sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Machado de Assis (Aquarelas: II – O Parasita)

I
Sabem de uma certa erva, que desdenha a terra para enroscar-se, identificar-se com as altas árvores? É a parasita.

Ora, a sociedade, que tem mais de uma afinidade com as florestas, não podia deixar de ter em si uma porção, ainda que pequena de parasitas. Pois tem, e tão perfeita, tão igual, que nem mesmo mudou de nome.

É uma longa e curiosa família, a dos parasitas sociais; e fora difícil assinalar na estreita esfera das aquarelas — uma relação sinótica das diferentes variedades do tipo. Antes sobre a torre, agarro apenas na passagem as mais salientes e não vou mergulhar-me no fundo e em todos os recantos do oceano social.

Há, como disse, diferentes espécies de parasitas.

O mais vulgar e o mais conhecido é o da mesa; mas há-os também em literatura, em política e na igreja. É praga antiga, e raça cuja origem se prende à noite dos tempos, como diria qualquer historiador en herbe. Da Índia, essa avó das nações, como diz um escritor moderno, são poucas as noções a respeito; e não posso marcar aqui com precisão o desenvolvimento dessa casta curiosa no velho país. Em Roma, onde lemos como num livro, já Horácio comia as
sopas de Mecenas, e banqueteava alegremente no triclinium. É verdade que lhe pagava em longa poesia; mas, nesse tempo, como ainda hoje, a poesia não era ouro em pó, e este é grande estrofe de todos os tempos.

Mas, tréguas à historia. Tenho aqui como alvo esboçar em traços ligeiros as formas mais proeminentes da individualidade; entremos pois no estudo — sem mais preâmbulo.

Devo começar pelo parasita da mesa, o mais vulgar? Há talvez pouco a dizer — mas esse pouco mesmo revela altamente os traços arrojados desta fisionomia social. Debalde se procuraria conhecer as regiões mais adaptadas à economia vital deste animal perigoso. Inútil. Ele vive por toda parte em que há ambiente de porco assado. Também é aí onde ele desenvolve melhor todas as suas faculdades; — onde se sente a son aise, como diria qualquer label encadernado em paletó de inverno.

Perfeito parasita deve ser perfeito gastrônomo; mesmo quando não goze esta faculdade por vocação do berço, é um resultado da prática, pela razão de que o uso do cachimbo faz a boca torta.

Assim, o parasita jubilado, o bom parasita, está muito acima dos outros animais. Olfato delicado, adivinha a duas léguas de distância a qualidade de um bom prato; paladar suscetível, — sabe absorver com todas as regras de arte — e não educa o seu estômago como qualquer aldeão.

E como não ser assim, se ele não tem outro cuidado nesta vida? e se os limites da mesa redonda são os horizontes das suas aspirações?

É curioso vê-lo na mesa, mas não menos curioso é vê-lo nas horas que precedem às seções gastronômicas. Entra em uma casa ou por costume ou per accidens, o que aqui quer dizer intenção formada com todas as circunstâncias agravantes da premeditação, e superioridade das armas. Mas suponhamos que vai a uma casa por costume.

Ei-lo que entra, riso nos lábios, chapéu na mão, o vácuo no estômago. O dono da casa, a quem já fatiga aquela visita diária, saúda-o constrangido e com um riso amarelo. Mas isso não é decepção; tão pouco não desarma um bravo daquela ordem. Senta-se e começa a relatar notícias do dia, entremeadas de algumas da própria lavra, e curiosas — a atrair a feição vacilante do hóspede.

Daqui um criado que vem dar o sinal de combate. É o alvo a que visava o alarme, e ei-lo que vai imediatamente pagar-se de uma tarefa de almanaque, tão custosamente exercida.

Se porém ele entra per accidens, não é menos curiosa a cena. Começa por um pretexto que deve lisonjear as pessoas da casa conforme os seus fracos. Assim, se há aí um autor dramático, o pretexto é dar um parabéns sobre a última peça representada dias antes. Sobre este molde, tudo o mais.

Se às vezes não há um pretexto sério, não trepida ainda o parasita; há sempre um de lado, como substantivo: saber da saúde do amigo. Mas, entra ele; dado o pretexto, senta-se e começa a desenrolar toda a retórica que pode inspirar um estômago vazio, um Jeremias interno. Segue-se depois, pouco mais ou menos, a mesma cena. No fim está sempre como orla de horizonte uma mesa mais ou menos apetitosa, onde a reação se opera largamente.

Há, porém, pequenas desgraças, acidentes inesperados na vida do parasita da mesa. Entra ele em uma casa onde espera almoçar folgado; — faz as primeiras saudações e vai corar a pílula ao seu caro hóspede. Um certo ranger de dentes, porém, começa a agitá-lo, um ranger particular que indica um estado mais calmo aos estômagos da casa.

— Então como vai? Sinto que chegasse agora; se mais cedo viesse, almoçava comigo.

O parasita fica de cara à banda; mas não há remédio; é necessário sair com decência e não dar a entender o fim que o levou ali.

Estas eventualidades, estas pequenas misérias, longe de serem decepções, são como o cheiro da pólvora inimiga para os soldados, um incentivo na ação. É uma índole miserável a desse corpo leviano em que só há animalidade e estômago; mas, entretanto, é necessário aceitar essas criaturas tais como são — para aceitarmos a sociedade tal como ela é. A sociedade não é um grupo de que uma parte devora a outra? Eterno antagonismo das condições humanas.

O parasita da mesa uniformiza o exterior com a importância do hóspede; um cargo elevado pede uma luva de pelica, e uma botina de polimento. À mesa não há ninguém mais atencioso; — e como um conviva alegre, aduba os guisados com punhados de sal mais ou menos saborosos. É uma retribuição razoável — dar de comer ao espírito de quem dá de comer ao corpo.

Aqui não há desaire, há uma troca recíproca que prova que o parasita tem suscetibilidades em alto grau.

Estes traços, mais ou menos exatos, mais ou menos distintos, dão aqui uma pequena idéia do parasita da mesa; mas esta variedade do tipo é absorvida por outras de uma importância mais alta. Aqui é o parasita do corpo, os outros são os do espírito e da consciência; — aqui são os epicuristas à custa alheia, os outros são as nulidades intelectuais que se agarram à primeira tela de propriedades suculentas que lhe vai ao encontro.

São imperceptíveis talvez estes lineamentos — e acusam a aceleração do pincel; passemos às outras variedades do tipo onde achamos formas mais amplas e proeminências mais distintas.

II

O parasita literário tem os mesmos traços psicológicos do outro parasita, mas não deixa de ter uma afinidade latente com o fanqueiro literário. A única diferença está nos fins, de que se afastam léguas; aquele é porventura mais casto e não tem mira no resultado pecuniário, — que, parece, inspirou o fanqueiro. Justiça seja feita.

A imprensa é a mesa do parasita literário; senta-se a ela com toda a sem-cerimônia; come e distribui pratos com o sangue frio mais alemão deste mundo — diante da paciência pública — que vacila sobre os seus eixos. Um amigo meu define perfeitamente este curioso animal; chama-o Vieirinha da literatura. Vieirinha, lembro ao leitor, é aquele personagem que todos têm visto em um drama nosso.

De feito, este parasita é um Vieirinha sem tirar nem pôr; cortesão das letras, cerca-as de cuidados, sem alcançar o menor favor das musas. Segue-as por toda a parte, mas sem poder tocá-las. Só não sobe ao monte sagrado, porque é uma excursão difícil, e só dada a pés mais de ferro, e a vontades mais sérias. Ali, ficam eles nas fraldas, soltando uma orquestra de gemidos, até que o velho cavalo os vem despedir com uma amabilidade de pata sofrivelmente acerba.

Um coice é sempre uma resposta às suas súplicas... Represália no caso. Eterna lei das compensações!

Entre nós o parasita literário é uma individualidade que se encontra a cada canto. É fácil verificá-lo. Pegais em um jornal; o que vedes de mais saliente? uma fila de parasitas que deitam sobre aquela mesa intelectual um chuveiro de prosa ou verso, sem dizer — água vai! Verificai-o!

