sábado, 12 de maio de 2012

Érico Veríssimo (O Continente)


Em O Continente é a primeira obra que compõe a trilogia O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, e foi publicado em 1949. Transita entre o lírico e o épico; entre o intimista e o histórico, e abrange 150 anos da história (1745–1895), traçando a origem da sociedade rio-grandense, marcada pelo controle de uma elite latifundiária e pela violência das guerras fronteiriças e das revoluções fraticidas. Nesse período de 150 anos ocorrem grandes acontecimentos históricos que são internalizados no texto literário, tais como o Tratado de Madri, a Guerra da Cisplatina, a Independência do Brasil, a Revolução Farroupilha, a Guerra do Paraguai, a Abolição da Escravatura, a proclamação da República e a Revolução Federalista de 1893.

A palavra "continente" significa no romance, em primeiro lugar, o território conquistado a ferro e fogo durante os séculos XVIII e XIX. A conquista dá-se simultaneamente por ação privada e por ação estatal. A primeira, iniciada nos Campos de Cima da Serra, e comandada por aventureiros sorocabanos e lagunenses, estende-se rumo ao oeste e ao sul da região, em busca de planícies férteis para o pastoreio. A segunda é mais litorânea, através da imigração açoriana e do estabelecimento de fortificações militares pelo Estado português. Ambas confluem e se unificam, no entanto, em um grande objetivo comum: a tomada da "terra de ninguém" e do gado alçado - vacum e eqüino - que vagava às centenas de milhares pelos campos da Serra e da Campanha. Em segundo lugar, o "continente" significa, no romance, o tempo histórico da conquista e da consolidação do poder dos estancieiros na região, associado à solidificação do núcleo familiar, originando os primeiros clãs dominantes. Aqui, "continente" significa aglutinação, coesão, esforço familiar num sentido comum. Bem diferente de "arquipélago", que traz a idéia de desintegração, fim do clã, estilhaçamento, isolamento dos indivíduos.

A obra está inserida no chamado Romance de 30, obras de cunha neo-realista que aliam a descrição denunciante do Realismo às investigações psicológicas das personagens e liberdades linguísticas do narrador, frutos do Modernismo. Assim como O continente, muitas dessas obras são de cunho regionalista.

A visão global compõe-se de sucessivas visões parciais, ou limitadas no tempo e no espaço, de forma que a obra verdadeiramente é uma aglutinação de novelas, entremeadas de cantos de certo sabor poético, impregnados de elementos folclóricos e referências populares. A sua unidade resulta, primeiramente, do próprio desenrolar histórico dos fatos e situações, tendo a região de Santa Fé como ponto de convergência e irradiação. Esboçam-se, ao mesmo tempo, as origens e a formação da cidade do mesmo nome. Os fatos e situações, por sua vez, visam de maneira particular ao processo de enraizamento, de afirmação do poderio econômico e de mandonismo local, de determinadas famílias: os Amaral e os Terra e Cambará. No caso, o ponto de partida do desenvolvimento da intriga, paralelamente com as visões retrospectivas, é a luta entre federalistas e republicanos, de 1893. De um lado, estão os Amaral, de outro, os Terra e Cambará, cujas rivalidades de famílias encontram evasão nas lutas políticas.

Integram a primeira parte, além de outros, os capítulos O Sobrado, Ana Terra e Um Certo Capitão Rodrigo, onde aparecem inúmeras personagens, entre as quais: Pedro Missioneiro, Ana Terra, Pedro Terra, Bibiana, Capitão Rodrigo, Bolívar, Licurgo; vivendo a tragédia da conscientização de uma terra fixada às próprias raízes.

Uma crônica de sangue pontuada por sucessivas guerras, eis o cenário onde brota a gênese da Província de São Pedro. Ao início de O continente, no episódio de Ana Terra, o espaço físico foi inteiramente destruído após um ataque de castelhanos que massacraram todos os homens válidos da fazenda de Maneco Terra. Sob a imensidão do campo, duas mulheres e duas crianças sepultam os seus mortos. Desses escombros surge a personagem de Ana Terra, armada de uma confiança absurda em si mesma, que se integra na caravana pioneira para fundar, muito distante, a vila de Santa Fé. Com ela segue o filho, que será o pai de Bibiana; e assim fica assegurada a continuidade da vida. A mesma intriga, distribuída por diferentes níveis de temporalidade, repete-se várias vezes na sucessão de gerações de Terras e Cambarás.

Na personagem Ana Terra se reedita o primeiro dia da criação, a imagem primitiva da fecundação, enquanto antítese da morte. Diz Érico: "Penso nela como uma espécie de sinônimo de mãe, ventre, terra, raiz, verticalidade, permanência, paciência, espera, perseverança, coragem moral."

Há um estranho paradoxo em O continente. Essa epopéia, cuja linha episódica foi traçada no encadeamento dos feitos guerreiros, parece ter sido escrita para reafirmar a insanidade da guerra. Enquanto a seqüência cronológica avança mediante lutas fratricidas entre Cambarás e Amarais, a visão de mundo do autor, sua crença nos valores permanentes da vida, está expressa na saga de Ana Terra e nos silêncios de Bibiana.

A obra apresenta em sua estrutura textual elementos que não se enquadram nas características do romance histórico tradicional. Lembremos que uma das
características era de que os romances históricos a exemplo dos procedimentos típicos da escrita da História, organizam-se em observância a uma temporalidade cronológica dos acontecimentos narrados. O continente, porém, rompe essa temporalidade cronológica. Para abranger esse longo período, o escritor lançou mão de dois tempos históricos: um que se passa em 3 dias de junho de 1895, durante o cerco ao sobrado dos Terra-Cambará na Revolução Federalista, e outro anterior, que remonta a 1745 e vai avançando cronologicamente até se aproximar de 1895.

Esse primeiro tempo histórico que se passa em poucos dias e que abre e fecha o romance como uma moldura é dividido em sete episódios intitulados O Sobrado. Esses episódios estão ligados aos episódios do outro tempo histórico, mas ao mesmo tempo são independentes, de forma que se o autor publicasse-os separados não haveria nenhum prejuízo em sua inteligibilidade. O continente utiliza-se de dois tempos históricos que se encontram no final da narrativa.

É interessante ainda lembrar a observação feita por Regina Zilberman sobre esse aspecto estrutural do romance: “importante também é a estrutura da obra: o romance abre e fecha com uma moldura, o cerco ao sobrado ao final de junho de 1895, com seu ritmo próprio e independência em relação ao conjunto do texto”(ZILBERMAN, 1998, p. 140). Esses episódios-molduras são estruturados como um diário dentro da obra. Observemos um deles:

O SOBRADO - II

25 de junho de 1895: Madrugada

Um grito atravessa o sono de Rodrigo, que acorda sobressaltado. É a mamãe – pensa ele. O coração começa a bater-lhe acelerado. O medo aumenta-lhe a impressão de frio, e ele sente na boca do estômago medo e fome confundirem-se numa mesma sensação de vazio gelado e náusea. Não tem coragem para abrir os olhos porque sabe que o quarto está às escuras. Com o punhal nas mãos e as mãos apertadas entre as pernas , encolhido e meio trêmulo, ele escuta... Deve estar saindo o filho – imagina. Pobre da mamãe! (VERISSSIMO, 1997, p. 67)

Intercalados aos episódios do Sobrado que se passam cronologicamente de 25 a 27 de junho de 1895, estão os episódios A Fonte, Ana Terra, Um Certo Capitão Rodrigo, A Teiniaguá, A guerra e Ismália Caré. Estes episódios são responsáveis pela sequência cronológica do vasto período histórico abordado no romance, desde 1745, no período em que os Sete Povos das Missões ainda pertenciam aos espanhóis e o Brasil ainda ainda era colônia portuguesa até o início da década de 90, do século XIX, período que o Brasil já era republicano. Esses episódios estão ligados uns aos outros mas ao mesmo tempo também são indepedentes. Prova disso foi a publicação em edições separadas dos episódios Ana Terra e Um Certo Capitão Rodrigo. Desse modo, a sequência cronológica linear do tempo é rompida em O continente através da utilização dos dois tempos históricos.

ENREDO

Em O continente, a saga da família Terra-Cambará inicia-se com a união de Pedro Missioneiro, um mestiço criado nas missões jesuíticas, filho de uma índia que é estuprada por um bandeirante, com Ana Terra, filha de colonos pobres de origem portuguesa que vieram do interior de São Paulo para o Rio Grande do Sul, naquela época uma terra ninguém, disputada por portugueses e espanhóis. O sangue dos Terras receberá, no terceiro capítulo do livro (seguindo em linha cronológica e não levando em conta os episódios de moldura do sobrado), o reforço dos Cambarás, através do casamento entre Bibiana Terra, filha de Pedro Terra (fruto da união de Pedro Missioneiro com Ana Terra), com Rodrigo Cambará, filho do aventureiro do Chico Rodrigues que, a partir da união com a açoriana Maria Rita passa-se a chamar Chico Cambará. Aí então está formado o clã Terra-Cambará, representado alegoricamente na árvore cambará que cria raízes na terra santafezense, quando Rodrigo Cambará casa-se com Bibiana e fixa residência em Santa Fé. A partir daí, mesmo sofrendo alguns reveses, o clã inicia um lento processo de prosperidade que vai culminar na condição de família latifundiária. O fim da narrativa apresentará Licurgo Terra Cambará como intendente de Santa Fé, dono da grande estância de terras do Angico e do imponente sobrado, símbolo do prestígio social e poder político local.

ESTRUTURA DA NARRATIVA

O romance é narrado em terceira pessoa, numa linguagem tradicional. Há apenas um desvio na linearidade cronológica do texto. A ação do episódio O sobrado, apesar de ser temporalmente a última de O continente, é dividida em sete fragmentos. Estes, por seu turno, são espalhados pelo narrador dentro do volume, de maneira que o primeiro fragmento abra o livro e o último o encerre. Cria-se assim, na narração, um contraponto temporal.

O outro desvio nasce da inserção no texto de "intermezzos", isto é, de rápidos quadros - seis ao total - escritos em linguagem próxima à lírica, quase em versos, e no tempo verbal do presente. Funcionam como passagens intermediárias da narrativa central, e são verdadeiros poemas em prosa. A rigor, parecem desempenhar um tríplice papel no romance:

a) Preencher vazios, tanto na construção de personagens secundários quanto em aspectos históricos riograndenses que não foram suficientemente elaborados nos episódios.

b) Reforçar o caráter simultaneamente épico e brutal da conquista do território chamado continente de São Pedro.

c) Apresentar um contraponto social, na figura dos Carés, gente sem eira nem beira, desvalidos, arranchados na fazenda do Angico, e que servem de "bucha-de-canhão" nas guerras locais e de amantes baratas para os fazendeiros.

