domingo, 10 de novembro de 2019

João do Rio (Coração)


A Irineu Marinho.

Quando chegou a casa para almoçar, João Duarte soube pela criada que a menina ardia em febre. Nem descansou o chapéu. Precipitou-se no quarto onde a pequena Maria, numa grande cama, estendia o seu corpinho ardente.

— Que tens, minha filha?

Maria não respondeu. Apenas agitou a cabeça como se a incomodasse qualquer coisa no pescoço, e tinha a pele de brasa, a pele que parecia fogo.

— Como foi? Como foi? perguntava o pai, curvado sobre o leito. Comeste decerto alguma coisa que te fez mal. Uma fruta decerto? Com este calor, louquinha, com este calor! Mas vamos mandar a Jesuína ao médico. Ele vem já, dá-te umas drogas, e ficas outra vez boa, pois não?

Saiu para a sala de jantar, escreveu á pressa um bilhete.

— Leva já isso ao doutor Guimarães. Depressa.

— E o senhor não almoça? Está pálido.

— Não, perdi a fome. Esta Maria! Decerto fez alguma imprudência. Anda, vai. Diz-lhe que venha imediatamente. Que te parece a doença da Maria?

— Oh! meu senhor, uma das doenças da menina. Oito dias, e sara.

João Duarte forçou um sorriso de esperança e de novo foi-se ao quarto. A pequena continuava numa ânsia, a mover a cabeça, os olhos fixos, uma vermelhidão na face, os braços também vermelhos. João aconchegou-lhe as cobertas, apalpou-a, teve vontade de tirar o cobertor ao mesmo tempo que lembrava ir buscar mais outro, abriu as cortinas das janelas, olhou fora sem ver o movimento da rua, tornou à filha, beijou-a, passeou nervoso, sentou-se à beira da cama, ergueu-se, apanhou uma cadeira, suspirou, quedou-se com uma dor indizível a olhar a pequena. Era sempre assim, era sempre aquele excesso. A sua filha, a sua querida filha! João Duarte era um pobre professor de matemáticas, com uma larga fronte e um gênio arrebatado. Diziam-no de grande talento os discípulos, posto que bastante original. Filho de uma família rica e de raízes nobres, viu-se aos treze anos, ao cursar o primeiro ano da Escola Central, na miséria, porque o pai morrera de congestão em véspera de certa combinação da Bolsa e os sócios, irmanados na infâmia, haviam absorvido com descaro toda a fortuna. João entregou a parte que lhe cabia dos restos da herança às irmãs e continuou só a estudar, ensinando para viver. Os amigos acharam excessivo o gesto do rapaz. Ele nem sorriu — porque sentia na sua alma um desejo infinito de amar e dedicar-se.

— São minhas irmãs! dizia.

Naquele tipo de matemático, havia um ser excepcional, o estofo de um santo? Quem sabe?

Ele resumia a vida no amor que se entrega suave e sem mácula, e enquanto através do seu curso brilhante, lentes e condiscípulos vaticinavam-lhe o mais brilhante futuro, pensava em criar uma família, em ter um lar para ter alguém seu e inteiramente dedicar-se, velando, cuidando, sendo a causa dos prazeres, o principio das alegrias de alguém. Casou com uma pequena de família humilíssima antes de terminar o curso. Era um colégio gratuito em que meia dúzia de rapazes ensinavam meninas pobres. Ela aparecera aos treze anos, pálida, com as mãos bem tratadas, um sorriso de resignação nos lábios. Ele indagou da família, e certa vez em aula:

– Menina, queres casar comigo?

Toda a aula riu, achando graça na pilhéria do senhor professor. A pequena ficou mais pálida e duas grossas lágrimas rolaram-lhe pelas faces brancas. Ele foi dali à casa da mãe, uma senhora viúva de gênio irascível, que vivia com três filhas honestas a fornecer comida para fora.

— Mas, senhor doutor, está louco! Minha filha tem treze anos apenas. É uma criança.

— Não importa. Espero até aos quinze, mas fica noiva.

A mulher desconfiou a princípio e negou-lhe entrada. Ele começou a presentear a criança, e dar-lhe dinheiro entre as folhas dos livros mandados à velha, de quem sabia as necessidades, a enche-la de cuidados, num exagero que a assustava. Era um amor mais de pai que de noivo, um amor sem desejo de carne, espiritual e enorme. Ela foi a pouco e pouco acostumando-se, vendo nele o protetor, menos que o apaixonado. Certa vez, ao entrar na aula, recebeu a primeira carta de amor: “ Venha já. Mamãe com um ataque. Nós três sós e aflitíssimas.” Partiu. A moléstia da velha era grave e ele ficou para fazer-lhe fricções, dar-lhe banhos, enquanto naturalmente as despesas da casa corriam por sua conta. Quanto era preciso trabalhar! Lecionava em três colégios, tinha aulas particulares, ensinava à noite turmas de calouros. Morria de trabalho e estava satisfeitíssimo, sentia-se feliz quando a Aurélia dizia:

— O pai quando era vivo também fazia assim!

Para não chocar a suscetibilidade da velha, imaginou tomar pensão na sua casa, pagando o triplo do que devia pagar, acabou pedindo-lhe um quarto, em cima, no sótão do velho prédio, o quarto em que estavam os cacaréos [1]. Quantos sabiam do fato comentavam-no com acrimônia [2]. Estava o João Duarte de dentro, com três virgens! Que sátiro! Sempre que a opinião da rua filtrava através das portas, a velha em cólera, bramia, gesticulava, bradava. E João, sem forças, dizia súplice:

— Mas se não é verdade? Se a senhora sabe que não tenho intenções más?

— Era melhor que as tivesse! Ao menos sabia-se logo! engrolava a velha no auge do furor.

Que se há de fazer? Cada um como nasceu...

Ao cabo de dois anos, porém, casou. Foi modesto o casamento. Ele apareceu com o mesmo fato preto com que diariamente labutava. Não lhe sobrara dinheiro, tanto era o luxo para a noiva e tantos os objetos comprados para a nova casa, aos poucos, com mil sacrifícios e uma porção de trabalho, muito trabalho. Mas Aurélia não o amava. Nunca amou a ninguém. O desequilíbrio nervoso da mãe redundara nela numa vaga histeria. Precisaria de certo de um homem brutal. Encontrara perdida no mundo uma rara alma. A influencia da mãe, as suas ordens, os seus conselhos era que a regiam. João marido passou a ser a criatura que tem obrigação de dar. Ele dava como um escravo. Nunca um enlevo, um simples gesto terno lhe acolheu sacrifícios de dinheiro, sacrifícios de trabalho. A família, por ver Aurélia feliz, começou a querê-la menos. As duas irmãs solteiras açulavam os maus instintos da velha, e eram elas que faziam a chuva e o bom tempo na casa de João. Às vezes, Aurélia entrava em casa a chorar:

—- São umas miseráveis ! Trataram-me como um cão, depois de lhes ter dado uma porção de coisas!

A cólera estalava na alma de João.

— Já não te tenho dito tanta vez? Não lhes fales! Elas invejam a tua felicidade.

— Se elas soubessem!...

— Então, não és feliz?

—Eu feliz?... Ah! que ideia!

Um grande desejo de insultar aquela criatura vulgar empurpurecia a face de João. Mas para que? A pobre mulher não o compreendia, ele é que escolhera mal amando-a, amando-a com aquele estranho amor de altruísmo e incapaz de viver senão para por ela sofrer e a ela dar todo o produto do seu sangue, dos seus nervos, da sua inteligência. De resto, Aurélia rebentava em choro ou caía em profundos silêncios agonientos. Era preciso diverti-la, dar-lhe mimos, leva-la ao teatro. Então João multiplicava-se. Quando não havia criada, era ele de madrugada que ia acender o lume, preparar o primeiro almoço, levá-lo à cama. Saía, corria às obrigações, com a redingote verde e os sapatos em mau estado, voltava para o a1moço carregado de frutas, de gulosinas [3] de que ela dizia gostar.

— Trouxe-te figos e bombons. Come.

— Não quero, fazia ela instintivamente cruel, empurrando os embrulhos.

Ele tinha um vinco de tristeza e de raiva logo sopitada [4]. Mas comia à pressa qualquer coisa, ia logo trabalhar. Ao jantar trazia-lhe sempre uma recordação, ria verificando que já não existiam frutas e bombons, mandava-a vestir para o teatro, e ainda dava explicações a uma turma, entre o jantar e o teatro. Ela saia sempre contrariada porque o marido tinha pressa e voltava em cólera porque havia no teatro mulheres mais bem postas ou porque a peça não lhe agradara. João, humilde, preparava-lhe o chá, preparava-lhe o leito, ia para a sala escrever e estudar até de madrugada, e muita vez Aurélia acordou sobressaltada, com ele ao lado a olha-la enternecido.

– Ah! que susto! até pareces um lobisomem!

Mas, de súbito, Aurélia aparecia mais alegre, consentindo mesmo numa carícia. Era a reviravolta. Fizera as pazes com os parentes, ou antes, sem recursos, a velha mãe e as irmãs solteiras tinham vindo alegremente fazer-lhe uma visita. As frutas, os bombons iam embrulhados tal qual para a casa delas, os cortes de vestido, os frascos de perfumes sumiam-se do guarda vestido.

— Como estou aborrecida! Se me deixasses ir ver a mamã? Ela afinal é mãe. Não há duas mães...

João sorria.

— Vai, filha. Não te prendo, mas vê se consegues demorar as pazes.

— Se elas brigaram foi culpa tua. Não insultes a minha família. Minha mãe é minha mãe.

— Bom, bom, nada de zangas. Vai, anda...

Por que tentar o impossível? Ela não o compreenderia nunca. Era um espírito de criança numa alma de mulher sem amor. Como sentir aquela afeição tão fina, tão superior em que a honra, a dedicação, o sonho de um homem cheio de coração irradiavam? Um rapazola qualquer com três socos talvez abrisse na rocha a fonte do amor. Um tipo cheio de dinheiro espalhando notas do banco talvez a fizesse esquecer os seus deveres de esposa. E João Duarte recalcava bem no íntimo um vago e atroz ciúme do que não existia, culpava-se, culpava-se e vinha a ama-la mais, a rodeá-la de maiores carinhos para não perde-la, para não se ver perdido, porque precisava amar alguém, dar a sua dedicação a alguém. Assim viveu dez anos. Parecia ter vivido vinte. Estava magro, abatido. As roupas de baixo tinha-as rasgadas. Os fatos duravam-lhe dois anos. Não bebia senão água: comia sempre pensando noutra coisa, e dormia pouco, cada vez menos, com o cérebro cheio de preocupações, as aulas, as vontades de Aurélia a satisfazer, os negócios a liquidar com os prestamistas. Foi por essa ocasião que a mulher se fez mais criança ainda, começou a ter vômitos, a sentir os pés inchados, a vociferar com ciúmes, despedindo as criadas aos gritos. João não acreditava. Seria possível? Mas o médico não lhe deixou dúvidas. Após dois lustros [5] de união, Aurélia estava grávida. Todo o desejo do pobre em fim realizado! O seu amor foi tão grande, o sentimento da paternidade fê-lo tão loucamente feliz, tão cheio de carinho para com a mulher, que ela, uma vez na vida, cedeu, deixou-se embalar. E eram passeios e eram consultas de médico e eram beijos. Nos últimos dias era ele quem a vestia.

— Vamos ter um filho! Um filho! Sorri, tolinha! Sorri ! Vai ser tão bom... Se for mulher, havemos de chama-la Maria, hein? Querias que fosse homem? Ah! egoísta! Os filhos gostam sempre mais das mães que dos pais. Mas há exceções. Tu por exemplo és mulher e gostas muito da tua mãe.

— Não fales! Não fales!

O parto foi laborioso. Aurélia gritou duas noites, julgando-se desgraçada e intimamente culpando daquele horror o marido, que não dormia, de um para outro lado, aflito, pálido. Quando a pequena nasceu, uma noite de temporal no mês de junho, João ao toma-la ao colo sentiu uma tontura de alegria. O mundo se transfigurava. Os móveis tocavam-se de uma luz estranha. O teto abria uma chuva de delícias. Afinal o destino realizava a sua única vontade: uma filha! O seu sangue, parte do seu ser, com alguma coisa da sua alma, o desdobramento belo do seu eu. A essa sim, ele podia amar totalmente, com o seu grande amor sempre contido e represo, a essa devia amar e sentia amar, a essa entregaria a sede de pureza e ideal do seu coração dedicado, porque ela havia de compreende-lo, havia de senti-lo, havia de saber que a sua vida inteira de esforço, de coragem e de sofrimento tinha por fim, por meta do sonho, por último círculo do paraíso — ela.

— Minha filha..., murmurou num êxtase, minha filha...

Mas decerto o destino dando-lhe uma filha queria simplesmente aumentar as angústias desse humilde coração sensível, feito de excessos de ternura e de dedicação. Maria nascera doente. Aurélia, vendo que os carinhos do escravo diminuíam e por uma feição dos seus nervos em desequilíbrio, desinteressou-se dos carinhos maternos ao mesmo tempo que sentia um violento ciúme do marido, apontando-o como o inimigo pronto a roubar-lhe o amor da filha. Era o próprio egoísmo, o feroz egoísmo das histéricas. João entrava da rua ansioso.

— E a pequena?

— Não sei, pergunta à ama. Pois se não a largas!

Ele queria sorrir, hesitava, não compreendia bem aquele azedume eterno e lá se ia para o berço a olhar, a olhar, muito, muito... Sem nunca ter aprendido, viu-se à perfeição a enfaixar a petiza, a embala-la, a cantar cantigas, com uma voz muito triste. Ele, que nunca na sua vida cantara por não ter tempo nem alegria, sentia naquela obrigação de carinho paterno que cantar era para a sua alma como desabafar soluços guardados no seu peito de homem muitos anos antes, toda a sua vida.

Quando se anunciou a dentição, Maria foi presa de uma febre violenta. João desvairado mandou chamar um médico amigo, seguia-lhe as prescrições à risca, com altas doses de quinino, e a pequenita deu de piorar. Era um erro de diagnóstico, o tratamento contrário, a morte. Em casa havia uma balbúrdia. Aurélia, incapaz de resistir, dormia nas cadeiras. As irmãs e a mãe, inteiramente inúteis, julgavam a criança perdida e apostavam o dia da sua morte. Ele nem mais dormia, nem mais comia, aflito, louco, com a pequenita nos braços, sem consentir que a tocassem.

— Deixem! Tenho esperanças! Uma grande esperança...

E a velha muito sincera:

— Qual! aqui só o milagre!

Começaram as conferências. Os remédios enchiam os consolos da sala. Um dia, fora de si, ele chamou o médico.

— Está perdida?

— Meu pobre amigo...

— Está?

— Infelizmente.

— Pois bem. Peço-lhe um grande obséquio de camarada. Venha apenas passar o atestado. Não lhe demos mais medicamentos. Custa-lhe tanto! Ela faz uma cara tão feinha. Eu fico a acalenta-la até a morte. Talvez o meu amor...

— Sim, talvez, fez o médico a sorrir com descrença.

E ele ficou, no escândalo condenador de toda a casa, a passear a filha, a dar-lhe gotas de leite, a anima-la, a incutir-lhe com toda a força da sua vontade o desejo de vê-la viver, de vê-la renascida. Assim passaram quarenta dias. Quando ao cabo desse século de dor e de tensão nervosa, viu a pequena sorrir-lhe sem febre, sã, de aparência sã, mirou-se num espelho por acaso, ao passar, e notou então que tinha ainda envelhecido. O médico chamado confirmou:

– Sim, com efeito, a reação... Mas como sofreste, meu amigo! Estás mais branco.

— Que queres? É a vida, fez ele a rir para os outros que sorriam. E querer bem custa tanto!

A doença da filha viera desorganizar-lhe a vida do lar, se é que tinha isso. Aurélia cada vez mais nervosa, de pior humor, estava realmente doente e não se sentia senão irritada contra a filha. João não podendo conceber esse coração, dividia-se entre as duas, atenuava, mas à proporção que o amor da filha mais se enraizava, a mágoa da esposa aumentava. Maria, a petiza, tinha uma saúde de vidro. O pai fazia-lhe uma atmosfera de suavidades. Foi ele quem lhe ensinou os primeiros passos, foi ele quem a fez repetir as duas primeiras sílabas formando sentido e quem toda noite até Maria ter cinco anos a adormecia numa vasta cadeira de balanço a cantar baixinho velhas canções de embalar crianças. Aurélia, indignada, à hora de ir ao teatro, surgia.

— Mas é espantoso! Adormecer ao colo uma pequena de cinco anos! Bem diz a mamã que as tuas maluquices estragam a menina! João deitava a filha recomendando à criada mil precauções. No teatro ou onde estivesse a conduzir a esposa, apanhava sempre alguns minutos, tomava um tílburi [6], ia até a casa ver se Maria dormia bem.

Esses cuidados, o amor incomparável faziam a petiza grata, com a gratidão das crianças que é de tão grande egoísmo. Como a avó levava a fazer-lhe censuras com o pretexto de a educar assim como as tias, Maria odiava os parentes. Como a mãe nos seus acessos neurastênicos dava razão à família e batia-lhe, tinha pela mãe um sentimento muito vizinho do medo. O pai era bem tudo, resumia todos os amores na sua permanente carícia, e fazia-lhe todas as vontades, comprava-lhe brinquedos, brincava com ela, e nada mais agradável para os seus curtos instantes de descanso do que ir fazer com a filha o “chicote queimado”, fingir que não descobria um lenço escondido e vê-la rir, rir como riem as crianças, pondo um pouco do céu sobre a terra. Enfim ele realizara a felicidade. Havia um ente por quem se sacrificava mas que só no mundo a ele via com amor ! E a cada achaque de moléstia, a cada febre violenta da menina, ficava aí perto do leito, sem pregar olho, olhando-a, exigindo que ela vivesse, com medo dos médicos, da família, de todos. Dos sete anos porém para diante, Maria só adoecera duas vezes e ele estava já pensando num fenômeno de saúde, já descansado, já com o sonho de um futuro risonho ao ver a filha linda, corada, sadia, quando ao entrar em casa encontrava-a assim, a arder em febre. Seria grave? Seria coisa de nada? Maria continuava a agitar a cabecinha, os dois olhos injetados.

Então João suspirou de novo. Teria coragem de ir até ao fim, teria energia para vencer nessa nova luta? E foi ao encontro do Guimarães, que entrava acompanhado da Jesuína.

— A Maria, sabes, aquelas coisas... Parece-me sério.

— Vamos a ver. Não te aflijas.

Entrou, começou a examinar a doentinha, demorou o exame num profundo silêncio, em que João parecia de mármore para não deixar transparecer a sua angústia. Depois, pensou.

— É difícil um diagnóstico. Por enquanto vamos dar-lhe um laxativo e um pouco de quinino para combater a febre.

– Quinino! Ela tem horror ao quinino.

— Ora, João, deixa de tolices. Como queres tu combater a febre? Ela tem trinta e nove e oito décimos.

Foi-se a receitar, e como amigo da casa, ordenou a Jesuína levar a receita.

— Volto à tarde. Até logo. Não te aflijas, homem.

João ficou no quarto, tal qual tinha entrado, com o chapéu na cabeça, a sobrecasaca aberta. Era como se tivesse recebido a notícia de que o mundo ia a desaparecer. Então a sua filha doente? E grave, grave! Sim. Estava grave! A pequena no leito crescia da agitação, erguendo os braços, sacudindo a cabeça nos travesseiros. De repente, ergueu-se atirando longe as cobertas, sentou-se.

— Minha filha, que é isso?

— Já é tarde, vou vestir-me.

— Não podes; estás doente.

— Ah! quanto fogo! É um fogo de artifício. Espera. Onde estão as botinas?

— Maria! Maria! olha teu pai.

— Ah! as baratas, as aranhas. Que porção de baratas! Vamos mata-las, vamos. As botinas...

Era o delírio. Sem forças para rete-la, temendo magoa-la, João acompanhou-a. A pequena corria a casa, ele precipitava-se para fechar uma ou outra janela, para amparar-lhe os passos titubeantes. Era o delírio. Era a morte. Oh! sim, era a morte! Maria entretanto não caminhou muito. Súbito esmoreceram-lhe as pernas, e ele levou-a ao colo para o leito, aconchegou-a bem, ajoelhou na borda da cama.

— Maria, descansa; não morras, minha filha, não morras porque eu não resisto!

E sentiu que chorava, que pela primeira vez na vida chorava na presciência da fatalidade inexorável. Mas era preciso lutar, arrancar o seu entezinho ao irremediável. Enxugou as lágrimas, as ideias um tanto confusas. Aquela calma de amor com que reagia sempre outrora se transformara numa agitação febril em que a sua vontade se per­dia. Quando os medicamentos chegaram, foi ele mesmo a administra-los. A febre continuava.

Para o jantar Aurélia entrou, e ainda toda enfeitada no quarto:

– Então que é isso?

– A Aurélia mal, desde que saíste, parece.

–  Não há de ser nada.

–  É grave. Já delirou, está delirando. Maria, minha filha...

–  Se mandássemos prevenir a mamã?

–  Faze o que quiseres, deixa-me, deixa-me !

Ao escurecer, o doutor Guimarães reapareceu. A febre não cedera, antes aumentara. O médico balançou a cabeça. Era impossível fazer ainda um diagnóstico, mas o estado da menina inspirava cuidados. Se não tinham confiança nele, poderiam chamar outro para uma conferência, e mesmo não o preferir... De resto a casa já tinha esse aspecto que precede as tragédias, como se o inanimado, os móveis, os muros, os quadros, os objetos sentissem antes dos homens o arrepio da morte, a passagem da ceifadora. A família de Aurélia aparecera. A velha dogmática arrasava Guimarães e queria outro médico. As irmãs já asseguravam o caso perdido, como de costume. A vontade de João soçobrava. Ele queria estar apenas perto de Maria, não se tirar dali, ser o único a cuida-la. Então foi pela casa, dirigida pelas mulheres, como um vento de ensandecimento. A primeira conferência relegara Guimarães. Um outro médico moderno e célebre aparecera, imaginando banhos quentes e injeções hipodérmicas de quinino, enchendo os aparadores de frascos e de caixetas. Batiam à porta sinistramente os fornecedores. Uma grande banheira foi instalada no quarto. Para enche-la, cada um trazia o seu jarro d’água a ferver. João calafetava as portas, despia com uma delicadeza infinita a pobre Maria, tomava-a ao colo, depositava-a na banheira com um arrepio, como se estivesse a matar a filha, enquanto o médico contava os minutos. Tomava a pegar da criança, enxugava-a, envolvia-a nos cobertores, quedava-se, com os olhos muito abertos, um vinco de angústia entenebrecendo-lhe a boca. E o médico tomava da agulha, enterrava-a no ventre da filha, indiferente, conversando. Como apesar dos laxativos, o ventre continuava átono [7], recorreram aos clisteres [8]. Ele os dava só, sabia de todos os remédios e passava a noite, aos pés da cama, olhando a filha. Quando ela dormia, chorava, e murmurava tão baixo que só a sua dor o ouvia.

— Não me deixes, Maria, não me deixes... Ah! não que eu morro, que eu morro! Por que vieste, hein? Por que? Para me fazer sofrer? E de uma vez em que estava assim, com a face molhada de lágrimas, ouviu a voz da filha:

— Ah! paizinho! Quanto trabalho está tendo comigo!

— Maria!

— E não vale a pena...

— Meu amor, não fales, ouviste? dorme. Estás muito melhor.

Tocou-lhe nas mãos, e, com efeito, sentiu-as menos quentes. A febre declinara. Uma chama de esperança brotou-lhe no coração. Esperou ansioso a manhã, e quando o médico chegou, disse-lhe quase a sorrir

— Está melhor. A febre diminuiu.

— Acontece. É do curso da moléstia. Tem trinta e oito graus de febre.

— Então?

— O perigo ainda não desapareceu, meu caro. Sua filha tem uma grave moléstia com períodos fatais. Há quanto tempo caiu? Há oito dias. Desde esse momento os dias tem se conservado firmes, de sol. Esperemos que assim continue o tempo mais uma semana e eu garanto a vida da pobre criança. Mas, se por acaso tivermos uma brusca mudança meteorológica, uma tempestade, o abaixamento da temperatura — é difícil dizer qualquer coisa.

— Então, se o tempo conservar-se firme?...

— E se houver a tempestade...

Certo João Duarte nunca na sua vida se sentira tão a braços com o destino triste. Ouvira falar de moléstias em que a variação atmosférica influi perniciosamente, sabia mesmo o nome de algumas, mas a hiperestesia [9] da sua angústia, a tensão nêurica [10] em que o mantinha a iminência do desastre, aquele ror de noites passadas em claro, o esforço físico de andar com a petiza ao colo já tão crescida, e esse martírio de sofrer na alma todos os cruciantes sofrimentos físicos da filhinha faziam-no perder a noção nítida das coisas, esbatiam [11] a vida em torno do grande problema : salvar Maria. A ideia da tempestade entrou-lhe no cérebro de matemático, de homem de ciência sem abusos, sem crendices, como o anúncio da catástrofe que era preciso evitar a todo transe. Um tremor convulsivo tomou-o, e a sua atenção bipartiu-se entre o céu e a filha com o pavor de um primitivo diante dos elementos. Se chovesse, se no céu lindo rolasse o fragor do trovão e nuvens negras toldassem o azul do firmamento, toda a razão de ser da sua existência naufragaria porque a filha não poderia escapar. Não se tirou mais do quarto. Passava a velar Maria e a ir de vez em quando levantar a cortina para olhar o céu, com um medo supersticioso.

Era em novembro, no começo do verão, nessa época de bruscas tempestades em que amainavam os grandes calores. A temperatura subia, o sol era um disco de fogo no azul de cobalto, do céu sem nuvens; e as noites se diluíam num escandaloso luar cor de ouro e cor de opala. Estavam a findar os dias do plenilúnio [12], iam entrar na minguante. Talvez mudasse o tempo. A febre não cessara, queimando a fogo lento os membros emagrecidos de Maria. A nevrose da casa tivera um hiato de cansaço, à espera do acontecimento. A família dormia pelas salas, sem pouso. Aurélia tivera dois ataques com gritos despedaçadores que faziam no seu leito a doentinha contrair o semblante numa inédita angústia de cadáver horrorizado subitamente voltado à agonia. Ele quedava-se, ouvindo o crepitar da lamparina e o tic-tac do relógio na sala de jantar a coser o tempo no pesponto certo dos segundos. Qualquer outro rumor, o arrastar de uma cadeira na casa vizinha, as vassouradas dos varredores pela madrugada, faziam-no pensar em trovões ao longe, em quedas d’água. Corria então à janela, levantava a cortina, perscrutava o céu calmo. Ah! se não chovesse! Se o milagre se desse! Se Deus quisesse! Até mesmo em Deus ele acreditava, pondo a reger aqueles fenômenos que a sua ciência conhecia, um ser sobrenatural e todo poderoso. E assim os dias passaram. Um, dois, três, quatro dias que eram para ele a corrida do seu coração, o galope dos sentidos por um túnel de treva à procura da luz anúncio da vida, dias de que contava as horas e os minutos e os segundos como se os sorvesse sedentamente num contador de fel, dias que lhe chupavam das artérias anos de existência.

— Façam uma promessa. segredava às mulheres, vocês que acreditam. Façam uma grande promessa. Eu cumprirei...

As criaturas, incapazes de sentir assim, estavam afinal tocadas de respeito, lamentando tanto a criança como aquela energia humilde que a seu lado se finava por ama-la demais. Os santos surgiam. Havia oratórios na sala de visitas, no quarto de Aurélia, com velas a crepitar. E a febre continuava a ressecar a pele branca de Maria, sempre, sempre, sem descontinuar. No quarto dia — era de madrugada e já João fora varias vezes olhar o céu — estava sentado a olhar o sono tenebroso da filha, quando pelos seus olhos passou um relâmpago. Não, era de certo alucinação da fraqueza. Correu à cortina e quedou-se com um arrepio de horror. Grossas nuvens vinham vindo do ocidente. A luz da lua era de uma intensidade cegadora, envolvendo de tal sorte o casario que parecia libra-lo [13] numa atmosfera de sol azul, coroando-o de icebergues de flocos. Na linha do horizonte, porém sucediam-se clarões como os que fazem os canhões ao longe a detonar. Era mesmo um canhoneio de chamas, de que ainda não se ouvia o barulho mas que barravam a barra do céu de putrefações luminosas.

João Duarte correu à filha, apalpou-lhe o braço descarnado, que ardia. Nesse momento ouviu-se um grande fragor pelo céu todo. Era o trovão. João passou várias vezes a mão pelo rosto. Era impossível! Era impossível! Talvez ele estivesse tentando os elementos, com a ideia permanente da chuva. Procurou alhear-se, pensar noutra coisa, arquitetou frases vagas, com os ouvidos à escuta, os olhos dilatados.

Esteve assim um instante que lhe pareceu um século. Não resistiu, voltou á janela. Já o céu de um azul de vidro se achamalotava [14] e se rendava de nuvens cor de cinamomo [15]. Qual! Era verdade! A chuva vinha, era fatal! Nunca na sua vida o destino sorrira senão para lhe lançar mais veneno na alma. Assistiria de pé à hecatombe. E depois estalaria, estalaria como estalara o trovão.

Que fazer? O céu em pouco foi todo um licor que baixava, empedrado de nuvens, empurradas pelo vento. A rua, minutos antes banhada de luz, escurecia em treva. Grossos pingos d’água começaram de bater na vidraça onde João tinha a face colada. Em pouco os pingos redobraram saraivando nos vidros, e os trovões tonitroavam, trovoavam, fragoravam no arquejo despedaçante do vento alanhando o negror do espaço de coriscos súbitos que rachavam a treva. E, àquela violência, João, como um náufrago, ainda tinha esperança, ainda pensava, que após o temporal voltasse o tempo firme definitivamente, e ainda houvesse um meio. Qual! Aquilo ia acabar, tinha de acabar. Era chuva de durar pouco! Mas a chuva caía, jorrava do espaço violenta e brutal, inundando a rua.

João olhou então a filha. A pobrezinha mostrava apenas a face de cera entre os caracóis dos cabelos. As olheiras eram roxas e o nariz afilava na sombra do para-luz. Pobrezita! Estava a descansar. Ele ficaria ali, contra o elemento, proibindo-o de entrar, impedindo-o de passar. As ideias fugiam do seu pobre cérebro sempre resignado. Abriu os braços nos portais, ficou assim longo tempo, pensando, pensando na tempestade, na filha, na tempestade que ia acabar, na filha que não podia morrer. Quanto tempo levou assim? Era impossível saber. Um zumbido tomara-lhe os ouvidos na recordação dos trovões, as fontes latejavam-lhe, e tinha as mãos frias como se as tivesse passado em gelo. Só deu acordo quando viu uma luz baça vir surgindo no espaço e viu que a chuva continuava lentamente, sem fim. Era das que não acabam! Deixou cair a cortina, veio na ponta dos pés até o leito, apalpou o corpo da filha. Estava sem febre, sim! sem febre alguma. Dera-se o prodígio? Seria possível? Então a chuva, a tempestade?... Apalpou bem a testa, o peito, os braços, os pés. Os pés estavam até frios. Ora esta! Um sorriso de satisfação abriu-lhe a boca, onde só a dor deixara vincos. Foi buscar um outro cobertor para os pés da queridinha, envolveu-os bem, e de novo apalpou as mãos. Estavam também a esfriar. Hein? Que era isso? Talvez o corpo, desacostumado da temperatura normal... Qual! Era idiota o que dizia! Chamou a filha, baixinho:

— Maria, ó Maria, melhorzinha?

