quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 30


 

Mensagem na Garrafa = 107 =

Silmar Bohrer
Caçador/SC

"TUDO TE LEMBRA E LEMBRANDO CHORO"

agosto, 07, 2023.

Era madrugada da segunda quando a MALDITA levou do nosso convívio o amado Frederico, cãozinho "ente encantado de encantos", jovial, social, comunicativo, que viveu conosco por onze anos.  Assim mesmo! Nós, do signo de gêmeos, ele gostando de "falar", e eu entendia a língua dele, e ele compreendia a minha língua.

Nossa língua era universal. 

Comandante das horas dos dias, Frederico, você merece mais do que uma croniquinha, porque sua vida foi grandiosa, gloriosa, espetáculo de vida.  Tantos seres humanos não escrevem uma CRÔNICA linda e inesquecível como a de um cachorrinho doce, carinhoso, livre de maldades, injustiças, preconceitos. Alegria da nossa vida.

Nossa convivência tinha rituais, rumos e razões de ser.  O conversar estava no sangue, e a gente conversava a qualquer momento. Tinha um bordão especial.  Na alacridade de sempre, latia dizendo  -  eu e o papai somos nós.  E éramos nós ! 

Final de noite, dez e meia/onze horas eu no computador, ou lendo, ou escrevendo, olhava para o lado, ali o Negão sentadinho esperando silente para irmos deitar.

Manhãzinha, ele ao meu lado no colchonete, acordamos, conversamos, um abraço, vai para fora e logo volta, cutucando minha perna com o focinho como a dizer que estava ali, enquanto me lavo. Senta e espera para abrirmos a biblioteca.

Onze e meia me convida para a voltinha até o vizinho.  Vamos.  À tarde o soninho do vigia da casa.  Saio a caminhar e na volta encontro o "guri do pai" esperando no portão para nossa  caminhada na quadra. Seis e meia/ sete horas, escurinho, me chama para darmos quirerinha aos pássaros do bosco e nos fundos de casa. Sempre na frente.  A lista é longa...

Tantos lembrares, tantos viveres. As incursões. Banhos de mar, a busca do sirizinho na areia, viagens.  A empatia entre nós, a liberdade de viver leve e solto, como nós viventes também gostamos.

Fomos construtores. Construímos amigos. 

Você era o vanguardeiro, ia na frente abrindo sorrisos, jorrando alegria, carismático, criatura singular  -  fidalgo a ensinar o papai e a outros tantas lições de vida. 

Fez história, querido, e agora não há mais tempo para você.  Que lástima!  Mas vamos nos encontrar nalguma planura do universo.

Papai e mamãe choram a sua ausência, mas o LORDE FREDERICO estará sempre no nosso coração.  Papai e você seremos sempre nós, meu eterno Frederico. 

Fonte> enviado pelo autor. 

Teófilo Braga (A adega de Funck)

(Conto baseado das notas de Hoffmann)
A ironia, quando não é despertada pela luta incessante de contrariedades imprevistas, que cercam o espírito de dúvidas e desesperos, e o deixam na prostração da indiferença e do cinismo, é uma doença, uma febre lenta, que vai devorando a existência, depois de a ter despido de todas as alegrias. Observa-se no pessimismo do poeta. O riso com que a ironia se traduz, que é a expressão que mais de pronto lhe acode no acesso do frenesi suscitado pela vista repentina de um contraste, para quem o compreende, é uma visagem infernal, um esgar que gela, um arremedilho de cadáver sacudido por uma pilha galvânica. É uma descarga nervosa pela via muscular, como uma compensação, como notaram os fisiologistas. 

A gargalhada é também a linguagem das grandes agonias; é esta polaridade misteriosa da nossa natureza dupla, constituída já em aforismo: os extremos tocam-se. A ironia, derivada do mesmo principio supremo, é a impressão abrupta de uma ideia infinita que se compara com outra finita, cuja disparidade intuitiva desperta em nós todas as vibrações do sentimento cómico. A primeira manifestação do cómico na vida foi por certo o grotesco; Susarion e Thespis caracterizavam os seus personagens com borras de vinho.

Ele aparece-nos no mundo moderno como uma arma da burguesia contra a pressão do clero e as extorsões dos senhores feudais, na Festa do Asno, nos serviços, nos contos cômicos, nos baixos relevos e goteiras das catedrais. O pico, a agudeza do pensamento estão completamente materializadas na imagem; eis o cómico pela sua parte visível ou objetiva, tanto da simpatia popular.

O humor é um grão elevado; no contraste que se funda na antítese da ação e o pensamento, a forma não corresponde, contraria mesmo a expressão da ideia, donde resulta uma monotonia triste; o esforço do que procura alegrar-se infunde nos que o contemplam uma melancolia indefinida, como na Viagem de Sterne. A ironia é a impossibilidade de conciliar os elementos da antítese, ou o contraste mental que gera todo o sentimento cómico: tal é o desespero de Hamlet propondo ao seu espírito o problema insolúvel e eterno: To be or not to be that is the question.