CAPÍTULOS

1- A Fonte


Primeira parte, assim chamada porque o que se segue é a história do personagem que se torna a fonte do qual surge toda a família. É a história do mameluco Pedro Missioneiro, que nasceu em 1745, morou nos Sete Povos das Missões e adquiriu de um padre (seu padrinho, que o batizou com o nome de um homem, que um dia quis matar pela amante antes de se tornar padre) uma adaga que passa pela família. Pedro tinha visões que se realizavam, dizia ser filho da Virgem Maria e sai da Missão três meses após a morte de Sepé Tiaraju.

O que destacar em A fonte:

a) A confluência da cultura mística católica e a consciência mágica dos índios na figura de Pedro, explicando a sua tendência a visões e premonições.

b) A criação de uma origem mitológica para o estabelecimento da sociedade rio-grandense, na medida em que Pedro, mais tarde, fecundará Ana Terra, dando início – em termos simbólicos – a um tipo local, o gaúcho. É visível – neste romance de “fundação” de um mundo regional – a influência de Iracema, de José de Alencar.

2- Ana Terra

Substrato histórico: A conquista do território por famílias paulistas e a fundação dos primeiros povoados. Duração temporal: 1777 a 1811. Leia mais sobre este capítulo...

3- Um certo capitão Rodrigo

Substrato histórico: A emergência e apogeu dos gaudérios. A Revolução Farroupilha. A chegada dos primeiros imigrantes alemães. Duração: 1828 a 1836. Este é dos capítulos que merecem destaque, seja pelo apuro estilístico do autor, seja pela temática desenvolvida. Um Certo Capitão Rodrigo, presente em O Continente, merece essa atenção especial. O capítulo tem o mérito de retratar, ou recriar, a imagem do homem gaúcho forte, bravo, destemido, na figura do personagem principal: capitão Rodrigo Cambará.

A cena da chegada do capitão Rodrigo à cidade de Santa Fé já é suficiente para passar essa idéia do homem gaúcho, tanto pelas vestimentas como pela personalidade:

“Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o capitão Rodrigo Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da casa dos trinta, montava um alazão, trazia bombachas claras, botas com chilenas de prata e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha e botões de metal.
Tinha um violão a tiracolo; sua espada, apresilhada aos arreios, rebrilhava ao sol daquela tarde de outubro de 1828 e o lenço encarnado que trazia ao pescoço esvoaçava no ar como uma bandeira. Apeou na frente da venda do Nicolau, amarrou o alazão no tronco dum cinamomo, entrou arrastando as esporas, batendo na coxa direita com o rebenque, e foi logo gritando, assim com ar de velho conhecido:
– Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!
– Pois dê”

A descrição do valente e imponente capitão entrando no pacato vilarejo, seguida do desaforado cumprimento da chegada, antecipa o incômodo que essa figura produzirá em tal espaço. O dono da resposta curta e grossa que aceita o confronto, porém, não se tornará seu antagonista na história. Será seu futuro cunhado, Juvenal Terra.

A importância desse capítulo está no fato de que – além de apresentar a figura típica do gaúcho encarnada pelo capitão Rodrigo – mostra a união dos dois grandes sobrenomes que marcarão, na obra, a formação do estado do Rio Grande do Sul: os Terras e os Cambarás.

Apaixonando-se perdidamente por Bibiana Terra, o capitão a conquista após minar sua resistência e a de sua família, além de ter vencido em um duelo o pretendente rico de Bibiana: Bento Amaral, filho do coronel Ricardo Amaral. Essa união representa, estruturalmente, o eixo das duas famílias que irão protagonizar toda a trilogia.

O carisma de Rodrigo Cambará acaba por conquistar, de fato, não apenas Bibiana Terra, mas vários moradores de Santa Fé, como o padre Lara e Juvenal Terra, com quem monta um negócio. A figura do capitão, no entanto, distancia-se em todos os momentos do perfil do bom moço. Mesmo depois de casado com Bibiana, Rodrigo Cambará mantém o gosto pelo carteado, pela bebida e, principalmente, por outras mulheres.

O antagonista de Rodrigo Cambará é Bento Amaral, com o qual trava uma luta atrás do muro do cemitério, após um desentendimento em uma festa de casamento. Nesse confronto, o filho do coronel, desonrando a batalha, utiliza uma arma de fogo contra o capitão.

Antes de dar o tiro à traição, Amaral quase recebe a marca do capitão Rodrigo: um “R” na testa. Surpreendido pelo disparo, no entanto, o capitão só tem a possibilidade de talhar um “P”. Falta-lhe tempo para completar a letra “R”. A cena final desse capítulo é a invasão do casarão da família Amaral. Nesse episódio, morre o capitão Rodrigo Cambará, deixando órfão o filho Bolívar:

“O tiroteio começou. A princípio ralo, depois mais cerrado. O padre olhava para seu velho relógio: uma da madrugada. Apagou a vela e ficou escutando. Havia momentos de trégua, depois de novo recomeçavam os tiros.
E assim o combate continuou madrugada adentro. Finalmente se fez um longo silêncio. As pálpebras do padre caíram e ele ficou num estado de madorna, que foi mais uma escura agonia do que repouso e esquecimento. O dia raiava quando lhe vieram bater à porta. Foi abrir. Era um oficial dos farrapos cuja barba negra contrastava com a palidez esverdinhada do rosto. Tinha os olhos no fundo e foi com a voz cansada que ele disse:
– Padre, tomamos o casarão.
Mas mataram o capitão Rodrigo – acrescentou, chorando como uma criança.
– Mataram?
O vigário sentiu como que um soco em pleno peito e uma súbita vertigem. Ficou olhando para aquele homem que nunca vira e que agora ali estava, à luz da madrugada, a fitá-lo como se esperasse dele, sacerdote, um milagre que fizesse ressuscitar Rodrigo.
– Tomamos o casarão de assalto. O capitão foi dos primeiros a pular a janela. – Calou-se, como se lhe faltasse fôlego.
– Uma bala no peito...”

O espaço de Santa Fé - Em Um Certo Capitão Rodrigo, o espaço marca de forma muito evidente uma rígida separação, de acordo com a classe social dos personagens.

O espaço nessa narrativa funciona como índice social, que divide os personagens do capítulo. O casarão representa o poder local, enquanto a venda do Nicolau e o terreiro da casa de Joca Rodrigues, entre outros pontos, representam o espaço das classes mais pobres.

Essa repartição fica clara quando se nota que os dois confrontos da narrativa – o primeiro entre Bento Amaral e Rodrigo Cambará; o segundo, na tomada do casarão – se desenvolvem com a invasão, indevida, desses espaços.

No confronto entre Rodrigo e Amaral, este último estava em um ambiente popular, o que era impróprio, segundo os valores vigentes. Esse fato favoreceu o encontro com seu oponente. Já a invasão ao casarão da família Amaral acabou por representar o conflito final. Leia mais sobre este capítulo...

4- A teiniaguá

Substrato histórico: A consolidação da vida urbana no RS. Duração: 1850 – 1855.

Em 1850 Santa Fé já possui sessenta e oito casas e trinta ranchos. Chama atenção o magnífico sobrado construído por um nortista de origem misteriosa, Aguinaldo Silva. Dele também é a melhor fazenda da região, a do Angico. Porém a sua principal atividade econômica é a agiotagem e muitas terras, inclusive a pequena propriedade de Pedro Terra tinham passado para suas mãos.

Aguinaldo tem uma neta adotiva, Luzia, de esplêndida beleza e “modos de cidade”: veste-se bem, é culta e toca cítara. Desperta paixões, especialmente entre os dois primos, Bolívar e Florêncio (filho de Juvenal Terra) que a disputam. Luzia termina optando por Bolívar, filho do Capitão e de Bibiana, herói juvenil na guerra contra o tirano argentino, Rosas.

Bolívar está completamente enfeitiçado por Luzia. Atendendo uma determinação da própria jovem (que tem dezenove anos), marca-se o noivado para a mesma hora em que um escravo, suspeito de crime hediondo, vai ser enforcado. Os sinais de estranha doença começam a aparecer na moça que veio do Norte.

Também surge neste episódio um dos protagonistas mais importantes de O continente, o Dr. Carl Winter, médico alemão, culto, solitário, extremamente observador e um pouco bizarro, e que havia fugido da Alemanha por razões sentimentais e políticas. Ele será uma espécie de “comentarista” da vida cotidiana e dos costumes, tanto de Santa Fé quanto da província de São Pedro. Não é errado considerá-lo como um “alter-ego” (um “outro eu”) de E. V. Fascinado por Luzia (uma mescla de curiosidade e desejo), ele a compara à lenda local da teiniaguá, a princesa moura transformada pelo diabo numa lagartixa, cuja cabeça consiste numa pedra preciosa de brilho ofuscante que atrai e cega os homens.

É o Dr. Winter o primeiro a perceber a doença da alma que corrói a bela Luzia: a moça tem prazer com o sofrimento alheio. Na hora do enforcamento do escravo, ela corre para a janela a fim de se deliciar com o espetáculo:

Primeiro o rosto dela se contorceu num puxão nervoso, como se tivesse sentido uma súbita dor aguda. Depois se fixou numa expressão de profundo interesse que aos poucos foi se transformando numa máscara de gozo que pareceu chegar ao orgasmo.

Por isso, casando-se com Bolívar, uma mente singela, ela se aproveitará para atormentá-lo. No entanto, contraditoriamente, Luzia tem momentos de ternura e alegria para com o marido, estraçalhando-se, pouco a pouco, os seus nervos de homem enfeitiçado. Essa alternância de loucura e fascinação, revela uma Luzia não apenas sádica, mas também masoquista, porque há passagens em que ela parece se comprazer com o próprio sofrimento. Bibiana, a sogra, também percebe o que o Dr. Winter já enxergara e passa a odiar a nora.

Em 1853, Aguinaldo Silva cai do cavalo e fratura o crânio, sobrevivendo ainda três dias. A neta acompanha-o, minuto após minuto, comprazendo-se com o sofrimento do avô. Seu sado-masoquismo é visível. O nascimento de Licurgo Cambará, o filho do casal, atenua brevemente a situação. Em seguida, deixando o nenê nas mãos de Bibiana, Bolívar e Luzia partem, numa viagem recreativa para Porto Alegre.

Na capital da província uma epidemia de cólera dizima a população. Em vez de retornar, o casal permanece no centro da grande epidemia. E. V. não narra os acontecimentos na capital, mas meses depois, quando os dois voltam, Bolívar está tão destruído psicologicamente que o Dr. Winter e Bibiana intuem o que havia ocorrido: a euforia e o gozo de Luzia, vendo o terror de todos diante da peste, deliciando-se com o desespero das pessoas que caíam nas ruas, agonizantes.

Ao tentar rever o filho, Licurgo, a teiniaguá é impedida por Bibiana e tem um ataque de fúria, chamando a sogra de “cadela”. Bolívar então espanca a esposa e sai da sala, cada vez mais arrasado interiormente.

O coronel Bento Amaral aproveita-se do contexto para vingar-se dos Cambarás, decretando a quarentena do sobrado. Isto é, durante quarenta dias, ninguém, a não ser o dr. Winter, poderia entrar ou sair do casarão. Capangas dos Amarais cercam, então, o local para que a ordem do caudilho fosse cumprida. Bolívar “caído de borco, no meio da rua, com a cara metida numa poça de sangue.”

5- A Guerra

Substrato histórico: A Guerra do Paraguai. Duração: 1869 – 1870.

Conta a história dos anos finais da Luzia e sua disputa com Bibiana pelo amor de Licurgo enquanto este cresce. Luzia está na época com um tumor no estômago, e a preocupação principal de Bibiana é permanecer no sobrado. Luzia, ao final, perde a guerra não-declarada, pois o que queria era um filho cosmopolita, e Licurgo continua em Santa Fé.

Ismália conta a história de Licurgo já mais velho, trabalhando em Santa Fé com seu melhor amigo, o jornalista Toríbio, pela proclamação da República, tudo enquanto envolvido com o casamento com a prima Alice, filha de Florêncio Terra e a amásia, Ismália. Ismália é uma china (palavra usada até hoje em partes do Rio Grande do Sul, que designa uma “mulher da vida”) submissa a Licurgo do qual este gosta e permanece assim pelos anos que seguem e engravida dele. A luta pela República enfim tem sucesso e a rivalidade dos Terra Cambará com os Amaral continua com Alvarino e Licurgo, como antes fora com Bento e Rodrigo.

Semi-inválido, Florêncio retorna da guerra quase em seu final. Através do Dr. Winter sabe do confronto entre Bibiana e Luzia, dentro do Sobrado. Sabe também que Luzia tem um tumor maligno no estômago e que cada mulher espera a morte da outra.

Enquanto isso, na fazenda do Angico, o adolescente Licurgo Cambará efetiva sua educação à maneira rio-grandense, guiado por Fandango. Típico gaúcho fanfarrão, exímio contador de histórias, conhecedor de casos e lendas, expressando-se por ditados, tendo apurada memória por quadras, trovas e modinhas, dono, por fim, de grande sabedoria campeira, Fandango é o professor do seu futuro patrão. A partir dessas experiências gratificantes, – e tendo como contraponto, na cidade, a sombria doença da mãe – Licurgo só se sentirá à vontade no campo, desenvolvendo uma primitiva identificação com as lides pastoris e as coxilhas.

No Sobrado, Bibiana consegue afastar os pretendentes de Luzia, revelando-lhes pormenores da “loucura” da nora. Seu objetivo é impedir um novo casamento da jovem viúva porque assim Licurgo herdará sozinho todas as propriedades da mãe. O Dr. Winter acompanha a luta entre as duas, mas não toma partido de nenhuma, embora sua maior intimidade seja com Bibiana. O episódio encerra-se sem que a vitoriosa seja conhecida.

6- Ismália Caré

Substrato histórico: O surgimento da oposição republicana e abolicionista. (PRR – Partido Republicano Rio-grandense). Duração: 1884.

Em 1884, Santa Fé é elevada à categoria de cidade. O Coronel Bento Amaral ainda domina politicamente, mas Licurgo Cambará representa a oposição republicana que já não aceita a hegemonia da oligarquia monarquista. O ódio entre as duas “casas” fica latente numa cavalhada festiva, em que se enfrentam “mouros” e “cristãos”, e o que deveria ser encenação quase vira um confronto sangrento.

No plano pessoal, Licurgo vai se casar com sua prima Alice Terra (filha de Florêncio). A irmã dessa, Maria Valéria Terra também o ama, mas sufoca seu afeto proibido. Independentemente dos amores que desperta, o Cambará sente-se preso sexualmente a Ismália Caré, filha de um agregado pobre que vive num rancho, numa fazenda do Angico.

Sob a influência de um bacharel baiano que vive em Santa Fé, Toríbio Rezende, Licurgo torna-se republicano e abolicionista fanático, libertando seus próprios escravos. Na noite da libertação, ele vem a saber que Ismália Caré está grávida e decide que a amante “vai botar o filho fora”, isto é, precisa abortar.

Além disso, há referências neste episódio a respeito da morte de Luzia. Surge também um personagem interessante, o sacerdote Atílio Romano, italiano de nascimento e formação, brasileiro de coração, magnífico orador e intransigente defensor da miscigenação étnica e da paz entre os grupos que se hostilizam na província.

O que destacar em Ismália Caré

a) O quadro vivo da contenda política entre as frações dirigentes (Amaral versus Cambará), cujos rancores e ódios já estão latentes antes da República e do triunfo do castilhismo.

b) A ambigüidade moral de Licurgo perante a sua futura esposa, Alice, pois não pretende se livrar (nem se livrará) da amante, Ismália Caré.

c) A sua ambigüidade ética no caso da libertação dos escravos. Apesar da grandeza de seu gesto, subjetivamente ele sente raiva e irritação com “aqueles negros” que pisam na sala do Sobrado, alguns aturdidos e outros, arrogantes.

d) O surgimento de Maria Valéria Terra, cunhada de Licurgo, de grande importância em episódios seguintes.

7- O Sobrado

Substrato histórico: Toda a ação transcorre em três dias de junho de 1895, nos estertores da Guerra Civil entre republicanos (“chimangos”) e federalistas (“maragatos”).

Vencendo seu medo, o maragato José Lírio chega na torre da igreja de onde se domina o quintal do Sobrado e, conseqüentemente, o poço de água que garante a sobrevivência dos Cambarás e de seus homens. No entanto, ao pensar nas mulheres e nas crianças que estão na casa fortificada, José Lírio acaba errando intencionalmente o tiro no chimango que, em desespero, tentava buscar água no poço para matar a sede dos sitiados.

Esta capacidade de tolerância e de compreensão “daqueles que estão no outro lado” não são compartilhadas por Licurgo Cambará, que se recusa a pedir trégua aos maragatos, tanto para cuidar dos feridos e sepultar os mortos, quanto para atender sua esposa, Alice Terra, que está em trabalho de parto, e necessita de urgentes cuidados médicos. Inflexível e autoritário, Licurgo não aceita os olhares recriminatórios do sogro, Florêncio Terra e da cunhada, Maria Valéria, mesmo que a esposa e a criança corram perigo de vida. Para ele seria um ultraje à honra solicitar a complacência dos inimigos.

O resultado de sua intolerância é que a menina nasce morta e é enterrada no porão da casa, cheio de ratos. Também o sogro, Florêncio, provavelmente enfraquecido – durante o cerco não havia mais nada a comer senão laranjas – termina morrendo no final do episódio, logo após o fim do cerco do Sobrado, com o abandono da cidade pelas forças maragatas.

Na última página, Bibiana Terra já catacega e meio caduca, pede silêncio a Fandango, que ia lhe levar a notícia da morte de seu sobrinho, e apontando para janela onde o vento uiva, diz: “Está ouvindo?”

Há o brilhante jogo entre a vida e morte, representado pelo parto, de um lado, e pela guerra, de outro. Torna-se evidente o pacifismo do autor, pois o machismo, o sentido de honra e a inflexibilidade ideológica de Licurgo Cambará são completamente impugnados no andamento do episódio.

A covardia de José Lírio que, na verdade, obriga-o a superá-la através da legítima coragem, produzida pela vitória sobre o medo. Além disso, o referido protagonista rompe com a intolerância e com o radicalismo políticos, mostrando-os como repugnantes à consciência humanista.

Não por acaso, o começo de O continente (O Sobrado I) se dá com ele, José Lírio, ou seja, um indivíduo que coloca respeito à condição humana acima das ideologias e interesses que arrastam os homens para a guerra. Este livro sobre a guerra começa, na verdade, com um libelo a favor da paz.

O aparecimento – ainda que de modo periférico – dos dois irmãos, Toríbio e Rodrigo tendo este último papel decisivo nos livros subseqüentes. A presença, agora mais intensa, de Maria Valéria Terra com idêntica função de Ana Terra e de sua tia-avó, Bibiana. A mesma força interior, a mesma resistência silenciosa, o mesmo desprezo pela violência guerreira dos homens.

A particularização – através do cerco do Sobrado – da mais sangrenta e cruel de todas as lutas rio-grandenses, a Guerra Civil (1893 – 1895) com seu terrível rosário de crueldades, degolas, estupros e terrorismo de Estado, este desenvolvido pelos autodenominados “progressistas” da época: Júlio de Castilhos e sua horda republicana.

Observações Gerais

Além da imagem da casa – o sobrado – o autor utiliza-se de referências da natureza – sobretudo da alusão ao vento - com o fito de integrar as personagens e as ações a âmbitos cada vez mais amplos da trama e da História. Esse procedimento de integração permite uma mistura entre espaço doméstico e palco de guerra, do mesmo modo que justifica a referência ao vento como marca de tempo – numa perspectiva que conduz do particular para o geral, da parte para o conjunto, da definição de detalhes às imagenssíntese, nas quais se incluem os títulos das partes e do todo.

Para além do círculo de casa – e ainda no espectro romanesco – os cruzamentos se ampliam, chamando para o diálogo a memória de Ana Terra, Capitão Rodrigo, Luzia – os antepassados de Licurgo e de outros ocupantes da casa. Esses são flagrados em distintas épocas, tanto pelos recuos do tempo da narrativa como pela sobrevivência de personagens que, ao modo da velha Bibiana, avó de Licurgo, são remanescentes de outras épocas. Desse modo, novas imagens vão se formando na teia de relações aberta pelos trechos que preenchem os espaços entre as diferentes focalizações sobre o sobrado.

Além de funcionarem como referências ficcionais, essas imagens vão colocando em diálogo recortes históricos diversos. De 93, retrocede-se a episódios do
povoamento do solo sulino, à época das missões jesuíticas e à revolução farroupilha, para citar três declinações expressivas.

Os diferentes níveis de representação, tal como estão dispostos em O Continente – e, de resto, ao longo de todo O tempo e o vento – exigem que o leitor vá montando a história, como se juntasse as peças de um quebra-cabeça. O procedimento, que é próprio dos grandes romances, fica reforçado pela utilização que Verissimo faz do contraponto, no qual aprofunda o uso da composição fracionada da história, cujos pontos, disseminados pelo todo, são ampliados passo-a-passo. A essa altura podemos afirmar que o cruzamento entre entrecho ficcional e eventos históricos interfere mesmo na estrutura da obra em questão, posto que é decisivo para as dotações de tempo, espaço e seqüenciação dessas narrativas.

Da perspectiva do arranjo ficcional, a escolha da revolução federalista como tópico de partida de O continente – e, de resto, da própria trilogia, considerando-se que se trata do volume inaugural - reveste-se de particular significado. Na história do Rio Grande do Sul esse é um conflito essencial, pois significa a passagem da antiga ordem institucional, arranjada com os acordos imperiais que puseram fim à revolução farroupilha, à ordem republicana, assentada no ideal positivista de Júlio de Castilhos.

Fonte:
Guia do Estudante - Editora Abril , em Passeiweb

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Roraima

Wagner Marques Lopes / MG (O PERDÃO em trovas), parte 3


9

O rancor é tarde triste
precedendo a escuridão...
Rancoroso - alguém que existe
com trevas no coração.

10

Ao percorrer várias terras
eu descobri um senão:
o início de muitas guerras
vem da falta do perdão.

11

Autoperdão – que valia!...
A um novo tempo conduz.
Quem deseja um novo dia
guarda esperança na luz.

12

Feliz em qualquer lugar!...
Não há outra condição:
humilde, se eu perdoar.
Humilde, ao pedir perdão.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Moacyr Scliar (Era uma Vez um Conto, parte 1) O Conto se Apresenta


Olá!

Não, não adianta olhar ao redor: você não vai me enxergar. Não sou uma pessoa como você. Sou, vamos dizer assim, uma voz. Uma voz que fala com você ao vivo, como estou fazendo agora. Ou então que lhe fala dos livros que você lê.

Não fique tão surpreso assim: você me conhece. Na verdade, somos até velhos amigos. Você já me ouviu falando de Chapeuzinho Vermelho e do Príncipe Encantado, de reis, de bruxas, do Saci-Pererê. Falo de muitas coisas, conto muitas histórias, mas nunca falei de mim próprio. É o que eu vou fazer agora, em homenagem a você. E começo me apresentando: eu sou o Conto. Sabe o conto de fadas, o conto de mistério? Sou eu. O Conto.

Vejo que você ficou curioso. Quer saber coisas sobre mim. Por exemplo, qual a minha idade.

Devo lhe dizer que sou muito antigo. Porque contar histórias é uma coisa que as pessoas fazem há muito, muito tempo. É uma coisa natural, que brota de dentro da gente. Faça o seguinte: feche os olhos e imagine uma cena, uma cena que se passou há muitos milhares de anos. É de noite e uma tribo dos nossos antepassados, aqueles que viviam nas cavernas, está sentada em redor da fogueira. Eles têm medo do escuro, porque no escuro estão as feras que os ameaçam, aqueles enormes tigres, e outras mais. Então alguém olha para a lua e pergunta: por que é que às vezes a lua desaparece? Todos se voltam para um homem velho, que é uma espécie de guru para eles. Esperam que o homem dê a resposta. Mas ele não sabe o que responder. E então eu apareço. Eu, o Conto. Surjo lá da escuridão e, sem que ninguém note, falo baixinho ao ouvido do velho:

- Conte uma história para eles.

E ele conta. É uma história sobre um grande tigre que anda pelo céu e que de vez em quando come a lua. E a lua some. Mas a lua não é uma coisa muito boa para comer, de modo que lá pelas tantas o grande tigre bota a lua para fora de novo. E ela aparece no céu, brilhante.

Todos escutam o conto. Todo mundo: homens, mulheres, crianças. Todos estão encantados. E felizes: antes, havia um mistério: por que a lua some? Agora, aquele mistério não existe mais. Existe uma história que fala de coisas que eles conhecem: tigre, lua, comer - mas fala como essas coisas poderiam ser, não como elas são. Existe um conto. As pessoas vão lembrar esse conto por toda a vida. E quando as crianças da tribo crescerem e tiverem seus próprios filhos, vão contar a história para explicar a eles por que a lua some de vez em quando. Aquele conto.

No começo, portanto, é assim que eu existo: quando as pessoas falam em mim, quando as pessoas narram histórias - sobre deuses, sobre monstros, sobre criaturas fantásticas. Histórias que atravessam os tempos, que duram séculos. Como eu.

Aí surge a escrita. Uma grande invenção, a escrita, você não concorda? Com a escrita, eu não existo mais somente como uma voz. Agora estou ali, naqueles sinais chamados letras, que permitem que pessoas se comuniquem, mesmo à distância. E aquelas histórias - sobre deuses, sobre monstros, sobre criaturas fantásticas - vão aparecer em forma de palavra escrita.

E é neste momento que eu tenho uma grande idéia. Uma inspiração, vamos dizer assim. Você sabe o que é inspiração? Inspiração é aquela descoberta que a gente faz de repente, de repente tem uma idéia muito boa. A inspiração não vem de fora, não; não é uma coisa misteriosa que entra na nossa cabeça. A boa idéia já estava dentro de nós; só que a gente não sabia. A gente tem muitas boas idéias, pode crer.

E então, com aquela boa idéia, chego perto de um homem ainda jovem. Ele não me vê. Como você não me vê. Eu me apresento, como me apresentei a você, digo-lhe que estou ali com uma missão especial - com um pedido:

- Escreva uma história.

Num primeiro momento, ele fica surpreso, assim como você ficou. Na verdade, ele já havia pensado nisso, em escrever uma história. Mas tinha dúvidas: ele, escrever uma história? Como aquelas histórias que todas as pessoas contavam e que vinham de um passado? Ele, escrever uma história? E assinar seu próprio nome? Será que pode fazer isso? Dou força:

- Vá em frente, cara. Escreva uma história. Você vai gostar de escrever. E as pessoas vão gostar de ler.

Então ele senta, e escreve uma história. É uma história sobre uma criança, uma história muito bonita. Ele lê o que escreveu. Nota que algumas coisas não ficaram muito bem. Então escreve de novo. E de novo. E mais uma vez. E aí, sim, ele gosta do que escreveu. Mostra para outras pessoas, para os amigos, para a namorada. Todos gostam, todos se emocionam com a história.

E eu vou em frente. Procuro uma moça muito delicada, muito sensível. Mesma coisa:

- Escreva uma história.

Ela escreve. E assim vão surgindo escritores. Os contos deles aparecem em jornais, em revistas, em livros.

Já não são histórias sobre deuses, sobre criaturas fantásticas. Não, são histórias sobre gente comum - porque as histórias sobre as pessoas comuns muitas vezes são mais interessantes do que histórias sobre deuses e criaturas fantásticas: até porque deuses e criaturas fantásticas podem ser inventados por qualquer pessoa. O mundo da nossa imaginação é muito grande. Mas a nossa vida, a vida de cada dia, está cheia de emoções. E onde há emoção, pode haver conto. Onde há gente que sabe usar as palavras para emocionar pessoas, para transmitir idéias, existem escritores.

Alguns deles - grandes escritores - você vai conhecer agora. O José Paulo Paes, que já morreu, escrevia poemas, escrevia artigos, escrevia contos... Ele adorava crianças e adorava palavras: e, por causa disso, escreveu “A Revolta das Palavras”. Você já imaginou isso, as palavras se revoltando? Pois é. Se o Conto pode falar, as palavras podem se revoltar, não é verdade? Isso é o que José Paulo Paes diz. E depois tem o Milton

Hatoum. Ele é do Norte, de Manaus. E escreve uma linda história que se passa em Xapuri, no Acre. E o Marcelo Coelho, que é jornalista, fala sobre o primeiro dia na escola. Lembram disso? Lembram do primeiro dia na escola? O Marcelo vai ajudar vocês a lembrar. Já o Drauzio Varella é médico, um grande médico que é também escritor. Mas os médicos, e os escritores, também tiveram infância, também fizeram travessuras, e é disso que o Drauzio vai falar para vocês.

E, já que eles estão aqui, posso ir embora, porque agora vocês estão em muito boa companhia. Vou em busca de outros garotos e outras garotas. Para quem vou me apresentar:

- Eu sou o Conto.

Fonte:
Era uma vez um conto. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002.
Moacyr Scliar; José Paulo Paes; Milton Hatoum; Marcelo Coelho; Drauzio Varella

Augusto Frederico Schmidt (Poemas Escolhidos)


CARAS SUJAS

Ao longo destas avenidas,
recordação de velhas lendas,
cantam as chácaras floridas
com suas líricas vivendas.

Lá dentro, há risos, jogos, danças,
crástinas, módulas fanfarras,
um pandemônio de crianças,
um zangarreio de cigarras.

Fora, penduram-se na grade
os pobres, como gafanhotos;
têm dos outros a mesma idade.

mas estão pálidos e rotos.
Chora a injustiça da cidade
na cara suja dos garotos.

OS PEQUENOS VARREDORES

Pela escura avenida arborizada,
ninguém. Lá para cima,
escuta-se um rumor que se aproxima,
nuvens rolando pelo chão, mais nada...

Depois, enche-se a noite de pavores,
há risos, pragas, uivos;
dançam, ao longe, contra o vento, ruivos
de poeira, pequeninos varredores.

De ombros estreitos e de faces cavas,
lutam com seus destinos,
nas horas em que todos os meninos
dormem e sonham com princesas flavas.

Há, entre eles, alguns que são precoces,
fumam e bebem. Vários,
transitam para a noite dos ossários,
têm o pulmão comido pelas tosses.

Arrastando o esqualor destas sarjetas,
dirão, olhos em brasa,
que é melhor acabar na Santa Casa
do que viver assim, como grilhetas.

E lá se vão. A nuvem se adelgaça;
um senhor, na alameda
sem luz, toma do lenço, que é de seda,
tapa o nariz, inclina a fronte, e passa...

O POEMA DA CASA QUE NÃO EXISTE

Onde a cidade acaba em chácaras quietas
e a campina se alarga em sulcados caminhos
achei a solidão amiga dos poetas
numa casa que é ninho, entre todos os ninhos.

Térrea, branquinha, com portadas muito largas,
desse azul português das antiquadas vilas
e uma decoração de laranjas amargas
que perfumam da tarde as aragens tranqüilas.

Ergue-se no pendor suave da colina,
escondida por trás dos eucaliptos calmos;
tem jardim, tem pomar, tem horta pequenina,
solar de Liliput que a gente mede aos palmos ...

Neste ponto, a ilusão, a miragem, se some;
olho para você, eu triste, você triste.
Enganei uma boba! O bairro não tem nome,
a estrada não tem sombra, a casa não existe!

QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer o mundo continuará o mesmo,
A doçura das tardes continuará a envolver as coisas todas.
Como as envolve agora neste instante.
O vento fresco dobrará as árvores esguias
E levantará as nuvens de poesia nas estradas...

Quando eu morrer as águas claras dos rios rolarão ainda,
Rolarão sempre, alvas de espuma
Quando eu morrer as estrelas não cessarão de acender-se
no lindo céu noturno,
E nos vergéis onde os pássaros cantam as frutas
continuarão a ser doces e boas.