O jornal aqui não é propriedade, nem da redação nem do público, mas do parasita. Tem também o livro, mas o jornal é mais fácil de contê-los.

Às vezes o parasita associa-se e cria um jornal próprio. Aqui é que não há de escapar-lhe.

Um jornal todo entregue ao parasita, isto é, um campo vasto todo entregue ao disparate! É o rei Sancho na sua ilha!

Ele pode parodiar o dito histórico l’état c'est moi! porque as quatro ou seis páginas, na verdade, são dele, todas dele. Ele pode gritar ali, ninguém lho impedirá, ninguém; uma vez que não ofenda a moral pública. A polícia pára onde começa o intelectual e o senso comum; não são crimes no código as ofensas a esses dois elementos da sociedade constituída.

Ora, sustentado assim pelos poderes, o parasita literário invade, como o Huno moderno, a Roma da intelectualidade, com a decência moral nos lábios, mas sem a decência intelectual. Tem pois o jornal, próprio ou não próprio, onde pode sacudir-se a gosto, garantido pelas leis. Se desdenha o jornal tem ainda o livro.

O livro!

Tem ainda o livro, sim. Meia dúzia de folhas de papel dobradas, encadernadas, e numeradas é um livro; todos têm direito a esta operação simples, e o parasita por conseguinte.

Abrir esse livro e compulsá-lo, é que é heróico e digno de pasmo. O que há por aí, santo Deus! Se é um volume de versos, temos nada menos que uma coleção de pensamentos e de notas arranhadas laboriosamente em harpas selvagens como um tamoio. Se é prosa — temos um amontoado de frases descabeladas entre si, segundo a opinião do autor. É muitas vezes um drama, um romance misterioso, de que o leitor não entende pitada. Se eu quisesse ferir individualidades, tocar em suscetibilidades, desenrolaria aqui um sudário dessas invasões na literatura; mas o meu fim é o individuo, e não um indivíduo.

O parasita literário vai ainda aos teatros. Esta invenção de recitar nos teatros, tirada da antiguidade grega, que levanta um bardo em um festim, como nos mostra a Odisséia, abriu um precedente, e deu azo ao abuso. A autoridade, que é ainda a polícia, não indaga do mérito da obra, e quer apenas saber se há alguma coisa que fira a moral. Se não, pode invadir a paciência pública.

Todos os leitores estão de posse deste traço do parasita literário. As salas dos nossos teatros têm repercutido imensas vezes com esses arranhamentos de lira. Basta bater palmas de um camarote e ter alguns exemplares para distribuição; a platéia deve receber aquele aguaceiro intelectual.

O parasita está debaixo do código.

Ora, o que admira no meio de tudo isto, é que sendo o parasita literário o vampiro da paciência humana, e o primeiro inimigo nacional, acha leitores, — que digo? adeptos, simpatias, aplausos!

Há quem lhes faça crer que alguma coisa lhes rumina na cabeça como a André Chénier; eles, a quem já não faltava vontade de crer, aceitam, como princípio evidente, essa solução do impossível, que a parvoíce lhe dá de boa vontade. Que gente!

Os traços fisiológicos do parasita são especiais e característicos. Não podendo imitar os grandes homens pelo talento, copiam na postura e nas maneiras o que acham pelas gravuras e fotografias. Assumem um certo ar pedantesco, tomam um timbre dogmático nas palavras; e, ao contrário do fanqueiro, que tem a espinha dorsal mole e flexível, — ele não se curva nem se torce; a vaidade é o seu espartilho.

Mas, por compensação, há a modéstia nas palavras ou certo abatimento, que faz lembrar esse ninguém elogiado da comedia. Mas ainda assim vem a afetação; o parasita é o primeiro que esta cônscio de que é alguma coisa, apesar da sinceridade com que procura pôr-se abaixo de zero.

Pobre gente!

Podiam ser homens de bem, fazer alguma coisa para a sociedade, honrar a musa nacional, contendo-se na sua esfera própria; mas nada, saem uma noite da sua nulidade e vão por aí matando a ferro frio...

É que têm o evangelho diante dos olhos... Bem-aventurados os pobres de espírito.

O parasita ramifica-se e enrosca-se ainda por todas as vértebras da sociedade. Entra na Igreja, na política e na diplomacia; há laivos dele por toda a parte. Na Igreja, sob o pretexto do dogma, estabelece a especulação contra a piedade dos incautos, e das turbas. Transforma o altar em balcão e a âmbula em balança. Regala-se à custa de crenças e superstições, de dogmas ou preconceitos, e lá vai passando uma vida de rosas.

A história é uma larga tela dessas torpezas cometidas à sombra do culto. O parasita da Igreja, toda a Idade Média o viu, transformado em papa vendeu as absolvições, mercadejou as concessões, lavrou as bulas. Mediante o ouro, aplanou as dificuldades do matrimônio quando existiam; depois levantou a abstinência alimentar, quando o crente lhe dava em troca uma bolsa. É um desmoronamento social. O parasita teve uma famosa idéia em embrenhar-se pela Igreja. A dignidade sacerdotal é uma capa magnífica para a estupidez, que toma o altar como um canal de absorver ouro e regalias.

Assim colocado no centro da sociedade, desmoraliza a Igreja, polui a fé, rasga as crenças do povo. Entra, todos o consentem, no centro das famílias, sem haver sacudido o pó das torpezas que lhe nodoa as sandálias. Dominou imoralmente as massas, os espíritos fracos, as consciências virgens.

Esta transformação do parasita não tende por ora a desaparecer; a fogueira de J. Huss não queimou só o grande apóstolo, devorou também o vestíbulo desse edifício de miséria levantado por uma turba de parasitas, parasita da fé, da moralidade e do futuro.

Em política, galga, não sei como, as escadas do poder, tomando uma opinião ao grado das circunstâncias, deixando-a ao paladar das situações, como uma verdadeira maromba de arlequim. Entra no parlamento com a fronte levantada, votado pela fraude, e escolhido pelo escândalo.

Exíguo de luz intelectual, — toma lá o seu assento e trata de palpar para apoiar as maiorias. Não pensa mal: quem a boa árvore se encosta...

Alguns sobem assim; e todos os povos têm sentido mais ou menos o peso do domínio desses boêmios de ontem.

Deixá-los subir às mesas supremas do festim público. Mas tenham cuidado na solidez das cadeiras em que se sentarem.

Na diplomacia, é mais fácil o ingresso ao parasita. Encarta-se aí em qualquer legação ou embaixada, e vai saltitar em Paris ou em Viena. Lá representam tristemente a pátria que os viu nascer, na massa coletiva da embaixada ou da legação. O que faz de melhor, esse parvenu sem gosto, é brilhar na arte das roupas, como corifeu da moda que é. Já é muito. Podia, se não temesse fatigar, fazer uma enumeração mais longa das famílias de parasitas que irradiam destas espécies cardeais. Seria, entretanto, uma longa história que demandaria mais largo espaço; e não caberia nestas ligeiras aquarelas.

O parasita é tão antigo, creio eu, como o mundo, ou pelo menos quase. Em economia política é um elemento para estacionar o enriquecimento social; consumidor que não produz, e que faz exatamente a mesma figura que um zangão na república das abelhas.

Extinguir o parasita não é uma operação de dias, mas um trabalho de séculos. Os meios não os darei aqui. Reproduzo, não moralizo.

III
O EMPREGADO PÚBLICO APOSENTADO


Os Egípcios inventaram a múmia para conservarem o cadáver através dos séculos. Assim a matéria não desapareceria na morte; triunfava dela, do que temos alguns exemplos ainda.

Mas não existiu só lá esse fato. O empregado público não se aniquila de todo na aposentadoria; vai além, sob uma forma curiosa, antediluviana, indefinível; o que chamamos empregado público aposentado.

Espelho à rebours, só reflete o passado, e por ele chora como uma criança. É a elegia viva do que foi, salgueiro do carrancismo, carpideira dos velhos sistemas.

Reforma, é uma palavra que não se diz diante do empregado público aposentado. Há lá nada mais revoltante do que reformar o que está feito? abolir o método! desmoronar a ordem!