A imaginação de Hoffmann similar a um caleidoscópico onde estas três cambiantes do sentimento se refletem, confundem, se cruzam em direções infinitas, formando um espectro a que chamamos o fantástico. A ironia, o humorismo e o grotesco sucedem-se, como fases da sua inspiração. Quando ele sente estas inversões do sistema nervoso, anuncio da ataxia locomotora que progride de um modo irremissível, o pensamento então dá forma a todas as vertigens; a dor torna a criação pessoal, caprichosa; os retratos que ele faz são quase sempre caricaturas, a incarnação de um riso de desespero. As bebidas e o seu cachimbo de Kumer vêm distrai-lo da consumação que ele observa a cada instante em si. O fumo que se enovela em formas extravagantes no ar, e se dissipa como uma quimera fugitiva, representa-lhe os tipos que reproduz nos seus contos. Ao fogão, na concentração íntima da família, o cachimbo povoa-lhe o aposento de silfos e gnomos, que embalam a fantasia enlevada em sonhos incríveis, com músicas estranhas que o deliciam no egoísmo do sofrimento que o corrói. Ele tem uma afeição particular ás pessoas espirituosas, porque lhes supõe talvez a veia sarcástica proveniente de algum estado mórbido. Quando se retrata caricaturiza-se. 

Muitas vezes aceitar-se uma criação cómica, rimo-nos, sem saber que a inspiração que a produziu foi a doença que arrebatou Molière, o desalento de Gil Vicente, a resignação de Scarron. Porque não procuraria Hoffmann distrair-se com o vinho, afogar nele a preocupação do mal irremediável, que lhe atacava a espinha dorsal? 

O seu editor Funck, homem estimável de caráter, a quem a especulação não pôs em guerra com os que têm a infelicidade de precisar escrever, convidou-o para passar alguns dias na sua residência em Bamberg. Funck tinha uma magnifica adega e lembrava-se perfeitamente daquelas expressões de Hoffmann: «Fala-se muito do entusiasmo que procuram os artistas no uso das bebidas fortes; citam-se músicos, poetas que não podem trabalhar senão assim; eu não sei, mas é certo que com esta feliz disposição, direi, quase sob a constelação favorável, em que se está quando o espírito passa da concepção à realização, as bebidas espirituosas aceleram a torrente das ideias.»

Funck tinha o mais excelente de todos os vinhos, como lhe chamava Hoffmann, o Porto, que no seu nome traz o segredo da sua força. O escritor original era esperado com ansiedade em Bamberg. Chegou por uma tarde fria. O céu estava escuro, carregado de nuvens; relampejava a espaços, como o preludio de uma grande trovoada noturna. Quando a natureza é triste sentimos uma vontade de nos reconcentrarmos; o lar domestico é a grande poesia do norte. Um dos maiores castigos no antigo direito germânico era a pena severa expressa naquela formula romana interdictio tecti; o banido é comparado ao lobo solitário; a casa era arrasada, tapado o poço, extinto para sempre o fogo do lar.

Hoffmann esquecia todas as dores ao abraçar aquele amigo; com toda a liberdade de uma confiança intima sentou-se logo ao piano. O frenesi da inspiração fazia-o percorrer desesperadamente o teclado. Era a sua ultima composição, meio improvisada com o júbilo que sentia. Começou um canto com uma voz desentoada, que fazia arrepiar os nervos; parecia que estava em delírio. Nisto um trovão rebentou com um estampido soturno.

—A natureza, disse ele para Funck, escarnece-se de mim, parodia-me a voz roufenha. Há bastantes dias que tenho sentido humor para o romântico religioso. Jovis omnia plena! Hoje, não sei se é o excesso da alegria, predomina em mim uma exaltação humorística levada até à ideia da aberração.

Funck continuava silencioso. Hoffmann permaneceu alheado alguns instantes, como levado por uma serie de deduções, que absorvem fatalmente toda a contenção do espírito. Estava a diagnosticar-se; a prolongada doença dera-lhe um certo conhecimento do seu estado. Depois prosseguiu:

—É notável! Que diversidade de sensações agora. Disposições humorísticas, coléricas, com um humor musical exaltado, e sentimento de um bem estar com indiferença. Como conciliar tudo isto? O hematose nervoso inverte-se-me de dia para dia.

Restrugia um aguaceiro espesso. Há no cair da agua uma magia, que adormece. 

—Vamos, disse Funck, interrompendo aquela reflexão penosa, eu tenho um excelente remédio. Vejo-te tiritar com frio, de um modo que me tira a satisfação do agasalho que presto a um amigo. O seio de Abraão deve estar com uma temperatura suave; refugiemo-nos lá.

— Como isso era bom! Mas infelizmente as asas da poesia não nos desprendem da terra; a realidade é pior do que o sol para as asas de Ícaro; ela toca-nos o corpo com mais aspereza do que o velho Satã quando experimentava o desgraçado varão da terra de Hus. Agora acho-me divorciado com a poesia, com a musica, com a pintura; são as três fúrias que sob uma aparência sedutora surgiram das sombras do paganismo para atribularem-me o espírito.

—E por que não havemos de refugiar-nos, em uma tarde destas, no seio de Abraão? —disse Funck procurando interromper a corrente das ideias aflitivas.—Não é tão difícil como pensas. Nem são precisas asas para ir lá. Para descermos basta obedecer à lei eterna da gravidade, que sobre nós pesa. Não sabias ainda que a gravidade é o nosso pecado original?

