quinta-feira, 2 de março de 2023

XXII Concurso de Trovas de Caicó-RN (Prazo: 31 de maio de 2023)


Tema Nacional / Internacional
(Veteranos e Novos Trovadores)
(Lírica/Filosófica): ANDANÇA (S)

Enviar para franciscoribeiro.natal@gmail.com
Enviar a identificação com nome, endereço, telefone e e-mail

Tema Estadual (Rio Grande do Norte)
(Lírica/Filosófica): MEMÓRIA (S)

Enviar para  jersonbrito.pvh@gmail.com
Enviar a identificação com nome, endereço, telefone e e-mail

Apenas UMA TROVA por participante;

A palavra tema deverá constar na Trova;

No âmbito nacional/internacional, deverá haver menção à categoria (veterano ou novo trovador);

Não serão aceitos anexos.

Prazo máximo para recebimento das trovas: 31/05/2023. 

quarta-feira, 1 de março de 2023

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 23

 

Machado de Assis (O Destinado)

Ao entrar no carro, cerca das quatro horas da manhã, Delfina trazia consigo uma preocupação grave, que eram ao mesmo tempo duas. Isto pede alguma explicação. Voltemos à primeira valsa.

A primeira valsa que Delfina executou no salão do coronel foi um puro ato de complacência. O irmão dela apresentou-lhe um amigo, o bacharel Soares, seu companheiro de casa no último ano da academia, uma pérola, um talento, etc. Só não acrescentou que era dono de um rico par de bigodes, e aliás podia dizê-lo sem mentir nem exagerar nada. Curvo, gracioso, com os bigodes espetados no ar, o bacharel Soares pediu à moça uma roda de valsa; e esta, depois de três segundos de hesitação, respondeu que sim. Por que hesitação? Por que complacência? Voltemos à primeira quadrilha.

Na primeira quadrilha o par de Delfina fora outro bacharel, o bacharel Antunes, tão elegante como o valsista, embora não tivesse o rico par de bigodes, que ele substituía por um par de olhos mansos. Delfina gostou dos olhos mansos; e, como se eles não bastassem a dominar o espírito da moça, o bacharel Antunes juntava a esse mérito o de uma linguagem doce, canora, todas as seduções da conversação. Em poucas palavras, acabada a quadrilha, Delfina achou no bacharel Antunes os característicos de um namorado.

— Agora vou sentar-me um pouco, disse-lhe ela depois de passear alguns minutos.

O Antunes acudiu com uma frase tão piegas, que não a ponho aqui para não desconcertar o estilo; mas, realmente, foi coisa que deu à moça uma idéia avantajada do rapaz. Verdade é que Delfina não tinha o espírito muito exigente; era um bom coração, excelente índole, educada a primor, amiga de bailar, mas sem largos horizontes intelectuais: — quando muito, um pedaço de azul visto da janela de um sótão.

Contentou-se, portanto, com a frase do bacharel Antunes, e sentou-se pensativa. Quanto ao bacharel, ao longe, defronte, conversando aqui e ali, não tirava os olhos da bela Delfina. Gostava dos olhos dela, dos seus modos, elegância, graça...

— É a flor do baile, dizia ele a um parente da família.

— A rainha, emendou este.

— Não, a flor, teimou o primeiro; e, com um tom adocicado: — Rainha dá ideia de domínio e imposição, ao passo que a flor traz a sensação de uma celeste embriaguez de aromas.

Delfina, logo que teve notícia desta frase, declarou de si para si que o bacharel Antunes era um moço de grande merecimento, e um digníssimo marido. Note-se que ela partilhava a mesma opinião acerca da distinção entre rainha e flor; e, posto aceitasse qualquer das duas definições, todavia achou que a escolha da flor e a sua explicação eram obra acertada e profundamente sutil.

Ora, em tais circunstâncias, é que o bacharel Soares pediu-lhe uma valsa. A primeira valsa era sua intenção dá-la ao bacharel Antunes; mas ele não apareceu então, ou porque estivesse no buffet, ou porque realmente não gostasse de valsar. Que remédio senão dá-la ao outro? Levantou-se, aceitou o braço do par, ele cingiu-lhe delicadamente a cintura, e ei-los no turbilhão. Pararam daí a pouco; o bacharel Soares teve a delicada audácia de lhe chamar sílfide.

— Na verdade, acrescentou ele, é valsista de primeira ordem.

Delfina sorriu, com os olhos baixos, não espantada do cumprimento, mas satisfeita de o ouvir. Deram outra volta, e o bacharel Soares, com muita delicadeza, repetiu o elogio. Não é preciso dizer que ele a aconchegava ao corpo com certa pressão respeitosa e amorosa ao mesmo tempo. Valsaram mais, valsaram muito, ele dizendo-lhe coisas amáveis ao ouvido, ela escutando-o corada e delirante...

Aí está explicada a preocupação de Delfina, aliás duas, porque tanto os bigodes de um como os olhos mansos do outro iam com ela dentro do carro, às quatro horas da manhã. A mãe achou que ela estava com sono; e Delfina explorou o erro, deixando cair a cabeça para trás, cerrando os olhos e pensando nos dois namorados. Sim, dois namorados. A moça tentava sinceramente escolher um deles, mas o preterido sorria-lhe com tanta graça que era pena deixá-lo; elegia então esse, mas o outro dizia-lhe coisas tão doces, que não mereciam tal desprezo. O melhor seria fundi-los ambos, unir os bigodes de um aos olhos de outro, e meter esse conjunto divino no coração; mas como? Um era um, outro era outro. Ou um, ou outro.

 Assim entrou ela em casa; assim recolheu-se aos aposentos. Antes de se despir, deixou-se cair em uma cadeira, com os olhos no ar; tinha a alma longe, dividida em duas partes, uma parte nas mãos de Antunes, outra nas de Soares. Cinco horas! era tempo de repousar. Delfina começou a despir-se e despentear-se, lentamente, ouvindo as palavras do Antunes, sentindo a pressão do Soares, encantada, cheia de uma sensação extraordinária. No espelho, pareceu-lhe ver os dois rapazes, e involuntariamente voltou a cabeça; era ilusão! Enfim, rezou, deitou-se, e dormiu.

