda a história da colmeia, sabia cantar várias músicas, dançava como ninguém. E, acima de tudo, adorava brincar. 

Talvez você esteja pensando: Que abelha encantadora! 

Mas Ana Clara tinha um defeito: não sabia ouvir os outros. Se alguém lhe dava um conselho, ficava zumbindo à toa. 

Para ela, não era importante ouvir as experiências das outras abelhas, pois tudo o que precisava para viver estava nos livros. 

Assim, costumava dizer para si mesma: 

. Uma abelha comum, que mal sabe falar direito, quer ensinar alguma coisa a uma princesa? Ora essa! 

Mas por educação fingia escutar o que lhe diziam. Fazia isso sempre do mesmo modo: o que ela escutava entrava por um ouvido e saía pelo outro.

Numa bela manhã de sol, a linda abelha resolveu passear e colher néctar. 

No caminho, encontrou sua amiga Cora, uma habilidosa operária que já estava voltando com um monte de néctar. 

Ao ver Ana Clara, Cora lhe disse: 

. Ana Clara, não vá pelo caminho da Lagoa Azul. É por lá que andam os humanos que colhem flores. Você pode ficar presa numa armadilha e não conseguir voltar para casa. 

Ana Clara respondeu: 

. Obrigada Cora, pode deixar comigo. 

Aquela era mais uma de suas respostas prontas. Ela ignorou as palavras da amiga. Seguiu o caminho da Lagoa Azul enquanto pensava: 

. Aqui a estrada é tão bonita e as flores têm o melhor néctar que já provei. 

No início, achou estranho não encontrar nenhuma abelha naquele paraíso. Então pensou: 

. Como são bobas, o dia está lindo e ninguém está aproveitando. 

Quando chegou à margem da lagoa, pousou na primeira flor para beber o néctar e... zaz! 

Um homem arrancou a flor e a colocou num saco grande. 


Já era tarde quando Ana Clara percebeu que era prisioneira e estava sozinha. 

Começou a chorar e pensou: 

. Deve ser por isso que nenhuma abelha vem aqui. Por que ninguém me avisou? Puxa vida, a Cora não me disse nada. 
Logo a Rainha sentiu a falta de Ana Clara. E por isso enviou tropas de operárias e zangões para procurá-la nos quatro cantos da mata. 

As investigadoras encontraram o cheiro da princesa perto do caminho da Lagoa Azul. Sem demora, foram relatar a descoberta à Rainha. 


Muito preocupada, a mãe de Ana Clara perguntou às abelhas: 

. Ninguém avisou minha filha de que não devia voar por lá? 

. Eu avisei, mas acho que ela não quis me escutar . disse Cora, um pouco tímida. 

A Rainha sabia que sua filha era muito teimosa, mas mesmo assim não perdeu as esperanças. Organizou novas buscas, agora além da área da floresta.

Ana Clara, com muito esforço, conseguiu sair do saco. Mas quando olhou ao redor não reconheceu o local: 

. Devo estar muito longe de casa! 


Sentou-se à beira de uma pequena fonte para descansar, quando avistou de longe suas amigas.


Ela havia aprendido uma lição. Ana Clara voltou para casa e houve uma grande festa. 

Anos depois, quando cresceu e se tornou uma poderosa Rainha, Ana Clara ficou conhecida pela sabedoria e delicadeza de seus conselhos. 

A experiência na Lagoa Azul lhe ensinou que a inteligência também reside na humildade de escutar e aprender com os outros. 


Fonte:
Toni, Carlos Daniel. Contos ambientais - 10 histórias e curiosidades sobre a fauna brasileira. Ilustrações de Fábio Fernando. São Paulo: Editora José Luis e Rosa Sundermann, 2012. 

Amália Grimaldi (Caderno de Poesias)


PREMONIÇÃO CIGANA

Aquela que me lia 
 Irmã da outra 
 A que me sorria
 Roda de saia 
 Lenda de céu
 Seu anel de prata
 Ausente respaldo
 Desdobro estandarte
 A glória desse tempo 
 Ao sol azul de quando
 Premonição de cores
 Recorte à sombra
 Pairando ao deixado
 Minha lua de papel.