Hoffmann sorriu-se; o seu amigo tomou um tom humorístico para se adequar ao carácter dele nesse dia.

—Apesar da facilidade que apresentas ainda não resolvi o problema. Como iremos nós procurar conforto ao seio de Abraão?

—Segue-me.

Funck caminhava adiante com um ar vitorioso. Hoffmann sorria-se com um modo duvidoso, para que o riso o defendesse do logro que esperava. Desceram uma escadaria escura; uns ferrolhos pesados gemeram, como se abaixasse uma ponte levadiça.

Entraram. Era um subterrâneo fundo, alumiado por um lampadário de bronze. Depois de afeito à sombra, Hoffmann pôde discriminar grandes toneis dispostos, como uma longa fila de cachaci-pansudos cônegos*.

Era a adega do seu amigo Funck. De fato havia ali uma temperatura tépida, de fermentação. Nenhum olhar importuno através da abobada calada.

—Se os velhos patriarcas, principalmente nosso pai Noé, não trocariam de boa vontade a tua adega pelo seio de Abraão!—Hoffmann estava animado de uma alegria indivisível; era um homem de extremos; a sensibilidade excessiva deixava-lhe apreciar os mais desapercebidos contrastes, era por isto que ele possuía mais do que ninguém a raça irritável dos poetas.

Mal acabava de proferir aquelas palavras, quando se atirou de um salto, com uma loucura de criança, e se escarranchou em um tonel.

Funck seguiu o exemplo.

—A vida é um grande mar, que estua em convulsões intermináveis; felizes os que caindo na voragem encontram deste delfins, que os tomam sobre si e os levam a porto seguro.

—Foste feliz na imagem, principalmente, porque o vinho desperta-me o humor erótico-musical, e os delfins, se dermos credito a antigos fabuladores, eram levados pela magia da musica.

E começou a cantar alguns trechos da sua opera a Ondina, que só interrompeu para levar à boca o sifão de lata que estava mergulhado na pipa. Hoffmann tocava a realidade dos seus contos.

—Este não dá pelos calcanhares do teu dileto Porto?—acudiu Funck; o vinho de Nuits é dos melhores de Borgonha, e, graças ao céu, podemos nadar em mar de rosas. 

A noite corria tempestuosa e tétrica: os trovões rebentavam com uma detonação tremenda. Nos ares, coriscou um relâmpago repentino e veio iluminar com um clarão pálido o rosto dos dois amigos, que tocavam neste momento os copos espumantes. Era um quadro com toda a verdade e simplicidade de Teniers, como o próprio Funck, em uma nota de uma edição do seu amigo, confessa com aquela ingenuidade alemã.

Hoffmann ficou deslumbrado com o fulgor instantâneo; tinha a mudez do terror.

—Em que pensas?

—Um conto, um conto horrível!

—Mais uma saúde, e narra-me essa historia ponto por ponto.

—Historia? dizes bem; porque tem muita verdade, ao menos a verdade da arte. Nunca te falaram nisso? Admira! Foi tão notório. Quem a não conheceu! Bela, como era, ninguém podia fita-la sem experimentar o pasmo da admiração. As linhas do semblante tinham uma irradiação etérea, perdiam-se no ar. Era uma visão suspensa, a incarnação de um sonho indivizível de amor.

A tristeza realçava-lhe a candura angélica. Para ela, a vida era um desterro no mundo. Passava, alheia de tudo, distraída, sem saber que levava após si todas as aspirações que um olhar de relance, fortuito, gerava na alma. Um dia vi-a pelo braço de um homem feio, que a conduzia com burlesca familiaridade! Disseram-me que era o marido.

Perscrutei o segredo de uma união para mim impossível, inexplicável. Não tinha sido arrojada a hipótese: viviam com uma certa paz artificial, um acordo de convenção ante a sociedade. O marido bem conhecia, que a família da engraçada criança a forçara aquela união desigual; a consciência da riqueza não conseguira persuadi-lo de que a merecesse; e espreitava, espiava-lhe todos os olhares, interpretava-lhe cada gesto insensível.

O que não idearia o ciúme? O ciume que não tem a franqueza selvagem de Otelo é vil, infame. Um dia, a infeliz senhora, começou a sentir-se indisposta; não faltavam carinhos da parte do esposo, não poupava esforços para consola-la, com uma solicitude hipócrita. O mal progredia, convulsões violentas a acometiam, vertigens assombrosas, dores intensas, como se lhe retalhassem as entranhas. O marido escutava os gemidos com um pungimento afetado.

Sabia que morria:—«Sabes, disse ela tomando-lhe uma das mãos, eu deixo a vida, mas custa-me baixar à frieza do sepulcro sem te dizer uma palavra. Oh! nem sei como revelar-te esse segredo, esse desvario de uma paixão infantil. Não soube guardar a fidelidade do tálamo.» 

O marido ouviu a confidencia solene com um ar estúpido de  imbecilidade:—És neste momento tão generosa e grande! A verdade nos teus lábios vibra-me de um modo que tudo te perdoo. Choras? escuta. Deixa também fazer-te uma revelação tremenda: envenenei-te.

Hoffmann não pôde tirar do conto a moralidade que se espera, e caiu, esquecido do mundo, entre os toneis do seu amigo.
============================
* cachaci-pansudos cônegos = não encontrei o significado.

