segunda-feira, 28 de março de 2022

Eduardo Affonso (Dasdores)

O problema da inteligência artificial, pelo menos dessa que está ao meu alcance, é que ela é burra.

Pesquisei outro dia sobre aparelhos de celular. O meu estava do meio-dia pra tarde há algum tempo. Mal se aguentava por 12 horas, falhava nos momentos críticos e já não tinha memória para nada. Igualzinho ao dono.

Comparei modelos, escolhi um que me atendia e estava a preço promocional, comprei onlaine e fui buscar na loja física.  Pois desde então o FB e todos os portais de notícia me bombardeiam com anúncios do modelo de celular que agora tenho em mãos.

Como é que pode a internet ser tão inteligente e deduzir que eu estava procurando telefone (afinal, pesquisei no gúgol) e tão burra a ponto de não ter percebido que efetuei a compra?

Uma inteligência artificial que fosse pelo menos esforçada me perguntaria:

– E aí, Edu, tudo joia? Comprou o samsuguezinho?

(Uma inteligência artificial mediana trataria de ser amigável – daí me chamar de Edu, não de sr. Affonso – e teria coletado informações básicas a meu respeito – o que explicaria o “tudo joia”, expressão que, extinta em 1970, só sobrevive em Minas).

– Oi, I.A., tá boa, fia? Comprei, sim. Popará com os anúncios.

– Que bom. Vi que você comprou um aparelho vermelho. Era isso mesmo? Não foi errado e prefere comprar outro, de uma cor mais compatível com sua faixa etária? Azul ou cinza, por exemplo?

– Comprei sem me dar conta de que o da promoção era vermelho, mas não tenho preconceito de cor. E, antes que você inunde todas as páginas da internet com modelos de capas de celular, informo que já comprei uma. Preta.

– Joia. Vou voltar com as propagandas de camisas coloridas e pizza, então.

– Não, pelamordideus. Só pesquisei camisas coloridas para ilustrar um texto – jamais compraria aquilo. E a pizza foi um ato isolado, num momento de fraqueza. Era uma gigante por preço de média, e demorou tanto pra eu conseguir dar cabo dela que mais uns dias ela podia pedir usucapião da prateleira de baixo da geladeira.

– Beleza. Precisando de alguma coisa, estou por aqui. É só digitar no gúgol que eu apareço, tá?

– Obrigado, I.A.

– Pode me chamar de Dasdores.

– Vaicundeus, Dasdores.

Será tão difícil desenvolver um aplicativo assim? Que identificasse meu dialeto, minhas necessidades, que usasse um nome personalizado levando em conta meu bequigráunde cultural? Que me ajudasse a encontrar o que me falta, mas entendesse que ninguém precisa continuar correndo atrás da condução depois que já a pegou? Que tivesse realmente o desejo de facilitar minha vida?

“A emulação máxima da inteligência humana (que também serve ao Desejo) seria a soma do Desejo com a Consciência. Só não estou seguro de que isso seja… desejável. Uma I.A. desejante poderia tornar reais os pesadelos da ficção científica e querer dominar o mundo.” (F.D.)

Eu não me importaria que a I.A, quer dizer, a Dasdores, dominasse o mundo. Desde que parasse de encher minhas telas com celulares da Samsung. Ainda mais esses maiores, melhores e mais baratos que o que comprei. E, ainda por cima, azuis.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 3

Andando não sei por onde,
nas asas da soledade,
toda tarde o sol se esconde
pintando o céu de saudade!
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Ante um conselho que é justo
eu me curvo e me ajoelho
e pago por qualquer custo
o custo de um bom conselho!
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Aos corpos que, entre os farrapos
dormem sujos pelo chão...
Restam-lhes pois entre os trapos,
velhos trapos de ilusão!!!
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Dentre as estrelas brilhantes,
no céu, repletas de luz...
Cinco estrelas faiscantes
lembram-me o sinal da cruz!
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Eis que esse gesto de amor,
comparo às forças do além:
Que a planta que oferta a flor
perfuma as mãos de outro alguém!
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Esse dia me distrai,
e enche-me de amor, de afetos;
dos afetos, por ser pai
das filhas e dos meus netos!
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Há certos rituais nos templos,
que há tempos, nos dão sinais,
de exemplos, de maus exemplos
nesses velhos tribunais!
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Levem-me tudo, no entanto,
não levem minha viola;
que essa voz dela, é meu canto
e esse canto me consola!
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No sacrário dos meus dias,
cópias de antigas andanças,
são marcas das alegrias,
das verdadeiras lembranças!
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Nos momentos mais grotescos,
quando chove no sertão...
A chuva pinta arabescos
de esperanças pelo chão!
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Nossos sonhos sintetizam
a paz de todos os temas
que, docemente, deslizam
nos versos dos meus poemas!
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Num mosteiro, entre os aflitos,
que exemplo de gratidão...
Um monge pede em seus ritos
pelos sem-teto e sem pão!
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O entardecer se assemelha
a um fogaréu tão bonito,
que a tinta de cor vermelha
se espalha em todo o infinito!
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Por esse amor que carrego,
não vejo maldade alguma;
sou tão cego, quanto um cego
que não vê coisa nenhuma!
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Qual velho papel carbono,
quase sem tinta e sem cor...
Vai-se o meu sonho sem dono
buscando sonhos de amor!
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Quando a lua arranca as vendas
e sobre as ondas vagueia,
ficam mais lindas as rendas
que as ondas bordam na areia!
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Quando escuto a tua voz,
há um silêncio que me acalma!...
E, é nesse instante, entre nós,
que escuto a voz de minha alma!
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Quando escuto as tuas palmas
meus sonhos, são sonhos vãos,
por sentir que há duas almas
presas, às mãos de outras mãos!
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Quando o entardecer persiste
sem querer dizer adeus...
Deixa a tarde menos triste
no ocaso dos olhos meus!
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Reguei meu jardim com calma,
à espera que ele florisse,
para perfumar minha alma,
na solidão da velhice!
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Se a saudade é um mal sem cura
e, à solidão, nos conduz...
Entre a saudade e a ternura,
há sinais de treva e luz!
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Se a velhice é um bem sem dono,
não me sinto entre os sozinhos!...
Sei que os caminhos do outono,
são sempre os mesmos caminhos!
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Um sonho nunca envelhece!
E, entre sonhos pequeninos...
Ah! se em meu sonho, eu pudesse
unir os nossos destinos!
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Velha fonte, o vosso canto,
desvenda bem quem sois vós:
Maestrina do acalanto
do pranto que há entre nós!
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Velhice, se não te importas,
permite-me outras saídas...
Um outono sem folhas mortas,
mas só com folhas caídas!

Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

Irmãos Grimm (Mestre Sola)


Mestre Sola, era um homem baixinho, magro e irrequieto. Seu rosto pálido, de nariz arrebitado, era cheio de marcas de bexiga. Tinha cabelos grisalhos e duros e seus olhos pequenos e vivos não paravam um momento. Tudo percebia, tudo criticava, sabia tudo melhor que ninguém e sempre estava com a razão. Andando pela rua, movia os braços como se fossem remos. Uma vez, acertou em cheio no balde de água que uma jovem vinha carregando. E assim o balde, saltando pelos ares, derramou seu conteúdo em cima dele.

- Idiota! - gritou para a moça, enquanto sacudia a água das roupas. - Não viste que eu vinha atrás de ti?

Seu ofício era o de sapateiro e, quando trabalhava, puxava o fio com tal violência que metia a agulha nas costelas daquele que não se mantivesse a regular distância. Nenhum aprendiz ficava mais de um mês em sua casa, pois ele tinha sempre alguma coisa a criticar, por mais perfeito que estivesse o trabalho! Ora os pontos não eram parelhos, ora um sapato era maior ou em salto menor do que o outro; ou, então, o couro não fora suficientemente batido.

- Espera! - costumava dizer ao aprendiz - Que já te ensino como se bate sola!

E, apanhando uma tira de couro, aplicava-lhe umas boas lambadas.

A todos chamava de preguiçosos. Mas ele mesmo bem pouco trabalhava, pois não era capaz de ficar quieto nem um quarto de hora. Se sua mulher levantava de madrugada e acendia o fogo, saltava ele da cama e corria, descalço, à cozinha.

- Queres pegar fogo na casa? - gritava - Parece que vais assar um boi inteiro! Ou estás pensando que a lenha não me custa dinheiro?

Se as criadas se punham a rir e a conversar, lá ia ele e berrava:

- Aí estão essas gralhas grasnando em vez de trabalhar! E que faz esse sabão na água? Um desperdício escandaloso e, além do mais, é uma vagabundagem que não tem tamanho! Não esfregam direito a roupa para não estragar as mãos!

Em sua indignação, saía correndo e tropeçava num balde cheio de água suja que inundava a cozinha inteira.

Se construíam uma casa nova, corria à janela para observar.

- Lá estão eles empregando lajes para fazer as paredes! Um material que nunca acaba de secar! Nessa casa ninguém terá saúde. E vejam só como colocam mal as pedras do alicerce. A argamassa também não vale nada . Deviam por cimento e não areia. Ainda hei de ver essa casa cair na cabeça dos moradores.

Sentava-se e dava uns pontos, mas, em seguida, levantava-se de um salto e, enquanto tirava o avental de coufo, gritava:

- Preciso falar sério com essa gente!