Que a primeira ideia da donzela, ao acordar, fosse para os dois pares da véspera, nada há que admirar, desde que na noite anterior, ou velando ou sonhando, não pensou em outra coisa. Assim ao vestir, assim ao almoçar.

— Fifina ontem conversou muito com um moço de bigodes grandes, disse uma das irmãzinhas.

— Boas! foi com aquele que dançou a primeira quadrilha, emendou a outra irmã.

Delfina zangou-se; mas vê-se que as pequenas acertaram. Os dois cavalheiros tinham tomado conta dela, do seu espírito, do seu coração; a tal ponto que as pequenas deram por isso. O que se pergunta é se o fato de um amor assim duplo é possível; talvez que sim, desde que não haja saído da fase preparatória, inicial; e esse era o caso de Delfina. Mas enfim, cumpria escolher um deles.

Devine, si tu peux, et choisis, si tu l'oses*. (*Adivinhe, se puder, e escolha, se tiver coragem)

Delfina achou que a eleição não era urgente, e fez um cálculo que prova da parte dela certa sagacidade e observação; disse consigo que o próprio tempo excluiria o condenado, em proveito do destinado. “Quando eu menos pensar, disse ela, estou amando deveras ao escolhido.”

Escusado é acrescentar que não disse nada ao irmão, em primeiro lugar porque não são coisas que se digam aos irmãos, e em segundo lugar porque ele conhecia um dos concorrentes. Demais, o irmão, que era advogado novo, e trabalhava muito, estava nessa manhã tão ocupado no gabinete, que nem veio almoçar.

— Está com gente de fora, disse-lhe uma das pequenas.

— Quem é?

— Um moço.

Delfina sentiu bater-lhe o coração. Se fosse o Antunes! Era cedo, é verdade, nove horas apenas; mas podia ser ele que viesse buscar o outro para almoçar. Imaginou logo um acordo feito na véspera, entre duas quadrilhas, e atribuiu ao Antunes o plano luminoso de ter assim entrada na família...

E foi, foi, devagarinho, até à porta do gabinete do irmão. Não podia ver de fora; as cortinas ficavam naturalmente por dentro. Não ouvia falar, mas um ou outro rumor de pés ou de cadeiras. Que diabo! Teve uma ideia audaciosa: empurrar devagarinho a porta e espiar pela fresta. Fê-lo; e que desilusão! viu ao lado do irmão um rapaz seco, murcho, acanhado, sem bigodes nem olhos mansos, com o chapéu nos joelhos, e um ar modesto, quase pedinte. Era um cliente do jovem advogado. Delfina recuou lentamente, comparando a figura do pobre-diabo com a dos dois concorrentes da véspera, e rindo da ilusão. Por que rir? Coisas de moça. A verdade é que ela casou daí a um ano justamente com o pobre-diabo. Leiam os jornais do tempo; lá está a notícia do consórcio, da igreja, dos padrinhos, etc. Não digo o ano, porque eles querem guardar o incógnito, mas procurem que hão de achar.

Fonte:
Publicado originalmente em A Estação, em 30/04/1883.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) – 20


A cabecinha nevando,
pelo tempo, envelhecida...
E, a vovó segue cantando
os desencantos da vida!
= = = = = = = = = 

A infância é uma doce brisa,
passa logo e, de repente,
vem o outono e se eterniza
no chão da vida da gente.
= = = = = = = = = 

Ao ver mamãe de joelhos,
mãos postas, que olhar bonito!
Eu vi, quem crer nos conselhos
do silêncio do infinito!
= = = = = = = = = 

Aquele sim, tão ousado,
aos pés do altar do Senhor...
Redime qualquer pecado,
que há no pecado do amor!
= = = = = = = = = 

A saudade me insinua
e, eu volto à infância inocente...
Onde o chão de minha rua,
era de barro, e da gente!...
= = = = = = = = = 

De nossas velhas andanças,
eu guardo em meus alfarrábios,
cartas e antigas lembranças
que pude ouvir de teus lábios!
= = = = = = = = = 

Depois que a noite desperta
do sono longo e enfadonho...
A aurora é uma porta aberta
para a luz de um novo sonho!
= = = = = = = = = 

Deveria essa distância
que, em ferir, tanto se esmera,
devolver a nossa infância
e os sonhos da primavera!
= = = = = = = = = 

De volta ao chão, que me amava,
quanta dor, quanta lembrança!...
Pisar no chão que eu pisava
no meu tempo de criança!
= = = = = = = = = 

Em meio a tantos desejos,
sonhos e sonhos em vão,
uns vão comendo os sobejos
dos restos que outros lhes dão!
= = = = = = = = = 

Essa ambição, desmedida,
que a humanidade escraviza,
não se explica nesta vida
nem de explicação precisa!
= = = = = = = = = 

Fico triste, por quem chora;
porque num gesto profundo,
Deus pôs nos olhos da aurora
o riso da luz do mundo!
= = = = = = = = = 

Há tantos sonhos perdidos,
que à vitória nos conduz...
Enquanto há mastros erguidos
velando histórias sem luz!
= = = = = = = = = 

Lágrima, divina essência,
dos olhos de um ser humano,
que cai como providência
no instante de um desengano!
= = = = = = = = = 

Menina de loira trança,
essa luz, dos olhos teus...
São dois rubis de esperança
que brilham nos olhos meus!
= = = = = = = = = 

Mesmo no amor sem medida,
fui prudente no que fiz;
que a imprudência, nesta vida,
faz muita gente infeliz!
= = = = = = = = = 

O barco tão pequenino
que a correnteza levou,
levou partes do destino
dos sonhos de quem ficou!
= = = = = = = = = 

O humilde nunca responde.
ao ódio das ilusões,
do orgulhoso que se esconde
no altar das velhas mansões!
= = = = = = = = = 

O sino e o velho pastor,
toda tarde, de mãos dadas,
juntam seus hinos de amor
às preces das badaladas!
= = = = = = = = = 