Fonte> Teófilo Braga. Contos Phantásticos. Lisboa: Livraria de Antonio Maria Pereira, 1894. Disponível em Domínio Público. Português atualizado por J. Feldman

Baú de Trovas LXXIX


Ah, belos tempos dourados,
que os sonhos não trazem mais...
Bailavam, corpos colados,
olho no olho, os casais!
A. A. de Assis
Maringá/PR
= = = = = = = = = 

Não amar nem ser amado,
é o mesmo que não ser nada,
é pisar no chão eivado
de acúleos pela estrada.
Abel B. Pereira
Florianópolis/SC
= = = = = = = = = 

Esse é o trem de minha vida!
Passou rápido e fugaz
na tresloucada corrida
dos meus tempos de rapaz.
Adamo Pasquarelli
São José dos Campos/SP
= = = = = = = = = 

A trova é gemido brando,
breve cantiga inocente,
que dizemos suspirando,
pensando na amada ausente.
Adaucto Soares Gondim +
Fortaleza/CE
= = = = = = = = = 

Peço a Noel que ele faça
com toda bondade sua,
um grande Natal na praça
para as crianças de rua.
Ademar Macedo +
Natal/RN
= = = = = = = = = 

Come de tudo o João,
carne de porco, jamais:
- Que me chamem comilão,
mas canibal é demais!
Adolpho Boiça Moinho
Cornélio Procópio/PR
= = = = = = = = = 

Quando, então, do céu descer
um brilho no seu olhar,
é porque no entardecer 
meus sonhos vão te buscar.
André Ricardo Rogério
Arapongas/PR
= = = = = = = = = 

A árvore do amor se planta
no centro do coração;
só a pode derrubar
o golpe da ingratidão.
Anônimo
= = = = = = = = = 

O homem sofre ante os impulsos
das religiões e das ciências
pois pior que algemar pulsos,
é agrilhoar consciências!...
Antonio Juraci Siqueira
Belém/PA
= = = = = = = = = 

Procura longa e constante,
num sempre querer achar…
Um sonho louco e distante,
impossível de alcançar…
Antonio Manoel Abreu Sardenberg
São Fidélis/RJ
= = = = = = = = = 

Sou mineiro...E das entranhas
trago o dom de ressurgir...
Quem vive junto às montanhas
sabe descer e subir!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG
= = = = = = = = = 

A casinha é sem riqueza,
mas nela a paixão é tanta,
que não floresce a tristeza.
Solidão… a gente espanta!
Arthur Thomaz
Campinas/SP
= = = = = = = = = 

Teu texto, agora chegado,
escrito com tanto amor,
traz com ele, anexado,
o abraço do próprio autor!
Carolina Ramos
Santos/SP
= = = = = = = = = 

A magia azul do mar,
seus mistérios e beleza,
nos convencem a cuidar
da nossa mãe natureza.
Clair Fernandes Malty
Itapema/SC
= = = = = = = = = 

Os braços vindos de guetos,
sob o sol ou sob a lua,
amarelos, brancos, pretos,
clamam justiça na rua.
Cláudio de Cápua +
Santos/SP
= = = = = = = = = 

Felicidade, afinal,
eu creio que nem existes...
- Não passas de um ideal
no desespero dos tristes...
David José Passerino
Joinville/SC
= = = = = = = = = 

A bonita escadaria
que parece não ter fim,
é um convite à poesia
que existe dentro de mim!
Delcy Rodrigues Canalles +
Porto Alegre/RS
= = = = = = = = = 

Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombro os fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos…
e eis-me a sonhar outra vez! 
Dorothy Jansson Moretti +
Sorocaba/SP
= = = = = = = = = 

Estrondo, coisa danada,
será trem ou avião?
- Barulho na madrugada
é o ronco do maridão…
Eliana Luiz Jimenez
Balneário Camboriú/SC
= = = = = = = = = 

Por sobre as águas do mar,
ou sobre as terras da Terra,
um avião vem lançar
bombas de Amor contra a guerra.
Elisabete Aguiar
Mangualde/Portugal
= = = = = = = = = 

Minha alma toda estremece,
quando te vejo a meu lado;
murmuro logo uma prece,
mas não resisto ao pecado...
Eugênio Martins de Freitas +
São Luís/MA
= = = = = = = = = 

Eu sinto grande emoção
ao ver o mar, e então, canto
com amor no coração
o mais suave acalanto!
Fabiana Gonçalves da Veiga
Balneário Camboriú/SC
= = = = = = = = = 

Em certos beijos se esconde
um demônio singular
que nos conduz não sei aonde,
donde é difícil recuar. 
Fausto Paranhos +
Rio de Janeiro/RJ
= = = = = = = = = 

Cai a chuva na vidraça
e eu fico triste, porque
não há beleza nem graça
nesta casa sem você.
Filemon Francisco Martins
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Quando a seca nos acossa
e o rio mostra seu leito,
a tristeza que há na roça
roça com força em meu peito
Francisco José Pessoa +
Fortaleza/CE
= = = = = = = = = 

O tempo vem desfazendo
a família dia a dia;
hoje vivemos fazendo
sala pra tecnologia.
Geraldo Trombin
Americana/SP
= = = = = = = = = 