Atado assim ao poste do carrancismo, eterno lábaro do que é moderno, o empregado público aposentado é um dos mais curiosos tipos da sociedade. Representa o lado cômico das forças retroativas que equilibram os avanços da civilização nos povos.

É o tipo que hoje trago à minha tela. São variáveis o caráter e a feição desta individualidade, mas eu procurarei dar-lhe os traços mais finos, os mais vivos. Conceber um aposentado sem caixa de rapé é conceber o sol sem luz, o oceano sem água. Uma pertence ao outro, como a alma pertence ao corpo; são inseparáveis. E têm razão! O que vale uma caixa de rapé, não o compreende qualquer profano. É o adubo oportuno de uma conversa árida e suada sobre qualquer reforma de governo. É o meio de conhecimento com um potentado de quem se espera alguma coisa. É a caixa de Pandora. É tudo, quase tudo.

E não parece. Aquele utensílio tão mesquinho, em um outro qualquer, está circunscrito na estreita esfera do nariz; nas mãos do aposentado, transforma-se; em vez de se transformar o depósito de um vício, torna-se o instrumento de certos fatos políticos que muitas vezes parecem nascer de causas mais altas.

Este prestígio do empregado público aposentado não pára só na caixa, estende-se por todos os acessórios daquele curioso indivíduo. Na gravata, na presilha, na bengala, há certo ar, uma nuança especial, que não está ao alcance de qualquer. Ou natureza, ou estudo, a aposentadoria traz ao empregado público esses dotes, como um presente de núpcias.

Ora, apesar deste metódico das formas, não estão limitadas aí as vistas do aposentado. Há naquele cérebro alguma finura para se não entregar exclusivamente a essas ninharias. E a política? A política lá o espera; lá o espera o governo; lá o espera o teatro, as modas, os jornais, tudo o espera.

Não é maledicente, mas gosta de cortar o seu pouco sobre as coisas do país. Não é um vício, é uma virtude cívica: o patriotismo.

O governo, não importa a sua cor política, é sempre o bode expiatório das doutrinas retrógradas do empregado público aposentado. Tudo quanto tende ao desequilíbrio das velhas usanças é um crime para esse viúvo da secretária, arqueólogo dos costumes, antiga vítima do ponto, que não compreende que haja nada além das raias de uma existência oficial.

Todos os progressos do país estão ainda debaixo da língua fulminante deste cometa social. Estradas de ferro! é uma loucura do modernismo! Pois não bastavam os meios clássicos de transporte que até aqui punham em comunicação localidades afastadas? Estradas de ferro?

Desta sorte todas as instituições que respiram revolução na ordem estabelecida das coisas — podem contar com um contra do empregado público aposentado. Este meio mesmo de retratar à pena, como faço atualmente, revoltaria o .espírito tradicional da grande múmia do passado. Uma inovação de mau gosto, dirá ele. É verdade; não representa apenas a superfície da epiderme, vai às camadas mais íntimas da matéria organizada.

O empregado público aposentado poderá deixar de comer, mas lá perder um jornal, lá perder um jubileu político ou sessão do parlamento, é tarefa que não lhe está nas forças.

O jornal é lido, analisado com toda a finura de espírito de que ele é capaz. Devora-o todo, anúncios e leilões; e se não vai ao folhetim, é porque o folhetim é frutinha do nosso tempo.

No parlamento, é um espectador sério e atencioso. Com a cabeça enterrada nas paredes mestras de uma gravata colossal ouve com toda a atenção, até os menores apartes, vê os pequenos movimentos, como profundo investigador das coisas políticas.

Ao sair dali, o primeiro amigo que encontra tem de levar um aguaceiro de palavras e invectivas contra a marcha dos negócios mais interessantes do país.

De ordinário o aposentado é compadre ou amigo dos ministros, apesar das invectivas, e então ninguém recheia as pastas de mais memoriais e pedidos. Emprega os parentes e os camaradas, quando os emprega, depois de uma longa enfiada de rogativas importunas.

É sempre assim!

No sarau o empregado público aposentado é pouco cortês com as damas; vai procurar emoções nas alternativas de um lindo baralho de cartas. Mas para não faltar ao programa, lá vi tachando de imoral aquele divertimento que tanto dinheiro absorve; fica-lhe a consciência.

Onde poderemos encontrar ainda o aposentado? Ele vai por toda a parte onde é lícito rir e discutir sem ofensa pública.

O leitor conhece decerto a individualidade de que lhe falo, é muito vulgar entre nós, e de qualidades tão especiais que a denunciam entre mil cabeças. Que lhe acha? Quanto a mim é inofensiva como um cordeiro. Deixem-no mirar-se no espelho dos velhos usos, falar em política, discutir os governos; não faz mal.

Em uma comédia do nosso teatro, há uma reprodução deste tipo, o Sr. Custódio do Verso e Reverso. Mirem-se ali, e verão que, apesar do estreito círculo em que se move, faz pálidos e mirrados estes ligeiros e mal distintos lineamentos.

IV
O FOLHETINISTA


Uma das plantas européias que dificilmente se têm aclimatado entre nós, é o folhetinista.

Se é defeito de suas propriedades orgânicas, ou da incompatibilidade do clima, não o sei eu. Enuncio apenas a verdade. Entretanto, eu disse — dificilmente — o que supõe algum caso de aclimatação séria. O que não estiver contido nesta exceção, vê já o leitor que nasceu enfezado, e mesquinho de formas.

O folhetinista é originário da França, onde nasceu, e onde vive a seu gosto, como em cama no inverno. De lá espalhou-se pelo mundo, ou pelo menos por onde maiores proporções tomava o grande veículo do espírito moderno; falo do jornal. Espalhado pelo mundo, o folhetinista tratou de acomodar a economia vital de sua organização às conveniências das atmosferas locais. Se o têm conseguido por toda a parte, não é meu fim estudá-lo; cinjo-me ao nosso círculo apenas.

Mas comecemos por definir a nova entidade literária.

O folhetim, disse eu em outra parte, e debaixo de outro pseudônimo, o folhetim nasceu do jornal, o folhetinista por conseqüência do jornalista. Esta íntima afinidade é que desenha as saliências fisionômicas na moderna criação. O folhetinista é a fusão admirável do útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frívolo. Estes dois elementos, arredados como pólos, heterogêneos como água e fogo, casam-se perfeitamente na organização do novo animal.

Efeito estranho é este, assim produzido pela afinidade assinalada entre o jornalista e o folhetinista. Daquele cai sobre este a luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que toca ao devaneio, à leviandade, está tudo encarnado no folhetinista mesmo; o capital próprio.

O folhetinista, na sociedade, ocupa o lugar de colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política.

Assim aquinhoado pode dizer-se que não há entidade mais feliz neste mundo, exceções feitas. Tem a sociedade diante de sua pena, o público para lê-lo, os ociosos para admirá-lo, e a bas-bleus para aplaudi-lo.

Todos o amam, todos e admiram, porque todos têm interesse de estar de bem com esse arauto amável que levanta nas lojas do jornal a sua aclamação de hebdomadário. Entretanto, apesar dessa atenção pública, apesar de todas as vantagens de sua posição, nem todos os dias são tecidos de ouro para os folhetinistas. Há-os negros, com fios de bronze; à testa deles está o dia... adivinhem? o dia de escrever!

Não parece? pois é verdade puríssima. Passam-se séculos nas horas que o folhetinista gasta à mesa a construir a sua obra.

Não é nada, é o cálculo e o dever que vêm pedir da abstração e da liberdade — um folhetim! Ora, quando há matéria e o espírito está disposto, a coisa passa-se bem. Mas quando, à falta de assunto se une aquela morbidez moral, que se pode definir por um amor ao far niente, então é um suplício... Um suplício, sim.

Os olhos negros que saboreiam essas páginas coruscantes de lirismo e de imagens, mal sabem às vezes o que custa escrevê-las. Para alguns não procede este argumento; porque para alguns há provimento de matéria, certos livros a explorar, certos colegas a empobrecer...
Esta espécie é uma aberração do verdadeiro folhetinista; exceções desmoralizadoras que nodoam as reputações legítimas. Escritas, porém, as suas tiras de convenção, a primeira hora depois é consagrada ao prazer de desforrar-se de uma maçada que passou. Naquela noite é fácil encontrá-lo no primeiro teatro ou baile aparecido.