Por teu amor que me guia,
tornei-me escravo e não nego;
nem penso nessa alforria
da cruz do amor que carrego!
= = = = = = = = = 

Quando a saudade me embala,
em silêncio e sem furor,
parece até que me fala
da ausência de um grande amor!
= = = = = = = = = 

Saudade - é um corpo sem vida,
não tem pé nem tem cabeça;
mas depois da despedida,
dela, não há quem se esqueça!
= = = = = = = = = 

Sem disfarce ou camuflagem.
o tempo em teu rosto enxuga,
algumas gotas da imagem
da dor, da primeira ruga!
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Se poeta, é quem acalanta,
as mágoas e o pranto alheio...
Do consolo de quem canta,
meu coração vive cheio!
= = = = = = = = = 

Vai com fé, que a vida é bela,
se crês filho, a paz te alcança;
que a fé brilha, e o brilho dela,
mantém acesa a esperança!

Fonte:
Enviado pelo trovador.
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.

Nilto Maciel (Pintando o sete na Bélgica)

Há na “Casa de Benedito Moreira” uma escultura de Constantin Meunier. Consta, porém, ser do brasileiro a peça. Chama-se Homem cansado, e deve ser de 1891.

Na “Casa”, dirigida por Heloísa Moreira, bisneta do escultor cearense, estão alguns utensílios domésticos e objetos de trabalho usados e utilizados por Benedito. Sem contar esculturas e quadros tidos como de sua autoria. Os mais valiosos seriam uma estátua de Napoleão, um retrato de Darwin, máscara de Brahms. Os quadros parecem imitações de obras famosas. O mais estranho é copiarem pintores de todas as épocas: Hugo van der Goes e Grant Wood, Adriaen van Ostade e Toulouse-Lautrec, Hans Holbein e Paul Cézanne, numa miscelânea dos diabos.

O escultor-pintor brasileiro viveu na Bélgica, entre os anos de 1887 e 1896. Teria sido “discípulo” de Meunier. E também amigo de James Ensor. Obras como “A entrada de Cristo em Bruxelas” e “Máscaras singulares” teriam nascido diretamente da orientação de Benedito. Soltasse mais a fantasia. Introduzisse nas cenas do cotidiano figuras de sonho, como máscaras e esqueletos.

Meunier teria lamentado o destino de seu colega. Aquilo levaria Ensor ao fracasso. Ninguém compraria seus quadros. E Moreira teria respondido: melhor para você, meu caro discípulo.

Para Caio Barroso, no entanto, tudo isso é mentira. Há uma só verdade: Benedito furtou esboços de James Ensor e de Constantin Meunier.

Heloísa não chegou a conhecer o bisavô famoso. Desde cedo, porém, dedicou-se a seguir os passos de Benedito — quer pintando e esculpindo, quer preservando-lhe a memória. Escreveu até um livro: A Influência de Benedito Moreira na Obra de Constantin Meunier. Um equívoco clamoroso, segundo Caio Barroso. Ora, se influência tivesse havido, o influenciado teria sido Benedito. Como não pintou nem esculpiu nada durante sua longa vida, a influência não existiu. E, por não constar ter Meunier sido gatuno, a verdadeira arte de Moreira nada deve ao belga. E Caio assim define seu compatrício: “astuto ladrão de esboços, quadros e esculturas. Mais um trapaceiro no mundo das artes”.

Fonte:
Enviado pelo autor.
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Christopher Taylor (Como Escrever uma História Comovente) – 3, final

Revisando e publicando a sua história

1. Mergulhe no processo de escrita.

Histórias comoventes são emocionalmente complexas, e você deve se permitir revisá-las depois, concentrando-se em diferentes pontos e áreas a cada nova revisão. Todas as vezes que reler a sua história, aborde o texto com uma meta em mente, como, por exemplo, trabalhar o desenvolvimento das personagens, ou as transições, ou ainda os diálogos. 

Trabalhar em um ponto de cada vez ajudará você a permanecer concentrado, não se distraindo por outros problemas que identificar no texto.

2. Leia a sua história em voz alta.

Seja lendo para si mesmo, para a sua tia Marta ou para o seu gato, ler a sua história em voz alta o tornará um melhor escritor. Pedir para alguém ler a sua história em voz alta para você é ainda melhor.

Escutar uma história permite que você ou seus leitores percebam a história de uma maneira diferente, e vai ajudá-lo a identificar problemas com o tom, a gramática e a sintaxe do texto.

3. Salve várias cópias do documento.

Enquanto revisa, lembre-se de salvar ou guardar a sua história em mais de um lugar. Acidentes acontecem e você certamente não quer correr o risco de perder todo o seu trabalho.

Considere colocar todos os seus rascunhos em um pendrive ou em sistemas de armazenamento em nuvem. E lembre-se de não apagar os seus rascunhos. Salve cada um deles e nomeie-os apropriadamente para quando queira voltar a lê-los e consultar algo em uma versão anterior do seu trabalho.

4. Obtenha críticas e comentários sobre o seu trabalho.

Peça a alguém de confiança para ler a sua história e comentá-la. Outras pessoas podem ser capazes de apontar detalhes que você tenha esquecido de mencionar ou partes do enredo que não fazem muito sentido para elas. Elas podem ter coisas a dizer não só sobre a trama, como também sobre o estilo do texto. Uma frase que soa natural para você pode soar, por exemplo, bastante estranha pra outros.

5. Decida se quer ser pago pelo seu trabalho.

Querer ser remunerado ou não pela sua história vai ditar qual caminho de publicação será tomado. Se quer divulgar seu trabalho sem compensação financeira, há sites que permitem que você publique de graça.

Caso decida que quer ser pago pela história, considere enviá-la para uma editora (e algumas revistas) ou publique o seu texto por conta própria.

6. Mantenha seu trabalho fora da internet.

Lembre-se que uma vez que algo está na internet, não pode mais ser, de fato, apagado. Considere as suas opções antes de divulgar seu trabalho nos meios digitais.