A pobre não respondeu. Também tão fraca ! Nem de certo escutara... Chamou mais alto:

— Maria, então? queres deixar o pai do seu coração sem uma resposta? Não vês? Estou só, eu só aqui, eu que sofro contigo. Maria.

Estava atormentando-a com certeza. Ah! que bruto era, que mau! As mãos, porém, esfriavam. Oh! Uma nova complicação na noite, mais dores, mais males, mais horrores. Que seria? Foi até a cômoda, acendeu uma vela, veio ver de perto a sua adoração.

Maria tinha os olhos abertos, bem abertos, grandes, largos, abertos. Qualquer coisa de vidro cristalizava-lhe o brilho. E os lábios descerrados mostravam entre os dentes uns filamentos brancos, secos, uns filamentos que nunca vira. À luz da vela as pálpebras não bateram. Uma grossa lágrima rolava-lhe pela face. Já se lhe não sentia o respiração.

João Duarte deixou a vela ao lado, na cadeira, virou-se para um lado, virou-se para outro, passou as duas mãos pela cara, esmagando os dedos de encontro aos olhos, quis falar, quis chamar. Parou, pousou de novo o olhar no olhar que se embaciava, olhou, olhou a filha. Um tremor tomou-o, sacudiu-o, abriu-lhe a boca, como que lhe esgarçou os músculos. As mãos crisparam-se-lhe. E, de chofre, caiu para frente, sem apoio, no chão, com a face de encontro ao pé da cama, estalado de muito amar desgraçadamente.
_____________________________
Notas:
[1] Cacaréos – Trastes e utensílios velhos. Cacarecos.
[2] Acrimônia – Acidez. Aspereza.
[3] Gulosinas – Guloseimas.
[4] Sopitada – Adormecida.
[5] Lustros – Dez anos.
[6] Tílburi – Carros de duas rodas e dois lugares, sem capota ou boleia, puxado por um só animal.
[7] Átono – Sem emitir nenhum som.
[8] Clister – Injeção de água ou outro líquido medicamentoso via anal. Enema.
[9] Hiperestesia – Sensibilidade exagerada a qualquer estímulo.
[10] Nêurica – Referente ao sistema nervoso.
[11] Esbatiar – Atenuar.
[12] Plenilúnio – Lua cheia.
[13] Librar – Erguer. Suspender.
[14] Achamalotar – Referente a chamalote, tecido pesado de lã, com efeito ondeado.
[15] Cinamomo – Árvore ornamental cujas flores possuem uma tonalidade azulada.

Fonte:
João do Rio. Dentro da Noite.

sábado, 9 de novembro de 2019

Varal de Trovas n. 112


Vinicius de Moraes (Os Tristes Descaminhos)


     Quanto tempo, meu Deus, vai-se passar ainda até que um homem, rodando por essas estradas brasileiras de conservação tão precária, mas assim mesmo tão lindas, possa-se dizer, como se diz um americano, um alemão, um russo, um holandês, um canadense, um sueco - e pelo menos isto: não há fome? Até quando essas faces terrosas, esses olhos opacos, esses braços finos, essa pasmaceira filha de uma longa indigência sem remédio? Quando virá o dia em que, ao se parar num botequim para um café, não nos chegará de mão estendida uma criança imunda e endefluxada a nos exigir uma esmola com um duro olhar adulto? Ou um idiota de boca torta, os braços ainda saudosos da posição fetal, para nos dizer de sua angústia em sons afásicos, fazendo-nos olhar para outro lado como se não o estivéssemos vendo? Sim, porque o que é que adianta ver?

      São seres humanos, patrícios nossos, que tiveram a desgraça de ser concebidos na miséria, de semente já enfraquecida por endemias e carências - e isto numa terra vasta e generosa, em que se plantando, tudo dá. Ficam parados à porta dos casebres e das tendinhas, ou estão sempre em marcha ao longo das rodovias, transportando suas avitaminoses, seus vermes intestinais, sua dor de dentes crônica, para ir trabalhar num roçado cinco léguas adiante. E à noitinha voltam, silenciosos e apressados, pelas mesmas estradas, para o prato sem proteínas que lhes serve urna velha mulher jovem, a quem faltam os incisivos, enquanto no chão de terra batida choraminga sobre os próprios excrementos o último fruto de sua triste condição. Porque, sim! Constituem, em sua sórdida pobreza, um casal: a célula da criação; um casal que, um amparado no outro, segue em frente, na direção onde o levam a vida e a necessidade, repartindo o trabalho, a comida, o sonho. Sonho? - que sonho? Um casal capaz de criar, produzir, vender, ganhar, ter uma casinha com uma cama, uma mesa, um fogão a lenha e uma privada. Capaz de comprar uma merendeira para a filhinha que vai à escola. Escola? - que esperança!

Não, não são seres humanos. São bichos. É um verme humano, uma lombriga de calça e suspensórios, um ascarídeo que leva outro dentro. Cobrem o teto e a cabeça com palha, fumam palha, dormem sobre palha, são palha eles próprios - palha seca que se desfaz à simples fricção dos dedos.

Por que me apiedo deles? O que posso eu fazer por eles quando acima, muito acima de mim, muito acima do meu país, erguem-se forças cujo fragílimo equilíbrio reside em sua própria capacidade de destruição; forças cuja agressividade já independe, porque ultrapassaram todos os limites do cognoscível, forças que se podem desencadear num átimo por excesso de tensão?

No entanto, corta-me o peito vê-los em exposição como figuras de barro de um mau artista folclórico, acocorados onde os larga sua imemorial fadiga, pitando e cuspindo a saliva grossa do fumo de rolo, portadores, quase sempre, de conjuntivite crônica, às vezes rindo um riso matreiro com as gengivas desdentadas. Matreiro, por quê? Que espécie de inteligência podem ter senão a do instinto aguçado pela necessidade de sobrevivência, que lhes faz preciso o machado, rápida a foice, fulminante a faca que mata para não morrer?

São patrícios nossos, que não têm voz e não têm vez. Em suas vísceras carcomidas se gera lentamente o câncer, alimentado, também, por uma progressiva indiferença. Que adianta lutar? A única coisa a fazer é o gesto de cortar ou ceifar, levar a mão à boca e virar de um golpe a pinga ruim, onde fermenta a cólera assassina, deslocar os ossos da companheira esquálida num breve ato de prazer animal. Prazer? - que prazer? E conformar-se ao ver-lhe o ventre, já inchado de farinha, inchar mais, inchar mais, até, numa primeira lua nova, expelir um feto natimorto, ou destinado a morrer no primeiro ano de vida, quando não vinga por milagre para repetir, anos mais tarde, aquela mesma miserável mímica.

Que tristeza! E aí estão eles, pelas estradas do Brasil adentro, pobres imagens de cerâmica barata toscamente esculpidas. Às vezes, à porta do barraco, ponteiam sem emoção sons de viola e cantam toadas trêmulas, que falam da mesmice de sua vida, ou amores trágicos e valentias justiceiras, tendo como únicos ouvintes uma lua, no céu, um mocho num galho, uma aranha em sua teia, um vira-lata amigo, com as costelas à mostra.

Um dia, amanhecem mortos. Morreram de nó na tripa, transnominação eufemística para o câncer, a ruptura de hérnia, o vólvulo, a úlcera gástrica, a cirrose hepática. E são enterrados em cova rasa, no cemiteriozinho mais próximo: primeira e última generosidade do dono de terra para quem trabalham; senão, é abrir um buraco por ali mesmo e jogar o defunto dentro. Deixam para trás uma nova meretriz, que vende a pele frouxa e os seios deflatados para sustentar a prole. São gente sem história.