MEDIOCRIDADE CONFORTÁVEL

De longe a voz do mercado
 O barulho das correntes
 O grande portão de ferro
 Na calçada vazia o silêncio óbvio
 Dormem os bêbados
 Sonsos
 Vagam gatos mansos
 Pisam macio
 Adorno de noite escura
 Momento de consistência frágil
 Valor afetivo
 Mediocridade confortável.

UM CISCO NO OLHO 

Caminhante silente
 Gesto cuidado
 Desvio do olhar
 Incômoda atenção
 Bela canção à esquina
 Mas ninguém ali o conhecia
 Desconfia-se
 De cigano vagante.

BLOCO DE JUDAS 

 Dançariam seus ódios mútuos
 A mulher dos cabelos ruivos e a serviçal judiada
 Eis que o dia final havia chegado
 Era tão somente um bloco engraçado
 De fêmeas e machos tolos
 E os importantes seriam então judiados
 E ela, pretensiosa pecadora
 Ao som de bumbo e tambor
 Em seus vermelhos estonteantes
 Retornaria à perversidade escura de antes
 Ao socavão dos seus desejos malvados
 Arderia no fogo do seu juízo final
 Regozijo inútil.

UM RASTRO SEFARDITA 

 No almoço do cristão galego
 Cordeiro não é imolado
 Mas sua faca é aí amolada
 E perus são aí degolados
 À luz do sol do meio-dia
 O sacrifício malvado
 Rubra agonia da morte
 Coalha no prato ao vinagre
 Manchadas são as pedras
 Do pátio da minha infância
 No rastro de penas deixado
 Deitam palavras vestidas
 Nessas minhas linhas nuas
 Poema das minhas entranhas.

UM QUASE NADA 

 À loja da esquina
 Alegria de panos 
 Meus suspiros aí deixados
 Seu Salim e seu riso de marfim
 Armazém das cores
 Quantas vezes aí voltei
 Em meus ecos suspirados
 Hoje perdidas tramas
 Quase um fiapo
 Um fio de pouca coisa
 Alegria de quase nada
 Em seu riso de marfim
 Subiu aos céus suspirado.

 DESORDENADA LUZ ORIENTAL 

 Os mais ricos pigmentos
 Despeja o céu ao poente
 Cores damascenas
 Desordenada luz oriental
 Seda persa de outrora
 Cavalos do espectro
 Em asas de luz ao rapto 
 Fio da trama por desatar
 Sobre o aparador da sala de jantar
 O suspiro esquecido
 O vestido reinado da estátua
 Desordenada luz oriental
 Fantasma do Bairro Judeu.

FLORES MORRIDAS 

 Parei. Em esquina contente
 Conjunção imaginária
 A jogar bola de satisfação
 Avistei meninos folgados
 Sem dengos. Contudo plenos
 Voltei. À Rua das Flores
 Pálida lembrança de meus encantos
 Avistei para desgosto meu
 Mulheres sem alegrias
 A carpir evidências
 Mulheres antes meninas. Como eu
 Nas mãos, suadas e mornas
 Flores sozinhas traziam. Só Angélicas
 Murchas outrora perfumadas.

ALMA DEVASSADA

Um pedaço de pão
 Um naco de peixe
 Contou um pouco de si
 Despida sua fraqueza cabeluda
 Sentia-se um pouco nu
 Talvez deselegante
 Um fratello amigo
 Espiava dentro da sua alma
 Mas ninguém ali o conhecia

Cobria-lhe o manto opaco
 Dos pensamentos desolados
 Devassada alma.

A FRAGILIDADE DA COERÊNCIA

Teço a minha trama
 E a do meu companheiro
 As linhas são muito finas 
 Escanteada é a luz suspeita
 Fios necessários por separar
 Até percebo a agonia 
 Da sombra fugidia 
 E na clareza na certeza
 Vejo que linhas tênues se partem fácil. 

Fonte: