quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Eduardo Martínez (Papo de boteco)

Lá pelas tantas, depois de infinitas batatinhas fritas, calabresas e até uma porção de frango a passarinho, lá estão aqueles três amigos quase inseparáveis. Quase porque, de vez em quando, nem eles próprios se suportavam. Mas eis que, após discutirem política, música essa ou aquela, até mesmo uma arriscada em economia, apesar de ninguém ser realmente um especialista, surge um tema muito recorrente entre os apaixonados por futebol: afinal, quem é melhor: Garrincha ou Pelé? Obviamente que os protagonistas desse duelo de titãs, caso a discussão fosse mais ao sul, não seriam os mesmos e, certamente, o vencedor seria um terceiro gênio.

O primeiro, que estava degustando mais um gole, afirmou categoricamente que era o Pelé. “Não há dúvida, pois ele é o maior artilheiro do futebol, ganhou três Copas, dois Mundiais pelo Santos...” Pois é, o rei parecia mesmo estar em vantagem, pois não há outro jogador com tantas marcas surpreendentes. Gostem ou não do eterno camisa 10 do Santos, não há como negar a sua carreira fenomenal. Sem qualquer sombra de dúvida, um dos maiores da história! Ainda mais depois da clássica conclusão do defensor da tese: “Os números não mentem!”

O embate poderia muito bem ter cessado por aí, caso esses argumentos, apesar de surpreendentes, não fossem colocados em dúvida pelo segundo amigo. “Pois é, os números não mentem, mas não dá para olhar apenas para os números, já que o futebol é um esporte coletivo e, por isso mesmo, há inúmeras variantes a serem avaliadas. Se fôssemos olhar apenas os números, teríamos que dizer que alguns pernas de pau que levantaram a taça de alguma Copa seriam melhores que o Zico, o Zizinho, o Platini, o Sócrates... Ou seja, os números não mentem, mas iludem muitas pessoas. Além disso, o Garrincha, pelo menos aos olhos dos que entendem profundamente o esporte bretão, é o maior jogador das Copas”.

Lá estava o terceiro com os olhos fixos no copo, agora com mais espuma que qualquer coisa. Ele escutava as teses dos companheiros de copo. Olhou a última batatinha na travessa de metal frio e, com um gesto ligeiro, a levou até a boca. Mastigou-a e a engoliu quase sem gosto. O indicador esquerdo voltou à travessa, onde apertou uma pequena quantidade de sal, suficiente para despertá-lo do transe momentâneo. “Nem Garrincha nem Pelé!” Os dois companheiros olharam abismados para o dono daquela boca que profanou qualquer bom senso em relação a essa eterna dúvida brasileira. “Nem Garrincha nem Pelé!”, repetiu. Em seguida, levantou-se e foi em direção ao banheiro, não tão limpo, do boteco.

Os dois que ficaram na mesa, ainda se recuperando das palavras estapafúrdias do amigo, entreolharam-se e, quase em uníssono, balançaram a cabeça negativamente. Com certeza, o terceiro amigo teria bebido demais. 

– Ele deve ter ido vomitar, não é possível que ele esteja bem. 

– Acho que foi a calabresa, muita gordura. 

– Vamos pedir a conta?

– É, já deu por hoje.

Dois minutos ou mais, lá vem o terceiro, trôpego. O olhar meio embaçado, mas nada que um dorso de mão não resolva. “Mais uma rodada, Juva!”, ele se dirige ao garçom de longa data. Os companheiros, estáticos, nem questionam. Eles simplesmente observam o amigo por alguns instantes, até que o Juva derrama mais uma garrafa nos copos sedentos.

Os dois amigos encaram o companheiro, esperançosos de uma resposta. Será que ele disse aquilo para contestar? Talvez nem se lembre mais do que disse. Os questionamentos iam e viam, quase ao ritmo das ondas do mar de Copacabana, logo ali.

– A Marta!, quase cuspiu. Ninguém discute a Marta, ninguém questiona se fulana ou sicrana é melhor que a Marta. Cracaça!!!, quase berra. Ela dribla como Garrincha, marca gol como Pelé, faz lançamentos como o Gerson e é tão inteligente como o Didi. Ninguém pode com ela, finalizou. 

Os outros dois ficaram apenas observando e, ao mesmo tempo, tentando encontrar argumentos para refutarem os argumentos postos, literalmente, na mesa. Não acharam nem um sequer, talvez por terem aberto a mente para a genialidade da Camisa 10, que há anos dribla as adversárias dentro das quatro linhas e, principalmente, muitos outros fora delas.

Hinos de Cidades Brasileiras (Salvador/BA)


Letra e música: Oswaldo José Leal

Salvador teu céu famoso
De brilhantes cor de anil
Relembra no Dois de Julho
A libertação do Brasil...

Erigida bem no alto,
És da Pátria o seu altar
Em tuas formosas praias,
Beija a areia o verde mar

Cidade de tanta glória
Povo nas lutas, viril,
Salvador, tua história,
É a mesma do Brasil...

Em tudo tens muito encanto,
És um presépio, um jardim,
Tens igrejas, tens ladeiras,
Terra do Senhor do Bonfim...