A túnica de Néssus caiu-lhe dos ombros por sete dias.

Como quase todas as coisas deste mundo o folhetinista degenera também. Algumas das entidades que possuem essa capa, esquecem-se de que o folhetim é um confeito literário sem horizontes vastos, para fazer dele um canal de incenso às reputações firmadas, e invectivas às vocações em flor, e aspirações bem cabidas.

Constituindo assim cardeal-diabo da cúria literária, é inútil dizer que o bom senso e a razão friamente o condenam e votam ao ostracismo moral, ausência de aplausos e de apoio.

Não é este o único abuso que se dá. É costume de outros levantarem o folhetim como a chave de todos os corações, como a foice de todas as reputações indeléveis.

E conseguem...

Na apreciação do folhetinista pelo lado local temo talvez cair em desagrado negando a afirmativa. Confesso apenas exceções. Em geral o folhetinista aqui é todo parisiense; torce-se a um estilo estranho, e esquece-se, nas suas divagações sobre o boulevard e café Tortoni, de que está sobre um mac-adam lamacento e com uma grossa tenda lírica no meio de um deserto.

Alguns vão até Paris estudar a parte fisiológica dos colegas de lá; é inútil dizer que degeneraram no físico como no moral. Força é dizê-lo: a cor nacional, em raríssimas exceções, tem tomado o folhetinista entre nós. Escrever folhetim e ficar brasileiro é na verdade difícil. Entretanto, como todas as dificuldades se aplanam, ele podia bem tomar mais cor local, mais feição americana. Faria assim menos mal à independência do espírito nacional, tão preso a essas imitações, a esses arremedos, a esse suicídio de originalidade e iniciativa.

Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
Publicado originalmente em O Espelho, Rio de Janeiro, 11 e 18/09 e 9, 16 e 30/10/1859.

Nilton Manoel (Didática da Trova) Parte 2

A poesia hoje tem maior espaço no ensino fundamental e plenitude no ensino médio. No curso de Formação de Professores de Educação Básica, nos jornais e revistas, nos livros didáticos, nas videoconferências, encontramos  textos em literatura de cordel, haicai e soneto. Entretanto, mesmo antiga e dinamizada por dezenas de concursos anuais, a trova literária, mantém-se distante do quotidiano pedagógico. Cremos que a maioria  dos  professores desconhece como se produz poemas de forma fixa. É preciso investir mais no professor, propiciando-lhe meios para aplicar em suas aulas, a poesia presente em todas as áreas do conhecimento. Sabemos que a arte poética requer estudos, é útil e agradável. A trova é um poema de quatro versos em redondilha maior, rimas ABAB e de sentido completo. Neste imenso clamor contra a violência, escolas gastam mais com ferragens do que com bibliotecas.              

Esperamos que se invista em arte-poética e que recordemos em salas-de-aula, trovas populares e literárias. Os jornais não trazem espaços para os poetas da terra editarem suas produções. Têm de tudo; menos a poesia que, busca oralidade e vida cidadã. Isto tem deixado nos últimos anos, imensa lacuna histórica. O malefício tem sido amenizado com o pluralismo da internet.

Luiz Otávio, príncipe dos trovadores brasileiros, diz:

Haveria paz na terra
não seria a vida inquieta
se a criança em vez de guerra
brincasse de ser poeta.


 As crianças não brincam mais de guerra, mas também não brincam de ser poetas. Na mensagem popularizada de Agmar  Murgel Dutra  sentimos as mudanças da vida;

Criança – brinquei de guerra
com bonecos e confeitos...
mas, hoje, por toda a terra
brincam de guerra homens feitos...


A definição de Trova, bem como a de Trovador, vêm da Idade Média. O Trovadorismo é a primeira escola literária de Portugal. A trova como forma fixa mantém-se através dos tempos, como esta do português Antônio Correia de Oliveira:

Sino, coração da aldeia,
coração, sino da gente.
Um a sentir quando bate.
outro a bater quando sente
. (CRUZ,1944, p.77)

 Nesta conceituação, a Trova é responsável pela  animação social, cultural e turística promovida  há mais cinqüenta anos pelos trovadores brasileiros e consagra Nova Friburgo, (RJ.) o título de berço dos Jogos Florais Brasileiros. O escritor Jorge Amado define: Não pode haver criação literária mais popular, que fale mais diretamente ao coração do povo do que a trova. É através dela que o povo toma contato com a poesia e sente a sua força. Por isso mesmo, a trova e o trovador são imortais. (JFRP,2008,p.3),Judith Coelho Maciel reforça: A trova é uma epopéia em quatro versos (BELTRÃO,1975,17). Nilton da Costa Teixeira conclui “Quem faz trovas não vive só, tem a alma repleta de ilusões”.

   Trova é poesia!

 POESIA: Arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados. Composição poética de pouca extensão. Caráter do que emociona, toca na sensibilidade. POEMA: Obra em verso ou não, em que há poesia. Composição poética de certa extensão, com enredo.  ( FERREIRA,2001,p. 541, )

Sabemos que literatura é o conjunto de produções intelectuais de um povo com finalidade de educar, como “arte literária é o conjunto de preceitos que regulamentam a expressão artística do pensamento” (TORRES,1951, p.15).  Procuramos aqui revelar a importância da trova literária e como motivar textos poéticos em salas de aula.

Na antiguidade havia um significado entre trovador e  segrel. Na atualidade temos: “todo trovador é poeta, mas nem todo poeta é trovador. Quanto ao gênero as trovas podem ser: líricas, filosóficas, promocionais, formativas, humorísticas, sarcásticas ...
 
Filosófica, de A A Assis, Maringá (PR), colhida na revista Trevo na Trova, nº 107, 2008, p.18, Ano XIII, UBT de Taubaté,SP:

Trate o velho com respeito;
dê-lhe o amor que possa dar,
mas não lhe roube o direito
de a si mesmo governar. 


Formativa, de Cláudio de Cápua, Santos (SP) colhida na revista Trevo na  Trova, nº 107, 2008, p 04, Ano XIII, UBT, seção de Taubaté,SP:

Jovem... tenha fé na terra,
seja valente e viril,
Suba monte, desça serra,
Não desista do Brasil!


Promocionais: do trovador José Maria Morgade de Miranda, em agradecimento a um dos patrocinadores do livro Jogos Florais em Quatro Tempos,1978, p.51, Ribeirão Preto (SP).

Um  terno bom não tem preço
e valoriza você;
anote aqui o endereço:
Magazine J.B.


Humorística: O trovador Ivan Augusto, nos XIII Jogos Florais de  Ribeirão Preto (SP) 1996 pegou a 4º menção especial, glosando o tema “

A vida é mesmo um sabão,
tendo o perigo da morte;
médico, às vezes lambão...
ao paciente pede sorte.


Lírica: Juliana Bossu Martins, classificada em terceiro lugar nos Jogos Florais Estudantis de Ribeirão Preto (SP),1996, com a trova:

Queria te dar a flor,
mas a flor tem muito espinho;
então te dou muito amor
e também muito carinho.


Fundo metafísico: Na coluna Pif-Paf de Péricles e Vão Gogo da revista O Cruzeiro de 3/10/1953, colhemos esta trova:

As quatro letras da Vida,
são de seu mistério a escolta,
três delas soletram ida,
mas o V será de volta.


Homenagem:  O trovador Helvécio Barros, Bauru (SP), durante os II Jogos Florais de Ribeirão Preto (SP) à despedida, emocionado declamou trova a seguir que, passou a ser editada em diplomas de vencedores.
                                  
Ribeirão Preto é sucesso
é vida que se renova;
se canta ao sol do progresso,
vibra na festa da trova.