Numa ocasião dessas, foi aos operários e se pôs a berrar:

- Que é isso? Para que serve o prumo? Pensam que assim as vigas ficarão retas? Um dia tudo isso virá abaixo!

Depois arrancando o formão da mão de um operário, começou a ensinar-lhe o seu manejo. Nisto, ao ver um carro que se aproximava, carregado de terra, soltou o formão e correu ao camponês que caminhava ao lado.

- Estás louco? - disse-lhe - Quem atrela cavalos tão novos a um carro assim carregado? Os pobres animais cairão mortos quando menos esperares.

O camponês não lhe deu reposta e Mestre Sola voltou, furioso, para sua oficina.

Quando se dispunha a trabalhar , de novo, o aprendiz entregou-lhe um sapato.

- Que é isso? - gritou - Não te disse que não cortasses os sapatos tão grandes? Quem irá comprar um sapato que só tem sola? Exijo que minhas ordens sejam cumpridas ao pé da letra!

- Mestre, - respondeu o aprendiz - sem dúvida o senhor tem razão ao dizer que o sapato não está bem feito, mas quem o cortou e começou a costurá-lo foi o senhor mesmo. Quando há pouco, o senhor se levantou tão depressa, ele caiu da mesa, e  nada fiz senão erguê-lo. O que acontece é que, para os senhor, nem um anjo do céu trabalharia direito.

Ora, na noite seguinte, Mestre Sola sonhou que havia morrido e se encontrava a caminho do céu. Ao chegar, bateu fortemente, à porta.

– É de admirar - disse - que não tenham uma sineta. A gente esfola os dedos batendo nessa porta.

São Pedro veio abrir, curioso por saber quem pedia entrada com tanta insistência.

- Ah, és tu , Mestre Sola?! - falou. - Eu te deixarei entrar, mas aconselho-te a abandonares o costume de criticar tudo e a não censurares o que vais ver no céu, do contrário, não te sairás bem.

- Podia ter poupado o conselho, meu santo. - replicou o Meste Sola - Sei conduzir-me corretamente e aqui graças a Deus, tudo é perfeito e nada há que mereça crítica, como lá embaixo.

Entrou, pois, e começou a passear pelos vastos espaços celestes. Olhava para a direita e para esquerda, sacudindo de vez em quando a cabeça ou resmungando entre os dentes. Nisto, viu dois anjos que carregavam uma trave; era a que um indivíduo havia tido no seu olho enquanto procurava o argueiro no olho do vizinho. Reparou, no entanto, que os anjos carregavam a trave ao comprido, mas obliquamente. "Já se viu maior desatino?"- pensou o Mestre Sola. Contudo, calou o bico e tranquilizou-se completamente o pensamento: "No fundo é indiferente que levem a trave como queiram, desde que possam passar. E, de fato, vejo que não batem contra nada."

Logo depois, viu outros dois anjos que deitavam água de uma fonte num tonel.  Ao mesmo tempo se deu conta de que o tonel estava furado e a água saía por todos os lados. Faziam cair chuva sobre a terra.

   - Com mil demônios! - explodiu Mestre Sola, mas dominando-se, pensou: "Talvez seja um passatempo. Se alguém acha graça nisso, que se divirta com essas coisas inúteis, principalmente aqui no Céu, onde, pelo que pude notar, todos andam vadiando.”

Foi adiante e viu um carro atolado num buraco muito fundo.

- Não é de admirar. - disse para o homem que estava ao lado. - Que ideia pôr tanta carga nele. Que leva aí?

- Boa intenções. - respondeu o outro. - Com elas não pude encontrar o caminho certo. Mas consegui arrastar o carro até aqui e sei que não me deixarão na entrada.

Realmente, pouco depois chegou um anjo e atrelou dois cavalos.

- Muito bem! - disse Mestre Sola. - Mas dois cavalos não tiram o carro daí; deverão se, no mínimo, quatro.

E veio outro anjo com mais dois cavalos. Não os atrelou, porém, adiante e sim atrás do carro. Aquilo foi demais para Mestre Sola.

- Pateta! - berrou, sem poder conter-se - Que fazes? Já se viu, desde que o mundo é mundo, desatolar um carro dessa maneira? Esses sabichões, em sua vaidade, pretendem saber tudo melhor que os outros.

E teria continuado a falar se um habitantes do Céu, que ali chegara, não o tivesse apanhado pela gola, expulsando-o com força irresistível da mansão celestial. Do lado de fora, o nosso mestre olhou, mais uma vez, para trás. Viu, então, que quatro cavalos com asas estavam erguendo o carro.

Nesse momento, Mestre Sola despertou.

- É verdade que no Céu tudo é um pouco diferente da terra, - disse para si mesmo - e por isso é preciso desculpar alguma coisa. Mas quem consegue assistir, com calma, que se atrelem cavalos adiante e as mesmo tempo atrás de um carro? Tinham asas, é certo. Mas quem poderia imaginar uma coisa dessas? Além disso, é uma burrice muito grande prender um par de asas a animais que já tem quatro pernas para andar. Devo agora levantar-me, pois do contrário, farão tudo errado nesta casa.  É uma verdadeira sorte que eu não tenha morrido de verdade!

domingo, 27 de março de 2022

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 36: Galdino Andrade

 

Benedita Azevedo (A vida continua...)

Eurídice chora a morte do marido de quem já estava separada havia muitos anos. Ele se casara com outra e ela com outro. Mas, continuavam amigos. Pois, tinham um casal de filhos, já adultos, que sempre contara com a assistência do pai. Ele desenvolveu um câncer e foi tratado com carinho pela nova esposa, que tivera um filho do primeiro casamento, e não quiseram outros. O rapaz vivia com o pai na Europa.

Sempre que podia, Eurídice visitava o ex-marido. Os três conversavam civilizadamente. As duas mulheres da vida de Artur desdobravam-se para tornar mais leves seus últimos dias de vida.

A Doutora Eunice, especialista em oncologia, acompanhava o paciente com desvelo. A esposa e Eurídice sentiam-se gratas por poderem contar com uma profissional tão dedicada, cuidando de seu ente querido. A médica chegou a arranjar uma enfermeira para que ficasse ao lado do enfermo, quando seus familiares não podiam atendê-lo. Segundo a médica, não era preciso preocuparem-se com a remuneração da profissional, pois era uma gentileza que a amiga, enfermeira, lhe prestava, em seu dia de folga. Os filhos comentavam com a mãe, sobre a necessidade de recompensar aquela profissional, ainda que fosse com um bom presente.

Numa crise mais grave, as duas mulheres e os filhos foram chamados às pressas. A equipe médica que o atendera saiu. A Doutora Eunice permaneceu no quarto ao lado da enfermeira. Depois, dirigiu-se ao moribundo, tomou suas mãos, e, diante da família agradeceu por não lhe ter deixado desamparada, após sair da firma grávida.

A esposa de Artur trocou olhares com Eurídice, sem entender nada. Os filhos olharam para a mãe e depois para o pai, alheios ao assunto. O pai, arquejante, passava os olhos de uma para a outra das três mulheres. Eunice pediu que todos saíssem para o doente descansar. Mas, Artur, com dificuldade, segurou na mão da esposa que estava à sua esquerda e na de Eurídice à sua direita. Todos ficaram atentos. Ele pediu perdão a uma e à outra e confessou que tivera uma filha fora do primeiro casamento. E que era mais nova que o filho mais velho, apenas dois meses. Eurídice soltou a mão dele, que continuou o relato:  

A mãe de sua filha era sua secretária do escritório de sua firma. Ao saber da gravidez, despediu-a, mas, deu-lhe todo o apoio. A filha crescera e ao completar sete anos, perguntara pelo pai. Todas as crianças tinham um, por que só ela não? Então ele a registrara e passara a acompanhar seu desenvolvimento. Era uma menina inteligente e conseguiu fazer o curso superior, e neste momento era uma excelente profissional.

Lágrimas corriam-lhe pela face. Observado por quatro pares de olhos incrédulos e dois surpresos, Artur continuou sua revelação. Disse que nunca pensou em desrespeitar ninguém. Mas que, o convívio diário com aquela moça tão gentil e solícita, acabara lhe despertando um sentimento que o arrebatou para seus braços. Ainda tentara se afastar, pois gostava da esposa que estava grávida e o amava muito. Então soubera que a moça também estava grávida. Tentando evitar comentários e problemas para si e a secretária, sugeriu que se demitisse. Nada faltaria para ela e a criança. Ainda conseguira levar o casamento por alguns anos e tivera mais uma filha com Eurídice. O desgaste no relacionamento foi recíproco e acabaram se desquitando, amigavelmente. Mesmo gostando da sua ex-secretária, não a amava o suficiente para lhe propor casamento. Continuou a lhe prestar toda a assistência e passou algum tempo sozinho. Só bem mais tarde, quando os três filhos já estavam crescidos, encontrou e se apaixonou pela mulher que hoje é sua esposa.

A esse ponto do relato as três mulheres choravam. Doutora Eunice enxugou a testa do moribundo e queria que ele descansasse. Mas, ele continuou...

– Nunca deixei faltar nada para nenhum dos meus filhos. Nem para minhas mulheres. Nem vai faltar quando eu não estiver mais aqui. Está tudo resolvido. Meu advogado já está instruído a resolver qualquer problema. Todos vão ficar bem. Não quero brigas após a minha partida.