Retratas bem o passado
Em Pirajá e Pedrões
O progresso não impede
O teu culto às tradições

Cidade de tanta glória
Povo nas lutas, viril,
Salvador, tua história,
É a mesma do Brasil...

O teu nome é um símbolo
De prestígio e de amor,
O teu povo é culto e nobre
Ó cidade do Salvador...

Tens poesia e nobreza,
Tua vida é um esplendor...
Em toda parte beleza,
Ninguém te iguala em valor...

Cidade de tanta glória
Povo nas lutas, viril,
Salvador, tua história,
É a mesma do Brasil…

Estante de Livros (“Yerma”, de Federico Garcia Lorca)

Yerma é uma peça em três atos, escrita em 1934 pelo poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936). Apresentada pela primeira vez em 1934, Yerma faz parte da chamada “trilogia rural”, ou “trilogia dos dramas folclóricos” do autor, que inclui também as obras “Bodas de Sangue” e “A Casa de Bernarda Alba”.

A peça é ambientada na Andaluzia e conta a história de Yerma, uma mulher que vive num mundo rural e fecundo, mas que ainda não conseguiu gerar uma vida em seu ventre. Ela é casada com Juan e sofre com o fato de o casal ainda não ter filhos. Yerma é uma das poucas mulheres casadas da vila que ainda não conheceu a maternidade. No entanto, Juan, apesar de ser um homem honesto e trabalhador, é indiferente à angústia de sua esposa, mantendo-a confinada num casamento sem amor, apenas como uma satisfação moral para a sociedade.

Enquanto isso, Yerma passa o tempo na janela, costurando o enxoval para o bebê de sua amiga Maria, ao mesmo tempo em que convive com Vítor, um amor do passado. Apesar da vigilância do marido e das duas cunhadas, que passam a morar na mesma casa que o casal, Yerma tenta, ao longo da narrativa, tudo o que pode para gerar uma vida, trilhando um caminho que a levará à tragédia.

A busca de Yerma pela maternidade é atravessada por coros de lavadeiras, de homens e de mulheres do povo, além de rituais de fertilidade. Desta forma, Lorca brilhantemente faz Yerma dialogar com as tragédias gregas, em especial aquelas escritas por Ésquilo e Sófocles. A diferença é que nas tragédias gregas dos dramaturgos citados o trágico vem de uma intervenção divina, como um castigo, enquanto que nas tragédias modernas, o trágico é algo intrínseco à alma humana.

Yerma é um belíssimo drama lírico, no qual Lorca aborda a questão da esterilidade de um casal, sob o ponto de vista feminino, desmascarando assim a opressão milenar que a sociedade patriarcal faz sobre as mulheres, em especial às estéreis, para cumprirem o “dever sagrado” da maternidade, quando sabemos que ser mãe é, ou pelo menos deveria ser, uma realização pessoal de cada mulher. E mais do que isso! Em Yerma, Lorca fala, de maneira poética e simbólica, da tragédia e da frustração de todos aqueles que não conseguem realizar seus sonhos, seja por medo do desconhecido, seja por ignorância ou, ainda, por causa das pressões sociais. Esta é uma das razões pelas quais Yerma tem-se eternizado nos palcos. Por colocar em cena uma angústia tão conhecida de todos nós, que é a dor de não termos conseguido realizar nossos sonhos e a frustração de termos que conviver com isto.

Em suma, Yerma é uma bela e tocante obra prima do teatro mundial, que vale muitíssimo a pena ser lida, assistida e encenada, para que não caiamos na esparrela de deixar nossos sonhos esquecidos numa gaveta qualquer da vida.

O livro está disponível em domínio público, em espanhol, no link:

Fonte: Leivison Silva, em Assisto porque gosto

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 21

 

Mensagem na Garrafa = 88 =


 Ricardo Gondim

(Fortaleza/CE)

O TEMPO E AS JABUTICABAS

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.

Tenho mais passado do que futuro… 
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas…

As primeiras, ele chupou displicente… mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço…

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades…

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis…

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas…

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral…

As pessoas não debatem conteúdos… apenas os rótulos…

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos… 
quero a essência… 
minha alma tem pressa…

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; 
que sabe rir de seus tropeços… 
não se encanta com triunfos…
não se considera eleita antes da hora…
não foge de sua mortalidade..

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade…

O essencial faz a vida valer a pena…
e para mim basta o essencial…

Leon (Liev) Tolstói (Fábula: O ouriço e a lebre)

A lebre encontrou o ouriço e disse:

− Você seria todo bonito, ouriço, se suas pernas não fossem tortas e cambaleassem.

O ouriço se zangou e disse:

− Do que você está zombando? Minhas pernas tortas correm mais depressa do que suas pernas retas. Deixe-me só ir em casa e depois vamos disputar uma corrida!

O ouriço foi para casa e disse para a esposa:

− Tive uma discussão com a lebre: queremos disputar uma corrida!

A esposa do ouriço respondeu:

− Você deve ter ficado maluco! Como é que vai correr com a lebre? As pernas dela são velozes e as suas são tortas e lerdas. 

O ouriço disse:

− Ela tem pernas velozes, mas minha inteligência é rápida. É só você fazer o que vou mandar. Vamos para o campo.

Foram a um campo, ao encontro da lebre; o ouriço disse para a esposa:

− Fique escondida dentro dessa ponta da vala do arado e eu e a lebre vamos correr da outra ponta para cá; assim que ela se adiantar, eu vou voltar para trás; e quando ela chegar aqui na sua ponta, você aparece e diz: "Faz tempo que estou esperando você." Ela não vai distinguir você de mim, vai pensar que sou eu.

A esposa do ouriço escondeu-se dentro da vala do arado e o ouriço e a lebre começaram a correr da outra ponta.

Assim que a lebre se adiantou, o ouriço voltou para trás e escondeu-se dentro da vala. A lebre chegou em disparada à outra ponta da vala, olhou: a esposa do ouriço já estava lá! Ela deixou a lebre surpresa e disse:

− Faz tempo que estou esperando você!

A lebre não distinguiu a esposa do ouriço do próprio ouriço e pensou: “Que coisa incrível! Como ele conseguiu me vencer?”.

− Bem, − disse a lebre − vamos correr mais uma vez!

− Vamos!

A lebre partiu em disparada no caminho de volta, chegou à outra ponta, olhou: o ouriço já estava lá e disse:

− Puxa, minha cara, só chegou agora? Faz tempo que estou aqui.

“Que coisa incrível!”, pensou a lebre. “Por mais depressa que eu corra, ele sempre chega na minha frente. Bem, então vamos correr mais uma vez, agora você não vai me vencer.”

− Vamos correr!

A lebre correu o máximo que podia, olhou: o ouriço estava sentado na frente e esperava.

E assim a lebre ficou correndo de uma ponta da vala para outra, até não ter mais forças.

A lebre desistiu e disse que dali em diante nunca mais ia discutir.

Fonte: Liev Tolstói. Livros de leitura para crianças. Publicado originalmente em 1864. Disponível em Domínio Público 

Professor Garcia (Sonetos Avulsos) – 5


CONSELHOS

Não odeies um pobre que mendiga,
que ao mendigo, na mesa falta o pão;
é que Deus abençoa a mão amiga
que entre os trapos, se humilha e estende a mão!

A humildade suprema não castiga,
e oferece conselho a cada irmão;
prova sempre do pão, que alguém mastiga,
quando é feito da massa do perdão!

Abre as mãos, ergue os braços, cerra os punhos,
que entre os ecos da vida há mil rascunhos
de conselhos de amor pedindo paz...

Que os que guardam rancor dos infelizes,
ficam neles, profundas cicatrizes,
entre as marcas, que o tempo não desfaz!
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GRATIDÃO

Não maldigo da vida os atropelos
e nem posso do tempo ter desgosto;
devagar vai pintando os meus cabelos,
pondo riscos de rugas no meu rosto.

Passa a vida e no espelho posso vê-los,
e aceitá-los assim, estou disposto,
quanto é bom contemplar meus brancos pelos,
mas confesso, um pouquinho a contragosto.

São sinais estes meus cabelos brancos,
certamente, de muitos solavancos
que o capricho da vida me deixou...

E eu feliz igualmente a um beduíno,
corro atrás do fantasma do destino
que o feitiço do tempo me levou!
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INQUIETUDES

Vim pedir-te Senhor, de olhos abertos,
ante as luzes de velhos castiçais,
que os meus sonhos de amor, sejam libertos,
das algemas dos sonhos irreais!

Meu temor é o de ter sonhos incertos,
e entre sombras e anseios tão fatais,
os meus sonhos se tornem tão desertos,
que eu não sonhe contigo nunca mais!

Cada sonho na vida é um breve instante;
muitas vezes, de paz, de amor constante,
e, outras vezes, também cego e sem luz...

No altar-mor, coroo é bom que Cristo veja,
nós dois juntos, no altar da mesma igreja,
ajoelhados aos pés da mesma cruz!
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MÃOS

Esses traços, que tens em tuas palmas,
nessas mãos tão sensíveis, sem temores,
podem ser traços vindos, de outras almas,
entre as almas febris de outros valores!

Por favor, joga fora esses teus traumas,
vem comigo depressa e esquece as dores,
vamos juntos curtir, nas horas calmas
os prazeres da vida entre os amores!

O que eu quero é prender-me nos teus laços,
ser escravo da cruz dos teus abraços
entre as cruzes das mãos que sempre quis...

Se os teus dedos das mãos são tão audazes,
sem meus dedos, jamais serão capazes,
de escrever esses versos que te fiz!
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SAUDAÇÃO À CAPISTRANO DE ABREU

Capistrano de Abreu, grande arquiteto,
que, no mundo das letras, floresceu.
Maranguape, seu berço predileto,
foi a terra da luz, onde nasceu!

Nessa terra sagrada ele cresceu
foi um autodidata tão completo,
que no mundo da história, o que escreveu,
usou todas as tintas do alfabeto!

Ninguém pode esquecer que Capistrano
exaltou Maranguape, ano após ano,
berço eterno do altar de tanta glória.

Capistrano de Abreu virou poema
e entre os beijos eternos de Iracema
beija e abraça os portais de nossa história!

(2° lugar em Maranguape-CE - 02.11.2019)

Fonte> Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020. Enviado pelo poeta.