Em Poesia do Tempo – memórias, Herman de Lima, Livraria  José Olympio Editora,RJ. 1967, encontramos este epigrama do poeta Antônio Sales:

A fealdade é um direito,
por isso ninguém a acusa,
mas, ser feia deste jeito...
perdão, a senhora abusa 
(p.108) 

Quanto às trovas promocionais, Raimundo de Menezes, em Emílio de Menezes, o último boêmio, 1945, 3ª ed. da Livraria Martins Editora - SP,  publica:

Bilac chegou a receber cem mil réis dos industriais dos “Fósforos Brilhante”, por esta quadrinha, diz Luiz Edmundo:

Aviso a quem é fumante:
Tanto o Príncipe de Gales,
Como o dr. Campos Sales
Usam “Fósforos Brilhante”!
  (p. 114)

 Relendo Emílio de Menezes - o último boêmio, no prefácio da primeira edição,assinado por Davi Carneiro, 18 de junho de 1945, Curitiba (PR), encontramos na p.10:

Quando escreveu e publicou “A vida boêmia de Paula Nei” ainda morava em Ribeirão Preto. Aí, longe do bulício excessivo, tomou gosto pelas pesquisas, fez-se historiador e recebeu aplausos calorosos que lhe mandavam os grandes centros  pela obra perfeita que lhe havia saído a historia dessa vida.  Foi ainda em Ribeirão Preto, que começou a pensar neste outro livro, nesta outra biografia que é o Emílio de Menezes – o último boêmio.

O que levou-nos a essa obra foram as diversas trovas circunstanciais de Emílio, como esta:
                             
    A laranja é fruta fraca,
não sustenta como a canja,
mas em dia de ressaca,
até Deus chupa laranja.
( p. 180)

 No opúsculo  Trovas de Graça, FERREIRA, revela-se  humorista:

Tanta ambição por dinheiro!
Somos, na Terra, turistas
e aqui tudo é passageiro...
-bem... exceto os motoristas!
(p.41)

Continua…

Fonte:
Nilton Manoel. A Didática da Trova. Batatais, 2008.

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 11

Discurso Direto, D. Indireto D. Indireto livre

— Exercícios

1. Leia o texto abaixo:
       Mamãe não gostava que eu deitasse de sapatos        deixe de preguiça menino! mas dessa vez eu estava deitado de sapatos e ela viu e não falou nada        ela sentou-se na beirada da cama e pousou a mão em meu joelho e falou você não quer mesmo almoçar?

       eu falei que não         não quer comer nada?         eu falei que não                     nem uma carninha assada daquela que você gosta? com uma cebolinha de folha lá da horta um limãozinho uma pimentinha          ela sorriu e deu uma palmadinha no meu joelho e eu também sorri         mas falei que não           não estava com a menor fome         nem uma coisinha meu filho? uma coisinha só        eu falei que não        e então ela ficou me olhando e então ela saiu do quarto(...)

       ele não quer comer nada? escutei Papai pergunta e Mamãe decerto só balançou a cabeça porque não escutei ela responder         e agora eles estavam comendo em silêncio        os dois sozinhos lá na mesa em silêncio                          o barulho dos garfo         a casa quieta e fria e triste         o vento zunindo lá fora e nas venezianas de meu quarto

       - você precisa compreender isso, Carlos
        - não posso, Miriam
       - não daria certo
       - não daria Certo?
       - nossos temperamentos não combinam
       - não é verdade
       - assim será melhor para nós dois
       não Miriam não verdade Miriam não é certo Miriam não pode Miriam não pode não pode! ó meu Deus não pode
       Papai estava parado à porta        (..) Carlos eu sei o que você está sentindo ele falou         eu sei como é         é muito aborrecido mesmo        mas há coisas piores sabe?         eu olhei para ele e então ele abaixou a cabeça e de novo estava atrapalhado e de novo eu fiquei com pena dele             eu sei que você gosta muito dela eu sei         eu sei que isso é muito aborrecido mas        ele olhou para mim         não se preocupe papai eu falei         não precisa se preocupar         não é nada         eu sei mas você não almoçou          eu estava sem fome         pois é         e então nós dois ficamos calados         ele tirou o relógio do bolso e olhou as horas         você não quer ir mesmo no Jorge? ele perguntou e eu falei que não         então ele saiu do quarto         escutei ele abrindo o portão e depois os passos dele na calçada         o vento zunia lá fora (...)
(VILELA, Luiz. Eu estava ali deitado. In:
Bosi. Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo. Cultrix, 1978. p. 291-3.)


       Neste trecho do conto de Luiz Vilela há um modo peculiar de registrar o discurso direto, usando espaços em branco para compensar a pouca pontuação.

a) Retire um trecho de discurso direto do texto e procure transcrevê-lo de forma mais tradicional, usando dois-pontos, travessão.

Modelo: Ela sentou-se na beirada da cama e pousou
a mão em meu joelho e falou:
    - Você não quer mesmo almoçar?

b) “Mamãe não gostava que eu deitasse de sapatos         deixe de preguiça menino!” A mãe não falou tal frase naquele momento. Parece que o narrador personagem se recorda dela. Que pontuação você usaria para distingui-la das outras frases que a mãe pronuncia no momento presente? Aspas? Parênteses? Os dois?

c) No texto há um trecho em discurso direto registrado com travessões. Levando em consideração o contexto (isto é, Carlos está chateado por causa do rompimento com a namorada Miriam), responda por que o narrador teria dado destaque especial a este trecho. Em outras palavras, por que este trecho está registrado de maneira diferente do resto do texto?

2. Passe as frases abaixo do discurso direto para o discurso indireto, seguindo o modelo:

Discurso Direto
Modelo:

A mãe gritou com os filhos:
- Chega! Vocês já fizeram muita bagunça hoje.

Discurso Indireto
A mãe gritou com os filhos que parassem, que já tinham feito muita bagunça naquele dia.

João chamou o amigo para brincar e estranhou:

-Você não trouxe tanque de guerra?!
- Não minha mãe não deixou.
- Que tal brincar de esconde-esconde aqui na rua de baixo? – Convidou João tentando animar o amigo
- Não, hoje eu estou triste demais – concluiu Pedro.

João chamou o amigo para... perguntando se ele não... Pedro respondeu que... Então João convidou o amigo, perguntando- lhe se ele... só para animá-lo, mas Pedro concluiu que...

3. Agora passe o discurso direto para o indireto e para o indireto livre, seguindo o modelo:

Discurso direto
Modelo:

O velho homem estava pensativo:
- Por que as coisas têm de ser assim? Como um cão tão esperto pode morrer atropelado?

Discurso indireto
O velho homem estava pensativo e perguntava-se por que as coisas tinham de ser daquele jeito. Como um cão tão esperto pudera morrer atropelado?

Discurso indireto livre
O velho homem estava pensativo: por que as coisas tinham de ser daquele jeito? Como um cão tão esperto pudera morrer atropelado?

Discurso direto
Pela primeira vez a menina visitava um parque de diversões. Exclamava para si mesma:
- Que lindo! Acho que este é o lugar mais incrível do mundo! Já sei: vou dizer a mamãe que quero morar aqui para sempre

Discurso indireto
Pela primeira vez... Exclamava para si mesma que tudo era... que... Então decidiu que ia...

Discurso indireto livre
Pela primeira vez...diversões. Que lindo! Aquele... Já sabia: ia dizer...

Continua…

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Hermoclydes S. Franco (1929 - 2012)



Nasceu em Niterói, em 26 de maio de 1929.

Aposentado. Advogado e administrador formado, respectivamente, pela Faculdade de Direito de Niterói e pela Universidade Gama Filho.

Começou a escrever literariamente em 1980, quando a preocupação com o que fazer após a aposentadoria, para preencher a mente com algo que pudesse trazer satisfação e impedir que a falta do trabalho pudesse trazer qualquer tipo de isolamento ou insatisfação. Na verdade sempre gostou de literatura, desde a mocidade, de maneira que não houve uma influência direta para que começasse a escrever. A preocupação com a futura aposentadoria levou-o a esse caminho.

Em 1985, iniciou preparativos para ingressar no meio trovadoresco, através da União Brasileira de Trovadores (UBT), o que veio a mostrar-se uma positiva decisão, ocorrendo a filiação à seção do Rio de Janeiro no 2º semestre daquele ano. A aposentadoria viria a concretizar-se em 1991, após 40 anos de trabalho em apenas duas empresas brasileiras: a Cia. Aços Especiais Itabira (ACESITA), de l95l a l973, e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1973 a 1991.