Meu amor, acorda, não me deixes, só, nesta sala noturna, a escrever estas tristezas. Não me deixes mais recordar esses casebres pobres de beira-estrada onde dormem e morrem irmãos meus em quem se descoloriu o sangue. Eu os estou vendo agora, dentro da noite negra a mugir inaudivelmente sua indiferença, os magros corpos magoados pela tábua dura das enxergas. Eles não sabem por que vieram, não sabem por que permanecem, não sabem para onde vão. Eles só sabem de uma coisa: ninguém se lembra deles, e eu também não quero lembrar mais. Vem, amiga, me serve um uísque, dose dupla, muito gelo. E põe depressa um disco dos Beatles na vitrola.

Fonte:
Texto publicado no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, em 31/12/1969.

A. A. de Assis (Poemas Diversos) 1


ABDITUM

Vontade
de dormir
mas não sonhar... dormir apenas...

Vontade
de encostar a vida
num abandono macio
esquecido de que existe um mundo inteiro
em torno de minha presença...

Vontade
de sair de mim
deixando meu eu
habitado de nada...

Vontade
de penetrar
num sono leve... longo e leve...
distante da própria respiração...

Vontade
de esquecer que existo
e de que existe um mundo inteiro
em torno de minha presença...

CHUVA

O céu está chorando
distante da cidade
envolta na tristeza
do pálido véu de lágrimas
da chuva que se derrama.

Escorrega na vidraça
uma lembrança
que me perturba.

Umedece-se na chuva
uma saudade
que me confunde.

Meus olhos estão chorando
distantes da lembrança
que escorrega na vidraça
do pálido véu de lágrimas
da saudade umedecida.

ICARAÍ

Barquinho de vela
desliza gostoso
na crista das ondas
pintando de branco
um ponto distante
no verde oceano.

Poeta
na praia
contempla
o poema
que boia
tranquilo
ao sopro
da brisa
fresquinha
do mar.

Barquinho flutua
brincando nas ondas
alguém dentro dele
sorrindo, cantando
fugindo, sonhando
singrando... singrando...

LENDA

Na praça adormecida
o chafariz namora a madrugada.

Menino aparece
quem sabe de onde
com seu violino
cantando e tocando
e bailando e sorrindo.

Um corpo de mulher
misteriosamente
substancia-se no chafariz.

E salta das águas
e cai de joelhos
e grita e lamenta
e chora em delírio
de mágoa e de dor.

Menino calmamente
emudece o violino
aproxima-se do vulto
toma-lhe o rosto nas mãos
trocam olhos, trocam beijos...

E partem os dois bailando...
Ele tocando, ela cantando...

Enquanto na praça adormecida
O chafariz namora a madrugada...

MENINA

Um dia menina linda
no meu quarto apareceu.

Menina sorriu contente
alegrando o mundo meu.

Menina de lábios quentes
minha boca apeteceu.

Beijando menina linda
louco amor em mim nasceu.

Menina foi logo embora
não sei onde se escondeu.

Menina deixou saudade
que até hoje não morreu.

MISSA

Sinos sacros bendenlengam no ar.
- Gutinho, levanta!
- Já vou, mamãe… aahhh!...
- Depressa, menino, está na hora da missa.
Sinos resmungam de novo no ar.
Último sinal
A cidade atende;
vai à Igreja
rezar.
Maria Amélia
e Dona Morgada
enchem de Agnus Dei
o Templo de Sigmaringa,
Padre Augusto gesticula no altar:
- Dominus Vobiscum!
Vozes de coroinhas:
- Et cum spiritu tuum!
Eucaristia!
Silêncio! Silêncio!
Corações em fila
à espera de Deus-Hóstia.
A música de Dona Morgada.
A voz de Maria Amélia,
O latim de Padre Augusto.
- Ave Maria, Gratia Plena...
- Amém!

RONDA

Dorme a cidade,
tranquila e silente.

Na esquina deserta
um poste
confidente mudo do guarda da noite
fura o nevoeiro.

Apitos
curtos e longos
apitos soturnos
misteriosos
furam o silêncio
levando recados
de paz ou de alerta.

Dorme a cidade
tranquila e silente.

Sucedem-se apitos
da ronda noturna.

ÚNICA

Flores de vária espécie
cresceram no meu jardim.
Em algumas amei a forma
em outras o colorido
em muitas bebi o néctar
e no perfume de todas
me embriaguei.

Mas um dia
entre as flores do meu jardim
cresceu uma flor tão linda
e pura
e de perfume tão singular
que todas as outras murcharam
morreram
caíram
desmanchando-se ao toque do tempo.

Apenas aquela flor
permanece em meu jardim:
nas suas pétalas
habita o meu destino.

Fonte:
A. A. de Assis. Robson (Robson 60 anos 1959 – 2019). 2. ed. Maringá/PR: A.R. Publisher, 2019.
Livro entregue pelo autor no lançamento da edição do livro, em 8 de novembro de 2019, na FLIM (Festa Literária Internacional de Maringá)

Nilto Maciel (Esfinge)


Naquela tarde saímos a passeio, nós duas e papai. Divertimo-nos como nunca. Assim mesmo, não saciamos a fome de brincar.

Papai sempre nos deu muito carinho. Em certas ocasiões, no entanto, tratava-nos até com aspereza, como se fosse outro. Era quando conversava com seus amigos. A nós dedicava todos os seus momentos de folga, fins-de-semana, feriados, férias. Passeávamos, brincávamos, como se os três fossemos crianças. Quando viajava, ficávamos tristes, porque mamãe não gostava de brincar conosco. Só me lembro dela a dormir, conversar com seus amigos e suas amigas, sair sozinha, a passeio.

Acostumamo-nos, desde cedo, à ausência dele. Viajava, frequentemente, de uma hora para outra. Não sabíamos para onde. E quase sempre demorava a regressar. Quando voltava, não o deixávamos em paz. Queríamos recuperar todo o tempo perdi­do.

Ao regressarmos do passeio, mamãe conversava, na sala, com Roberta Correia e Ponciano Bravo. Já conhecíamos Roberta, então frequentadora assídua de nossa casa. Deslumbrava-nos seu aspecto sempre juvenil, rindo e falando animadamente. Sua presença jamais passava despercebida. Onde quer que estivesse. Talvez porque falasse alto. Exaltava-se a todo instante. Parecia brigar. Era seu jeito natural de ser. Chamavam-na de irreverente, tagarela, bagunceira. Ao contrário de sua literatura, que não causa comoções. Pode ser definida como absurda, exótica, difícil.

Conhecemos Ponciano naquela tarde. Usava um enorme bigode e uns ócu1os horríveis. Pareceu-nos um homem sisudo. Como papai quando conversava com seus amigos.

Não nos interessamos pelo que diziam mamãe e seus dois amigos. Atraíam-nos os gestos, as feições, o exterior deles. Nos dias seguintes tornamos a vê-los reunidos. Não supomos ser Ponciano um homem dedicado à política. Papai e mamãe talvez soubessem disso. Sim ou não, dias depois ocorreria sua prisão.

Mamãe apresentou papai a Bravo. Papai não gostou de mamãe ter servido coca-cola e ofereceu uísque. Logo, falavam de uma revista dirigida pelos visitantes e na qual havia sido publicado um conto de mamãe.  Entusiasmada, ela mostrou aos dois amigos outros trabalhos seus. Alguns deles saíram na tal revista, naquele mesmo ano. Ela vivia dedicada à literatura. Escrevia muito. Até altas horas da noite. Papai reclamava, brigava.

Mamãe morreu quatro anos após a morte de papai. Parecia uma velha, apesar de ter apenas 36 anos! Como envelhecera nos últimos dez anos! Como desapareceram de repente tanta beleza e juventude!

Mamãe fumava em demasia. E escrevia a qualquer hora. E só escrevia fumando. Pegava papel, caneta, e fumava um cigarro atrás de outro. Ao longo das horas, muitas vezes, nada havia escrito. Sofríamos, embora não soubéssemos de sua doença. Por isso, sentimos muito mais sua morte do que a de papai.