Luís da Câmara Cascudo (Bicho de Palha)

Contam que um homem muito rico enviuvou e casou novamente, tendo uma filha que era mocinha e linda. A madrasta antipatizou logo com a enteada e se tomou de ódio quando teve uma filha e esta era relativamente feia, comparada com Maria.

O homem possuía propriedades espalhadas e vivia viajando, dirigindo seus negócios. Durava pouco tempo em casa e nesses momentos Maria passava melhor. Na ausência do pai, a madrasta obrigava-a aos serviços mais rudes e pesados, alimentando-a do que havia de pior e em quantidades insignificantes.

A vida ficou insuportável para a moça que se consolava rezando e chorando. No caminho do rio, onde ia lavar roupa, encontrava sempre uma velhinha de feições serenas e muito boa. Maria acabou contando seus sofrimentos e o silêncio que guardava para não magoar o pai. A velhinha animava-a com palavras cheias de doçura.

Como a madrasta fosse se tornando mais violenta e brutal, a enteada resolveu abandonar a casa e ir procurar trabalho longe daquele inferno. Encontrou-se com a velhinha e, confessando sua ideia, a velha concordou, aconselhou-a muito, deu-lhe a bênção e, na despedida, tirou uma varinha, pequenina e branca como prata, dizendo:

– Leva esta varinha, Maria, e, quando estiveres em perigo, desejo ou sofrimento, deves dizer: “minha varinha de condão, pelo condão que Deus te deu, dai-me”. E tudo sucederá como pedires.

Maria agradeceu muito e fugiu. Antes, obedecendo ao conselho da velha, fez uma grande capa de palha trançada com um capuz onde havia passagem para olhar, e meteu-se dentro.

Depois de muito andar, chegou a uma cidade importante. Pediu emprego num palácio e lhe disseram não haver mais lugar. Ia saindo triste e com fome, quando um empregado lembrou que precisavam de alguém para lavar as salas, corredores e escadas, e limpar os aposentos da criadagem. Maria aceitou o encargo e, graças ao seu vestido singular, só a chamavam “Bicho de Palha”.

Suja, silenciosa, retirada pelos cantos, trabalhando sempre, Bicho de Palha não incomodava ninguém e todos a toleravam.

O palácio era de um príncipe moço, benfeito e airoso, que ainda tinha mãe, e estava na idade de casar. Noutro palácio, no lado oposto da cidade, realizariam festas durante três dias. As moças estavam alvoroçadas com os bailes, assistidos pelos rapazes da sociedade. No palácio a conversa versava sobre os bailes. Amas, visitantes e criadas comentavam a organização e o esplendor das três noites elegantes.

Finalmente chegou a primeira noite. Bicho de Palha, através dos orifícios de sua máscara, olhara o príncipe e o amava sinceramente. Rondava, discretamente, perto dele, ansiando por uma ordem. Já de tarde, não havendo outra empregada por ali, o príncipe gritou:

– Bicho de Palha! Traga uma bacia com água...

Bicho de Palha levou a bacia e o príncipe lavou o rosto. Depois todos foram para o baile, uns para dançar e outros para ver.

Ficando sozinha no seu quarto escuro, Bicho de Palha despiu a capa, pegou a varinha e disse como a velhinha lhe ensinara:

– Minha varinha de condão! Pelo condão que Deus te deu, dai-me uma carruagem de prata e um vestido cor do campo com todas as suas flores.

Mal as palavras foram ditas, apareceu a carruagem de prata, com cocheiros e servos, e um vestido completo, do diadema aos sapatinhos, cor do campo com todas as suas flores.

Bicho de Palha vestiu-se, tomou a carruagem e foi para o baile onde causou sensação. O príncipe veio imediatamente saudá-la e só dançou com ela, não permitindo que os outros moços se aproximassem. Confessou que estava impressionado e perguntou onde ela residia. Bicho de Palha falou:

– Moro na Rua das Bacias...

À meia-noite em ponto, pretextando ir respirar o ar livre, a moça correu para sua carruagem que desapareceu na estrada. O príncipe ficou inconsolável e saiu da festa logo a seguir.

No outro dia, no palácio, as criadas contavam ao Bicho de Palha as peripécias do baile e a princesa misteriosa que fora a roupa e o rosto mais formoso da noite. O príncipe despachara muitos criados para procurar a Rua das Bacias e todos regressaram sem saber informar.

Nessa tarde, o príncipe pediu a Bicho de Palha uma toalha. Quando todos partiram para a festa, Bicho de Palha pegou a varinha e obteve uma carruagem de ouro e um vestido cor do mar com todos os seus peixes. Vestiu-se e foi para o palácio do baile. Logo na entrada, toda a gente a reconheceu e aclamou-a como a mais elegante, graciosa e simpática. O príncipe não saía de junto, conversando, dançando, fazendo mil perguntas. Insistiu pelo endereço da moça.

– Não moro mais na Rua das Bacias e sim na Rua das Toalhas. Mudei-me hoje.

Aconteceu como a primeira noite. Bicho de Palha inventou uma desculpa e meteu-se na carruagem que correu como um relâmpago. O príncipe saiu também e passou o outro dia suspirando e mandando procurar, em toda a cidade, a Rua das Toalhas.

Bicho de Palha ouviu as impressões entusiásticas dos empregados na cozinha, todos contando a paixão do príncipe e a beleza da moça.