Quando eu morrer os homens continuarão sempre os mesmos.
E hão de esquecer-se do meu caminho silencioso entre eles,
Quando eu morrer os prantos e as alegrias permanecerão
Todas as ânsias e inquietudes do mundo não se modificarão.
Quando eu morrer os prantos e as alegrias permanecerão.
Todas as ânsias e inquietudes do mundo não se modificarão.
Quando eu morrer a humanidade continuará a mesma.
Porque nada sou, nada conto e nada tenho.
Porque sou um grão de poeira perdido no infinito.

Sinto porém, agora, que o mundo sou eu mesmo
E que a sombra descerá por sobre o universo vazio de mim
Quando eu morrer..."

SONETO A CAMÕES

As tuas mágoas de amor, teus sentimentos
Diante das leis que regem nossas vidas,
Desses fados que dão e logo tiram,
E a que estamos escravos e sujeitos.

As tuas dores de amar sem ser amado,
De procurar um bem que não se alcança,
E no canto clamar desesperado
Pelo que nunca vem quando se busca.

Poeta de enamoradas impossíveis
E que num negro amor desalteraste
Essa sede de amar dura e terrível,

As tuas mágoas de amor, tuas fundas queixas,
Como uma fonte ficarão chorando
Dentro da língua que tornaste eterna

OUÇO UMA FONTE

Ouço uma fonte
É uma fonte noturna
Jorrando.
É uma fonte perdida
No frio.

É uma fonte invisível.
É um soluço incessante,
Molhado, cantando.

É uma voz lívida.
É uma voz caindo
Na noite densa
E áspera.

É uma voz que não chama.
É uma voz nua.
É uma voz fria.
É uma voz sozinha.

É a mesma voz.
É a mesma queixa.
É a mesma angústia,
Sempre inconsolável.

É uma fonte invisível,
Ferindo o silêncio,
Gelada jorrando,
Perdida na noite.
É a vida caindo
No tempo!

SONETO CIGANO

Lembra-me sempre a viagem, a grande, a estranha viagem.
As mulheres brincavam e riam ao pé das enormes fogueiras.
Rostos da cor do bronze, olhares misteriosos,
E mãos escuras para todos os misteres.

Lembra-me sempre a viagem, as estradas perdidas
Por onde seguíamos atrás das auroras ingênuas
Que corriam cantando, e atrás das horas fugidias
— Horas que pareciam dançar ao ruído de pandeiros.

Era tudo uma grande inocência e descuido.
O futuro sombrio, as ambições, os medos,
Não me lembro de os ter sentido nesses tempos.

Colhíamos, então, flores e frutos nos caminhos,
Amávamos o amor nas morenas mulheres,
E adormecíamos à mercê dos ventos e das chuvas.

V (SONETOS)

Noites, estranhas noites, doces noites!
A grande rua, lampiões distantes,
Cães latindo bem longe, muito longe.
O andar de um vulto tardo, raramente.

Noites, estranhas noites, doces noites!
Vozes falando, velhas vozes conhecidas.
A grande casa; o tanque em que uma cobra,
Enrolada na bica, um dia apareceu.

A jaqueira de doces frutos, moles, grandes.
As grades do jardim. Os canteiros, as flores.
A felicidade inconsciente, a inconsciência feliz.

Tudo passou. Estão mudas as vozes para sempre.
A casa é outra já, são outros os canteiros e as flores
Só eu sou o mesmo, ainda: não mudei!

VEJO A AURORA SURGIR

Vejo a aurora surgir nesses teus olhos
Ainda há pouco tão tristes e sombrios.
Vejo as primeiras luzes matutinas
Nascendo, aos poucos, nos teus grandes olhos!

Vejo a deusa triunfal chegar serena,
Vejo o seu corpo nu, radioso e claro,
Vir crescendo em beleza e suavidade
Nas longínquas paragens dos teus olhos.

E estendo as minhas mãos tristes e pobres
Para tocar a imagem misteriosa
Desse dia que vem, em ti, raiando;

E sinto as minhas mãos, ó doce amada,
Molhadas pelo orvalho que roreja
Do teu olhar de estranhas claridades!

ESTRELA MORTA

Morta a Estrela que um dia, solitária,
Nasceu em céu sem termo.
Morta a Estrela que floriu nos meus olhos.
Morta a Estrela que olhei na noite erma.
Morta a Estrela que dançou diante dos nossos olhos,
A Estrela que descendo acendeu este amor
Morta a Estrela que foi para o meu coração,
Como a neve para os ninhos
Como o pecado para os santos
Como a ausência de Deus para os condenados.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 551)


Uma Trova de Ademar

Eu só queria entendê-las!
Mas não me julgo capaz;
no céu, que tem mil estrelas...
Tem uma que brilha mais!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Palavras de amor são folhas...
são folhas que o vento arrasta...
Talvez uma só recolhas
e uma só... é o quanto basta!
–CAROLINA RAMOS/SP–

Uma Trova Potiguar


Lua de corpo celeste,
majestosa e singular;
de quatro formas se veste,
refletindo a luz solar.
–DJALMA MOTA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Quem o bem fez bem espere,
e o mal também, se é devido:
Porque — Quem com ferro fere
com ferro será ferido.
–SOARES BULCÃO/CE–

Uma Trova Premiada

2012 - Nova Friburgo/RJ
Tema: PASSAGEM - 1º Lugar


A passagem mais sofrida
que nós fazemos, a sós,
é ver o alcance da vida
sair do alcance de nós...!
–MARA MELINNI/RN–

Uma Poesia

Olhando o campo sem flores
pendão de milho que afina,
mães faminta, filhos tristes
os pais lamentando a sina,
são as cenas da tragédia
de uma seca nordestina.
–GERALDO AMANCIO/CE–

Soneto do Dia

Ao Coração
–FRANCISCA CLOTILDE/CE–


Porque suspiras, coração dorido?
Ermo de afetos, cheio de amargura!
Fugiu de ti a plácida ventura!
Eis-te sozinho, a suspirar descrido!

Não mais no mundo pérfido, iludido.
Serás de afetos vãos da criatura,
brilha em teu céu uma esperança pura,
é Deus que atenta o ser desiludido!

Busca o conforto místico, que vem
trazer-te a luz, que dimanou do bem,
e que fulgiu nos braços de uma cruz;

despreza os bens efêmeros da terra,
busca o tesouro que somente encerra
o amor perfeito que sonhou Jesus.

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Teoria Literária) Parte 1


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

Diariamente serão postados 4 Resumos dos Simpósios que serão apresentados em 13 a 15 de junho, até totalizar os 25 a serem apresentados.

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.

1
Mônica Luiza Socio Fernandes
Marly Gondim Cavalcanti Souza
(A LITERATURA EM DIÁLOGO COM OUTRAS ARTES)


Este simpósio é um espaço para reunir as pesquisas, as reflexões e as discussões centradas nas relações entre a Literatura e as outras artes (música, pintura, dança, cinema, teatro). Um tema cada vez mais discutido, especialmente, por trazer ampliação da perspectiva crítico-interpretativa e aprofundamento dos estudos da Literatura Comparada. O assunto tem assumido destaque no Brasil, terra mestiça por excelência, encontrando-se no cerne do tema da sexta edição da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty (RJ), acontecida no período de 2 a 6 de julho de 2008, colocando “a literatura em diálogo com diversas áreas do conhecimento” (UOL, on line). Porém, não somente no Brasil esse tema é atualidade: em 2001, o IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada (APLC), acontecido na cidade de Évora (Portugal), com o tema: “Estudos literários/estudos culturais”, produziu nada menos que um volume (o III) publicado com o título: “Literatura e Outras Artes”.

Várias são as publicações surgidas sobre o assunto, envolvendo pesquisadores amantes das artes e da literatura. Como exemplo, podem ser citados: Pierre Brunel & Yves Chevrel (Orgs.). Compêndio de Literatura Comparada (2004), cujo capítulo intitulado: Literaturas e Outras Artes expõe uma linha de evolução desses estudos, teóricos, escolas e publicações; o livro Angulos: literatura e outras artes, de autoria de Evandro Nascimento (UFJF, 2002), com textos sobre literatura e cultura brasileira, explorando não somente a teoria, mas a obra de Guimarães Rosa e Machado de Assis; os livros Diálogo entre literatura e outras artes (UFPB/Realize, 2009) e Diálogo entre a literatura e outras artes, Vol.2 (UFPB/Realize, 2011) , organizados por Marly Gondim Cavalcanti Souza, reunem textos de autores de várias partes do Brasil, focalizando estudos aplicados a obras literárias em interação com outras artes (cinema, música, dança, pintura); a revista JIOP, lançada no dia 7 de outubro de 2010, na Universidade Estadual de Maringá, mais uma empreitada na divulgação de trabalhos realizados na área.

Por tais razões, não se pode mais pensar em uma expressão artística sem que se considere a relação de complementaridade existente entre as mais diversas formas usadas pelo ser humano para comunicar suas ideias e sentimentos, chamadas de “arte”. As artes surgem como uma alternativa prática de estudo e de análise de obras literárias, fundada na relação interartística, tanto pela capacidade de envolver e seduzir o leitor, na sua dinamogenicidade, e de constituir o ponto inter-relacional para o diálogo entre obras literárias na perspectiva da intertextualidade, bem como entre a literatura e outro sistema semiótico artístico, considerando a presença de outros sistemas semióticos no texto literário e/ou a relação metafórica, de similaridade estrutural.

Este simpósio propõe-se a dar continuidade a um trabalho de pesquisa iniciado em 2007, cujos resultados podem ser observados em diversas publicações, troca de experiências e participação de pesquisadores em grupos de pesquisa em outros centros acadêmicos, enriquecendo o conhecimento mútuo da Literatura Comparada.

2
Alice Áurea Penteado Martha
Vera Teixeira de Aguiar
A LITERATURA JUVENIL: DO MERCADO ÀS INSTÂNCIAS DE LEGITIMAÇÃO


A literatura juvenil, fenômeno recente, cuja produção se fez maciça nas últimas décadas, com publicação de inúmeros títulos e circulação marcante no contexto escolar, em meio aos muitos produtos culturais que inundam o mercado e disputam avidamente a atenção dos jovens, destaca-se dentre os subsistemas que alimentam o sistema literário. Estudos acadêmicos mais recentes têm considerado a questão do “específico juvenil”, ainda que os trabalhos sistemáticos sobre a produção e a circulação dessas obras não se mostrem suficientemente significativos.

Embora a oposição “literatura”/“literatura infantil” se faça presente na absoluta maioria dos textos que compõem a bibliografia teórica sobre o assunto, as oposições “literatura”/“literatura juvenil” ou “literatura infantil”/“literatura juvenil” são quase que deixadas de lado pelos estudos que se dispõem a tratar desse polêmico subsistema literário. Sob a ambígua rubrica “literatura infantojuvenil”, utilizada, aliás, até este ponto sem maior questionamento, todos os problemas parecem estar resolvidos, ainda que depois se revelem contradições internas nas obras teóricas, que acabam – explícita ou implicitamente – trabalhando com a diferenciação de conceitos.