Era uma cena comovente. Artur com as duas mãos segurando as das mulheres. Os filhos ao lado de Eurídice, a médica e a enfermeira ao lado da esposa. Artur respirou fundo. Apertou a mão das mulheres e continuou:

– Não fiz nada de mal para ninguém. Assumi as responsabilidades de todos os meus atos. Esta vida de aperfeiçoamento que levamos aqui é breve passagem. Cumprimos a nossa missão e vamos para outra esfera. Com certeza encontrarei amparo. Terei todos os cuidados que tenho aqui, e os parentes muito amados estarão à minha espera. Não quero que lamentem a minha partida, apenas orem, para que eu tenha êxito em minha nova vida.

Eurídice, a mais inquieta, perguntou quem era sua filha e onde ela estava? Artur parou de falar, passou os olhos por todos eles e pendeu a cabeça no travesseiro.

- Não o deixe morrer, eu preciso saber quem foi a mulher que destruiu meu casamento. Logo que eu engravidei do meu primeiro filho, Artur ficou indiferente. Chegava em casa tarde, sempre cansado, muitas vezes nem jantava. Dizia que estava sem fome. Engravidei da minha filha tentando reconquistá-lo, mas não adiantou nada. Acabamos nos separando. Agora está tudo explicado.

Doutora Eunice auscultou seu coração e constatou que estava morto. Pegou suas mãos e beijou, demoradamente. Depois se abraçou à enfermeira, aproximou-se do morto, pegou sua mão e falou: “Obrigada, pai, por me amparar e cuidar de mim e de minha mãe”.

Virou-se para a enfermeira e agradeceu: “Obrigada mãe, por me ajudar a cuidar do meu pai”.

Eurídice engoliu em seco e saiu com os filhos. A esposa a seguiu, pois precisava tomar as providências necessárias que a ocasião exigia. Eunice e a mãe permaneceram ao lado de Artur por mais algum tempo. Era a oportunidade que tinham, de se despedirem daquele homem que tanto amaram e que sempre as tratara com dignidade e respeito.

Narcisa Amália (Poemas Escolhidos)

O LAGO

I
Calmo, fundo, translúcido, amplo o lago
longe, trêmulo, trêmulo morria,
No seu límpido espelho a ramaria,
curva, de um bosque punha sombra e afago

Terra e céu, ondulando, eram na fria
tela fundidos! O queixume vago
que a água modula, de ambos parecia
solto, ululante, intérmino, pressago!

"Trecho vulgar de sítio abstruso e agreste"
talvez; mas todo o encanto que o reveste
sentisse; contemplasses-lhe a beleza;
comigo ouvisse-lhe a mudez, que fala,
e sorverias no frescor que o embala
todo o alento vital da Natureza!
= = = = = = = = = = = = =

PERFIL DE ESCRAVA

Quando os olhos entreabro à luz que avança,
Batendo a sombra e pérfida indolência,
Vejo além da discreta transparência
Do alvo cortinando uma criança.

Pupila de gazela - viva e mansa,
Com sereno temor colhendo a ardência
Fronte imersa em palor...Rir de inocência,
Rir que trai ora angústia, ora esperança...

Eis o esboço fugaz da estátua viva,
Que - de braços em cruz - na sombra avulta
Silenciosa, atenta, pensativa!

Estátua? Não, que essa cadeia estulta
Há de quebrar-se, mísera, cativa,
Este afeto de mãe, que a dona oculta!
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POR QUE SOU FORTE
      a Ezequiel Freire

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.
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RESIGNAÇÃO

No silêncio das noites perfumosas,
Quando a vaga chorando beija a praia,
Aos trêmulos rútilos das estrelas,
Inclino a triste fronte que desmaia.

E vejo o perpassar das sombras castas
Dos delírios da leda mocidade;
Comprimo o coração despedaçado
Pela garra cruenta da saudade.

Como é doce a lembrança desse tempo
Em que o chão da existência era de flores,
Quando entoava o múrmur das esferas
A copla tentadora dos amores!

Eu voava feliz nos ínvios serros
Depois das borboletas matizadas...
Era tão pura a abóbada do elísio
Pendida sobre as veigas rociadas!...

Hoje escalda-me os lábios riso insano,
É febre o brilho ardente de meus olhos:
Minha voz só retumba em ai plangente,
Só juncam minha senda agros abrolhos.

Mas que importa esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
Se nas asas gentis da poesia
Eleva-me a outros mundos mais formosos?!...

Do céu azul, da flor, da névoa errante,
De fantásticos seres, de perfumes,
Criou-me regiões cheias de encanto,
Que a luz doura de suaves lumes!

No silêncio das noites perfumosas
Quando a vaga chorando beija a praia,
Ela ensina-me a orar, tímida e crente,
Aquece-me a esperança que desmaia.

Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
De longe vejo as turbas que deliram,
E perdem-se em desvios tortuosos!...
= = = = = = = = = = = = =

SADNESS *
"Still visit thus my nights, for you reserved,
And mount my soaring soul thougts like yours."*
(James Thomson)


XX
Meu anjo inspirador não tem nas faces
As tintas coralíneas da manhã;
Nem tem nos lábios as canções vivaces
Da cabocla pagã!

Não lhe pesa na fronte deslumbrante
Coroa de esplendor e maravilhas,
Nem rouba ao nevoeiro flutuante
As nítidas mantilhas.

Meu anjo inspirador é frio e triste
Como o sol que enrubesce o céu polar!
Trai-lhe o semblante pálido — do antiste**
O acerbo meditar!

Traz na cabeça estema** de saudades,
Tem no lânguido olhar a morbideza;
Veste a clâmide** eril** das tempestades,
E chama-se — Tristeza!...
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*Sadness = Areias
*Visite ainda assim minhas noites, para você reservadas,
E monte meus pensamentos elevados da alma como os seus.
**Antiste = Pontífice, grande sacerdote, chefe do templo, entre os antigos Pagãos.
**Estema = coroa, grinalda.
**Clâmide  = manto que se prendia por um broche ao pescoço ou aos ombros.
**Eril = brônzeo.
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Narcisa Amália de Campos foi uma poetisa, escritora. Primeira mulher a trabalhar como jornalista profissional no Brasil. Movida por forte sensibilidade social, combateu a opressão da mulher e o regime escravista. Colaborou na revista A leitura (1894-1896) e, bem a frente de seu tempo, escreveu muitos artigos de cunho feminista e republicano.

Filha do poeta Jácome de Campos e da professora primária Narcisa Inácia de Campos, Narcisa Amália nasceu em São João da Barra em 3 de abril de 1856. Ainda em São João da Barra, estudou latim e francês, e recebeu aulas de retórica de seu pai.

Aos 11 anos, mudou com a família para o município fluminense de Resende, onde, aos 14, se casa com João Batista da Silveira, artista ambulante de vida irregular, de quem se separou alguns anos mais tarde. Em 1880, se casou novamente com Francisco Cleto da Rocha, mas a união não durou e o casal se separou pouco tempo depois, obrigando-a a deixar Resende, em especial por conta dos boatos espalhados por seu marido na cidade. Por ter sido casada e divorciada em duas ocasiões, isso gerava forte estigma social na época. O sucesso de Narcisa passou a incomodar o marido que, depois de separado, passou a difamar Narcisa declarando que seus versos não eram de sua autoria, mas escritos por poetas com quem teria tido casos de amor. O escritor Múcio Teixeira fez coro à campanha contra Narcisa declarando que o livro “Nebulosas” tinha sido escrito por um homem com pseudônimo de mulher.

Narcisa iniciou sua carreira como tradutora de contos e ensaios de autores franceses, como a escritora George Sand e o paleobotânico Gaston de Saporta. Seu único livro é Nebulosas, publicado em 1872. A obra foi muito bem recebida na época de seu lançamento, tendo sido inclusive bastante comentado por Machado de Assis e Dom Pedro II.

Em 1874, 1888 e 1917, ela contribui com o "Novo Almanaque de Lembranças", que era uma coletânea de textos diversos que tinha grande circulação em Portugal e no Brasil.

Cansada das difamações em Resende, em 1889, com apenas 33 anos, foi para um exílio voluntário em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Abandonou toda atividade literária, e foi lecionar em uma escola pública. Dedicando-se ao magistério, em 1884, ela funda um pequeno Jornal Quinzenal, “o Gazetinha”, suplemento do Tymburitá que tinha como subtítulo, “folha dedicada ao belo sexo”.

Narcisa faleceu aos 72 anos, em 1924, no Rio de Janeiro, vitimada por diabetes. Ela já estava cega, pobre e com problemas de mobilidade. Além disso, sua obra foi praticamente esquecida depois de sua morte. Antes de sua morte, deixou um apelo: “Eu diria à mulher inteligente [...] molha a pena no sangue do teu coração e insufla nas tuas criações a alma enamorada que te anima. Assim deixarás como vestígio ressonância em todos os sentidos”. Foi sepultada no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.


Fontes:
Ezequiel Freire. Flores do Campo. 1874.
Narcisa Amália. Nebulosas. 1872.
Wikipedia

Mário de Alencar (Coisas do tempo)

Para entender a linguagem coloquial da nossa gente moça, será em breve preciso ter-se à mão um vocabulário de folhas volantes que acompanhe as aceleradas inovações idiomáticas. Quanto a mim, fico em branco ouvindo expressões que andam correntes e sem dúvida traduzem ideias. Registro algumas que me estão lembrando: à beça, baita, batuta, pra burro, é um suco; e há muitas outras que tais.