Na tarde desse dia o príncipe pediu a Bicho de Palha um pente. Vendo-se sozinha no palácio, Bicho de Palha invocou o poder da varinha de condão e recebeu uma carruagem de diamantes e um vestido da cor do céu com “todas as suas estrelas”.

Entrando no salão do baile, Bicho de Palha recebeu as saudações como se fora uma rainha. Ninguém jamais vira moça tão atraente e um vestido tão raro. O príncipe andava atrás dela como uma sombra, servindo-a e perguntando tudo, doido de amor. Bicho de Palha disse que se havia mudado para a Rua dos Pentes, definitivamente. E dançaram muito.

Perto da meia-noite, sabendo que era a hora em que a moça desaparecia como se fosse encantada, o príncipe chamou seus criados e mandou abrir uma escavação junto do portão do palácio, esperando que a carruagem parasse. Tal, porém, não se deu. Bicho de Palha saltou para a carruagem e esta disparou como um raio, pulando o fosso, mas o solavanco fora tão brusco que um sapatinho de Bicho de Palha, atirado fora da portinhola, perdeu-se. Um criado achou-o e levou-o ao príncipe que ficou satisfeitíssimo.

Debalde procuraram na cidade a Rua dos Pentes. O príncipe deliberou encontrar a moça por outra maneira. Mandou levar o sapatinho a todas as casas, calçando-o em todos os pés. Quem o usasse, perfeito, nem largo nem apertado, seria a encantadora menina dos bailes.

Os criados andaram rua acima e rua abaixo, calçando o sapatinho nos pés das moças e das velhas. Nenhuma conseguia dar um só passo com ele no pé.

Voltaram os criados para o palácio e experimentaram calçar os chapins (antigo calçado de sola alta para mulheres) nas empregadas e amas. Nada. Finalmente uma criada engraçada lembrou que Bicho de Palha não fora convidada para calçar o mimoso calçado.

Riram todos, mas para que o príncipe não os acusasse de ter deixado alguém de calçar o sapatinho, mandaram buscar Bicho de Palha, como motivo de riso, e lhe disseram que experimentasse. Bicho de Palha, com a varinha na mão, pediu que lhe aparecesse no corpo, por baixo da capa de palha o vestido da terceira noite da festa.

O príncipe veio assistir. Bicho de Palha, cercada pela criadagem que ria, meteu o pé no sapatinho e este lhe coube perfeitamente. Depois estirou o outro pé e todos viram que calçava sapatinho igual ao primeiro. Mal podiam crer no que viam, quando caiu a palha, e apareceu a moça formosa dos três bailes, com o vestido cor do céu com todas as estrelas, o diadema com a lua de brilhantes, tudo rebrilhando como as próprias estrelas do firmamento.

O príncipe precipitou-se abraçando-a e chamando por sua mãe para que conhecesse a futura nora.

Casaram logo. Bicho de Palha contou sua história, e a varinha de condão, cumprida a vontade da velhinha, que era Nossa Senhora, desapareceu, deixando-os muito felizes na terra.
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Nota – Num conto português de Teófilo Braga, Linda Branca, de S. Miguel dos Açores, disfarça-se com uma peliça e uma máscara muito feia. 
A universalidade da história de Maria Borralheira dispensa bibliografia. É a Gata Borralheira, Maria Borralheira de Portugal e Brasil, Cendrillon, Cinddarella, Gatta Gennedontola, da Itália, Aschenbrodel, da Finlândia, Aschenputtel, da Alemanha, Cuzza Tzenere, de Dalmácia, Pepeljuga, da Bósnia-Herzegovina, Popielucha, da Polônia, Pelendrusis, da Lituânia, Popelusa, da Hungria, Popelusce, da Tchecoeslováquia, Popelezka, da Bulgária, Staetopouta, da Grécia, Cinicienta, dos países do idioma castelhano. 

Fonte> Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. 1ª edição digital. São Paulo, 2014.

Hinos de Cidades Brasileiras (Cachoeira do Sul/RS)


Composição: Moacir Roeseling

Venho vindo das campinas deste Rio Grande de Deus
Venho atrás dos teus carinhos, dos meigos sorrisos teus
Mal desponta o sol dourado saio a trote pela estrada
O meu pingo é bem ligeiro não lhe abate a caminhada

Nos verdes pampas do meu Rio Grande
Tudo é beleza não se sabe o que é tristeza
Vive alegre o coração
E a noite desce toda estrelada
Então é lindo ver-se a guapa gauchada
De viola e gaita à mão

Todos cantam seus amores pondo a mão no coração
Chora a gaita no terreiro geme o pinho no galpão
Quem não ama o Rio Grande desconhece o que é viver
Deixa o lado bom da vida para penar e sofrer

Aparecido Raimundo de Souza (Lançamento do e-book “Coriscando”)

O escritor e jornalista paranaense, radicado em Vila Velha/ES, lança seu e-book “Coriscando”, em cujo conteúdo nos oferece vinte contos das mais variadas e inusitadas situações, todos publicados neste blog. 

A escritora, novelista e ex-atriz da Rede Globo, Manuela Dias, diz ao apresentar o autor: “Aparecido Raimundo de Souza segue a sua trajetória versátil, um pouco cômico, noutras sério e brincalhão, sem perder, contudo, a sutilidade, a magia e, sobretudo, sem deixar de lado o encantamento de suas ideias “tresloucadas” que nos fazem rir e pensar que a vida, por mais dura que possa parecer, nos presenteia com momentos de aprazimentos e enlevos, formosuras e galhardias.”

Você pode ler ou baixar gratuitamente o e-book no link a seguir:

Dicas para Escritores (Como se manter motivado enquanto escreve)

Jeff Goins é um autor americano, blogueiro, palestrante. Além disso, é o fundador da Tribe Writers, uma comunidade online de escritores. Há anos ele vem ajudando escritores e aspirantes a escritores com livros, palestras, workshops e mais.

1- Escreva apenas um capítulo por vez

Escreva e publique um capítulo por vez, usando Amazon Kindle Singles, Wattpad, ou compartilhando com sua lista de assinantes.

2- Escreva um livro mais curto

O pensamento de escrever uma obra de 500 páginas pode ser paralisante. Em vez disso, escreva um livro menor de poemas ou contos. Projetos longos são intimidadores. Comece pequeno.

3- Comece um blog para obter feedback mais rápido

Obter feedback rápido e com frequência ajuda a dispersar a pressão. Inicie um site no WordPress, Blogspot ou Tumblr e use-o para escrever seu livro capítulo a capítulo ou cena a cena. E, eventualmente publique todos os posts em um livro físico.

4- Mantenha uma lista de inspirações

Você precisa disso para manter novas ideias fluindo. Leia constantemente e use um sistema para capturar, organizar e encontrar o conteúdo que você arquivou.

5- Mantenha um diário
 
Depois, reescreva os registros de forma mais literária, mas use algumas cópias ou scans das páginas do diário como ilustrações do livro. Você pode até vender edições “de luxo” que vêm acompanhadas de cópias do diário.

6- Seja consistente nas entregas

Em alguns dias, é fácil escrever. Em alguns dias é incrivelmente difícil. A verdade é: a inspiração é apenas um subproduto do seu trabalho duro. Você não pode esperar pela inspiração. A Musa é um empregado preguiçoso que não se mexe até que você o faça. Mostre-lhe quem manda e que isso é um negócio.

7- Faça pausas frequentes

Niel Fiore, o autor de The Now Habit, diz: “Há uma razão principal por que procrastinamos: é a recompensa com alívio temporário do stress”. Se você está o tempo todo estressado com seu livro inacabado, você acabará furando seu planejamento. Em vez disso, planeje pausas antecipadamente para que você se mantenha descansado: minutos, horas ou mesmo dias de folga.

8- Remova distrações
 
Tente ferramentas como Ommwriter.com, Byword ou Scrivener para que você escreva num ambiente totalmente livre de distrações. Dessa forma, e-mail, Facebook e Twitter não irão interromper o fluxo de escrita.

9- Escreva onde outros estão escrevendo (ou trabalhando)
 
Se você está tendo dificuldade para escrever consistentemente sozinho, vá para um lugar em que outras pessoas estejam trabalhando. Um café ou uma biblioteca onde as pessoas estejam realmente trabalhando e não apenas socializando podem ajudar. Se você estiver em um lugar em que as pessoas estejam fazendo coisas, você não tem escolha a não ser juntar-se a eles.

10- Não altere à medida que escreve
 
Em vez disso, escreva livremente primeiro, depois volte e edite. Você irá manter um fluxo de escrita melhor e não será interrompido por uma censura constante ao seu trabalho. Assim você terá mais texto para editar quando for a hora.

Dica bônus: Encontre um planejamento passo-a-passo para guiar você

Sem um planejamento, a maioria dos livros permanece inacabada e e maioria dos que são terminados não são muito bons.

Se manter motivado para escrever nem sempre é fácil, mas pode se tornar algo menos penoso.

Fonte: por Teca Machado, em Editora Albatroz. 8 junho 2022.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 35

 

Mensagem na Garrafa = 87 =

Martha Medeiros
(Martha Mattos Medeiros)
Porto Alegre/RS

A INTERFERÊNCIA DO TEMPO

Há quem diga que o tempo não existe, que somos nós que o inventamos e tentamos controlá-lo com nossos relógios e calendários. Nem ousarei discutir essa questão filosófica, existencial e cabeluda. Se o tempo não existe, eu existo. Se o tempo não passa, eu passo. E não é só o espelho que me dá a certeza disso.

O tempo interfere no meu olhar. Lembro do colégio em que estudei durante mais de uma década, meu primeiro contato com o mundo fora da minha casa. O pátio não era grande - era colossal. Uma espécie de superfície lunar sem horizontes à vista, assim eu o percebia aos sete anos de idade. As escadas levavam ao céu, eu poderia jurar que elas atravessavam os telhados. Os corredores eram passarelas infinitas, as janelas pareciam enormes portões de vidro, eu me sentia na terra dos gigantes. Volto, depois de muitos anos, para visitá-lo e descubro que ele continua sendo um colégio grande, mas nem o pátio, nem os corredores, nem as escadas, nada tem o tamanho que parecia ter antes. O tempo ajustou minhas retinas e deu proporção às minhas ilusões.

A interferência do tempo atinge minhas emoções também. Houve uma época em que eu temia certo tipo de gente, aqueles que estavam sempre a postos para apontar minhas fraquezas. Hoje revejo essas pessoas, e a sensação que me causam não é nem um pouco desafiadora. E mesmo os que amei já não me provocam perturbação alguma, apenas um carinho sereno. Me pergunto como é que se explica que sentimentos tão fortes como o medo, o amor ou a raiva se desintegrem. Alguém era grande no meu passado, fica pequeno no meu presente. O tempo, de novo, dando a devida proporção aos meus afetos e desafetos.

Talvez seja esta a prova da sua existência: o tempo altera o tamanho das coisas. Uma rua da infância, que exigia muitas pedaladas para ser percorrida, hoje é atravessada em poucos passos. Uma árvore, que para ser explorada exigia uma certa logística - ou ao menos um "calço" de quem estivesse por perto e com as mãos livres -, hoje teria seus galhos alcançados num pulo. A gente vai crescendo e vê tudo do tamanho que é, sem a condescendência da fantasia.

E ainda nem mencionei as coisas que realmente foram reduzidas: apartamentos que parecem caixotes, carros compactos, conversas telegráficas, livros de bolso, pequenas salas de cinema, casamentos curtos. Todo aquele espaço da infância, em que cabia com folga nossa imaginação e inocência, precisa hoje se adaptar ao micro, ao mínimo, a uma vida funcional.

Eu cresci. Por dentro e por fora (e, reconheço, pros lados). Sou gente grande, como se diz por aí. E o mundo à minha volta, à nossa volta, virou aldeia, somos todos vizinhos, todos vivendo apertados, financeira e emocionalmente falando. Saudade de uma alegria descomunal, de uma esperança gigantesca, de uma confiança do tamanho do futuro - quando o futuro também era infinito à nossa frente. 

Fonte> Martha Medeiros. Coisas da vida. Porto Alegre/RS: LP&M, 2005.

Eduardo Affonso (New kid on the bloque)

Quando adquiri o FB (facebook), veio junto uma caixa de ferramentas.

Gostei de algumas logo de cara – o “Compartilhar”, por exemplo. Talvez por ser fácil de usar e não requerer prática nem tampouco habilidade.  E ainda permitir que eu dissesse um monte de coisas sem ter que escrever nada – ou que “gerar conteúdo”, como se diz nesse meio.

Gostei do “laique”. Que não é bem um “laique”, mas um polegarzinho para cima, que não quer dizer que gostei, mas que tá ok. É mais um “tudo bem”, “de boa”. Fosse um aplicativo burocrata, seria uma espécie de “Nada a opor”.

Com mais parcimônia usei o coraçãozinho. “Amei”? Não, não é muito a minha praia. Não que eu não ame, mas não amo assim, tão à primeira vista. Amo homeopaticamente, porque amor não dá em penca, não é vendido à dúzia. Amei na vida menos do que devia, e não seria num aplicativo de rede social que iria tirar o atraso.

Rio de vez em quando. Muito de vez em quando. Mas quando rio é porque gargalhei mesmo.

Os botões de surpresa e de mandar força ainda devem estar na embalagem, assim como o Grr. O da furtiva lágrima, sim, usei – duas ou três vezes, porque acho triste me valer de lágrima alheia para chorar por mim. O bonequinho carpideiro está na categoria do vestido de noiva – usado uma vez só, e olhe lá.

A ferramenta mais difícil foi a do bloque. Essa exigia a leitura do manual de instruções, o que não é do meu feitio. Sou do tipo que aperta todos os botões da cafeteira até que um a faça dar à luz um café ou, por engano, um cappuccino. Aperto um a um os botões do controle remoto, do monitor, da impressora. Uma hora rola a cópia, melhora o brilho, aparece a legenda.  Prezo esse meu jeito intuitivo e antitecnológico de ser. 

(Não sei se já contei aqui que mantive um vídeo cassete – um de 4 cabeças! – encaixotado por seis meses, por bloqueio instalativo. Que tomei banho frio – em Curitiba! – por não me animar a instalar o novo chuveiro elétrico.  Dizem que isso é coisa de taurino. Confirmo a hipótese se um dia passar a acreditar em horóscopo.)

Aprendi, na marra, o uso do bloque.

O bloque é o “Não é não” do FB. É a placa de “O ambiente exige respeito” desta gafieira virtual. É a linha do impedimento. É o “Meu corpo, minhas regras”, o “A página de um homem é seu castelo”, o “Respeita Januário” do forró do padim Zucka. É o “Este saloon é pequeno demais para nós dois, forasteiro” do faroeste em que se transformaram as redes sociais.

Meus primeiros bloques foram do tipo “Você passou dos limites, colega”. Algo como “uma pisada na bola eu entendo, duas canelas quebradas eu relevo, três meses na UTI é demais”.  Eu deixava acontecer para não me sentir culpado de cometer alguma injustiça – e depois ia atrás do plano de saúde para cobrir os danos. E, ainda assim, acabava como o vilão da história.

Num segundo momento, os bloques passaram a ser “Você está brincando com fogo, camarada”. Mas eu já estava chamuscado. Apagava o incêndio, e ficava como vilão da história do mesmo jeito.

A fase 3 – na qual me encontro agora – é a da proatividade. Do jogador de xadrez que antecipa os lances. A fase do “Isso não tem como acabar bem, e é melhor extirpar antes que vire metástase”. É o bloque profilático. O cordão sanitário.

Até pela crescente dificuldade de regeneração óssea, não posso mais me dar ao desfrute de ter os ossos esmigalhados por quem ignora a bola e entra com as traves da chuteira na minha canela. Até porque dói pra caramba. Até porque fica uma cicatriz. E, principalmente, porque não é pra isso que entrei em campo.

O ar aqui ficou mais respirável depois que comecei a bloquear quem agride, quem ofende, quem não vem pra conversar, mas para criar caso. Depois que incluí no pacote quem dá suporte a essas atitudes. Quem tem esse comportamento com as pessoas de quem gosto. Porque não me iludo com a crença de que quem é calhorda com um amigo meu há de ser leal comigo.

Minha página (de textos sobre língua portuguesa), meu instagram e meu uotiçape estão cheios de mensagens desaforadas de gente que se sentia no direito de exercitar sua incivilidade aqui no meu quintal. Impedida, agora xinga do outro lado do muro.

Rêiters will be rêiters. Ou, em bom português, não peça a um pé de jaca que dê manga.

Ainda vou ler o Manual de Instruções do FB e procurar no fundo da caixa para ver se há outras ferramentas que, por preguiça, não utilizei. Tipo um filtro de gente autoritária, um sensor de quem é movido a inveja e amargura, uma arapuca para pegar boçal, um mata-burro que mantenha as récuas (sempre quis usar essa palavra!) longe das pastagens que cultivo aqui (para deleite visual, não para alimentação).  Um repelente de não devotos de Nossa Senhora da Interpretação de Texto.

Bloque não é vida, mas uma forma de se ter uma vida virtual mais saudável. De não permitir, na minha sala, gente com o pé em cima da mesinha de fórmica, jogando bituca no vaso de avencas, derramando Dolly Citrus no tapete, assoando o nariz na cortina ou puxando o rabo dos meus cachorros.

Não faço isso na casa de ninguém. A Gerência agradece se não vierem fazer na minha.

Fonte> https://tianeysa.wordpress.com/2020/09/07/new-kid-on-the-bloque/

Elisa Alderani (Nas asas da poesia) = 1 =


ÁGUAS CRISTALINAS

Encontrar palavras para explicar a emoção,
admirando a tela e ouvindo os sons
das águas cristalinas.
Sentir pulsar o coração,
bater indiferente,
aos demais presentes.

Sou igual ao rio,
que passa sem tumultos
por entre vales e montanhas
tranquilo, plácido e transparente...
penetra nas margens de seu largo leito,
espelha o céu, tão colorido de violeta intenso,
igual paradisíaca visão.

Sou nuvem, tal qual anjo vagando no azul do céu...
absorvendo toda energia que vem do quadro,
ao meu encontro.
Fortalecendo as almas presentes,
nesse místico espaço transcendente!
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A PROCURA

Em meus delírios me procuro,
vasculho ansiosa por entre essas nuvens azuis
dos meus pensamentos estranhos.
Surgem igual lírios luminosos as ideias mais absurdas
de minha real identidade.

Sou talvez frágil igual essas flores,
brancas e douradas.
Alma pura, delicada, suspensa entre a terra e céu, sonhando...
Estou fugindo de mim tão longe assim...
Como posso achar as palavras bonitas
para novamente entrar no jardim azul de minha vida?
Ó lírios luminosos falem por mim,
nessa jornada tão difícil é essa procura sem fim!
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JARDIM DA VIDA

Muitas sementes foram jogadas em nosso jardim.
Nem sempre todas foram cultivadas,
adubadas com a devida atenção.
Às vezes algumas desabrocham,
com cores e múltiplas variedades...
nosso jardim da vida é todo colorido.
As borboletas voltam na primavera...
escolhem as mais perfumadas flores.
Os pássaros, no azul luminoso do céu,
alegram a vida desse lindo jardim.
Nós colheremos lindas flores...
se tivermos cuidado com as nossas sementes,
com amor nas escolhas inteligentes,
nas decisões iluminadas pela graça e sabedoria,
durante o caminho da vida...
nosso jardim será sempre florido!
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POENTE OUTONAL

Ouve-se o vento
entre altos montes.
Ninguém sabe o que é,
treme a terra com furor,
e um vulcão acorda!

O fogo e a lava queimam
um rio escorre azul.
Tudo acolhe, calmo.
Os ciprestes assistem
não têm medo, pois
as raízes bem firmes
levantam preces ao Céu!
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RETRATO

Jovem, seu preto cabelo prendeu.
Ornaram seu rosto com perfeição.
Olhou-se no espelho, com gratidão...
a farta beleza que Deus lhe deu!

Com o olhar demorado, pensativo...
Este seu corpo perfeito percorre.
É indagação sobre o tempo que corre...
Arde nela, viver o hoje festivo.

Os anos passarão rapidamente.
Se são assim as leis da natureza,
precisará aceitar o poente...

Que igual ao sol, tanta beleza doa
ao final, sua vida contemplada.
E terá todo o brilho da coroa!

Fonte> Elisa Alderani. Asas. Ribeirão Preto/SP: Maxibook, 2023. Enviado pela poetisa.