Quando vende a sua história, você está na verdade vendendo os direitos de publicação dela, não a propriedade dela. Há leis e regras diferentes dependendo do país em que você está, então lembre-se de pesquisar quais opções estão disponíveis para você. Até você estar seguro sobre o caminho que quer seguir, não compartilhe o seu trabalho pela internet com outras pessoas.

7. Caso decida publicar o seu trabalho, pesquise antes de enviar a sua história.

Pense se quer ser publicado em uma revista, ou em parte de uma antologia, ou até mesmo em um livro exclusivo para a sua história. Pense também se quer contratar um representante ou se gostaria de negociar pessoalmente a publicação do seu trabalho.

É possível contratar um representante que vai fazer o trabalho de contatar editoras e negociar a sua compensação financeira.

Também é possível publicar por conta própria, o que vai exigir que você cubra os custos da publicação.

Você pode contatar e negociar diretamente com editoras e revistas.

Dicas
– Tudo bem se a sua história não tiver um final feliz; na verdade, algumas pessoas querem ler finais tristes de vez em quando.

– Não deixe alguém convencê-lo de que apenas histórias com finais felizes vendem, porque isso simplesmente não é verdade.

– Pense em cada situação, evento ou pessoa como possíveis inspirações para grandes histórias ou personagens.

– Caso queira ouvir críticas ou comentários, considere fazer parte de um grupo ou clube de escritores.

– Depois de terminar o seu primeiro rascunho, escreva uma descrição da sua história em uma frase. Se não conseguir, precisará descobrir quais são as lacunas no seu enredo. Uma boa descrição também o ajuda a vender a sua história para publicação mais tarde.

Aviso:

– É normal e aceitável obter inspiração de outras fontes, mas tome bastante cuidado para não plagiar outros trabalhos. Escreva a sua - e apenas a sua – história original.
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Christopher Taylor é professor assistente adjunto de inglês no Austin Community College, no Texas. Ele recebeu seu PhD em Literatura Inglesa e Estudos Medievais pela Universidade do Texas, em Austin, em 2014.

Fonte:
Do original inglês, Christopher Taylor, PhD. How to Write a Touching Story.
Disponível no Wikihow https://www.wikihow.com/Write-a-Touching-Story

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Isabel Furini (Poema 40): Fantasias

Fonte: Isabel Furini. Flores e Quimeras. 2017. Ebook.
Colaboração da poetisa.
 

Humberto de Campos (A chuva luminosa)

- Maravilhoso colar este seu, senhora viscondessa; é pena que dê, aos meus olhos, uma sensação de tragédia, embora de linda tragédia!

As senhoras voltaram-se, todas, para a viscondessa de São Germano, e admiraram. Emergindo do vestido solferino, graciosamente decotado, o seu colo parecia mais alvo do que nunca; e o que realçava ainda mais essa alvura de leite era a graça de um colar de rubis que lhe volteava o pescoço de linhas puríssimas, dando a impressão de um crime sinistro, horrendo, brutal, que lhe fizesse florescer a garganta de neve com um vivo círculo de gotas de sangue.

- É lindo, mesmo! - confirmou o general Tasso Fragoso, assestando na jovem senhora o seu fortíssimo "pincenez" de míope.

- É um deslumbramento! - asseguraram, ao mesmo tempo, o senador Azeredo e a baronesa de Pereira Alves.

Percebendo, perspicaz, a tortura a que o seu galanteio estava submetendo a beleza honesta da viscondessa, o almirante Ribas resolveu correr em seu auxílio, arrancando-a daquela deliciosa e, ao mesmo tempo, angustiosa situação. E tentou:

- As pedras preciosas, aliás, foram atiradas à terra para punição e glorificação das mulheres.

As senhoras olharam-no sorridentes, na certeza de mais um conto oriental do velho marinheiro, e ele; compreendendo o que aqueles olhos lhe pediam, começou, acariciando o rosto escanhoado e cor de rosa, coroado por uma fina cabeleira de prata:

- Antes do Dilúvio e do Pecado Original, os astros que ornavam o céu tinham, cada um, a sua cor peculiar. Sírius era verde, como as águas do oceano. Saturno era de um azul pálido, como os olhos da Sra. condessa de Souza Furtado. Marte era vermelho como o sangue. Júpiter, de um amarelo vivo. Netuno, roxo. Urano, azul, forte. O Sol, cor de púrpura. E a Lua e Vênus, alvas como a inocência.

- Devia ser lindo, o céu! - comentou, encantada, a baronesa.

O general Tasso Fragoso aparteou, erudito, contando que, de Marte, segundo Flamarion, ainda se viam dessas paisagens celestes, e o almirante continuou:

- Resplendente de astros de todas as cores, o céu era, em verdade, um deslumbramento.

Endireitou-se na grande "maple"* tauxiada de prata, e contou:

- Uma tarde, vinha o Onipotente por uma das alamedas do Paraíso, quando se lhe deparou um quadro revoltante: abraçados, trêmulos, conscientes do próprio crime, Adão e Eva escondiam-se, horrorizados de si mesmos, entre as árvores enormes daqueles primeiros dias da Criação. Compreendendo, na sua sabedoria, o que havia sucedido às duas fragilíssimas criaturas a que pretendera conceder a graça da imortalidade, trovejou o Senhor que eles abandonassem, de pronto, os limites do Éden. Súplices, os réprobos imploraram perdão, pedindo clemência. A resposta foi, porém, uma ordem severa, brutal, imperiosa, para que o anjo Gabriel manejasse a sua espada de chama. E, enquanto isto acontecia, deu-se, de súbito, o milagre deslumbrante: a um gesto do Senhor, os astros todos começaram a lançar sobre os perseguidos uma chuva de fogo, como aquela que destruiu, mais tarde, Gomorra e Sodoma, a qual, desfeita em gotas de todas as cores, em pingos luminosos de todas as cambiantes, fustigavam, numa apoteose terrível e magnífica, a sublime fraqueza dos dois pecadores!

As senhoras fitavam, mudas e encantadas, o delicioso narrador, e este continuou:

- Essas gotas de fogo, tombadas na terra poluída pelo pecado, coagularam-se, cristalizaram-se, consolidaram-se.

Firmou as mãos no apoio da "maple" e, fazendo menção de erguer-se, concluiu:

- E apareceram na terra, minhas senhoras, as ametistas, os diamantes, os topázios, as opalas, os berilos, as esmeraldas, as safiras, as turmalinas, os rubis, essas gotas de fogo, em suma, que são, pelo desejo que vos despertam e pelo realce que vos dão à beleza, a vossa glória e o vosso castigo!

E levantou-se, entre palmas.
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* Maple - cadeirão estofado da sala de estar.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Caldeirão Poético LX


Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ

A IMAGEM DO TEMPO

O olhar é opaco, a face contraída,
há flacidez nas pálpebras cansadas,
a boca é seca, a tez esmaecida,
encimada por mechas desgrenhadas...

Todo o peso das culpas desta vida
repousa sobre as costas encurvadas.
O farto ventre, a carga mais sentida,
castiga as frágeis pernas arqueadas...

De confidentes restam a bengala
e uma imagem sagrada, lá na sala:
- Fiéis acompanhantes da velhice!

Velhice de incertezas e mistério,
que o tempo vai legando a seu critério...
e a mim agora impôs... sem que eu pedisse!
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Edy Soares
Vila Velha/ES

FAZENDA VELHA

Há um silencio estranho no caminho
que nos leva ao monjolo, hoje envergado,
e o farto rego d’água, ora minguado,
nem roda mais a pedra do moinho.

Na trave do paiol abandonado,
dois enxadões, as foices e um ancinho;
os mourões da porteira em desalinho…
Tudo parece sombras do passado…

E qual um quadro torto e envelhecido,
a nossa velha casa há resistido
feito um guerreiro prestes a tombar...

São picumãs, fuligens de uma história,
um resto quase morto de memória
que o tempo não deu conta de apagar.
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Janete Sales
Campos do Jordão/SP

QUEM EU SOU

Eu sou simplicidade e cortesia
Essência de artesã e só sorriso
A fé no amor de Deus, a Luz me guia...
Assim, afirmo a paz no chão que piso

Adoro o amanhecer e amar o dia,
acordo poesia, o dom preciso...
Já fui arteira, fiz o que queria,
em Campos do Jordão, o paraíso!

E agora mais madura a mente sente...
O ser, melhor que ter, isso é verdade
E vou expor o impulso que me invade:

Retrato a confiança transcendente
Na cena, Santa Sara comparece...
Revela o quanto vale a minha prece!
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Luiz Antonio Cardoso
Taubaté/SP

NOVA ESTRELA
(In Memorian de Sâmara R. Miranda)

Sonhou toda uma vida de esplendor!
Amou e foi amada em demasia.
Manteve seus amigos com dulçor.
Alicerçou a fé que contagia!

Restavam gerações para compor,
Ah! Mas esse destino em rebeldia,
Roubou de nosso mundo a bela flor,
Mudando de endereço a sua magia!

Incrédulos, ficamos a pensar...
Revemos os conceitos... tudo em vão!
A vida nos parece uma ilusão.

Na mais tristonha noite há o cintilar
Dos astros que iluminam nossos breus...
A nova estrela brilha junto a Deus!
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Sérgio Bernardo
Rio de Janeiro/RJ

ÊXODO

Ir-me de mim, mas ir com desapego
de tudo quanto sou ou tenha sido
- eu, que imagem me fiz de um mito grego,
no espelho de outros olhos refletido.

Partir... Mas quando? Se ainda agora chego
de algum lugar onde vaguei perdido,
trazendo, para meu desassossego,
a inconsciência total de haver partido.

Ir louco, a deflorar os horizontes,
o espírito andarilho, a carne errante,
na fome, as árvores; na sede, as fontes.

Venha junto o que igual absurdo enfrente,
de partir para longe a cada instante
e ficar em si mesmo eternamente.

Fontes:
Boletins enviados por Luiz Antonio Cardoso
Taubaté Trova – Ano I – Número 4  – 21 de janeiro de 2022
Taubaté Trova – Ano I – Número 8  – 22 de janeiro de 2022
Taubaté Trova – Ano I – Número 59  – 7 de fevereiro de 2022

Figueiredo Pimentel (O companheiro de viagem)

André, o bom Andrezinho, menino querido e estimado por todos que o conheciam, achava-se desesperado, banhado em lágrimas, aflito, porque sabia que o seu extremoso pai estava nos paroxismos finais da vida. Só ele velava no pequeno e desguarnecido aposento onde jazia o moribundo. A lamparina acesa derramava amortecida claridade. Era noite alta. 

De súbito, o velho, quebrando o silêncio, falou:

– Sempre foste bom filho, André, e, por isso Deus te ajudará na tua peregrinação pela terra.

Depois, olhou tristemente o filho, pela última vez; fechou os olhos para sempre e expirou. Estava morto, mas parecia dormir apenas um sono doce, calmo, tranquilo, porque morrera serenamente, como um justo, que sempre fora.

André, compreendendo a terrível realidade, chorava amargamente. Ajoelhado junto à cama, tendo entre as suas as mãos do seu amado pai morto, beijando-as com todo respeito, deixou-se ficar na mesma posição, sempre a chorar, até que, vencido pelo sono, exausto de fadiga, adormeceu.

Sonhou. Viu o Sol e a Lua inclinarem-se diante dele. Viu o velho, de perfeita saúde, sorrindo-se, alegre como outrora, nos seus dias de bom humor. Uma encantadora mocinha, tendo uma coroa de ouro sobre a bela cabeça ornada de louros cabelos, estendia-lhe a mão, enquanto seu pai lhe dizia: “Eis tua noiva, André. É a moça mais formosa do mundo inteiro”.

O menino despertou.

A agradável e radiante visão havia desaparecido. Ninguém se achava a seu lado: no quarto, só estavam ele e o cadáver.

No dia seguinte enterraram o morto. André acompanhou tristemente o enterro, lembrando-se que nunca mais havia de ver aquele a quem ele tanto amara, e por quem tanto fora amado. Ouviu o som da terra caindo sobre o caixão; ouviu os cantos suavíssimos das preces rezadas. E chorou. As lágrimas fizera-lhe bem, aliviando-o. Olhou em torno de si. O sol brilhava majestosamente, dourando as árvores verdejantes, como se quisesse dizer-lhe: “Consola-te, Andrezinho, contempla este céu, tão azul, tão sereno! É nele que está teu pai rogando a Deus para que sejas eternamente feliz.”

E, ali mesmo, no cemitério, o mocinho protestou consigo mesmo:

– Prometo que serei sempre bom, porque quero reunir-me, um dia, a meu pai, que está no céu.

Em seguida, tendo ajoelhado e rezado mais uma vez, no sepulcro do seu querido pai morto, retirou-se para casa, ainda triste, porém, resignado, consolado.
***

Alguns dias mais tarde, André resolveu abandonar a sua aldeia natal, para correr mundo em busca de trabalho. Firmemente resolvido a executar esse projeto, arrumou a sua trouxa, vendeu as poucas coisas que o velho deixara, conseguindo reunir apenas cinquenta mil réis, e pôs-se a caminho, tendo ido primeiro ao cemitério despedir-se do seu pai morto.

Por muitos e muitos dias caminhou ele, sempre em frente, atravessando planícies, montes, vales, florestas e aldeias.

Por toda a parte, onde quer que chegasse, todos o acolhiam efusivamente, simpatizando à primeira vista com a sua fisionomia expansiva, leal, franca, honesta. E ninguém lhe recusava hospedagem.

Outras vezes, porém, longe dos povoados, quando a noite baixava, dormia ao Deus-dará, quer em pleno campo, ao relento, quer abrigado em algum velho tronco de árvore anosa. Não receava as feras, os animais, os bichos venenosos, acolhendo-se sob a proteção de Deus.

Um dia jornadeava ele por uma extensa campina. Ao cair da tarde o tempo mudou bruscamente; enfarruscou-se (enegreceu) o céu, coberto de grossas nuvens negras. Ameaçava chuva. Trovões ribombavam. Relâmpagos cruzavam-se nos ares.

Ao longe, muito longe, erguida sobre um pequeno outeiro, alvejava uma capelinha. André correu para ela; e, vendo a porta aberta, entrou, para fugir ao temporal, que acabava de desabar. Ajoelhou-se a um canto, fez a sua oração e adormeceu.

Pelo meio da noite, despertou. A tempestade cessara. A noite tornara-se calma. Pela porta aberta, o luar entrava, iluminando a igrejinha. Foi só então que o rapaz reparou: no centro da nave estava um esquife aberto, com um cadáver, que não haviam tido tempo de inumar. Não teve medo porém, pois sabia que os mortos não voltam; e que só os vivos fazem mal, quando são maus. 

Depois de fazer uma breve oração, por alma daquele finado, ia de novo adormecer, quando ouviu barulho de passos. Ato contínuo, entraram dois homens: dirigiram-se para o caixão, e fizeram menção de carregar o corpo.

– Que querem os senhores com esse morto? perguntou o mocinho, intervindo. Deixem-no em paz, pelo amor de Deus!...

– Não, respondeu um dos dois malfeitores: Vamos atirá-lo fora, para servir de pasto aos urubus, porque ele nos devia dinheiro e morreu sem nos pagar.

– Ignoro a quanto montava a dívida, disse o moço. Toda a minha fortuna é cinquenta mil réis. De bom grado lhos darei, se os senhores prometerem que não exercerão tão mesquinha vingança.

– Pois sim, concordaram os dois perversos. Já que o senhor paga por ele, deixa-lo-emos apodrecer sossegadamente.

André deu-lhe o dinheiro, e os malvados retiraram-se.

Ao amanhecer, o generoso mocinho saiu da igreja, e prosseguiu na jornada, embrenhando-se numa floresta que viu em frente. Tendo-a atravessado, ao cabo de alguns minutos encontrou um rapaz, pouco mais ou menos de sua idade, que lhe perguntou:

– Para onde se dirige você, camarada?

– Vou por esse mundo em fora, até encontrar trabalho, respondeu Andrezinho.

– Então vamos juntos, que eu sigo o mesmo destino, disse o outro. E perguntou sem seguida: como te chamas?

– André... e tu?

– Miguel.

Os dois moços caminharam lado a lado, ambos alegres, ora rindo, ora cantando, conversando, despreocupados dos prazeres da vida e das fadigas da jornada. Era dia alto, quando pararam para almoçar, à sombra de uma frondosa árvore, dividindo irmanamente o farnel que cada um trazia. Pouco depois viram passar, a alguma distância do lugar em que se achavam, uma velhinha, muito velha, encarquilhada e trêmula, carregando um molho de lenha que havia catado na floresta. Curvada àquele peso, a custo caminhava a pobrezinha.

De súbito, a velha escorregou, e caiu no chão, soltando gritos lamentosos. Os dois companheiros correram prontamente em seu socorro, tentando levantá-la. Viram porém, que a infeliz havia fraturado uma das pernas. André propôs carregá-la até a casa, mas Miguel sossegou-o. Tirou do bolso uma pomada, esfregou no lugar fraturado, e a velhinha depressa ficou curada, como se nada houvesse sofrido.

Querendo pagar o relevante serviço que Miguel acabava de lhe prestar, a velha presenteou-o com três varinhas verdes que colhera, dizendo-lhe que eram preciosíssimas.

Sorriu André, vendo a insignificância do presente, mas Miguel guardou-as com o máximo cuidado, pois sabia que virtude continham, e de que maneira se serviria delas.

Os dois amigos caminharam o dia inteiro; e quando a noite desceu, repousaram ao luar, sem cama, nem travesseiros, ao ar livre, mas assim mesmo satisfeitos. Rompeu a aurora. Pelo meio-dia, seguindo por extenso campo a perder de vista, sob um sol causticante, os dois companheiros encontraram um soldado caído, sem fala, exausto de forças, semimorto.

Miguel tirou do seu saco de viagem um vidrinho, abriu com uma faca os dentes cerrados do soldado, e fê-lo engolir algumas gotas do líquido – uma água vermelha, que o frasco continha. Imediatamente o militar voltou à vida: comeu um pedaço de pão e queijo, que lhe ofereceu André; e pode marchar. Querendo testemunhar ao generoso Miguel o seu reconhecimento, obrigou-o a aceitar a espada que trazia; e despediu-se deles.

À tarde jornadeavam ainda os rapazes, quando ouviram nos ares os sons deliciosos de uma doce música. Levantaram a cabeça, e viram um grande cisne branco, que cantava...cantava...enfraquecendo gradualmente a voz... voando cada vez menos...descendo...descendo... até cair morto, junto aos dois companheiros de viagem.

Miguel, vendo-o morto, servindo-se da espada que lhe dera o soldado a quem socorrera, cortou-lhe as asas, dizendo para o seu camarada:

– Estas asas valem ouro, meu amigo. Vou levá-las.

E meteu-as no saco, em companhia das três varinhas da velha e do sabre do soldado.
***

Passados dois dias mais, chegaram finalmente a uma grande e populosa cidade, que souberam ser a capital do reino de Mogador. Pernoitando numa hospedaria, informaram-se com o hoteleiro dos usos e costumes da terra. Souberam que o rei Iris IV era excelente príncipe, dotado de bom coração, o que não sucedia, porém, com a princesa Lucília. Essa moça, extraordinariamente formosa, causando pasmo a todas as pessoas que a viam, um só minuto que fosse, era cruel, era má, era perversa. O rei querendo casá-la, ela permitiu a todo mundo pretender-lhe a mão, quer fosse fidalgo ou plebeu, milionário ou mendigo, sob a condição de adivinhar, em três dias consecutivos, no que estaria ela pensando no momento de falar ao pretendente. Se a pessoa adivinhasse, desposa-la-ia, vindo a reinar por morte do pai; se não adivinhasse, morreria enforcada na praça pública.

Mais de dois mil rapazes, de todas as classes, de todas as partes do globo, haviam se sujeitado a tais condições, mas nem um só conseguira adivinhar-lhe os três pensamentos. E Lucília, bárbara, impiedosa, sem coração, não tivera pena de um só, mandando enforcá-los todos. Iria IV afligia-se com aquilo, mas nada podia fazer. O povo também sofria.

André ficou horrorizado, ouvindo a narração daquelas atrocidades: e amaldiçoava a princesa, opinando que devia ser açoitada, para castigo da sua maldade. Ainda estava sob tão desagradável impressão, quando ouviu na rua grande rumor de gritos, exclamações, hurras e vivas. Correu à janela. Era a princesa Lucília, que passava montada a cavalo, e o povo aplaudiu-a, subjugado pela sua extrema beleza, todas as vezes que a avistava.

Mal a viu, André empalideceu. Era a visão, que vira em sonhos, no dia da morte de seu pai. Ficou alucinado. Esqueceu tudo quanto acabavam de lhe contar, para amá-la, amá-la doidamente, apaixonadamente. Desde esse momento, tomou a resolução inabalável de se apresentar candidato à sua mão. Debalde o hoteleiro, que logo com ele simpatizara, lhe repetiu que a princesinha, por demais perversa, não tinha coração, espalhando-se mesmo a lenda de que era uma feiticeira, auxiliada pelo Diabo. Entretanto o seu companheiro de viagem tentou dissuadi-lo daquela terrível ideia.

André não os atendeu. Na manhã seguinte, vestiu-se o melhor que pôde, e encaminhou-se para o paço, pedindo uma audiência ao rei. Assim que o soberano viu aquele moço, formoso, simpático, alegre, atraente, e soube que se apresentava como candidato à mão de sua filha, ficou desesperado. Contou-lhe com a máxima franqueza qual era o caráter da maldosa princesinha, e mostrou-lhe num dos jardins reais, esqueletos sem conta dos pretendentes. Não conseguiu, porém, fazê-lo mudar de resolução.

Então, o velho monarca mandou chamar Lucília, apresentou-lhe André, que ao vê-la mais apaixonado ficou. Marcou o dia seguinte para a primeira prova de adivinhação.
***

Na cidade, a consternação era geral. Lastimavam todos a sorte do belo e amável estrangeiro, pois ninguém duvidava que havia de ser fatalmente vítima da maldade de Lucília. Fizeram-se preces públicas. Fecharam-se os teatros: nem um só divertimento público funcionou. Toda a gente trajava luto.

Ele era o único que se conservava calmo, contando que Deus o auxiliaria no momento da adivinhação. À noite deitou-se tranquilo, como costumava, depois de ter feito as suas orações, e não tardou em adormecer. Miguel, também, deitou-se em outra cama, no mesmo quarto da estalagem, e fingiu que dormia. Assim, porém, que viu o companheiro ferrado no sono, levantou-se sorrateiramente. Abriu o seu saco de viagem, apanhou as duas asas do cisne que matara, e colocou-as nas espáduas, bem grudadas, muniu-se de uma das três varinhas que lhe  dera a velha da floresta; e, tornando-se invisível, voou pelos ares, em direção ao palácio de sua majestade rei Iris IV, soberano de todo o vastíssimo país de Mogador e terras circunvizinhas.

Aí esperou algum tempo. Pouco depois, viu abrir-se uma das janelas dos aposentos da princesa, e ela aparecer, voando com asas pretas, envolta num grande véu de filó alvíssimo. Miguel, sempre invisível, voou acompanhando-a, mas a fustigá-la com a varinha, sem piedade.

Longa foi a viagem pelos ares, até que finalmente chegaram a uma gruta que havia no meio da mata. Morava aí o horrível feiticeiro Barraguzão, que era o padrinho de Lucília. A moça, tendo entrado, contou-lhe o que se havia passado: a chegada do novo pretendente, a vinda dela pelos ares, sentindo, entretanto, que a açoitavam. Pediu-lhe conselho como responderia no outro dia, por ocasião da audiência. 