Constitui esse vocabulário uma geringonça; mas, ou eu me engano, ou são as geringonças peculiares a ajuntamentos quotidianos e restritos, como as escolas e quartéis, ou à gente popular unida em identidade de profissão ou de vício. Creio também que à linguagem popular não é difícil descobrir-se uma origem na metáfora, na frequência dos seus utensílios, ou na corrupção da ignorância. Tem ela ainda um certo pitoresco, que resulta da própria transparência ou jeito do vocábulo, ou porventura do uso limitado a um grupo.

Mas ao idioma novo a que me refiro, desde que é geral aos moços de toda procedência, não quadra a razão de ser das geringonças. Os salões que eles frequentam assiduamente deviam ser um meio neutralizador ou anulador de hábitos e cacoetes adquiridos onde a graça se contenta de ser chulice e a comunicação de ideias se satisfaz com esgares de palavra.

A casaca e o peitilho engomado obrigam ao aprumo do tronco e ao gesto comedido; e até o corpo que não tenha natural elegância, aparenta-a sem o pensar. Também ali a voz não ultrapassa o diapasão de surdina; alinha-se a palavra em harmonia com o timbre e as atitudes; tem compostura, afeiçoa-se à delicadeza da presença feminina, e enforma espontaneamente em galanteio.

Ora, a geringonça dos moços de hoje não é só deles entre si, senão deles para elas e delas para eles. Mais os entendem elas do que eu, que sou velho, ou o homem do povo, que tenha a rudeza da vida simples. Mas o popular frequentador da Avenida e dos teatros e cinemas, esse conhece também e pratica a geringonça das moças.

Apagou-se a linha divisória do gesto, da linguagem e até dos hábitos de salão, como já não há diferença entre o salão e o bonde.

O decote era a concessão convencional que o pudor fazia à elegância seleta do baile ou consentia à discrição de um camarote em espetáculo de gala; mas exigia a sombra de um carro e o abrigo de uma pelica; agora desce pedestremente à rua, e toma o bonde, e senta-se entre gente grosseira e estranha, e deixa-se ver sem convenção e medida pelos olhos da multidão.

As pernas também já não se escondem, e esqueceram que a graça e a magia do seu encanto provinham de andarem ocultas. Bastava à imaginação a possibilidade de descobri-las, e o principal era adivinhar, ou surpreendê-las a furto, ao acaso de um movimento, e que não as vissem muitos olhos a um tempo ou não mostrasse a dona gostar de mostrá-las. No gesto apressado de reescondê-las e no rubor súbito acendido nas faces da dona estava a delícia da visão misteriosa e breve. Musset não achara poesia nas pernas da sua andaluza, se elas fossem espetáculo cotidiano, em vez do imprevisto e da surpresa. Mas a andaluza de Musset usava espartilho, e ao tempo dele as casacas não usavam em público outro ritmo de movimento que o giro de adejo.

Agora a música dos bailes não tem o compasso de ondulação suave: chocalha; não deslizam os pés: sapateiam; não se alinham os corpos em par que revoa, apenas unidos pelo toque leve dos braços: agarram-se, aferram-se; nem o movimento é composto pela atitude da beleza: os troncos dobram-se, chocam-se, sacodem-se e pulam, desconjuntam-se e descambam, ou só remexem, jungidos, em quebras de melopeia ou batuques de cateretê, durante os quais não raro, para maior efeito, há uma pausa na música e um grito do batuta: Maricota, sai da chuva! ou estribilho equivalente. E o saracoteio recomeça mais vivo, num gingo-gingo estonteado e suado de samba.

Não estará aí a explicação daquela geringonça que eu não entendo? Baita, batuta, à beça, pra burro são flores de jardim moderno, em que se alternam ou confundem as couves e salsas com os cravos e as rosas. Eu não desdenho as hortaliças, antes gosto muito delas, mas o meu sentido estético não as quer senão em horta ou já temperadas no prato de refeição. Repugna-me ver em lapela uma folha de alface, nem suponho que ninguém aceite para um jarro de salão um ramo de violetas entremeadas de cebolinha. Tal a impressão que recebo dessa geringonça em lábios de fina gente moça.
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Mário Cochrane de Alencar, poeta, jornalista, contista e romancista, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 30 de janeiro de 1872, e faleceu na mesma cidade em 8 de dezembro de 1925.

Filho do grande romancista José de Alencar. Fez os primeiros estudos no Colégio Pedro II, obtendo o título de Bacharel em Ciências e Letras, e formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo.

Desde a adolescência distinguiu-se pela inclinação para a poesia e a literatura, colaborando em órgãos da imprensa: Almanaque Brasileiro Garnier, Brasília (1917), Correio do Povo (1880); Gazeta de Notícias (1894); O Imparcial e A Imprensa (1900), Jornal do Comércio, O Mundo Literário, Renascença, Revista Brasileira (1895-1899), Revista da Academia Brasileira de Letras e Revista da Língua Portuguesa, todos do Rio de Janeiro, e também em alguns periódicos paulistas. Usou os pseudônimos Deina e John Alone.

Como funcionário público, foi diretor da Biblioteca da Câmara dos Deputados. Em 1904, na qualidade de secretário do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, J. J. Seabra, Mário de Alencar colaborou para que o Governo brasileiro desse sede a Academia Brasileira de Letras no prédio chamado Silogeu Brasileiro. Eleito no ano seguinte para a Academia, foi segundo-secretário da instituição, de 1907 a 1910, e, nos anos subsequentes, fez parte da Comissão da Revista (1910, 1917 e 1919); da Comissão de Bibliografia (1912); da Comissão de Lexicografia (1918) e da Comissão de Publicações (1920 e 1923).

Publicou como estudante em 1888, a sua primeira coleção de poesia, Lágrimas. Na sua obra literária, embora pequena, foi um sugestivo evocador de figuras. Apesar da diferença de idade, pode ser considerado o maior amigo de Machado de Assis acompanhado nos últimos anos e mantendo extensa correspondência.

Bibliografia
Lágrimas, 1888.  Versos, 1892.  Ode cívica ao Brasil, 1903.  Dicionário de rimas, 1906.  Alguns escritos, 1910.  O que tinha de ser, 1912.  Se eu fosse político, 1913.  Contos e impressões, 1920.


Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Mário de Alencar. Contos e impressões, 1920.

8º Concurso de Poesia Biblioteca Lydia Frayze, de Ourinhos/SP (Prazo: 13 de Maio)


OBJETIVOS
Atuar em prol do interesse pela leitura com incentivo à criatividade poética para promover a descoberta de novos talentos e incentivar a produção literária.

CATEGORIAS
As categorias serão separadas pelo ano escolar devido ao grau de instruções e conhecimento dos participantes. O Concurso divide-se em quatro categorias:

- Categoria 1:
constituída por estudantes matriculados no 4º, 5º ou 6º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas e particulares;

- Categoria 2:
constituída por estudantes matriculados no 7º, 8º ou 9º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas e particulares;

- Categoria 3:
constituídas por estudantes matriculados no ensino médio.

- Categoria 4:
constituída por pessoas com mais de 18 anos ou que já concluíram o ensino médio, considerados na categoria de jovens e adultos.

PARTICIPANTES DO 8º CONCURSO DE POSIAS

Podem se inscrever os interessados que atendam as descrições mencionadas nas categorias 1,2, 3 ou 4 deste edital;

Cada pessoa poderá apresentar apenas 1 (um) trabalho que seja caracterizado com o gênero literário POESIA;

É imprescindível identificar a qual categoria pertença o participante inscrito, caso esteja devidamente matriculado em uma Instituição de Ensino, será necessário colocar o nome da Instituição que se encontra matriculado.

O tema é de livre escolha do participante e exige-se que o texto seja inédito de produção própria do inscrito, permitida apenas a publicação em rede social de sua propriedade, desde que redigido em Língua Portuguesa, salvo expressões ou palavras de natureza estrangeira.

Poderá participar qualquer pessoa residente, ou não, no Brasil.

INSCRIÇÕES

A inscrição será realizada no google formulário pelo link: 
https://bit.ly/inscricao-concurso-poesia.

O formulário conterá campo obrigatório para preenchimento, como os dados cadastrais:
nome completo do participante,
nome completo do responsável,
CPF do responsável,
endereço residencial,
telefone residencial ou de aparelho móvel (celular) do responsável maior de idade,
correio eletrônico (e-mail),
pseudônimo (um nome fictício),
título da poesia e a
categoria em que concorre,
aceite do termo do uso de imagem e tratamento de dados,
bem como anexar em PDF a poesia seguindo as orientações elencadas abaixo:
• título;
• Anexo no formato PDF;
• Fonte arial 14;
• Espaçamento simples;
• Máximo 30 linhas.

Não aceitar os termos de uso de imagem tratamento de dados corresponderá na desclassificação do candidato.

Cada candidato poderá concorrer com 1 (um) trabalho poético.

PERÍODO DE ENVIO DOS TRABALHOS

O prazo para o envio dos trabalhos será de 14 de fevereiro a 13 de maio de 2022.

JULGAMENTO

O julgamento será realizado no período de 30 de maio a 30 de junho de 2022, pela Comissão Julgadora que será composta por 3 (três) jurados.

Os jurados atribuirão pontuações de 0 a 10 as poesias com análise nos critérios que são: tema, presença de técnicas, ortografia, gramática e a carga poética.

Em caso de empate técnico, será considerada maior nota do item “presença de técnicas” para desempate. Caso persista o empate, o segundo item para desempate será “carga poética”. Se mesmo assim, persistir o empate será nomeado um dos jurados para o desempate.

DESCLASSIFICAÇÃO

Haverá a desclassificação do candidato caso seja observado:

- não preencher todos os requisitos da ficha de inscrição;

- apresentar poesia para avaliação de outra autoria e/ou plagiada;

PREMIAÇÃO

As três primeiras colocações de cada categoria receberão os prêmios
descriminados abaixo:

1º lugar: certificado, medalha e 01 Kindle 10ª geração

2º lugar: certificado, medalha e vale livro de $200,00

3º lugar: certificado, medalha e vale livro de $100,00

Observações:

- Todos os inscritos poderão acompanhar na página da Biblioteca Lydia Frayze no Facebook e Instagram o resultado do Concurso que será divulgado no dia 25 de julho a partir das 14h.

- Para fazer jus à premiação, o vencedor deverá buscar os prêmios na sede da Biblioteca Lydia Frayze no dia e horário acordado, exceto quando não residir na região da cidade de Ourinhos/SP, onde os prêmios serão entreges via Correios no endereço informado na ficha cadastral.

- Não serão expedidos certificados de participação aos demais concorrentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inscrição neste concurso corresponde à aceitação plena deste regulamento, e o seu não cumprimento resultará na desclassificação do candidato.

A Biblioteca Lydia Frayze não se responsabiliza por eventuais correções ortográfias dos trabalhos inscritos e aprovados.

Os casos omissos neste regulamento serão resolvidos pela Comissão Organizadora do Concurso, a quem cabem decisões definitivas e irrecorríveis.

Mais informações pelo e-mail:
concursodepoesia@famacultural.com.br.

Ourinhos 17 de janeiro de 2022
Associação Cultural Fazendas Fama

sábado, 26 de março de 2022

Daniel Maurício (Poética) 26


 

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XL

TEMPLO DOS TROVADORES

MOTE:
Em nossa crença elevada,
num mundo de paz e flores,
a trova é hóstia sagrada
no templo dos trovadores.
Luiz Otávio  
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP


GLOSA:
Em nossa crença elevada,
cheia de fé e emoção ,
em nossa grande escalada,
o verso é nossa oração.

Nós rezamos, versejando,
num mundo de paz e flores,
mais amigos, conquistando
e amando novos amores.

Numa união inigualada,
que nos traz imensa paz,
a trova é hóstia sagrada
que somente o bem nos faz!

Nessa nossa comunhão,
misturamos mil sabores
e a amizade, cresce, então,
no templo dos trovadores.
= = = = = = = = = = = = =

TEUS POEMAS

MOTE:
Li teus livros de poemas
e até chorei comovida,
ao ver que todos os temas
têm muito de nossa vida.
Maria Nascimento S. Carvalho  
Rio de Janeiro/RJ    

GLOSA:
Li teus livros de poemas
e foi neles que encontrei
joias puras, diademas,
e tudo o que eu mais amei!

Balançou meu coração
e até chorei comovida,
vi sorrir minha emoção
em poemas, renascida!

Do nosso amor, as algemas,
muito mais fortes, ficaram,
ao ver que todos os temas
só do nosso amor falaram!

Os teus versos, eu bebi
numa ânsia descabida,
pois os poemas que eu li
têm muito de nossa vida.
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CAVALGANDO ESTRELAS...

MOTE:
Cavalgando sem rodeios
por galáxias estreladas,
o poeta, em seus anseios
tece trovas requintadas.
Nilton Manoel de Andrade Teixeira
Ribeirão Preto/SP


GLOSA:
Cavalgando sem rodeios
entre luzes, a vagar,
os poemas são esteios
com forma própria de amar!

Perdido nos universos,
por galáxias estreladas,
vai deixando lindos versos
no espaço cheio de nadas.

Faz vibrar, com seus enleios,
todo e qualquer coração,
o poeta, em seus anseios
vive cheio de emoção.

Segue, assim, o seu caminho,
nessas doces cavalgadas...
Com amizade e carinho
tece trovas requintadas.
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PERTO DE TI

MOTE:
Quando em meus braços te aperto,
todo o infinito sorri,
porque a vida é um céu aberto
quando estou perto de ti.
Orlando Woczikosky
Curitiba/PR, 1927 – 2019

GLOSA:

Quando em meus braços te aperto,
eu sinto que o mundo é meu,
meu paraíso mais certo,
emerge do abraço teu!

Quando juntos, nós estamos,
todo o infinito sorri,
ao ver, quando nos amamos,
todo o amor que eu dou pra ti!

Deste sonho eu não desperto,
sigo a sonhar, vida afora,
porque a vida é um céu aberto
e o futuro é o meu agora!

Aumenta a minha emoção,
e eu me sinto em frenesi,
explode o meu coração
quando estou perto de ti.
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MEU CAMINHO CONFUSO...

MOTE:
Meu caminho é tão confuso
que, muitas vezes, me sinto
como se fosse um intruso
vagando num labirinto!
Renata Paccola
São Paulo/SP

GLOSA:

Meu caminho é tão confuso
é tão negro e tão sem sol,
que me parece um abuso
sonhar com um arrebol!

A vida é tão sem beleza,
que, muitas vezes, me sinto
prisioneira da tristeza,
com meu coração faminto!

Meu sonho, quase em desuso,
segue um rumo diferente,
como se fosse um intruso
no próprio sonho da gente!

Sozinha, sem ter ninguém,
vendo todo o amor extinto,
sigo sem rumo, também
vagando num labirinto!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XXIV. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Março 2005.

Marcos Rey (Gnomos na gaveta)

Tive um parente que sempre contava ter visto um gnomo ciclista passar por ele, rente ao chão, segurando o guidão da bicicleta com a mão esquerda, enquanto com a direita lhe fez um dilatado gesto obsceno.

Cafajestinho!

Ouvi-o contar isso dezenas de vezes a partir de uma época em que os gnomos não estavam na moda. Convivência mais longa com esses seres diminutos teve meu amigo Egydio, que me assegurou haver enclausurado um deles na gaveta de sua escrivaninha.

– Com o canto dos olhos, eu o vi espiar a gaveta, alguns centímetros aberta. Não satisfeito, resolveu entrar. Pum! Fechei-a com uma cotovelada.

– Ainda está lá dentro?

– Está. Com um conta-gotas, tenho pingado água na gaveta para ele não passar sede. E jogo farelos de biscoito para alimentá-lo.

– Vocês conversam?

– Não, porque pelo traje ele é tirolês ou austríaco. Além do mais, os gnomos só se comunicam com os humanos telepaticamente.

– O que pretende agora?

– Tentarei com uma linha transferi-lo para uma garrafa. Como se faz com miniaturas de navios. Com um gnomo engarrafado, espero ganhar uma fortuna. Duvida?

Mas o gnomo escapou graças a uma empregada que abriu a gaveta, embora advertida para mantê-la fechada. Eles são espertos, sabem incutir nas pessoas, enviar certas ordens.

Essa intenção de ganhar dinheiro com o esotérico, incluindo ou não gnomos, fadas ou duendes, faturar no astral, no invisível, tornou-se ideia fixa para minha mulher.

Estávamos numa pior e tínhamos de sair do buraco.

– Por que não escreve um livro do tipo Shirley MacLaine? – ela sugeriu. – O povo não está suportando mais essa realidade poluída. Sufoca, pesa, cheira mal. O que se quer é embarcar na fantasia, comunicar-se com extraterrenos e seres lendários. Entende?

Argumentei que nasci materialista e com o tempo fui ficando mais ainda. Nunca transei o esotérico. O mundo para mim é justamente esse que está aí, grosseiro, fedido, perigoso.

– Os gnomos não existem! – garanti, bradando. – Tudo não passa de mais um jeitinho de ganhar dinheiro. Nada do que se diz sobre eles tem o menor fundamento. É piração.

A cara-metade estranhou a veemência.

– Você pode provar?

– Provar o quê?

– Provar que os gnomos não existem? Se puder, pondo tudo num livro, bem explicadinho, ótimo. Escrever contra eles e as ondinas, salamandras e silfos talvez também dê dinheiro. Nosso problema é financeiro, não importa se contra ou a favor.

Fazia sentido. Retirei-me para pensar. Minutos depois já tinha o título da obra: Não acredito em gnomos. E daí? Ela aprovou o tom agressivo do título. Desafiador.

Consultei um editor, que me deu o sinal verde.

– Vá em frente. O polêmico sempre vende bem.

Antes de começar a escrever, teria de ler tudo sobre a matéria. E não só em português. Minha consorte se dispôs a me auxiliar. Depois da leitura geral, registramos as observações em dezenas de fichas. Uma boa organização ajuda. Dividi o livro em partes. Cada uma com dez capítulos. Mostrei a planificação ao editor. Animado, decidiu me dar um adiantamento. Voltei radiante, exibindo o cheque.

– Acabe com eles! – disse-me minha mulher.

– Com quem?

– Com os gnomos. Arrase.

Fui à máquina de escrever e bati num meio de página: Não acredito em gnomos. E daí?