A complexidade do assunto amplia-se quando o foco é dirigido à significação do termo “juventude”, uma vez que o conceito é construído a partir de múltiplos olhares, notadamente das ciências médicas e humanas – história, sociologia, psicologia, educação, biologia. Apesar do peso significativo que possui atualmente a literatura juvenil no campo editorial, movimentando cifras consideráveis; da vasta produção de títulos em níveis de literariedade dos mais artísticos aos mais “comerciais”; do grande número de autores já consagrados ou novatos que produzem no gênero; da legitimação que a literatura juvenil acaba por receber de diferentes instituições (prêmios, diretrizes curriculares, disciplinas de graduação e pós-graduação, congressos), é possível constatar que a pesquisa sobre o assunto é ainda bastante precária, o que propicia uma reflexão sobre a noção de lugar de fronteira da literatura juvenil no sistema literário brasileiro.

O estabelecimento de um diálogo entre os elementos do campo literário mostra-se fundamental no reconhecimento da produção literária dirigida aos jovens como subsistema de obras, ligadas por certos fatores comuns que permitem reconhecer seus traços dominantes, como as características internas (língua, temas, imagens) e alguns elementos de natureza social e psíquica que, ao se organizarem literariamente, manifestam-se historicamente e transformam a literatura, concedendo-lhe aspecto orgânico. A discussão sobre as fronteiras da literatura juvenil, demarcadas por estudos de natureza diversa – historiografia, sociologia, psicologia e estética -, não tem a pretensão de esgotar as possibilidades para o estabelecimento de critérios para o reconhecimento da produção para jovens como subsistema de obras literárias.

Desse modo, e considerando a extensa e diversificada frente de trabalho que se abre com a discussão, tanto no que se refere a pesquisas teóricas e críticas quanto aquelas voltadas à questão da leitura e à superação gradativa dos problemas relativos à formação de leitores literários permanentes, a proposição deste simpósio justifica-se pelo empenho em compreender melhor as especificidades da produção para jovens nas suas múltiplas dimensões, bem como os modos de sua circulação e recepção. Assim, o simpósio deverá receber trabalhos que levantem obras que circulem, em diferentes suportes, sob a rubrica de literatura juvenil; debatam a produção em seus elementos estético/formais; realizem reflexão teórica sobre a existência de um específico juvenil no campo mais amplo da literatura; discutam e proponham questões relativas ao ensino da literatura juvenil; analisem o processo de mediação e recepção dos textos literários no contexto escolar, em suas múltiplas variáveis; discutam políticas públicas voltadas à leitura.

3
Marisa Corrêa Silva
Acir Dias da Silva
AS ARTES NARRATIVAS E O PANDEMÔNIO DA CONTEMPORANEIDADE


Este simpósio objetiva reunir e promover o debate entre estudiosos de teorias que vêm ganhando espaço nos círculos acadêmicos no início do século XXI. Embora a análise literária e/ou as reflexões sobre a narrativa sejam o ponto de convergência dessa proposta, as teorias não precisam ser, originalmente, criadas para se pensar especificamente o texto (entendido num sentido amplo) narrativo. Trata-se de abrir o leque acadêmico, expandindo-o, aceitando contribuições de diferentes campos – fenômeno tradicional no pensamento crítico.

Como é sabido, várias vertentes importantes da crítica literária, da comunicação e da estética beberam em fontes como Adorno e Benjamin, bem como outros filósofos da Escola de Frankfurt; o pós-colonialismo emana de autores como Hommi Bhabbha e Edward Said; a crítica feminista, de pensadoras como Hélène Cixous, cujo contributo é tão significativo quanto o de nomes como Virgínia Woolf e Simone de Beauvoir, que eram também romancistas. Portanto, serão bem-vindas contribuições que lidem com o pensamento de filósofos como Alain Badiou, francês de origem marroquina, cujo conceito de Evento (Évenement ou Acontecimento) reinstalam a discussão sobre metafísica num novo patamar, propondo, na contramão do mainstream do pensamento contemporâneo, que a Verdade, sob determinadas condições, é uma categoria prática; o italiano Giorgio Agamben, cujas leituras sobre a profanação provocaram polêmica, embora seu contributo para a crítica da biopolítica seja consagrado.

Slavoj Zizek, cujo materialismo lacaniano propõe uma nova leitura de Marx, voltando a Hegel e buscando soluções para a chamada “crise das esquerdas” do final do século XX, também é um dos nomes que buscamos.

Também serão bem-vindos trabalhos que retomem questões do feminismo, contemplando o contributo de pensadoras como, por exemplo, as anglófonas Kalenda C. Eaton, Laura Gillman, Judith Butler e outras que repensam o feminismo e articulam-no com questões raciais, trabalhando uma nova visão, o womanism, surgido da nomenclatura criada por Alice Walker.

O francês de origem tunisiana Pierre Lévy e suas contribuições mais recentes sobre a Internet também encontrarão espaço em nosso forum de discussões. Esses nomes e outros, que não mencionamos aqui, bem como teóricos que se propuseram a pensar especificamente a literatura, devem ser a base dos trabalhos recebidos. A condição de aceite das propostas é, portanto, que a(s) obra(s) teórica(s) principais que compõe(m) a metodologia do trabalho proposto tenha(m) sido produzida(s) originalmente (e não republicadas ou traduzidas) a partir de 1990, e que se encaixem em uma ou mais das seguintes modalidades: análises críticas de textos literários, reflexões sobre a aplicabilidade da(s) teoria(s) abordada(s) no campo literário, diálogo e contraponto com o estado anterior da questão (desde que devidamente ligado à questão literária).

A nossa preferência é por questões que:
a) enfoquem leituras e análises críticas de diferentes textos (literários, pictóricos, fílmicos etc)
b) proponham teorizações mais atuais, estrangeiras ou brasileiras.

4
Antonio Augusto Nery
Rosana Apolonia Harmuch
DIÁLOGOS COM A LITERATURA PORTUGUESA


Eduardo Lourenço em seu clássico artigo “Da Literatura como interpretação de Portugal”, presente no volume O Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português (1978), realiza uma análise da produção literária portuguesa que vai de Almeida Garrett (1799-1854) a Fernando Pessoa (1888-1935), propondo que no espaço temporal que separa os dois autores, a literatura de ficção portuguesa “foi orientada e subdeterminada consciente ou inconsciente pela preocupação obsessiva de descobrir quem somos e o que somos como portugueses”.

Segundo o crítico, essa busca pela identidade caracterizou-se, nos séculos XIX e XX, pelo constante repensar do conceito de nacionalidade e pela constatação, por parte de diversos autores, de que “as contas a ajustar com as imagens que a nossa aventura colonizadora suscitou na consciência nacional são largas e de trama complexa demais”.

As proposições de Lourenço expõem a situação de alguns escritores, especialmente do contexto finissecular do Oitocentos e dos primeiros anos do século XX, que, ao refletirem sobre a questão da identidade nacional, deparavam-se com o impasse do passado glorioso que perseguia a realidade presente, não permitindo vislumbrar claramente o que estava porvir.

Mesmo dedicando especial atenção à literatura produzida entre Garrett e Pessoa, a análise de Eduardo Lourenço dialoga com toda a tradição literária de Portugal que vai das cantigas medievais até a contemporaneidade, deixando entrever que a busca pela identidade do ser português é, de fato, um anseio permanentemente perceptível na produção literária portuguesa. E tal anseio necessita ser (re) pensado na contemporaneidade, se considerarmos que a discussão sobre o conceito de identidade nacional, ao longo do século XX e agora no século XXI, é perpassada por conceitos/discursos que a problematizam a ponto de se poder entendê-la, à luz de Zygmund Bauman em Modernidade Líquida (2000) e Stuart Hall em A Identidade Cultural na Pós-modernidade (1992), como algo fluido, líquido, “sem fronteiras” - concepções que descontroem práticas discursivas, muitas vezes oficiais, interessadas em criar e alimentar uma hegemonia identitária e cultural que não existe.

Ainda no sentido de problematizar essa discussão, cabe mencionar o que Leyla Perrone-Moisés propõe em seu recente livro Vira e Mexe, Nacionalismo: Paradoxos do Nacionalismo Literário (2007): “aquilo que chamamos literatura é uma prática universalizante, que ensina a superar os escolhos dos nacionalismos”.

Levando em consideração as ponderações realizadas por esses e outros teóricos, propomos este simpósio com o intuito de abrigar trabalhos que tenham como foco a Literatura Portuguesa e temas relacionados aos questionamentos e a (re)interpretação da nação e do conceito de identidade nacional, bem como leituras críticas que problematizam tais temas como possibilidade para a interpretação do texto literário. Pressupõe-se, nos trabalhos apresentados, um esforço em revisar a crítica canônica/tradicional que se \"cristalizou\" em torno de várias obras e autores dessa literatura, interferindo/delimitando leituras e análises futuras desses textos.

Pretende-se também priorizar análises comparatistas que buscam novas perspectivas sobre a produção ficcional portuguesa, em suas relações com o cinema, a história, a filosofia, a pintura, a fotografia, entre outras interfaces, à luz de diversas linhas teóricas. Além do intuito de abrir espaço para revisões e releituras críticas, o simpósio também pretende dar visibilidade a pesquisas envolvendo obras de autores contemporâneos de países lusófonos.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Rondônia

Moura Tukano (Não somos donos da teia da vida, mas um de seus fios)


O Mundo foi tecido por um Criador. Sem limites e sem fronteiras. Nossos atos têm conseqüências imediatas por sermos fios dessa teia. Ele deu-nos a cada um a porção de responsabilidade própria de conduzir o seu fio de modo a garantir a sintonia com os demais, proporcionando todo o possível para a Teia se manter sólida, aconchegante, prazerosa. Bem tecida com amor, fartura e musicalidade ela foi deixada começada no Plano Original para Mãe Terra.

Uma Teia bem tecida, com a beleza da matéria-prima que inclui as cores, os rumores, os aromas, os sabores e as notas musicais e todos os elementos proporcionados pela Mãe-Terra com as garantias do seu Fundador, depende muito da solidez e da responsabilidade própria de cada fio que fará a segurança, a proteção e a manutenção da vida num eterno movimento comemorado em cada fase da Lua. Em cada plantio, cada colheita, cada dança, cada noite de luar. Nos acasalamentos e nos nascimentos. Nas festas da despedida e na grandeza da continuidade em todas as estações do tempo e do espaço.

Quando um fio irresponsável se rompe, certamente enfraquecerá ou afetará outros sensivelmente ao redor. Cada abandono é um fio rompido. Cabe ao homem manter limpo e fortalecido este elo inato. Isto se chama dignidade, integridade. Isto também se chama: alimentar o espírito. Urge de cada um a conservação fundamental da Teia, matriz que os ancestrais passaram de geração a geração.