Os seus primeiros trabalhos literários de algum valor foram uma versão em quadras da ORAÇÃO DE S. FRANCISCO DE ASSIS (1985), posteriormente musicada pela trovadora -musicista GLORINHA VELLOSO, e o poema “PARQUE ITATIAIA (A Natureza, o Poeta e o Insensato) – 1º premio em Concurso Comemorativo do cinqüentenário dos parques Nacionais Brasileiros (1987).

Não possui livros editados. Apenas diversas plaquetes em edições restritas feitas artesanalmente e distribuídas gratuitamente a amigos. Destes o mais importante é a série “TROVAS, SIMPLESMENTE TROVAS”: 1º VOL/1993; 2º VOL/1998; 3º VOL/2003; o VOL. IV, a em 1998, seguindo o mesmo processo.

Como escritor conheceu perfeitamente suas limitações, mas procurou manter acesa a chama da esperança e jamais deixar de sonhar, apanágio maior dos poetas.

Ao longo de 20 anos de participação em concursos de trovas e de poesias, é natural que possua cerca de 400 premiações nesses certames. Grande é a alegria por ter obtido o 1º prêmio em quadras no I Concurso Algarve/Brasil (1997) e Menção Honrosa no II (1998) e duas Menções Honrosas no Grande Concurso de Quadras de S. João (1993) do Jornal de Noticias do PORTO. Algumas poesias (sonetos e poemas) premiadas em vários estados brasileiros.

A quem começasse a escrever agora, o único conselho que daria seria no sentido de que estude permanentemente todos os meandros de nossa Língua Portuguesa, para não se permitir cometer erros crassos em seus escritos, como ocorre comumente com tantos pseudo-escritores.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 8 de agosto de 2012.

Fontes:
Portal CEN
Macae News

Hermoclydes S. Franco (Livro de Trovas e Poesias)

Hoje fiquei sabendo que o poeta e trovador Hermoclydes S. Franco faleceu ontem no Rio de Janeiro. Mais uma grande perda para o meio literário brasileiro.

Como amigo e irmão das letras, senti que devia fazer algo para homenagear este grande trovador, deixando gravado os seus textos nas páginas da história da literatura brasileira, por isso abaixo pode-se ler , baixar ou imprimir o Livro de Trovas e Poesias dele.

Abra AQUI 

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 632)

Uma Trova de Ademar 

Numa imensidão de Paz,
com imagens que Deus cria,
a natureza se faz
musa da minha poesia.
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


A bonança desejada,
além da paz mundial,
é ver a fome zerada
com justiça social.
–Ruth Farah/RJ–

Uma Trova Potiguar 


Sei que tu mesmo não crês
no que diz teu coração...
o teu sim vale um talvez,
teu talvez é quase um não.
–José Lucas de Barros–

...E Suas Trovas Ficaram 


Quanta tristeza me invade
ao sentir chegar meu fim...
E, em meio a tanta saudade,
sinto saudade de mim!...
–Hermoclydes S. Franco/RJ–

Uma  Poesia 


Todo aquele que caçoa
da onisciência divina,
denominando-se ateu,
vai cumprir a sua sina.
Julgando-se muito esperto,
um dia verá de perto,
a “verdade” que ilumina!...
–Francisco Macedo/RN–

Soneto do Dia 

BLINDAGEM.
–Lisieux/MG–


Por fora a armadura de aço escovado
reflete ao redor uma luz fraca e fria
que esconde a tristeza da vida vazia
e o vácuo no peito, desesperançado...

Por fora a dureza de ferro batido
lutando com o mundo que gira ao contrário...
e olhos que buscam reter o cenário
que foi pelo monstro do tempo engolido.

Por fora o sorriso tão seco e gelado,
a voz de aspereza de frio punhal...
Por dentro? O segredo que fica abafado,

o peito em pedaços, repleto de dor...
Por dentro o vazio que não tem igual,
que é marca da vida carente de amor.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Rio de Janeiro Trovadoresco

Livreto 1 com 170 paginas com trovas de trovadores do Rio de Janeiro, até a letra L. Breve o livreto 2
Especial João Freire Filho, falecido esta semana.. 

Leia e/ou faça o download AQUI

 João Freire Filho
Abigail de Araújo Lima Rizzini - Abílio Kac - Adelir Coelho Machado - Agostinho Rodrigues - Ailto Rodrigues
Alba Helena Correa - Albertina Moreira Pedro - Alberto Lima - Alda Pereira Pinto - Alice Alves Nunes -  
Alírio de Oliveira Ramos - Almerinda Liporage - Almir Pinto de Azevedo - Amadeu Laginestra - Ana Maria Motta - Anis Murad - Antonio Carlos Piragibe - Antonio Manoel Abreu Sardenberg - Antonio Seixas - Antonio Werneck - Arthur Nunes da Silva - Benedita Silva Azevedo - Brasil dos Reis - Casimiro de Abreu - Célia Cavalcante - Cid Andrade - Dalmir Penna - Diamantino Ferreira - Dirce Montechiari - Djalda Winter Santos - Edmar Japiassú Maia - Elen Novaes Félix - Elisabeth Souza Cruz - Florestan Japiassú Maia - Francisco Rosetti - Gilson Faustino Maia -
Gumercindo Jaulino - Haroldo Werneck - Hermoclydes S. Franco - João Costa - João Rangel Coelho -  
Josafá Sobreira da Silva - Lamartine Babo - Laurindo Rabelo - Lilian Maial - Lilinha Fernandes - Luna Fernandes

Haicai 6 - Mario Zamataro (Curitiba/PR)


Carolina Ramos (Caderno de Poesias)

RETORNANDO...
DE UMA FESTA POÉTICA


 Obrigada, Senhor, eu Te agradeço
 os dias de emoção que me ofertaste;
 este sol, esta luz, que não tem preço
 e faz do céu azul o seu engaste;

 estes campos viçosos que se estendem
 numa carícia aos olhos que, cansados,
 buscam repouso e o brilho reacendem
 na veludosa ondulação dos prados.

 Obrigada, Senhor, pela ternura
 colhida em cada gesto, em cada olhar...
 ficou mais bela a minha noite escura
 depois do beijo suave do luar.

 Obrigada, Senhor, muito obrigada,
 pela doce esperança que acarinho
 de que a Poesia, que me abriu a estrada,
 me ajude a reencontrar este caminho!

ANSEIO

 Por mais que em convulsões o mundo trema,
 rumo ao caos que implacável nos atinge...
 Por mais, seja negado o suave lema,
 Paz e Amor, que de sangue hoje se tinge...

 Por mais que o desencanto fel esprema
 nas almas secas de quem já nem finge,
 creio, ainda, num Deus que é Luz suprema,
 e é Sol que aclara o Bem e o Mal restringe!

 Mesmo envolta nas sombras da amargura,
 mesmo que os dias sigam mais tristonhos
 e a vida, cada vez menos segura,

 fujo à incerteza que o momento traz
 e, sempre vivo, a incrementar meu sonho,
 eu guardo o anseio de encontrar a Paz!

 A GRANDE MESTRA

 Não temas que o Destino te atraiçoe
 pondo pedras demais no teu caminho.
 Usa as pedras que acaso ele te doe,
 e, ao construir, não estarás sozinho!

 Se Deus te deu a luz da inteligência
 e o poder de ir e vir em liberdade,
 tens o solo, a semente e, com paciência,
 um dia hás de colher felicidade!

 Não creias, por temor e covardia,
 que só o Destino teu porvir decida!
 - Destino tu constróis, a cada dia!
 E a Gran Mestra da Obra é a própria Vida!

 ENCANTAMENTO

 Como se a luz de um palco se abrandasse
 velada pelas nuances da cortina,
 assim o fim-do-dia inteiro dá-se,
 num cenário de encanto que fascina!

 O sol, como se o leito procurasse,
 reduz o ardor da audácia matutina.
 Um toque de rubor colore a face
 das nuvens com recatos de menina.

 Volta em bando ruidoso o passaredo,
 não é mais dia e não é noite ainda,
 ganham mais vida os galhos do arvoredo!