Estou com o livro todo nas pontas dos dedos. É só escrever uma frase e sai tudo como pisar num tubo de pasta de dente. Mas não está dando. Não está mesmo. Ele dificulta, impede. Olha para mim gozador e com a mão direita faz gestos obscenos.

Quem?

O maldito homenzinho de cinco centímetros, dando voltas de bicicleta ao redor de minha máquina de escrever. Quer me enlouquecer.

Uso o aspirador?

Fonte:
Marcos Rey. O coração roubado e outras crônicas. Publicação original em 1996.

sexta-feira, 25 de março de 2022

Varal de Trovas n. 553

 

Raul Pompéia (O Piano)

Dó... ré... mi... fá... sol... mi... fá... ré... dó...

Grande coisa o piano!

Os dotes da educação, pensava Maria das Dores, suprem perfeitamente a falta de dotes físicos... Por que não? Cada um caça como pode.

Pois, uma insinuante escala cromática não valerá um requebro de olhar, uma semicolcheia não valerá um sorriso, o pianíssimo não poderá fazer vezes de um traço de meiguice diluído pela fisionomia?!

A arte poderosa inventa beleza. Uma donzela desprestigiada pela boa fada da formosura bem pode salvar o deficit, adquirindo um dote artístico. A música... a música, por exemplo, impressiona, cativa como os belos olhos!

Dó... ré... mi... fá... sol... mi... fá... re... dó...

Maria das Dores era feia.

Cara comprida, o queixo a estender-se-lhe para baixo como se quisesse alojar-se entre as clavículas,; o nariz, delgada lâmina em forma de leme, erguida no meio do rosto, com receio talvez de que se vissem um ao outro os implicantes olhinhos; os olhos negros, miúdos, brilhantes, encravados em fundas órbitas; testa larga, cabelos rareados... Feia incontestavelmente.

Os dezessete anos sugeriram a arrojada hipótese do casamento. Arrojada é bem dito, porque Maria das Dores tinha a difícil franqueza de se achar feia. Feia de cara, pior de corpo..... uma carcaça.

Aos dezessete anos encontraram-se de frente a carcaça e a hipótese.

Maria das Dores, a principio, recuou espavorida como se houvesse visto um espelho. Em nossos maiores desalentos, porém, encontramos sempre a saída falsa de uma esperança. A donzela lembrou-se oportunamente da arte. Sabia que algumas moças haviam inspirado até paixão sendo feias, graças aos sedutores recursos do talento musical, muito capaz de acordar sentimentos simpáticos que só um belo semblante, em geral, produz.

De combinação com o pai, a moça atirou-se ao método de Huntem.

Dó... ré... mi... fá... sol... mi... fá... ré... dó...

Alguns anos rodaram. Maria das Dores ficou mais velha.

O pai dava festinhas em casa. Os rapazes apareciam. A menina tocava piano. Não fizera muito progresso, é certo; mas a arte é longa, já o disse Goethe, e o piano custa.

Maria das Dores, animada por um dito amável de qualquer rapaz, fantasiava logo ideais castelos... sonhos deleitosos de ménage... vida de família... filhinhos... ternuras... Quase esquecia o nariz e os olhinhos pretos muito unidos e o queixo.

Era já a influência da arte!

Dó... ré... mi... fá... sol... mi... fá... ré... dó...

Entretanto, bate a bota o velho.

Morreu ab-intestato, mas a partilha do espólio era fácil. Deixou viúva e filha por herdeiros; como herança, um piano usado de Bord e um nome sem mácula. Ficou o nome imaculado para a viúva em meação e o Piano de Bord para a filha.

Passados os meses de luto, Maria das Dores voltou ao querido instrumento. Voltou com gana. Precisava agora, mais do que nunca. Quase na miséria, vivendo dos milagres de recursos da mãe, era preciso apressar os preparativos do casamento. Está entendido que o preparativo era o estudo do piano. Armava-se a rede, depois era só precisar o noivo.

Fazia gosto vê-la a estudar.

Dó... ré... mi... fá... sol.

Passa o tempo..

Maria das Dores envelhece. Aos desagradáveis traços fisionômicos, junta-se agora o incidente. pé-de-galinha. Maria não desanima... Ataca pós de arroz... e corre ao piano.

Ainda hoje, que ela dobrou o cabo dos trinta, passem-lhe pela casinha, ali na rua... passem por lá bem tarde, na hora em que os arrabaldes ressonam, ao barulho das primeiras vassouradas da limpeza pública, à hora em que se fecham os teatros, passem que hão de ver, através das venezianas da rótula e da bandeira envidraçada, luz na sala e hão de ouvir o piano. É Maria das Dores que até aquelas horas estuda. É Maria das Dores a esperançosa, embevecida na sua fé.

Não há mais festas em casa; os rapazes não aparecem mais. Ela espera ainda, espera sempre, confiada na onipotência da arte e do merecimento da educação das donzelas...

Dó... ré... mi... fá... sol... mi... fá... ré... dó…

Fonte:
Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.

Contos e Lendas do Paraná - 9 (Campo Mourão – Paranaguá)


CAMPO MOURÃO
A lenda do profeta


A história que vou lhes contar aconteceu há muito tempo atrás. Guarapuava ainda era um lugarejo, cercado por fazendas em toda a extensão geográfica que vai do rio Piquiri ao Ivaí e Corumbataí. Conta-se que por volta de 1850 o tráfico de escravos negros, embora proibido, era praticado vergonhosamente. Com a emancipação política do Paraná, em 1853, iniciou-se a marcha para o progresso do Estado. Entre os anos de 1856 a 1858, o toldo dos índios Kaingang, no vale do Piquiri, foi cruelmente atacado e destruído. A partir dessa data, tropeiros paranaenses começaram as suas passagens pelos campos de Guarapuava e, bem mais tarde, pelo picadão que unia Guarapuava ao Mato Grosso do Sul, sendo Campo Mourão o local de repouso para os peões e as tropas.

Contam os moradores da região de Guarapuava, Pitanga e Campo Mourão, que naquela época prevalecia a lei do mais forte; havia muitas chacinas e emboscadas, pois a ganância era muito grande. Pela região sempre aparecia um senhor idoso, longas barbas brancas, sandálias de couro nos pés, um lenço na cabeça, roupas maltrapilhas, um autêntico andarilho. Homem de poucas palavras, porém de sábias ações, era apenas conhecido como João Maria de Agostinho, “o profeta”. Chamavam-no de São João Maria, o santo profeta que curava pestes, doenças e até domesticava animais ferozes e cobras venenosas.

O incrível é que ele sempre aparecia na hora e no lugar onde estavam precisando. Nada se sabia dele. Só que realizava milagres. Dizem que passou por um olho d’água do Jordão, em Guarapuava, e que até hoje aquela água tem poder de cura para os que têm fé.

Todo mundo queria encontrar e falar com o tal profeta. A fonte virou um verdadeiro local de romeiros que ficavam de molho nas águas e no próprio barro e afirmavam que eram curados. Por onde o monge passava, falava de Jesus e plantava uma cruz. Ensinava sobre o amor, a fé e a caridade para com o próximo. Também ensinava a utilizar ervas caseiras e dizia que até a água pura curava, se a pessoa tivesse fé em Deus, não nele. Sempre ressaltava isso.

Também passou por Campo Mourão e dizem que aqui havia muitas cobras venenosas. Quando aparecia alguma cobra na propriedade era só pensar no profeta e ele aparecia. Ele ia até o local e conversava com a cobra, ordenando que ela e toda a sua prole sumissem dali. Em seguida a essa ordem, fazia uma oração e nunca mais aparecia cobras naquele local.

Em uma ocasião apareceu uma velha beata que começou a tirar vantagens em nome do profeta. Fazia bolinhas de barro e as vendia como pílulas milagrosas de São João Maria, dizendo que curavam todos os males. Era só engolir com um pouco de água e se livrar dos vermes, febres e outras doenças. Um dia, essa senhora adoeceu gravemente, porém nem médicos, nem as pílulas milagrosas conseguiam curá-la. No leito de morte, gritava:

– Perdoe-me profeta, a minha ganância foi maior que minha fé.

Ao anoitecer, ela faleceu. Dizem que o profeta passou a noite sentado num tosco banquinho, próximo à tarimba onde a morta era velada. Cabeça baixa, pernas cruzadas, sem pronunciar uma só palavra.

Quando o cortejo saiu para o sepultamento, ele gritou:

– O amor, a fé e a caridade não têm preço. Jesus Cristo foi exemplo disso. Deu sua vida por nós. Vão em paz. Quando precisarem, basta invocá-lo, que ele está sempre perto de vocês.

A partir daquele dia, nunca mais ninguém viu, ou ouviu falar sobre o profeta, que era sempre o mesmo, com as mesmas roupas e sandálias.
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PARANAGUÁ
A lenda das rosas loucas

Foi no ano de 1680. A Costeira do Rossío (Rocio), da Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, era habitada por humildes pescadores, que viviam do que o mar lhes dava, nas noites calmas daqueles arrebaldes. Eles vendiam uma parte da pesca, o resto ficava para o sustento da família.

Corria o mês de novembro. Uma noite, na calmaria do verão, estavam eles nas suas canoas ao largo da baía, com suas redes nas águas, à espera de uma boa pescaria. Por um desses acasos, olhando o céu recamado de estrelas, um dos pescadores viu que uma das estrelas despejava um facho luminoso até uma grande moita de rosas, nascidas na barranca da baía. Em minutos desaparecia e reaparecia; isso por várias vezes. Ele chamou, então, a atenção dos companheiros, que presenciaram o fato.