São fios que ligam o passado ao futuro e que estão nas mãos do presente. Eles não podem se romper. São permanentes. São guardados na área sagrada da memória e no porta-jóias do coração. São sementes escolhidas bem embaladas no cantinho sagrado aguardando o êxtase da fecundação. Fio que começa como cordão umbilical oxigenando a vida. Guardá-los, é responsabilidade de cada um. A história não pode ser interrompida tragicamente por causa do rompimento de qualquer fio. O tênue fio de uma teia possui a força do Grande Tecelão, o Grande Espírito. Cabe a nós, que viemos como sementes guardadas e amadas, a responsabilidade de produzir sementes puras para o equilíbrio, paz, alegria desta teia formada por três inesquecíveis tempos da eternidade: o passado, o presente e o futuro. Não saia da Teia. E ajude a tecê-la cada vez que um fio pueril, doente ou enfraquecido precisar de você.

Fonte:
Mundurukando. http://danielmunduruku.blogspot.com.br/

Wagner Marques Lopes/ MG ( O PERDÃO em trovas), parte 2


5

O réu jamais burla a Lei -
(paga quem dá prejuízo).
Porém, por tudo o que sei,
perdoa quem tem juízo!

6

No horizonte, o Sol se dobra...
Reflito sobre a jornada...
Para trás, a boa obra:
perdoei... Alma lavada!

7

Ante o caluniador
tenha fé e muita fibra.
Trapezista de valor
é o que melhor se equilibra.

8

Quem conhece a Lei Divina
não receia perdoar.
Ao faltoso a Lei ensina;
quem perdoa, sabe amar.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 550)

Pintura do Trovador Potiguar Pedro Grilo Neto

Uma Trova de Ademar

Hoje eu culpo a mocidade
que ao encher-me de alegrias
deu-me um cofre de saudade
e um milhão de fantasias!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A tormenta, que atordoa,
não distingue, em mar bravio,
a humildade da canoa...
da soberba do navio!
–JOÃO FREIRE FILHO/RJ–

Uma Trova Potiguar


Embora sejam, bisonhos,
e esperanças me leguem,
eu não persigo meus sonhos;
são eles que me perseguem...
PEDRO GRILO/RN–

Uma Trova Premiada


2010 - Caxias do Sul/RS
Tema: TRILHO - M/H


Quando o percurso é distante
e os trilhos correm sem fim,
é bem nesse exato instante,
que Deus alia-se a mim!
–LISETE JOHNSON/RS–

...E Suas Trovas Ficaram


A brisa mansa e fagueira,
que sopra no meu jardim,
é a fiel mensageira
que beija as flores por mim.
–INÁCIO DE MEDEIROS DIAS/RN–

Uma Poesia


MOTE :

–José Ouverney/SP–
BASTA SER INTELIGENTE
PARA SER BOM TROVADOR.


GLOSA :
–GILSON MAIA/RJ–

Quando eu nasci, bem contente,
procurando a poesia,
o caminho eu conhecia:
basta ser inteligente,
ser um filho obediente
a Deus Pai, o Criador,
desejar plantar o amor,
ser irmão da natureza,
em Deus buscar fortaleza,
para ser bom trovador.

Soneto do Dia

Poeta
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–


Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa de sentir.

O poeta é assim, é versatilidade...
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”

Academia de Letras e Artes Buziana – ALAB (Anfitriã do II Seminário Acadêmico Cultural Internacional)


Conforme divulgado no I Seminário Acadêmico Cultural, realizado no ano passado pela ARTPOP em Cabo Frio, a Academia de Letras e Artes Buziana – ALAB será a anfitriã do II Seminário Acadêmico Cultural Internacional. Trata-se de um encontro cultural para o aperfeiçoamento do artista em suas mais diversas modalidades. Um encontro multidisciplinar, composto por muito intercâmbio de informações.

Dentre os conferencistas convidados, a ALAB contará com o Catedrático e Patrono da ALAB, Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras – ABL e muitos outros. Durante o final de semana, além da Cerimônia Acadêmica da ALAB, acontecerá também a I Semana de Artes e Culturas Internacionais – “I SACI - 2012”, onde as várias nacionalidades existentes na cidade apresentarão a arte e cultura de seus países. Será um encontro imperdível, cheio de atividades.

As atividades do Seminário e SACI serão totalmente gratuitas para os participantes, portanto, agende-se para compartilhar conosco de mais esse momento cultural.

Visite o BLOG Oficial do evento, onde os participantes tem à disposição todas as informações pertinentes ao final de semana, tais quais, programação, hotéis e restaurantes credenciados, formulário de inscrição e turismo em Búzios.

http://culturalbuzios.blogspot.com.br

Participe da Feira Literária e lance seu livro! Participe da Exposição de Artes Plásticas! Não tem custo!Não fique de fora desta oportunidade de conhecer uma das cidades mais lindas - a sexta mais visitada do Brasil - e ainda fazer um intercâmbio cultural incrível!.

Dúvidas: dyandreia@gmail.com.br ou alab@mar.com.br

Fonte:
Clevane Pessoa

Bibliotecas Públicas de São Paulo (Programação)


Projeto Canto Livro.

Canto Livro: De Amor e Solidão - Gabriel García Márquez


Neste espetáculo da série “Canto Livro”, Joana e Jean Garfunkel narram trechos de Cem Anos de Solidão e O Amor nos Tempos da Cólera, de Gabriel Garcia Márquez, ilustrados com canções caribenhas. Eles se apresentam acompanhados pelo violonista Natan Marques.

12 de maio (sáb) – 19h – Biblioteca Pública Cassiano Ricardo
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Prof. João Jonas Veiga Sobral.
ENCONTRO

Nova ortografia


O professor João Jonas Veiga Sobral apresentará as principais mudanças propostas pelo Novo Acordo Ortográfico e as ilustrará com exemplos extraídos de mídias impressas e canções populares. Haverá espaço para debate e esclarecimento de dúvidas acerca das novas solicitações. 2h10.

14 de maio (seg) – 15h – BIBLIOTECA PÚBLICA Camila Cerqueira César
17 de maio (qui) – 15h – BIBLIOTECA PÚBLICA Amadeu Amaral
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CURSOS

Os contos de fadas: tradição oral e educação de sensibilidade
Com Fabiana Rubira


O objetivo é entender melhor a natureza e as funções dos contos de fadas na formação do ser humano e refletir sobre por que essas narrativas da tradição oral, muitas delas milenares, e, ao mesmo tempo atuais, são ainda significativas para nós. Público alvo: educadores, contadores de histórias, estudantes de pedagogia e interessados.

12 de maio (sáb) – 10h – BIBLIOTECA PÚBLICA Hans Christian Andersen
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TEATRO

Lado de Lá
Com Cia Luarnoar


O infantil relata um pouco das histórias africanas contadas a partir das curiosidades e das observações que este povo faz na natureza. Esses questionamentos e inquietações viraram lendas, que revelam a riqueza do povo africano. Livre. 50 min.

12 de maio (sáb) – 14h – BIBLIOTECA PÚBLICA Mário Schenberg
13 de maio (dom) – 11h – BIBLIOTECA PÚBLICA Cora Coralina

Cidade Azul
Com Cia Truks


O espetáculo conta como nasce e cresce uma amizade entre duas crianças de realidades diferentes: um menino das ruas e uma menina perdida pelas ruas. Livre. 50 min.

13 de maio (dom) – 11h – BIBLIOTECA PÚBLICA Padre José de Anchieta
16 de maio (qua) – 14h30 – Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato

Leitura encenada do texto “Macaco peludo”
Com Cia. Triptal. Dir: André Garolli


A rica Mildred desce ao porão de navio para conhecer os trabalhadores das fornalhas. Lá conhece Yank, que ao ir atrás da jovem, descobre que Mildred é apenas uma dentre outros, para quem homens como ele são insignificantes. A apresentação será seguida de debate com o público.

16 de maio (qua) – 19h30 – BIBLIOTECA PÚBLICA Alceu Amoroso Lima

Visite nosso site: www.bibliotecas.sp.gov.br

Fonte:
E-mail recebido pela Coordenadoria do Sistema Municipal de Bibliotecas. Secretaria de Cultura. Prefeitura de São Paulo | www.bibliotecas.sp.gov.br

8º Concurso de Contos Infantis "As crianças do MERCOSUL" (Resultado Final)


1º lugar:
¡Déjenme dormir!
Ninah Basich - Guadalajara, México

2º lugar:
Orgullo
Angélica Sonia Barrenechea Arriola - Bahía Blanca, Buenos Aires, Argentina

3º lugar:
A gata Glória e Dona Bruna
Aline Maria Freitas Bussons - Fortaleza, Ceará, Brasil

Menções honrosas:

Lucas tiene pajaritos en la cabeza
Silvia Beatriz Iorio - Palomar, Buenos Aires, Argentina

El río de Juan
Valeria Allegrucci - La Plata, Buenos Aires, Argentina

A menina que queria escrever todas as coisas do mundo
Solange Bonifácio - São Paulo, Brasil

Fonte:
Http://concursos-literarios.blogspot.com

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Rio Grande do Sul

Daniel Munduruku (O Menino Que Não Sabia Sonhar)


O escolhido

O pajé olhou com muito amor aquela criança que acabara de nascer. Sorriu e pensou na grande tarefa que teria pela frente: educar o menino na arte da pajelança, na tradição de seu povo. Ele seria o herdeiro da cultura que atravessou os séculos, passada de geração a geração pela memória dos antepassados, que contavam as histórias da criação do mundo.

Chegando a sua “uk'a”, (1) o pajé chamou os pais do menino e disse:

- Meus parentes, ouçam com atenção o que lhes vou dizer: em meus sonhos os espíritos dos sábios disseram que nosso povo será perpetuado graças à criança que hoje nasceu. Ela será um Grande Espírito. Para isso é preciso que vocês concordem com a educação que pretendo passar a ela.

Os pais se entreolharam e sorriram, pois sabiam que isso fazia parte da tradição milenar.

- Não podemos nem queremos contrariar a vontade do Grande Espírito. Entregaremos nosso filho quando chegar a hora.

A nominação

Inspirado pelos antepassados em sonho, Karu Bempô, o pajé, deu à criança o nome de Kaxi, a lua que brilha sobre os homens. Na cerimônia em que batizou o garoto, ele disse:

- Há muitas forças negativas que visam exterminar nosso povo. Os “pariwat” (2) dizem que somos os mais importantes habitantes desta terra, mas o que fazem é sempre o contrário do que falam. Querem comprar nossa terra e trazem a dor, a divisão e a inimizade. Poluíram
nosso “idibi”, (3) derrubaram o espírito de nossas árvores, expulsaram nossa caça. Mesmo assim, a cada ano nosso povo cresce e se fortalece. Nosso povo nunca será exterminado. Renasceremos das cinzas, se preciso for, para manter nossa história.