 A tarde se desfaz... o céu deslumbra...
 e a natureza, cada vez mais linda,
 mergulha, pouco a pouco, na penumbra!

 CONSELHOS DE MÃE

 Meu filho, a vida é dura e fere... e nos magoa...
 mas, trata-a com respeito e guarda a dignidade.
 Ainda que a alma inteira sem clemência doa,
 não permitas que o mal altere o que é verdade!

 Sonha bem alto e segue o voo do teu sonho,
 sem pressa de alcança-lo e tendo-o sempre à vista!
 Cada dia que passa é um dia mais risonho,
 quando o amanhã promete as glórias da conquista!

 “Segura a mão de Deus!” Segue o rumo sem medo.
 Os caminhos, verás, se abrirão à medida
 que teu passo provar firmeza e, sem segredo,
 revelar o sentido e o Ideal da tua vida!

 Não temas opressões nem quedas. Persevera!
 Se achares que ao final o saldo não convence,
 reage, continua... a vida tens à espera!
 Confia em teu valor! Trabalha! Luta! E vence!

ALMA LIBERTA

Ser livre é poder falar e seguir livre depois...

 A paisagem é rude! E triste pobre é o mundo
 onde o sonho fenece à míngua de lugar!
 Onde a Fé e a Esperança habitam caos profundo,
 onde o Amor estertora, exangue a agonizar!

 Olho o ventre da terra, ubérrimo, fecundo,
 a pedir que a semente o venha despertar.
 E vejo a fome rir... levando ao colo imundo
 as vidas que roubou da indigência ou de um lar!

 Clamo! Fechem-me a boca e hei de gritar! Que importa,
 seja selado o vão de minha humilde porta,
 ninguém há de abafar meu grito, meu lamento!

 Clamo! Quebro o silêncio... o vil silêncio imposto!
 - De que serve o mutismo a mascarar meu rosto,
 se tenho a alma liberta e livre o pensamento!?

CÂNTICO DE FÉ

 Manhã de sol, fragrante a maresia!
 A vida a pedir vida, de asa ao vento...
 Cada suspiro alenta o novo dia
 e cada instante vale o novo alento!

 O sonho espera na amplidão vazia...
 E o vazio recua no momento
 em que o Amor se antecipa, na alegria
 de recompor os sonhos em fragmento!

 Ouro jorra do azul. Rebrilha o sol.
 Desdobram-se as alvuras do arrebol
 e em taça cristalina a aurora dá-se!

 O céu é fonte a transbordar de luz!
 E, enquanto a Deus entrego a minha cruz,
 eu bebo Fé nesta manhã que nasce!

SILÊNCIO

 O silêncio sucede à voz da tempestade.
 No silêncio do aroma, inteira dá-se a rosa,
 a oferecer à vida a sua amenidade
 e em silêncio a desfolha a insensatez maldosa!

 Há silêncio no espaço. E densa nebulosa
 guarda estrelas sem conta! A penumbra persuade
 de que se oculta em véus, talvez, porque invejosa
 desses sonhos de luz, de brilho e de verdade!

 Se o silêncio de um beijo, ou tantos que colhemos,
 em transportes de amor, em anseios supremos,
 a vida transformar em pedras contra nós,

 silenciemos, calando a mesquinhez do mundo,
 que não entende a voz do nosso amor profundo,
 nem o amargo e infeliz cansaço de dois sós!

BENDITO SEJA...

 As palavras o tempo apaga e arrasta
 - pétalas soltas, ao sabor do vento...
 O livro é escrínio que resguarda e engasta
 as jóias perenais do pensamento!

 O livro é amigo silencioso. E basta
 que traga em si o gérmen do talento,
 para, banindo a dúvida nefasta,
 mentes clarear e aos sonhos dar alento!

 Bendito o livro que mantém o lume
 do saber, a ajudar a erguer-se um povo
 que na cultura o seu lugar assume!

 Bendito seja quem imita os astros,
 valorizado, a cada instante novo,
 à luz de um livro, que lhe doura os rastros!

SAUDADE

 Roubando idéias sensatas,
 tu queimas, corróis, causticas!...
 Saudade - torturas, matas!
 Mando-te embora mas... ficas!

 Que esta mão, que o verso escreve,
 de minha alma te retire!
 Saudade, a vida é tão breve,
 deixa que eu, livre, respire!

 VI NOS TEUS OLHOS:

 A negação de tudo o que eu sonhara!
 A saciedade, o tédio, a indiferença.
 o desencanto, consequência clara
 da estafa emocional, que o amor dispensa!

 Mentiras, decepções, vi nos teus olhos,
 neles tentando achar sinceridade.
 Vi muita coisa boa entre os escolhos,
 porém, não pude ver felicidade!

PRESENÇA

 Tão feminina e triste, minha amiga,
 não queiras com teu jeito amargo e doce,
 instilar-nos no sangue o fel da intriga:
 - basta o suplício que este adeus nos trouxe!

 Nosso amor é tão grande... não periga!
 Ao teste da distância, confirmou-se.
 Deixa que a vida sua estrada siga...
 Nossa estrada, por ora, bifurcou-se.

 Terna, dizes que beijas seus cabelos...
 Eu asseguro que não tenho zelos
 por estares, fiel, sempre ao seu lado:

 - Ora, saudade, não me fazes ciúmes!
 - Ao lado dele, minha forma assumes
 e, junto a mim, tens o seu rosto amado!

Fonte:
http://www.avspe.eti.br/avspe2012/CarolinaRamos.htm

Nei Lopes (Água de Cuíca)

Nelsinho Leiser é um tremendo cuiqueiro. E no ano passado recebeu um convite pra ir à Alemanha com a bateria de sua escola.

— Alemanha... gringo... legal! Vou descolar uns dólar nessa viagem! Pensou longe o Nelsinho. E aí embarcou pra terra de Schumacher levando umas quinze cuícas sobressalentes: — É estepe... mandou na alfândega, na maior cara de pau. O federal achou engraçado e refrescou.

Em Frankfurt, depois de muito chope preto com lingüiça branca, Nelsinho botou pra quebrar: solou o hino do Flamengo, deu gargalhada, tocou o Brasileirinho, tudo isso numa das cuícas que levou pra vender.

Os gringos ficaram malucos e acharam que era mole. Aí Nelsinho vendeu uma, duas, três... as quinze. A preço de salsicha: 2 marcos cada uma.

Só que os quinze gringos esfregavam, esfregavam e não saía nada. Então, começaram a se encrespar, achando que tinham sido vítimas de um logro.

Foi aí que o Nelsinho Leiser deu o golpe de misericórdia:

— Calma, calma! – É que tem que molhar o pano.

— Com água comum? — pergunta um dos gringos, através de um intérprete brasileiro.

— Não, não! Tem que ser água de cuíca. É  um preparo especial que faz elas até falar Eu tenho aqui...

Vendeu 15 vidrinhos no ato. A 500 marcos cada um.

––––––––
Nei Lopes (1942) é escritor, compositor, pesquisador das culturas da Diáspora Africana, advogado, e mora em Vila Isabel, Rio de Janeiro. Além dos sambas deliciosos e de grande sucesso que fazem a alegria dos nossos ouvidos é defensor e ativo participante do movimento pela igualdade de direitos da raça negra. Colabora com crônicas para jornais e revistas cariocas.

Fonte:
“171-Lapa-Irajá”, Ed. Folha Seca – Rio de Janeiro. Disponível em http://www.releituras.com/neilopes_cuica.asp

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 631)

Uma Trova de Ademar

João Freire, querido João,
pra ti eu tiro o chapéu...
Serás também campeão,
nos Jogos Florais do Céu!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


A luz se vê facilmente...
Porém o que mais me assombra
é notar que tanta gente
enxerga primeiro a sombra!!!
–Milton Souza/RS–

Uma Trova Potiguar 

 
Amor, sublime ternura,
que brota do coração;
não há paixão sem loucura,
nem terno amor sem paixão.
Hélio de Almeida/RN–

Uma Trova Premiada 


2000  -  Goianá/MG
Tema  -  SEARA  -  M/H


Planta o amor à tua volta
numa seara sem nome,
que as sementes da revolta
nascem do fruto da fome!
–Carolina Ramos/SP–

...E Suas Trovas Ficaram 


No amor que a nós dois encanta
e, para alguns, é até “crime”,
há tanta ternura, tanta,
que mesmo errado... é sublime!...
–Nádia Huguenin/RJ–

Uma  Poesia 


Todo poeta é irmão
cavando o mesmo garimpo,
na busca rara, incessante,
atrás do cristal mais limpo,
que brilhe e que encante o monte,
onde Deus bebeu na fonte
que bebe a musa do Olimpo!
Prof. Garcia/RN–

Soneto do Dia 

A SERESTA DO ADEUS.
–Larissa Loretti/RJ–


Ages, assim, comigo, indiferente,
e do teu coração fechas a porta...
não vês que nesta noite é comovente
a solidão, mas isso não te importa.