Vejo a tua silhueta
na sombra, bem definida,
e abro, em meu peito, a gaveta 
de uma saudade escondida!
Gislaine Canales +
Porto Alegre/RS
= = = = = = = = = 

Se és veloz no pensamento,
no trânsito sê prudente.
Usa o cinto, fica atento...
Mostra que és inteligente!
Gledis Tissot +
Camboriú/SC
= = = = = = = = = 

Num recanto abandonado,
tecendo rede e lembrando,
pescador aposentado
afaga o barco, chorando.
Glícia Murara Neidert
Rio Negrinho/SC
= = = = = = = = = 

A paz nem sempre é perfeita,
esconde-se em descaminhos,
entre dores, fica à espreita,
como rosa entre os espinhos.
Henriette Effenberger
Bragança Paulista/SP
= = = = = = = = = 

A paixão enlouquecida
pelo ardor da mocidade
se transforma ao fim da vida
em carinhosa amizade.
Heribaldo Gerbasi
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

No boteco está sobrando
comida... boa... e... barata:
-  Pastel: "Jesus tá chamando"!
-  Coxinha: "Adeus vida ingrata"!...
Izo Goldman +
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

À mesa, família unida;
passou o tempo e, afinal,
cada um no lar, na vida,
vive em mundo digital...
Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ
= = = = = = = = =

A vida é um trem nos levando
com destino à eternidade,
que segue, sacolejando,
pelos trilhos da saudade...
João Paulo Ouverney
Pindamonhangaba/SP
= = = = = = = = = 

Se para agora há mais tempo, 
qual tempo que você tem? 
Pois se é apenas passatempo, 
muitos o tempo estão sem. 
José Feldman
Campo Mourão/PR
= = = = = = = = = 

No instante em que o sol se enfada
de tanto aquecer a terra
deita a cabeça dourada
no travesseiro da serra.
José Lucas de Barros +
Natal/RN
= = = = = = = = = 

O chão trincado e careca
e o céu vazio e distante…
- Tudo seco!… Só não seca
o pranto do retirante…
José Messias Braz
Juiz de Fora/MG
= = = = = = = = = 

Ajuda os de mãos vazias,
porque colheita não temos
igual à das alegrias
que vêm do bem que fazemos!…
José Tavares de Lima
Juiz de Fora/MG
= = = = = = = = = 

Sua boca tem segredos,
e assim, você me seduz,
revelo então, os meus medos
que nem a noite reluz!
Juliana Appel
Brusque/SC
= = = = = = = = = 

Há sorriso de ironia,
há sorriso imerso em dor,
há também de simpatia...
mas o melhor é o de amor!
Lóla Prata
Bragança Paulista/SP
= = = = = = = = = 

Na pouca pressa que tens
de aliviar minha saudade,
enquanto espero e não vens,
transcorre uma eternidade!
Lucilia Alzira Trindade Decarli
Bandeirantes/PR
= = = = = = = = = 

Eu te agrado, tu me agradas,
e, no doce cativeiro,
sem algemas, sem ciladas,
tu me prendes por inteiro!
Luiz Carlos Abritta +
Belo Horizonte/MG
= = = = = = = = = 

Por vingança o centro-avante,
que há muito tempo vai mal,
fez gol contra fulminante
a um segundo do final.
Maria Helena Calazans Duarte
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Volte agora com vontade,
ser o amor que me encantou,
traga consigo a saudade,
que ao partir, você deixou!
Maria Luiza Walendowsky
Brusque/SC
= = = = = = = = = 

Vuelan los versos al cielo,
los recogen querubines.
La poesía alza el vuelo
soñando con los violines.
María Rosa Rzepka
Argentina
= = = = = = = = = 

Enquanto a nau Esperança
singrar os mares da vida,
minha Quimera não cansa
e nem se dá por vencida.
Miguel Russowsky +
Joaçaba/SC
= = = = = = = = = 

Com textos, fotos ou mapas,
o bom livro é uma estrutura
onde o leitor, entre as capas,
mata a sede da cultura.
Milton S. Souza +
Porto Alegre/RS 
= = = = = = = = = 

É muito triste de ver
a juventude perdida;
e, à Internet se render,
perdendo a essência da vida...
Myrthes Masiero
São José dos Campos/SP
= = = = = = = = = 

Foi por falta de carinho 
que errei e perdi meus passos, 
mas bendigo o “mau caminho” 
que me levou aos teus braços… 
Nádia Huguenin +
Nova Friburgo/RJ
= = = = = = = = = 

Dando salva de Poesia
enalteço o Trovador
pela Trova que eu queria
ser, da mesma, o seu Autor.
Nei Garcez
Curitiba/PR
= = = = = = = = = 

Selva: bela e exuberante;
cria, de rara beleza,
de Deus que, naquele instante,
nominou-a... Natureza!
Nemésio Prata
Fortaleza/CE
= = = = = = = = = 

Creio que quem olha a Terra
sob o azul e branco manto
não acredita que a guerra
possa tingi-la de pranto.
Olympio Coutinho
Belo Horizonte/MG
= = = = = = = = = 

A liberdade do poeta,
está num verso... Num grito...
No equilíbrio se completa,
vencendo o próprio infinito!
Professor Garcia
Caicó/RN
= = = = = = = = = 