Da revista passaram a livros de autores famosos, suas vidas, seus sucessos. Papai e Ponciano se calaram. Ocorreu-me a ideia de que aquilo fosse assunto exclusivo de mulheres. E eu podia ser também uma escritora, como mamãe e Roberta. Bravo e papai apenas balançavam a cabeça, riam, bebiam, fumavam.

A conversa, aos poucos, tomou outro rumo e os dois não se contiveram mais. Papai se pôs a falar e, em dado momento, se exaltou. De vez em quando, se levantava do sofá e gesticulava. Mamãe olhava para cima e pedia que se sentasse e falasse mais baixo. Ele se acalmava, tomava um gole e reacendia o cachimbo.

Papai possuía vários cachimbos. Quando um esquentava, pedia outro a mim ou a Gizé. E assim ia soltando baforadas, fechando os olhos e ficando calado. Depois retirava o cachimbo do canto da boca, derramava as cinzas e voltava a falar.

Aquela conversa me impressionou muito. Os gestos, as feições de cada um. Os olhares de pavor, admiração, espanto. So­bretudo os de Roberta. O tempo todo voltada para papai. Ponciano, no entanto, quase não olhava para papai. De vez em quando, se voltava para mamãe, a seu lado, e procurava falar de literatura. “Como está seu romance?”, disse várias vezes. “Vou publicá-lo no início do ano”, respondia ela.

O tal romance foi publicado alguns meses depois daquele dia. Antes disso, teve contos e capítulos de romances nunca concluídos publicados em revistas e jornais. Tudo escrito nessa época, pois nos últimos dez anos de vida quase nada escre­via.

Enquanto mamãe e Ponciano falavam e falavam de literatura, papai e Roberta se dedicavam à política. Trocavam informações, quando baixavam as vozes. Mamãe interferia. Contradizia papai sobre este ou aquele fato. Ele se aborrecia e mandava mamãe deixar de dar palpite sobre política. “Você entende muito de literatura, querida, mas de política nada.”

Só mais tarde, quando papai morreu, desapareceu ou viajou para não mais voltar, vim a pensar nessas suas advertências. Mesmo assim, não consigo decifrar certos enigmas daquela tarde.

A conversa se estendeu até altas horas. Estávamos com muito sono, eu e minha irmã. Nem vimos quando Ponciano Bravo e Roberta Correia foram embora.

Fonte:
Nilto Maciel. Tempos de Mula Preta, contos. Secretaria da Cultura do Ceará: 1981.
Livro enviado pelo autor.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Varal de Trovas n. 111


Luiz Poeta (A Pedra do Urubu)


Lá em cima era a pedra do urubu.

Não sei porque, mas nos buracos sobre a rocha existia uma estranha água verde que eles bebiam.

A pedra tinha uns dez metros irregularmente quadrados e era lá, realmente, a crista do morro.

A gente ficava ali os três, eu, o mano e a prima. Parecia, pelo menos dava-me a impressão de sermos os soberanos daquele reino distante da casa dos meus tios.

O grito de minha avó, entretanto, atravessava o quilômetro que nos dividia e desmaiava ainda estridente e frio em nossos ouvidos latentes de vitalidade.

E era uma louca correria morro abaixo, por cima dos matos, dos camaleões e jararacas, nas folhas secas e frutas caídas.

– O último é mulher do padre!

E eu nunca era mulher do padre, era exímio conhecedor daquele lugar e sabia todos os atalhos e caminhos.

E, após ouvir o carão de Dona Lina, bofes pela boca, jugular engrossada pelo nervosismo da preocupação, ganhava cada qual seu naco de broa de milho com baunilha, coco e café no canecão de lata de azeitona.

Depois o pique.

A molecada mestiça se reunia no terreiro e era uma algazarra total. As meninas com suas mechas cuidadosamente enroladas, os vestidos compridos, rodados, estampados e coloridos, com longos laços de fita, num nó sobre a cintura, nas costas, com as pontas caídas, com sutileza. Os meninos, cabecinhas carecas pelo corte a zero, topetes salientes na testa, calças curtas, suspensórios ou fitas cruzadas em xis no peito.

Os mais velhos sentavam-se às portas de suas casas e meditavam, conversavam baixinho, cumprimentavam-se amistosamente, divertiam-se contando suas histórias, solidarizando-se.

Nossos pais normalmente vinham tarde de suas labutas e, após a cachaça habitual ou o cafezinho da tardinha, iam dormir, sem antes reclamarem do emprego e dos chefes da fábrica de tecidos.

E lá era a pedra do urubu.

Adorava vê-los planarem como um avião, fantásticos, negros e silenciosos, e aterrissarem quase sobre nossas cabeças.

Camaleões mexiam-se no mato, coleiros e juritis cantavam solenemente e as lebres corriam em saltos...

Depois, veio a idade. Nunca mais fui visitar a pedra do urubu.

Fonte:
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Frei Agostinho da Cruz (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol. 11)


NA SERRA D’ARRÁBIDA

No meio desta serra, onde se cria
Aquela saudade d’alma pura,
Que no duro penedo acha brandura,
Ardente fogo dentro n’água fria:

Ouço do passarinho a melodia,
Vejo vestir o bosque de verdura,
Variar-se no céu outra pintura,
Que em vários sentimentos me varia.

Pasmando de quem mal se gasta a vida
De quem na terra quer subir ao céu
Pois caminhar em fim ninguém duvida.

Menos da vida estreita que escolheu,
Dos seus mais escolhidos mais seguida,
Christo Jesu, que numa Cruz morreu.

DA CONTEMPLAÇÃO A MESMA

Dos solitários bosques a verdura,
Nas duras penedias sustentada,
Nesta serra, do mar largo cercada,
Me move a contemplar mais formosura.

Que tem quem tem na terra mor ventura,
Nos mais altos estados arriscada,
Se não tem a vontade registrada
Nas mãos do Criador da criatura?

A folha que no bosque verde estava,
Em breve espaço cai, perdida a flor,
Que tantas esperanças sustentava.

Por isso considere o pecador,
Se quando na pintura se enlevava
Não se enlevava mais no seu pintor.

A NOSSA SENHORA DA ARRÁBIDA

Aqui, Senhora minha, onde soía
Cantar na minha leve mocidade
O muito que de Vossa saudade
Desejei de acender nesta alma fria;

Aqui torno outra vez, Virgem Maria,
Desenganado já, mais de verdade,
Pois me mostrou do mundo a falsidade,
Que a lágrimas comprei, quem me vendia.

Conselha-me tão claros desenganos
Que comece de novo nova vida
Nesta Serra deserta, alta e fragosa;

Mas são conselhos vãos, leves, humanos,
Que Vós nunca quisestes ser servida.
Se não por puro amor, Virgem formosa

À MORTE

Os correios da morte são chegados
Por caminhos antigos, impedidos
Mal com meus olhos, mal com meus ouvidos,
ML com meus pés, do chão mal levantados.

E mal, por não chorar bem meus pecados,
Que sendo sete, e cinco meus sentidos,
Por serem tantas vezes repetidos,
Impossível será serem contados.

Se não viera a morte acompanhada
De conta, que dar devo tão estreita,
Não fora tão penosa imaginada.

Mas a que vivo e morto tenho feita,
Tenho com meu Senhor na Cruz pregada,
Onde o ladrão contrito não se enjeita.

CHORA OS DESVARIOS DA SUA DESAPROVEITADA MOCIDADE

Ó montes altos, vales abatidos,
Verdes ribeiras de correntes rios,
Ora por baixo de bosques sombrios,
Ora por largos campos estendidos:

Onde mais claros vejo repetidos
Meus mal considerados desvarios
De pensamentos vãos, baixos e frios,
Emendados tão mal, quão mal sentidos.

Passei a mocidade sem proveito,
Antes contra meu Deus acrescentando
Culpas a quantas culpas tenho feito.

Cuja pena a velhice está purgando
Para passar da morte o passo estreito,
Se não se no seu sangue for nadando.