Embora a tua ternura esteja ausente,
a minha poesia o amor exorta,
mesmo sabendo que a palavra mente
e a esperança de ver-te, esteja morta!

Nesta noite, estou só, sem teu carinho.
A minh'alma tristonha se angustia,
as estrelas se apagam, no caminho...

Na varanda do tempo, que me resta?
A rede da saudade que se amplia
e a voz do adeus fazendo uma seresta...

Machado de Assis (Aquarelas: Os Fanqueiros Literários)

Não é isto uma sátira em prosa. Esboço literário apanhado nas projeções sutis dos caracteres, dou aqui apenas uma reprodução do tipo a que chamo em meu falar seco de prosador novato — fanqueiro literário.

A fancaria literária é a pior de todas as fancarias. É a obra grossa, por vezes mofada, que se acomoda à ondulação das espáduas do paciente freguês. Há de tudo nessa loja manufatora do talento — apesar da raridade da tela fina; e as vaidades sociais mais exigentes podem vazar-se, segundo as suas aspirações, em uma ode ou discurso parvamente retumbantes.

A fancaria literária poderá perder pela elegância suspeita da roupa feita, mas nunca pela exigüidade dos gêneros. Tomando a tabuleta por base do silogismo comercial é infalível chegar logo à proposição menor, que é a prateleira guapamente atacada a fazer cobiça às modéstias mais insuspeitas.

É lindo comércio. Desde José Daniel, o apóstolo da classe — esse modo de vida tem alargado a sua esfera — e, por mal de pecados, não promete ficar aqui.

O fanqueiro literário é um tipo curioso.

Falei em José Daniel. Conheceis esse vulto histórico? Era uma excelente organização que se prestava perfeitamente a autópsia. Adelo ambulante da inteligência, ia farto como um ovo, de feira em feira, trocar pela enzinhavrada moeda o pratinho enfezado de suas lucubrações literárias. Não se cultivava impunemente aquela amizade; o folheto esperava sempre os incautos, como a Farsália hebdomadária das bolsas mal avisadas.

A audácia ia mais longe. Não contente de suas especulações pouco airosas, levava o atrevimento a ponto de satirizar os próprios fregueses — como em uma obra em que embarcava, diz ele, os tolos de Lisboa, para uma certa ilha; a ilha era, nem mais nem menos, a algibeira do poeta. É positiva a aplicação.

Os fanqueiros modernos não vão à feira; é um pudor. Mas que de compensações! Não se prepara hoje o folheto de aplicação moral contra os costumes. A vereda é outra; exploram-se as folhinhas e os pregões matrimoniais e as odes deste natalício ou daqueles desposórios. Nos desposórios é então um perigo; os noivos tropeçam no intempestivo de uma rocha tarpéia antes mesmo de entrar no Capitólio.

Desposório, natalício ou batizado, todos esses marcos da vida são pretextos de inspiração às musas fanqueiras. É um eterno gênesis a referver por todas aquelas almas (almas!) recendentes de zuarte.

Entretanto, esta calamidade literária não é tão dura para uma parte da sociedade. Há quem se julgue motivo de cuidados no Pindo — assim como pretensões a semideus da antiguidade; é um soneto ou uma alocução recheadinha de divagações acerca do gênesis de uma raça — sempre eriça os colarinhos a certas vaidades que por aí pululam — sem tom nem som.

Mas entretanto — fatalidade! — por muito consistentes que sejam essas ilusões, caem sempre diante das conseqüências pecuniárias; o fanqueiro literário justifica plenamente o verso do poeta: não arma do louvor, arma do dinheiro. O entusiasmo da ode mede-o ele pelas possibilidades econômicas do elogiado. Os banqueiros são então os arquétipos da virtude sobre a terra; tese difícil de provar.

Querendo imitar os espíritos sérios, lembra-se ele de colecionar os seus disparates, e ei-lo que vai de carrinho e almanaques na mão — em busca de notabilidades sociais. Ninguém se nega a um homem que lhe sobe as escadas convenientemente vestido, e discurso na ponta dos lábios. Chovem-lhe assim as assinaturas. O livrinho é prontificado e sai a lume. A teoria do embarcamento dos tolos é então posta em execução; os nomes das vítimas subscritoras vêm sempre em ar de escárnio no pelourinho de uma lista-epílogo. É, sobre queda, coice.

Mas tudo isso é causado pela falta sensível de uma inquisição literária! Que espetáculo não seria ver evaporar-se em uma fogueira inquisitorial tanto ópio encadernado que por aí anda enchendo as livrarias!

Acontece com o talento o mesmo que acontece com as estrelas. O poeta canta, endeusa, namora esses pregos de diamante do dossel azul que nos cerca o planeta; mas lá vem o astrônomo que diz muito friamente: — Nada! isto que parece flores debruçadas em mar anilado, ou anjos esquecidos no transparente de uma camada etérea, — são simples globos luminosos e parecem-se tanto com flores, como vinho com água.

Até aqui as massas tinham o talento como uma faculdade caprichosa, operando ao impulso da inspiração, santa sobretudo em todo o seu poder moral.

Mas cá as espera o fanqueiro. Nada! o talento é uma simples máquina em que não falta o menor parafuso, e que se move ao impulso de uma válvula onipotente.

É de desesperar de todas as ilusões!

Em Paris, onde esta classe é numerosa, há uma especialidade que ataca o teatro. Reúnem-se meia dúzia em um café e aí vão eles de colaboração alinhavar o seu vaudeville quotidiano. A esses milagres de faculdade produtiva se devem tantas banalidades que por lá rolam no meio de tanto e tão fino espírito.

Aqui o fanqueiro não tem por ora lugar certo. Divaga como a abelha de flor em flor em busca de seu mel e quase sempre, mal ou bem, vai tirando suculento resultado.

Conhece-se o fanqueiro literário entre muitas cabeças pela extrema cortesia. É um tique. Não há homem de cabeça mais móbil, e espinha dorsal mais flexível; cumprimentar para ele é um preceito eterno; e ei-lo que o faz à direita e à esquerda; e, coisa natural! sempre lhe cai um freguês nessas cortesias.

O fanqueiro literário tem em si o termômetro das suas alterações financeiras; é a elegância das roupas. Ele vive e trabalha para comer bem e ostentar. Bolsa florescente, ei-lo dândi apavoneado — mas sem vaidade; lá protesta o chapéu contra uma asserção que se lhe possa fazer nesse sentido. A Buffon escapou esse animal interessante; nem Cuvier lhe encontrou osso ou fibra perdidos em terra antediluviana. Por mim, que não faço mais que reproduzir em aquarelas as formas grotescas e sui generis do tipo, deixo ao leitor curioso essa enfadonha investigação.

Uma última palavra.

O fanqueiro literário é uma individualidade social e marca uma das aberrações dos tempos modernos. Esse moer contínuo do espírito, que faz da inteligência uma fábrica de Manchester, repugna à natureza da própria intelectualidade.

Fazer do talento uma máquina, e uma máquina de obra grossa, movida pelas probabilidades financeiras do resultado, é perder a dignidade do talento, e o pudor da consciência.

Procurem os caracteres sérios abafar esse estado no estado que compromete a sua posição e o seu futuro.

Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
Publicado originalmente em O Espelho, Rio de Janeiro, 11 e 18/09 e 9, 16 e 30/10/1859.