Quando voltaram da faina noturna, acharam, uns, de bom alvitre o aviso; outros, porém, mais medrosos, alegaram que era o prenúncio de grandes males. Todos passaram a comentar o ocorrido nos seus lares. O fenômeno continuou por várias noites, até que os praieiros tomaram uma decisão: decepar a moita das “rosas loucas”.

Num domingo, pela manhã, com facão, enxada e foice, começaram a devastação. Mas, quando estavam na metade do trabalho se depararam com uma pequenina imagem da virgem mãe de Jesus, bem no lugar onde todas as noites descia o facho luminoso. O alvoroço foi grande entre aquela gente inculta.

Um preto velho, por nome Pai Berê, que ali também morava, pediu para fazer uma igrejinha de pau-a-pique, coberta de palha, a fim de colocar a imagem num altar e ficar como guarda do achado. Todos os pescadores concordaram. No mesmo lugar, Pai Berê fez um ranchinho em forma de ermida e todos os domingos os moradores rezavam o terço, pela manhã e à tarde.

A notícia espalhou-se logo pela vila e a curiosidade do povo não se fez esperar; a princípio, para ver; depois, para crer. Os anos foram passando e a devoção crescendo.

Os pedidos e os milagres também foram surgindo, até chegar aos nossos dias; tornando-se, por fim, uma tradição.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Estante de Livros (“O Coração roubado”, de Marcos Rey)


Sobre o Autor


Marcos Rey, pseudônimo de Edmundo Donato, nasceu e morreu em São Paulo (1925 - 1999), cidade que sempre foi cenário de suas crônicas, contos, novelas e romances. Sua carreira, repleta da glória, foi marcada por um drama pessoal dos mais violentos, que permaneceu oculto até a sua morte. Marcos Rey era portador de hanseníase, doença conhecida até meados do século XX como lepra e que desde os tempos bíblicos carrega o estigma de maldição.

A partir dos anos 30, a hanseníase passou a ser combatida com ferocidade pelas autoridades sanitárias paulistas, que internavam os doentes à força em sinistros leprosários.

Depois de uma segunda denúncia anônima, em 1941, o jovem Edmundo, que contraíra a doença aos dez ou doze anos, foi levado por uma ambulância enquanto jogava bilhar, em um bar na Praça Marechal Deodoro, no Centro de São Paulo. Começava um pesadelo que duraria seis longos anos, até a sua última fuga do sanatório, em 1945.

Sobre a obra

Coração Roubado é um livro de crônicas. Você sabe o que é uma crônica? O autor, no prefácio, ajuda você a entender um pouco melhor esse gênero literário tão gostoso de ler e cultivado no Brasil por excelentes escritores como Machado de Assis, Cecília Meireles, Rubem Braga, Fernando Sabino, Ignácio de Loyola Brandão, Moacyr Scliar e tantos outros...

Marcos Rey agrupou as crônicas em três subtítulos:

1 - Situações embaraçosas

O CORAÇÃO ROUBADO
Narrada em primeira pessoa, esta crônica relembra o tempo da infância do autor: o momento da conclusão do antigo curso primário. O autor ganhara um livro do pai (O coração, do escritor italiano Edmondo de Amicis), um best-seller infanto-juvenil. Na festa de formatura o seu livro desapareceu e ele sofreu uma grande decepção. Encontrou-o sob a pasta escolar de Plínio, o aluno mais comportado da escola. Com vergonha de denunciá-lo, pegou o livro de volta sem dizer nada ao ladrão. Mas, a partir daquele dia, perdeu a fé nos seres humanos e passou a vida toda dando o exemplo de Plínio para demonstrar a corrupção humana. Um dia, caíram alguns livros de sua estante, entre eles, o famoso O coração, de Amicis... Procurou a dedicatória de seu saudoso pai e... surpresa! Encontrou a dedicatória do pai de Plínio.

GNOMOS NA GAVETA
Misturando ficção e realidade o narrador nos conta que atravessava um período de dificuldades financeiras quando a mulher lhe deu a ideia de escrever sobre coisas esotéricas. Afirmava ela, que o povo estava cansado da dura realidade da vida e que escrever sobre gnomos poderia lhes dar um bom dinheiro. Ele afirmou que era materialista e que tudo isso era besteira, ilusão, piração. Então, a mulher insistiu: escreva contra os duendes. Nosso problema é financeiro, não importa se o livro é contra ou a favor.

Ele aceitou a sugestão da esposa e ligou para o editor, este lhe deu sinal verde... pode escrever. O título saiu fácil: NÃO ACREDITO EM GNOMOS. E DAÍ? Até adiantamento em cheque ele recebeu. Quando começou a escrever, não saía nada além do título... e o pior, um homenzinho de cinco centímetros não para de dar voltas de bicicleta ao redor de sua máquina de escrever: “...Olha para mim gozador e, com a mão direita, faz gestos obscenos... Quer me enlouquecer. Uso o aspirador.”

A ÚLTIMA ENTREVISTA
Um homem sonha em ser um grande repórter, daqueles que fazem entrevistas extraordinárias e perigosas. Imagina entrevistas com marcianos, Santos Dumont, Van Gogh... Acaba entrevistando um perigoso fugitivo de penitenciária que se distrai e é preso pela polícia. Um dia, vai entrevistar um maluco que vai voar num avião até a gasolina acabar. Em terra ele pergunta: O que sente um aviador que sabe que vai morrer quando acabar a gasolina? Depois, entra no avião e decola com o suicida.

“Ganhou o primeiro prêmio de reportagem do ano. Seu pai recebeu o troféu por ele. Beleza. Todo banhado a ouro.”

AH! AH! AH!

Esta crônica tece reflexões sobre o RISO. Desde o mais simples até a risada mais intensa. “O humor machadiano, por exemplo, é tão imaterial como o perfume. Exige refinamento do leitor.. Há, na outra ponta, o riso manual, obtido com os dedos através de cócegas. Com habilidade se faz até o conde Drácula dar risada. O riso pode também ser forçado artificialmente por processo mecânico, como se fazia nos circos e parques de diversão, com o antiquíssimo Disco das Gargalhadas. Criava-se um clima postiço de alegria, com efeito mágico sobre os idiotas”. (p. 32)

Depois, o narrador passa a discorrer sobre o riso embaraçoso, aquele que não deveria ocorrer. O riso durante um velório, durante o casamento, dentro de um elevador... Por fim, a sua própria experiência: fora dar uma palestra sobre Contos. A noite chuvosa, pouca gente escutando... começou a rir da situação e de si mesmo... a plateia foi contagiada, todos começam a rir. Ao final, o prefeito lhe parabeniza:

“Volte sempre. Confesso não ter entendido muita coisa, mas nunca se riu tanto por aqui. O senhor é um show!” (p. 33)

A MISSIVISTA SUICIDA
O assunto é o ofício de cronista. O autor relembra um tempo em que produziu crônicas “melosas” para um programa de rádio, nada especial, tanto é que rasgava todas ao final do programa.

De repente, começou a receber cartas esquisitas: “Diga para o Luís voltar já para casa senão tomo veneno. Ele ouve o programa. Assinado: Julinha da Bela Vista. Letra tremida, papel umedecido de lágrimas.” (p. 39)

Emocionado, o cronista decidiu escrever uma crônica para o Luís. Liga um Luís: “... tudo bem, estou voltando pra casa”. Alívio do cronista. Liga outro Luís: “... já estou chamando um táxi para voltar aos braços da Julinha.” O cronista sente uma sensação de dever cumprido. Liga mais um Luís: “... não adianta ficar escrevendo besteiras, por mim ela pode tomar um tonel de veneno... Não estou nem aí.” O cronista fica perplexo: e agora, qual é o Luís da Julinha?

Outro momento hilário: Alguém escreveu uma carta dizendo chamar?se Leão, que era o ser mais solitário do mundo, que ligassem pra ele. Comovido, o cronista fez o que não era normal no programa. Deu o telefone do tal Leão. Resultado, o pessoal do zoológico ligou revoltado com tantos telefonemas para falar com o leão.

2 - Flashes da vida moderna

ELE COMPROU TUDO QUE VAN GOGH PINTOU
Crônica divertida lembra o filme Efeito Borboleta, pois trata da volta no tempo. Um cientista inventara uma máquina para voltar no tempo, mas não divulgara nada. Tinha uma ideia: voltar no tempo e comprar todos os quadros de Van Gogh. Depois voltaria e venderia todos ficando milionário. Começou a fazer testes. Botou uma garrafa de vinho na máquina e atrasou o relógio em um ano. Resultado: voltou um cacho de uvas; experiência 2: colocou uma galinha na máquina... quando a máquina voltou, lá estava um ovo. Pensou em se a máquina funcionava com seres humanos. Convenceu um bêbado (Gera) a entrar na geringonça e atrasou o relógio 50 anos... Gera voltou cantando marchinhas de 50 anos atrás. Deu tudo certo.