AO RECOLHER À NOITE PARA DORMIR
Onipotente Deus, que o sol criastes
Presidente da luz do claro dia,
E o governo da noite escura e fria
À inconstante lua encarregastes:

Por refúgio das gentes ordenastes
O repousado sono que alivia
O diurno trabalho e agonia,
A que nossa natureza obrigastes.

Pois deste se aproveita o inimigo,
Representando em sonhos e alusões,
Com que a vossa majestade ofendamos:

Livrai-nos do mal dele, e do perigo
De seus ardis e torpes invenções,
Por que dormindo ainda vos sirvamos.

AO LEVANTAR DA CAMA

Graças vos dou, Senhor, que da escura
Noite e perigos dela me livrastes,
Deste dia ver a luz deixaste
A mim humilde vossa criatura.

Fazei que esta alma seja nele pura
E limpa de pecado, pois a amastes,
E para me salvar do céu baixastes,
Tomando a carne nossa a figura

Com todo coração, e de vontade,
Com a palavra, obra e pensamento
Vos sirva, louve e ame neste dia.

Louvando vossa eterna majestade,
A meu obrar dareis merecimento,
Para gozar no céu vossa alegria.

Fonte Principal:

Francisco José Pessoa (Rua do Ouvidor – Retrato do Nosso Dia-a-Dia)


Transeuntes, tais verdadeiras formigas operárias nos seus ir e vir, com os olhos abaixados para o chão presente e o pensamento elevado para o céu futuro, chocam-se de quando em vez como num cumprimento forçado de quem navega numa artéria tão nervosa como és.

Vitrine natural de urna sociedade, temperas no teu leito o vistoso executivo engravatado, com o gasguito camelô que não poupa cordas vocais, para mostrar seus produtos de preços mais baixos, cujas vendas são o sustento seu e da família.

Via testemunha do viver cotidiano do nosso citadino, se algum dia fosses fechada, morreria um caminho vivo da nossa população andante, pois, és canal de comunicação de quem vai e de quem vem à procura da sobrevivência.

Verdadeira ponte do trabalhar e do ficar em casa, portas mil te fazem fronteira natural dando acesso ás lojas de variedades múltiplas que te enfeitam ou enfeiam, com suas fachadas caleidoscópicas.

Nasces numa praça, morres em outra, logradouro alegre onde conversas são perdidas e os sonhos de uma melhoria de vida são comentados, enquanto não sai o resultado do jogo do bicho.

Artéria ebulitiva da minha cidade, raia por onde correm homens a buscar o incerto, rica em cenários inesquecíveis como o observador ansioso da esquina da praça, que espera passar o vento amigo rodeando saias de moçoilas distraídas.

Nobre rua pobre, és fonte de vida para uns, passatempo para outros, albergando o homem que trabalha aos gritos, o aposentado que observa e sussurra, o descuidista pronto para dar o golpe, fazendo-te viva, ó imponente meretriz alameda da minha cidade.

Fonte:
Francisco José Pessoa de Andrade Reis. Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso. Fortaleza/CE: Íris, 2013.
Livro enviado pelo autor.

XXXV Concurso de Poesia Brasil dos Reis (Prazo: 29 novembro)


Realização do Ateneu Angrense de Letras e Artes

REGULAMENTO

O Concurso de Poesia “Brasil dos Reis” tem por finalidade estimular a produção poética e incentivar a Cultura.

INSCRIÇÃO

1) Será aberta em 29/05/2019 e encerrada em 29/11/2019.

2) Pode participar do concurso qualquer pessoa residente em território nacional ou em país em que a Língua Portuguesa seja oficial.

3) O trabalho, em envelope fechado, sem identificação externa, poderá ser enviado pelo correio ou entregue diretamente na sede do Ateneu:

ATENEU ANGRENSE DE LETRAS E ARTES *
XXXV Concurso de Poesia “Brasil do Reis”
CAIXA POSTAL: 73.325
Rua Arcebispo Santos, n° 135 (Praça Zumbi dos Palmares)
Centro
Angra dos Reis-RJ • CEP. 23900-160

E-mail: ateneuangrense@gmail.com


* (Como remetente, usar a mesma inscrição do destinatário)

4) Cada participante pode concorrer com um único trabalho, inédito, sendo que, para Verso Livre, será observado o máximo de trinta versos; é facultado, excepcionalmente, ao residente em Angra dos Reis, participar com um tema Regional ou um Nacional.

5) O trabalho deverá ser apresentado em 6 (seis) cópias, digitado em tamanho 12, contendo apenas o título e o pseudônimo do autor, acompanhado de sobrecarta identificadora, fechada, com o tema e o pseudônimo do autor na parte externa e, em seu interior, o pseudônimo, o nome do autor, o endereço correspondente, inclusive e-mail e telefone.

6) Em relação aos trabalhos enviados por e-mail, os concorrentes devem enviar as informações necessárias descritas no Item 5 para que o receptor, Ateneu Angrense de Letras e Artes, organize o envio para a Comissão Julgadora sem as identificações do autor.

7) Para todos os efeitos legais o participante do presente concurso declara ser o legítimo autor do poema inscrito e garante o ineditismo do mesmo, responsabilizando-se e isentando o Ateneu Angrense de Letras e Artes de qualquer reclamação ou demanda que, porventura, venha a ser apresentada em juízo ou fora dele.

TEMA E MODALIDADE

8) Para os concorrentes residentes em Angra dos Reis, Mangaratiba, Paraty, Itaguaí e Rio Claro, os temas são:

SONETO: FAROL
VERSO LIVRE: CANOA

9) Para os demais concorrentes os temas são:

SONETO: FANTASIA
VERSO LIVRE: VOZ

OBSERVAÇÃO: No desenvolvimento do tema, é permitida a variação de número (plural).

JULGAMENTO

10) A Comissão Julgadora das poesias, indicada pela coordenação do concurso, selecionará os 10 (dez) melhores trabalhos em cada tema, classificando-os com pontuação de 1 (um) a 10 (dez).

11) Os participantes cujos trabalhos forem classificados terão ciência do resultado, através de correspondência, telefone ou e-mail.

12) Os 3 (três) primeiros participantes cujos trabalhos forem classificados, devem indicar previamente os intérpretes de suas poesias para a apresentação na noite da premiação.

PREMIAÇÃO

13) Receberão troféu e certificado de classificação os autores dos 3 (três) melhores trabalhos, em cada tema, e certificado de menção honrosa os autores com trabalhos classificados do 4º ao 10º lugar.

14) Os 3 (três) primeiros trabalhos classificados, em cada tema, participarão do Concurso de Interpretação.

15) O intérprete primeiro classificado, em cada tema, será premiado com troféu e certificado.

16) A entrega dos prêmios e a interpretação dos melhores trabalhos acontecerão, em sessão solene, no dia 09/05/2020, em local e horário a serem divulgados oportunamente.

17) Os poemas classificados não poderão ser divulgados antes da premiação.

18) Os 10 (dez) melhores trabalhos de cada tema serão publicados pelo Ateneu Angrense de Letras e Artes.

DIREITOS

19) O ATENEU ANGRENSE DE LETRAS E ARTES reservará para si o direito de publicar as poesias classificadas.

20) Os trabalhos inscritos não serão devolvidos.

21) Ao fazer sua inscrição, o concorrente estará aceitando os termos deste Regulamento, ficando sujeito à desclassificação pelo não cumprimento do mesmo.

22) Os casos omissos serão resolvidos pela comissão organizadora.

23) Não poderão participar do concurso os membros das comissões organizadora e julgadora das poesias.
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Nota do Blog, dúvida tirada com o Ateneu:
Os trabalhos enviados por email devem obedecer ao ítem 5, sendo um documento em word com a poesia e pseudônimo e outro com os dados identificadores.

Caso premiado, quanto à pessoa a interpretar a poesia, se o poeta não puder estar presente, poderá indicar uma pessoa que se fará presente quando da premiação, ou poderá deixar a cargo do Ateneu Angrense a escolha de um intérprete.
 
Fonte:
Ateneu Angrense de Letras e Artes