O infame bruxo explicou-lhe que as pancadas que ela sentira eram da neve, caindo; e recomendou-lhe que, no momento em que André se apresentasse para lhe adivinhar o pensamento, pensasse numa coisa muito simples. E combinaram que seria nas botinas dela.

Lucília despediu-se; e voltou, voando pelos espaços, sempre seguida de Miguel, que invisivelmente, não cessou de chicoteá-la, até chegarem ao palácio. 

O misterioso companheiro, deixando a moça entrar, voltou para a hospedaria; desgrudou as asas, que guardou cuidadosamente, e deitou-se, sem que Andrezinho houvesse dado por falta dele.

Este acordou cedo, e começou a vestir-se, sem se preocupar sequer com a sorte que lhe estaria reservada se não adivinhasse o pensamento da princesa. Todo entregue à sua paixão, só pensava em Lucília, amando-a cada vez mais. Quando ia saindo para o palácio, para se submeter à primeira prova, ainda não havia decidido como responder.

Então, Miguel chamou-o e aconselhou-o:

– Olha, André, naturalmente a princesa para te desnortear, há de pensar numa coisa muito simples. Assim, acho que deves lembrar de um dos objetos de seu vestuário: nas botinas, por exemplo.

– Pois sim, respondeu ele. Direi que é nas botinas que ela está pensando.

No momento solene da audiência, perante a corte reunida, em presença do rei e dos grandes dignatários do reino, André compareceu. Lucília, lá estava, deslumbrante de beleza, mocidade e graça, sentada num trono de ouro e marfim.

– Então, em que estou pensando?

– Nas botinas de vossa alteza, respondeu o moço.

A princesa ficou desapontada, mas não teve remédio senão confessar que era verdade. Entretanto não desanimou, recordando-se que ainda faltavam duas provas, não sendo provável que o pretendente se saísse tão bem em ambas.
***

André passou o dia inteiro satisfeitíssimo, e assim todo o povo. Já tinham alguma esperança que o jovem estrangeiro pudesse adivinhar os outros dois pensamentos.

À noite, o rapaz deitou-se calmamente, confiando em Deus. Logo que o viu adormecido, Miguel levantou-se devagarinho, como fizera na véspera, apanhou outra vez as asas do cisne e a segunda das três varas que lhe dera a velhinha da floresta. Repetiu-se ponto por ponto a cena da noite anterior. O misterioso companheiro de viagem, voando invisivelmente pelos espaços, acompanhou Lucília, fustigando-a sempre, até a caverna do horrível bruxo. Aí, narrou Lucília o que se tinha passado, e Barragazão, o feiticeiro, aconselhou-a a que se pensasse nas luvas.

Miguel o que tudo ouvira, ao despertar disse a André que havia sonhado toda a noite com a princesinha e suas luvas, e pois aconselhava-o a que se referisse a elas, quando lhe perguntasse em que estava pensando.

O moço obedeceu, e Lucília quase morreu de dor, vendo-o adivinhar pela segunda vez o seu pensamento.

A população estava em delírio, sabendo que havia sido coroada de bom êxito a segunda prova. Fizeram-se deslumbrantes festas, para comemorar o acontecimento.
***

 Na terceira noite, André dormiu calmo e sereno, como nas precedentes, e Miguel levantou-se sem barulho. Abriu o seu saco de viagem; grudou nas omoplatas as duas asas brancas do cisne; muniu-se da terceira e última varinha com que o brindara a velha da floresta; pôs à cinta a espada do soldado que socorrera; e, descerrando a janela, voou em direção ao palácio real.

Pouco depois, do mesmo modo que nas noites anteriores, apareceu Lucília, e ambos, Miguel – sempre invisível, açoitando-a sem cessar – voaram para a caverna do feiticeiro.

Longa foi a confabulação. A princesa estava desesperada, porque André já tinha adivinhado duas vezes seguidas, e podia sair-se bem da terceira. O bruxo, porém, sossegou-a:

– Não! Ele tem acertado porque tens pensado em coisas simples. Amanhã pensarás em minha cabeça. O estrangeiro não me conhece, naturalmente não sabe sequer que existo, e assim perderá.

Lucília, muito satisfeita, aceitou o conselho: e partiu para o palácio. Miguel deixou-a sair; e, vendo-se só com Barraguzão, puxou da espada, e, de um golpe, lhe decepou a cabeça. Embrulhou-a num lençol, e voou para a estalagem.

À hora da audiência, André pediu-lhe conselho como deveria responder, vendo o bom êxito das duas primeiras vezes. Então Miguel deu-lhe o embrulho, contendo a cabeça do feiticeiro, recomendando que só o abrisse no instante em que a princesa lhe perguntasse no que estava ela pensando.

O moço executou fielmente o que mandara o seu misterioso amigo. Lucília, mal avistou a cabeça do bruxo, compreendeu tudo, mas não teve remédio senão receber o estrangeiro como esposo.

Celebraram-se imponentíssimos festejos para a realização do casamento. O povo inteiro exultou de alegria. Entretanto a formosa princesa, perversa como era, não amava o noivo. 

Foi ainda Miguel que o socorreu. Deu-lhe um frasquinho contendo um precioso líquido cor de ouro, recomendando-lhe que o misturasse no chá de Lucília, na noite do casamento. A moça, ao bebê-lo, sentiu uma grande dor no peito, mas ao mesmo tempo olhou terna e amorosa para o esposo. Lucília amava pela primeira vez na vida, e continuou a amar. Estava quebrado o encanto.

No dia seguinte, Miguel apareceu ao companheiro, e disse-lhe:

– Eu sou a alma daquele morto, a quem não consentiste que dois perversos atirassem no campo para servir de pasto aos urubus. Com o único dinheiro que possuías, compraste a minha tranquilidade no túmulo. Porque foste bom, Deus te protegeu. Agora minha missão está finda. Sê feliz!

Acabando de pronunciar tais palavras, transformou-se em luminosa nuvenzinha, e desapareceu nos ares.

Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.
Livro em domínio público