Aunque te quiero derecho
mi amor por ti es herejía, 
porque yo llevo en el pecho
mi otro amor! la poesía !
Rafael Ramos Nápoles
Venezuela
= = = = = = = = = 

É tempo de liberdade,
vamos partir os grilhões,
numa só cumplicidade
que se fundam corações.
Raymundo de Salles Brasil
Salvador/BA
= = = = = = = = = 

Aproveita, criançada,
o tempo, alegre, ligeiro,
que da a uma simples calçada
dimensões do mundo inteiro!
Rodolpho Abbud +
Nova Friburgo/RJ
= = = = = = = = = 

A vida é um mar de rosas
legando beleza e olor,
às criaturas bondosas,
que sabem semear o amor.
Sara Furquim +
Rio Branco do Sul/PR
= = = = = = = = = 

Foi galantear, o Pérsio,
e o otário se deu mal:
"Tu és de fechar o comércio!”
E a morena era fiscal!
Selma Patti Spinelli
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Das lágrimas de um poeta
renasce uma inspiração,
um poema se completa…
Leva alento ao coração.
Solange Colombara
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Sem ódio... sem armamento...
sem heróis, que a guerra faz,
será, o mundo, um monumento
erguido em nome da PAZ! 
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Buscando quimeras vãs
e redentoras auroras,
fui vivendo de "amanhãs"
e não vivi meus "agoras"…
Wanda de Paula Mourthé
Belo Horizonte/MG
= = = = = = = = = 

Há um relógio em cada esquina
marcando o tempo atual;
mas não marca quem destina,
nosso destino final.
Wellington Freitas
Caicó/RN
= = = = = = = = = 

A esperar que regressasse,
postei-me à porta, rezando...
E, se ele nunca voltasse
continuaria esperando...
Yedda Ramos Patrício
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Mitos Indígenas (Thaina Khan, a estrela da manhã)

Imaeru, uma linda e vaidosa jovem Karajá, tinha como maior desejo possuir a estrela Thaina Khan (estrela Dalva), a mais brilhante da manhã. 

Seu pai, o velho pajé, vendo a angústia da filha, pediu ao Deus Tupã que lhe satisfizesse o desejo. Tupã concordou, mas avisou-lhe que a estrela só poderia descer à Terra na forma de um homem. 

Imaeru ficou radiante e numa noite de luar, elevando seus olhos em direção aos astros, pediu à almejada estrela que descesse para desposá-la. Neste instante, desceu do céu uma luz, surgindo à sua frente um velho: era Thaina Khan, que de lá viera para casar-se com ela. 

A índia, decepcionada, respondeu-lhe rudemente, alegando que, tão jovem e bela, não poderia desejá-lo. O velho entristeceu-se profundamente, lamentando seu destino, pois da mais brilhante estrela que houvera sido, transformara-se em homem, não podendo mais regressar à sua condição original. 

Danace, irmã de Imaeru, que os ouvira, resolveu aproximar-se e, sensibilizando-se com a situação do bondoso ancião, ofereceu-se para ser sua esposa. Era menos bela que a irmã, mas muito meiga e generosa, passou a cuidar com muito carinho do esposo idoso. Ambos viviam felizes. 

Certo dia, Thaina Khan não voltou da roça na hora de costume. Preocupada, Danace saiu à sua procura. Encontrou somente um jovem, todo iluminado. Era Thaina Khan, que Tupã havia rejuvenescido, tornando-o belo e forte, em reconhecimento à bondade da índia. 

Radiantes, regressaram abraçados à aldeia. Imaeru, ao saber do ocorrido, desejou ardentemente o jovem, mas Danace o havia conquistado para sempre. 

Desesperada, Imaeru desapareceu na floresta, sendo transformada por Tupã no pássaro Urutau, que, em noites de luar, entoa um triste canto, lamentando haver perdido o amor de sua almejada estrela da manhã.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

Dicas de Escrita (Formas de Escrever Diálogos) – 1


O diálogo é parte essencial de uma história; os escritores empenham-se para assegurar que as conversas em histórias, livros, peças e filmes soem tão naturais e autênticas quanto as da vida real. Os escritores geralmente usam diálogos para dar informações aos leitores de um modo interessante e engajado emocionalmente. Para escrever diálogos, entenda seus personagens, seja simples e honesto e leia em voz alta para certificar-se de que soa genuíno.


MÉTODO 1: PESQUISANDO DIÁLOGOS

1 – Preste atenção em conversas de verdade. 

Ouça o modo como as pessoas falam umas com as outras, veja como é diferente o jeito de falar de acordo com cada interlocutor e use essas conversas e padrões no seu diálogo para que ele soe autêntico.

Desconsidere as partes da conversa que não ficam bem transcritas. Por exemplo, nem todos os "olás" e "tchaus" precisam ser escritos. Alguns dos seus diálogos podem começar no meio de uma conversa, como "E aí, fez tal coisa?" ou "Mas por que você fez isso?".

Carregue um caderno na pasta para anotar todas as conversas interessantes que ouvir.

2 – Leia bons diálogos. 