Comprou francos velhos (moeda do tempo de Van Gogh) e embarcou na máquina. Encontrou Van Gogh, pobre, desiludido, sem conseguir vender nenhum dos seus quadros. Comprou todos e ainda deu conselhos ao pintor: “Desista de pintar, moço, não nasceu para isso, em seu lugar compraria ações do novo invento, o telefone. Vai ser o maior estouro.” (p. 48)

Ao regressar ao seu tempo, o cientista colocou os quadros à venda... SURPRESA! Ninguém queria os quadros, ninguém conhecia Van Gogh... ao mexer no passado, ele apagara o famoso pintor da história. O que restara era um tal de Van Gogh que ficara rico como acionista da Companhia telefônica.

ESSA MOCIDADE DE HOJE
Reflexão irônica sobre a preocupação dos pais de antigamente e a dos pais de hoje. A crônica é datada como se fosse de 1893, o que é, evidentemente, uma estratégia do cronista para nos surpreender.

Em uma família, os pais estão preocupados. O filho está viciado em cheirar... Quando pensamos em nossos dias, vem à tona: cocaína! Naquela época, o perigo era cheirar rapé, e a consequência era meramente social, já que os viciados em rapé espirravam muito. Por causa disso, o jovem perdia empregos e casamento.

O segundo filho saía no meio da madrugada e os pais, preocupados investigam. O jovem fazia serenatas para as namoradas. O terceiro viciou-se numa tal de lanterna mágica, os pais ficam alucinados. Era apenas um brinquedo que tentava imitar a magia do cinema e que fez muito sucesso entre as crianças do final do século XIX.

E os pais preocupados dizem: “Este fim de século ameaça destruir nossos jovens.” (p. 53)

MARKETING OPORTUNISTA
Crônica que nos chama a atenção para o oportunismo de algumas pessoas. A história acontece na década de 90, tempo em que os dinossauros e os duendes estão na moda. A Xuxa até chegou a ver alguns, lembra?

O narrador se espanta pela facilidade com que o homem daquele tempo caminha pelos extremos. Ou é o duende (minúsculo) ou o dinossauro (gigantesco). Um amigo pergunta se ele está escrevendo alguma coisa e ele diz que está escrevendo uma história que envolve um triângulo amoroso, o amigo não gosta:

“- A ideia é velha. Meta um dinossauro carnívoro, feroz, perseguindo esses três tarados.

- Como posso fazer isso? O romance se passa nos tempos de hoje, entendeu?

- Não faz mal, ponha o dinossauro assim mesmo.

- Ora, é uma história urbana, não acontece em nenhuma floresta desconhecida.

- Melhor ainda! Já imaginou o tal dinossauro no viaduto do chá, na hora do rush, pisando nos carros, derrubando postes, engolindo marreteiros?” (p. 57-58)

O cronista vai para casa impressionado com o mau gosto. Comenta com a mulher esperando uma risada. Ela diz: dá dinheiro...

De noite, o cronista sonha com dinossauros. Um senador que fez propaganda no pescoço de um dinossauro, Iguanodontes andando na rua e sendo alugados... e algumas pessoas defendendo os dinossauros, preocupados com a sua extinção. De repente ele vê um enorme Tiranossauro Rex amarrado e pergunta por que o imobilizaram daquela maneira. Resposta dos defensores de dinossauros: foi imobilizado assim como marketing sensacionalista de um romance que tratava de um triângulo amoroso. Pergunta se a história fez sucesso. E a resposta é: fez, o inescrupuloso escritor ganhou milhões.

Nesse momento o escritor acorda, vai à cozinha e encontra a mulher somando as contas a pagar e diz:

“- Sabe de uma coisa querida? Aquela ideia do dinossauro no viaduto é coisa de louco, sim, mas quem não é hoje em dia?” (p. 60)

3 - Figurinhas carimbadas

A primeira figurinha carimbada é o próprio autor. Nasceu pobre, mas seu pai disse que nascera na cidade deserta (São Paulo). Devido ao seu anonimato, brinca com o recenseador, pedindo que ele apareça mais vezes. O homem do censo faz a gente lembrar quem é.

Nas primeiras décadas da vida, não fez nada e aí, por falta de tempo e cansado do esforço de não fazer nada, começou a escrever. Escreveu um romance imenso, chamado Ulisses, mas descobriu que havia um com o mesmo nome e com a mesma história. Atribui isso às coincidências. Começou a escrever sobre Paris, mas lhe deram uma ideia: fale sobre São Paulo, é mais perto e, quando chove, é só ficar olhando da janela.

Fez um filme sem sucesso nenhum, e brinca: “Se tivéssemos vendido saídas, no lugar de entradas, teria ficado rico.” (p. 78)

Alga que fez anúncios e brinca com a história de Van Gogh (pintor que cortou a orelha); O anúncio era de cola tudo, portanto fez a orelha de Van Gogh sendo colada ao contrário com os dizeres: “Agora não tem mais jeito, ruivo!”.

Na televisão também não deu certo. O primeiro livro foi um fracasso, só não desistiu por insistência da mãe. Ao acabar de escrever o vigésimo, tinha chegado ao completo anonimato.

Afirma que, atualmente, está escrevendo um livro de memórias e aconselha a que ninguém perca. Começa assim: “No mês em que nasci São Paulo estava coberta de neve.” E para que ninguém duvide, não coloquei o ano.

ADÃO FLORES, O DETETIVE
Adão é um detetive diferente. Misto de empresário de cantores e mulheres para casas noturnas e detetive, Adão tem seu escritório no próprio carro (um Corcel 69) que fica estacionado em frente a boate. Sua secretária (Maralice) trabalha no banco traseiro, com uma máquina de escrever sobre as pernas.

Resolvera ser detetive quando um pai aflito lhe pedira que localizasse suas duas filhas gêmeas, loiríssimas, que sonhavam em cantar em dupla. Ele as havia contratado, pintava elas com a cor negra e as apresentava como “as irmãs fulô”. Quando a plateia cansava, retornava-lhes a cor original e elas cantavam como uma dupla de loiras. Também tivera um caso com uma delas antes de se pintarem e com a outra depois de pintada. Os pais choram com a apresentação das filhas.

Adão Flores era gordo (120 quilos, a maior parte na barriga) e Maralice, sua secretária, magra (45 quilos). Um dia um homem lhe procurou para encontrar um cantor que lhe dera um cano. Adão conhecia todos. Era um tal de Ramon Diaz.. Adão o prendeu, mas antes lhe pediu que cantasse o famoso bolero Sabra Dios.

GENTE QUE VAI À FEIRA
O autor começa narrando a mistura de personagens que frequentam às feiras populares. O rico, o pobre, e, às vezes, até mesmo gente famosa. Ele não gosta de feira, lembra do tempo de criança, quando era obrigado a carregar as compras. Sua esposa adora. Um dia uma menina gorducha lhe pediu um autógrafo. Ficou todo feliz, havia acabado de publicar um livro e era bom ser reconhecido. Juntou gente, e ele cada vez mais feliz... até que uma senhora da fila perguntou: quem é? E a outra informou:

“- Não conhece? É o doutor Lilico da novela das 7, o pai da moça... Vai deixar que eles se casem no final? Conte pra gente, conte.” (p. 91)

PROCURANDO TELMA TERNURA
Um jovem repórter está procurando um assunto que emocione os leitores. Lá está, nos arquivos: Telma ternura, a ex-rainha do sexo em São Paulo, a mãe do espetáculo pornô, sumira. Ninguém sabia do seu paradeiro. Ninguém sabia nem do seu verdadeiro nome. Procurou em todos os lugares e... nada. Um dia ligaram para a redação e deram o endereço.

Encontrou uma velhinha magra (40 quilos), ela não dava entrevistas sem receber um bom dinheiro. Desesperado para não perder o furo de reportagem, ele vendeu a eletrola, o casaco, obras de Eça de Queirós.. até um papagaio. Pagou e a velhinha começou a entrevista. Não tinha nenhuma vergonha, contava tudo, figurões e famosos com quem tivera casos... tudo. O repórter pediu uma foto e ela provocou: com roupa ou sem roupa?

Terminada a entrevista, o repórter corre para o jornal, está bem feliz e ansioso. Quando mostra o trabalho ao editor, este começa a rir e informa: Telma morreu há 20 anos. Alguém te enganou. Ele corre atrás da velhinha que o enganara, mas, chegando lá, não encontra ninguém, ela já se mudara. Informam que a velha era uma grande inventora de histórias e que gostava de se passar por uma ex-atriz: Greta Garbo.

Envergonhado, ele sabe que todos ali já sabem que caíra nas mentiras da velhinha.

OS FURTOS DO FURTADO

Furtado era um homem sério, respeitado, sempre bem vestido. Todos o achavam careta. Mas o cronista o conhecia desde a infância. Um fino ladrão era isso que o Furtado era. Estava sempre de olho nos pertences alheios. Jogava o boné e, junto já vinha o compasso. O cronista avisava: Furtado, devolva, eu vi você roubar. E ele corrigia: Roubo é quando se usa violência. Eu apenas furto.

Quando o autor ameaçava denunciar à professora ele dizia: Não faça isso que eu devolvo. Mas não era o compasso que queria devolver, já era a caixa de lápis de cor do denunciante que ele roubara e que devolveria em troca de seu silêncio.

Cresceu dessa maneira, sempre com modos finos e sempre roubando. Já adulto, não resistia ao desejo de contar ao amigo de infância seus furtos. Na feira, no supermercado, nas livrarias... e ainda pedia: Cuidado! Não vá um dia falar de mim em sua crônica.