Para ter uma boa ideia do equilíbrio necessário entre discurso realista e discurso literário, você precisará ler bons diálogos em livros e roteiros de cinema e teatro. Veja o que funciona ou não e tente descobrir o porquê.

Alguns escritores que renderam ótimos diálogos são Nelson Rodrigues e João Guimarães Rosa (para citar somente dois, existem muitos!) 

Ler e praticar a escrita de diálogos para filmes e peças de rádio é de grande ajuda para aprimorá-los.

3 – Desenvolva completamente seus personagens. 

Você vai precisar  entendê-los completamente antes de conseguir fazê-los falar. Saiba de antemão se o personagem é taciturno, monossilábico etc.

Aspectos como idade, gênero, grau de escolaridade, origem e tom de voz farão a maior diferença no modo de falar de um personagem.

Uma  senhora de Santa Catarina certamente não falará igual a um rapaz do Rio de Janeiro.

Dê a cada personagem uma voz distinta. Nem todos os personagens vão usar o mesmo vocabulário, tom ou modo de falar. 

Certifique-se de que cada personagem soe de modo diferente.

4 – Aprenda a evitar diálogos excessivamente formais. 

Eles podem não arruinar uma história completamente, mas com certeza podem desanimar o leitor a continuá-la e, como escritor, você quer evitar isso a todo custo. 

Diálogos formais funcionam ocasionalmente, mas apenas com tipos mais específicos de histórias.

Diálogos formais só funcionam em níveis óbvios e em um linguajar que ninguém use. Por exemplo: "Olá Joana, você parece triste hoje", disse Carlos. "Sim, Carlos, estou triste hoje. Você gostaria de saber por quê?"; "Sim Joana, eu gostaria de saber porque você está triste hoje"; "Eu estou triste porque meu cachorro está doente e isso me lembra da morte de meu pai, dois anos atrás, sob circunstâncias desconhecidas para mim."

Como o diálogo acima deveria ser: "Joana, tem alguma coisa errada?" perguntou Carlos. Joana deu de ombros, com o olhar fixo em algo fora da janela. "Meu cachorro tá doente. Eles não sabem qual é o problema." "Isso é péssimo, mas... ele é velho. Talvez seja esse o problema."; As mãos dela se agarraram ao batente da janela — "Mas... é que... eu esperava que pelo menos o médico soubesse de algo."; "Você quer dizer o veterinário?" Carlos estranhou. "É. Tanto faz."

A razão para o segundo diálogo funcionar melhor é o fato de Joana não mencionar em nenhum momento que está pensando na morte do pai, mas há palavras que dão a dica sobre os pensamentos dela. O fato de ela trocar a palavra "veterinário" por "médico" é um indício bom o suficiente, além do ritmo fluir melhor.

Um exemplo de diálogo formal que funciona é "O Senhor dos Anéis"; eles não são sempre assim, especialmente quando os hobbits estão falando, mas podem se tornar bastante eloquentes e grandiosos (e nada realistas).

Isso só funciona (e muita gente discorda disso) porque a história se passa em um ambiente medieval, como em "Beowulf".
= = = = = = = = = 
continua...

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Daniel Maurício (Poética) 64

 

J. G. de Araújo Jorge (A Poesia Popular)

Somos felizmente um povo inteligente e de grande sensibilidade. Se querem um exemplo da inteligência do povo brasileiro, de sua filosofia, do seu senso de humor, procurem observar as frases que comumente se encontram escritas nos para-choques ou na própria carroceria dos caminhões que trafegam pelas estradas. 

São de uma graça e de uma acuidade, às vezes profundas, em sua simplicidade. Sozinhos, viajando durante dias, longe do lar e de seus amores, os motoristas de caminhões são como os marinheiros. Mas a permanente presença da terra, tira-lhes á saudade aquele tom de grande lirismo do homem do mar, realmente desligado de tudo, cercado de silêncios e horizontes. E espouca em seus espíritos a sátira, a alegria boêmia dos que fazem a vida de aventuras, em prazeres de cada momento.

Já pensei em comprar um caderninho para anotar as frases que leio nos para-choques dos caminhões. Tenho a convicção de que acabaria por ter um verdadeiro retrato do espírito popular, um verdadeiro “compêndio” dessa filosofia de vida, tão interessante e cheia de sutilezas, do homem da rua.

Uma das trovas que compõem o meu “Cantigas de Menino Grande” eu a fiz, aproveitando um pensamento de uma dessas frases que vi num caminhão, quando dirigia meu carro rumo a Friburgo. Dizia o seguinte

“Eu dirijo, Deus conduz”.

Nada mais, simples e profundo. E pensando no que acabara de ler fui arrumando mentalmente os outros versos, já que o pensamento vinha num verso de sete sílabas. No meio da serra a quadrinha estava pronta:

No meu carro vou tranquilo
tenha a estrada sombra ou luz,
pois bem sei que ao dirigi-lo:
- Eu dirijo, Deus conduz."

Numa crônica que preparei para volumes anteriores desta coleção, afirmei:

“Do mesmo modo que os provérbios e adágios representam o pensamento do povo que se vai cristalizando através do tempo, as trovas, são a sua alma. E os poetas, tocados pela “graça” das trovas, os intérpretes dessa alma.” 

O povo fala em versos, sem sentir e, instintivamente, nos seus provérbios e sentenças, procura a rima, que é um elemento oral de enfeite e de memorização mais fácil. Observem os provérbios. este, por exemplo, bem conhecido:

“Água mole em pedra dura
tanto bate até que fura.”

Dois. versos de sete sílabas, rimando.

E este outro:

“Ha sempre um chinelo velho
Pra um pé doente e cansado.”

Glosei, também, numa trova:

O tal ditado é um conselho,
não te mostres desolado…
“Há sempre um chinelo velho
Pra um pé doente e cansado…”

Nem tal fato é de se estranhar, quando sabemos que as línguas neolatinas esgalharam-se do tronco secular do velho latim, na língua poética, dos trovadores medievais, nas suas cantigas.

Sobre trovas populares e anônimas, escrevi, na crônica citada :

“Uma trova, (ou como a chamam também, uma quadrinha) é tanto mais expressiva quanto maior o grau de fidelidade ou de identidade do poeta com o sentimento popular. Cai então, pode-se dizer, no gosto do povo, que a recolhe, decora e divulga, e sua expansão se faz de modo permanente, extenso e profundo.

Seu processo de popularização é tamanho, que ela acaba desgarrada de quem a criou, filha de ninguém. Ou melhor: lhe arranjam um pai, lhe atribuem uma paternidade, ou várias, o que vem a ser a mesma coisa. É uma trova anônima.

Glória efêmero e paradoxal. No momento mesmo em que a atinge, o trovador a perde. E são quase sempre, as maiores trovas, aquelas que acabam no anonimato, emaranhadas em meio a dúvidas e suposições. Tratando-se de pequenas composições poéticas, facilmente reproduzíveis, acontece com as publicações o mesmo que se dá com a difusão oral. Jornais e revistas de toda a parte, álbuns e cadernos de poesia as divulgam com autores diversos, tornando cada vez mais difícil a identificação, e mais penosa a pesquisa.”

“A Ilíada” e a “Odisseia”, memorizadas durante séculos pelo povo grego, e mandadas escrever por Psístrato, guardaram a glória de Homero, ainda que lendária, intacta. Eram grandes poemas. Mas as pequeninas trovas, estilhaçam qualquer glória, e torna-se impossível identificar através dos tempos, os nomes dos seus verdadeiros autores, quando elas caem “na boca do povo”
* * *

Mas, trovas populares e anônimas, não são apenas as trovas “eruditas” dos grandes poetas, as trovas literárias, que um dia se perdem no rio da grande popularidade, afogando seus autores. São também as trovas rústicas e imperfeitas que nascem da alma do povo, na boca dos cantadores, dos violeiros, dos sanfoneiros, dos poetas populares anônimos que enxameiam pelo interior do Brasil e de Portugal. Verdadeiros filões de ouro de nossa sensibilidade e de nosso espírito.

Na sua obra, farto acervo de folclore e poesia, “Mil quadras brasileiras”, ( “Mil quadras populares brasileiras” (Contribuição ao folclore). Recolhidas e prefaciadas por Carlos Góis. (Catedrático do Ginásio Mineiro, membro da Academia mineira de Letras). F. Briguet & Cia., Editora. Rio de Janeiro. 1916).

Carlos Góis observa: 
“É no interior do país, longe do bulício convencional e cerimonioso das grandes cidades, onde mais intensamente floresce a poesia popular. Quem se internar no sertão do Brasil, verá, na razão direta da distância dos grandes centros populosos, a expandir-se a alma do povo em expressões rítmicas de um cunho espontâneo, subitâneo, flagrante. Só quem como nós já assistiu de viso, aos descantes ao som da viola e do violão, poderá aquilatar do grau de fluência e espontaneidade que jorra da musa popular”.

Ainda recentemente, aqui no Rio, tive a oportunidade de conhecer os irmãos Batista, (Otacílio e Dimas), exímios cantadores e improvisadores do Nordeste (de Campina Grande), e outros violeiros e repentistas, alagoanos e baianos. Durante horas, com seus violões ao peito, lançam-se reciprocamente desafios, e os versos vão brotando em catadupas, com uma espantosa facilidade, ricos de verve e imaginação.

Rodolfo Cavalcanti, que é, na Bahia, o Presidente do Grêmio Brasileiro de Trovadores, é um poeta popular típico do Norte. Homens simples, emotivos, sem quase instrução, com uma poesia fácil e “bem falante”, compõe longos poemas a propósito de tudo. Publica-os em folhetos que ele mesmo vende nas ruas de Salvador. E vive disto, como verdadeiro trovador de seu tempo.

Já se começa a dar valor também a essa manifestação literária do povo brasileiro. Os próprios críticos de gabinete, desligados até agora das raízes de nossa formação literária voltam-se para o estudo e a observação de extraordinário manancial de riquezas. O atual surto de trovadores, verdadeiro movimento ,de incentivo à poesia popular, obriga-os a reconsiderarem suas atitudes puramente intelectuais, e a perceberem o que há de autêntico e real nessa manifestação -de nossa sensibilidade e de nossa cultura.
Não foi sem razão, que defini:

Ó trovador: professor
de poesia popular!
Com suas trovas de amor
o povo aprende a cantar!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Cem trovas populares. Coleção Trovadores Brasileiros.