O modo de vida

Kaxi foi crescendo e passou a participar da vida social da aldeia Katõ. Quando não estava aprendendo a fazer artesanato, brincava com outras crianças. Na época da seca ou na meia-estação - entre abril e setembro -, acompanhava sua “ixi” (4) no plantio de “musukta”, (5) “wexik'a”, (6) “akoba”, (7) milho, cará, “kagã”. (8)

Isso acontecia após a coivara, trabalho masculino que consistia na derrubada e queimada de um pedaço de terreno a que a comunidade chamava de roça.

As mulheres cuidavam da “ku” (9) e das tarefas domésticas e os homens se ocupavam da caça, pesca, coivara, e dos arcos e flechas. Eles se reuniam nos fins de tarde para conversar e contar piadas. Era um povo muito alegre e cheio de disposição.

Kaxi participava dessas conversas. Desde pequeno, ouvia com atenção a história do contato entre brancos e índios, que resultou em muitas desgraças para seu povo. Um espírito de tristeza pairava sobre os presentes quando narravam as atrocidades que os “pariwat” cometiam contra os “baripnia” (10) de outras nações para se apossar das riquezas que havia no chão sagrado deles.

Algumas vezes Kaxi acompanhava as mulheres em suas andanças pelo mato atrás de folhas para fazer remédio. Passou a conhecer as propriedades de cura das plantas e ervas. Aprendeu a respeitar a natureza e a conversar com ela.

Ele brincava boa parte do dia. Logo pela manhã ia até o igarapé nadar, brincar ou competir. Depois, ocupava-se de alguma tarefa com a mãe ou o pai. Quando acabavam seus afazeres, as crianças se reuniam e contavam o que tinham feito: pescar com o pai, ir à roça com a mãe, ralar mandioca para fazer beiju ou jogar massa no tipiti. Então, tomavam um banho de rio, imitando “wasuyu”, (11) “poy'iayn” (12) e outros bichos.

Após o banho todos se reuniam em torno da fogueira para conversar. Um dia, seu pai lhe dissera que os brancos aprendem o seu modo de ser indo a um lugar a que chamam de escola. Kaxi achava estranha essa maneira de aprender, uma vez que as crianças não andavam pela floresta, não imitavam os pássaros, não sabiam fazer arapuca ou armadilha, e tudo lhes era dado pelo papel pesado a que chamavam dinheiro.

Os rituais religiosos

À medida que crescia, Kaxi ia sendo iniciado nos costumes de seu povo. Caçava, pescava, plantava e colhia junto com os adultos. Aprendia sempre mais sobre a história dos antepassados, as guerras travadas entre as várias nações, as pinturas e tatuagens corporais. E ficava atento aos vários rituais que aconteciam na aldeia. A maioria era dirigida pelo pajé: nominação, ou batismo, cura de doenças, ritos de iniciação e purificação, cerimônias de casamento, enterro dos mortos.

Nos seus dez anos de idade, considerava extremamente bonita a índole do seu povo quando se tratava de resgatar os ideais míticos, alcançar o estado de êxtase e adquirir sabedoria. Era assim que Kaxi se sentia quando participava dos rituais: em êxtase!

Um dia, após a sessão de cura do pajé, Kaxi se aproximou dele e perguntou à queima-roupa:

- Padrinho, o que o senhor estava fazendo no corpo daquela mulher?

O pajé, cansado do trabalho que realizara, sorriu para o menino e disse-lhe:

- Pequeno pajé, passe amanhã em minha “uk'a”. Antes, porém, vá até o mato e traga algumas folhas de fumo para mim.

Kaxi respondeu:

- Amanhã estarei lá quando o sol se encontrar no seu ponto mais alto.

Naquela noite, Karu Bempô teve o presságio de que havia chegado a hora de começar a preparar o garoto para a missão que o esperava. O pajé sonhou que era uma grande ave e sobrevoava a Amazônia. Durante o vôo viu grandes clareiras na mata, máquinas que comiam árvores, rios sujos. Visitou vários povos, amigos e inimigos, e viu a deterioração da sua cultura. Voou para junto de seu povo e o viu desnorteado pela aproximação dos brancos; sua gente fugia pela ausência de um espírito forte que lhe desse coragem de lutar pelo chão.

Aproximou-se mais do solo e viu a si mesmo agonizando, incapaz de auxiliar sua gente. Assustado, ele acordou. Caminhou até o terreiro e chorou. Chegara a hora de preparar o espírito de Kaxi para ajudar o povo a lutar.

No dia seguinte, o pajé disse a Kaxi:

- Pequeno pajé, é hora de contar-lhe um segredo. Estamos vivendo um momento delicado. Nosso povo corre o risco de não ter continuidade. Há pessoas que querem acabar com nossa cultura, roubando as riquezas de nossa mãe Terra. Você sabe que nosso povo sempre foi amistoso com os “pariwat”. Isso enfraqueceu nosso espírito guerreiro, e os brancos se aproveitaram dessa fraqueza para criar rivalidade entre nós. Precisamos de alguém que tenha a sabedoria dos antepassados e a juventude do guerreiro, e ajude o povo a resistir com bravura. Os espíritos dos antepassados escolheram você para ser esse líder. Não precisa assustar-se, vai demorar um pouco, ainda; mas você deve começar sua instrução a fim de saber mais e, acima de tudo, aprender a sonhar.

- O que tenho que fazer? - perguntou o jovem índio.

- A partir de agora, ficará sob minha guarda. Serei seu guia e lhe passarei o conhecimento necessário para enfrentar tudo com coragem e certeza.

- E meus pais?

- Seus pais já sabiam que isso iria acontecer.

- Por que eu?

- Não sei - disse o pajé. - O destino não é determinado por nós mesmos: somos guiados pelos antepassados.

- Tenho condições para me tornar um líder? - perguntou, curioso.

- Todos têm. Aprender não é difícil. É mais difícil dispor-se a aprender e a aprender com vontade, e saber que o que se faz não é para si mesmo e sim para toda a comunidade.

Kaxi levantou-se, olhou com carinho para o pajé e disse:

- Estou pronto, padrinho. Que seja como querem os espíritos.

A iniciação

- O pajé é um líder religioso. É ele quem preside os rituais mais importantes da aldeia, pois está investido do poder das forças cósmicas que atuam por meio dos antepassados. O pajé é uma grande energia. Sem ele, a gente se enfraquece, perde o alicerce que mantém o equilíbrio das forças espirituais, e se divide.

A partir daquele dia Kaxi passou a acompanhar o pajé em toda parte. Muitas vezes ficava dias e dias na casa dos homens sozinho a pensar sobre os ensinamentos do pajé. A cada dia aprendia coisas novas e agora, com doze anos, era o momento de passar pelo ritual da maioridade. Teria de provar a todos que já era um homem, um guerreiro e estava pronto para o matrimônio. Durante um mês, ele e mais vinte e quatro ficaram em retiro na casa dos homens, onde eram iniciados pelos pais e padrinhos na arte da caça, pesca e sobrevivência na mata. Kaxi sabia que o teste consistia em permanecer alguns dias sozinho na floresta e
dela tirar a sobrevivência necessária para vencer a prova e voltar para casa como um bravo, trazendo nas mãos alguma caça grande.

Terminado o retiro, os vinte e cinco adolescentes cantaram e dançaram por um dia inteiro no centro da aldeia. Ao despontar a lua, os homens se reuniram e o cacique assim se expressou:

- É hora de novos guerreiros provarem que são dignos de pertencer a esta nação. Encontrarão perigos e armadilhas feitas pela mãe Natureza, mas lembrem-se de que a Natureza é nossa irmã e não nossa inimiga. Vão com o Grande Espírito que anima nossa luta, vão com coragem, e que Deus os acompanhe.

Na floresta

Nos primeiros dias de viagem, o grupo permaneceu unido. Aos poucos, foram se separando. Segundo a tradição, quanto mais sozinhos ficassem, mais coragem teriam.

Após seis dias de viagem sem encontrar carne para alimentar-se, Kaxi armou a rede, chamada uru, deitou-se e recordou as palavras de Karu Bempô:

- Sonhar é a mais antiga forma de aprendizado do nosso povo. Resistimos a muitas batalhas porque soubemos ouvir a voz dos antigos, que nos falavam em sonhos. É pelo sonho que nos metamorfoseamos nos seres da natureza para ver mais adiante, viajar para longe e reconhecer os perigos que nos rodeiam. O pajé é o intérprete oficial dos sonhos na comunidade. Sem ele, o espírito das pessoas fica fraco e facilmente é vencido pelas forças inimigas.

- Mas como interpretarei o sonho de outras pessoas?

- Há tempo para tudo, meu rapaz. Um dia, você dominará os símbolos naturais dos sonhos. As pessoas não precisarão contar seus sonhos, porque você mesmo os contará a elas. É o que acontece comigo.

Quando Kaxi sonhava, não conseguia entender o sonho; bastava contá-lo ao pajé e já recebia respostas prontas. Recordou também uma noite em que os dois saíram para colher plantas na beira da floresta.

Kaxi afastou-se um pouco do pajé e, quando voltou, percebeu que o padrinho cantava uma melodia triste contando que estava chegando a hora de se reunir ao Grande Espírito. Uma intensa luz o rodeava.

- Estou prestes a passar para outra realidade. Estou triste porque não pude fazer mais pelo nosso povo, mas feliz porque ele fica em boas mãos, pois você tem se mostrado um ótimo discípulo, capaz de grandes sacrifícios.

Kaxi não quisera entabular conversa com o pajé naquele dia. Sabia que ele estava triste e não desejava perturbá-lo. No dia seguinte, aproximara-se do velho e indagara sobre a função de um líder religioso na aldeia. Karu Bempô respondera:

- Um pajé é como um médico, um profeta. Cura as feridas do corpo, pois as doenças são espíritos ruins, “cauxi”, (13) que habitam o corpo do doente. E cura as feridas da alma, procurando unir o que está desunido. O pajé, meu filho, é alguém que mostra caminhos. Os “pariwat” acham que o pajé é um enganador, porque tira da floresta os remédios que curam o corpo. Eles acham que o mal vem de fora: são comidas mal digeridas, cansaço, preocupação. Nós, pajés, acreditamos que a doença possui alma própria; ela entra no espírito da pessoa para desarmonizá-la.

A rede de Kaxi balançava num ritmo lento e constante. Ele só tinha em mente a fala do pajé antes de partir para a floresta:

- Quando você voltar, não estarei mais aqui, mas meu coração o acompanhará sempre. Enquanto estiver na floresta provando sua coragem, o Grande Espírito virá me buscar. Continuarei a ser seu guardião, pois nosso espírito continua a viver com os outros espíritos num plano mais elevado que este para proteger os que caminham nesta vida. Você já está preparado. Este é o seu momento.

Kaxi sentia-se desmotivado, enfraquecido, solitário. Não sentia a mínima vontade de prosseguir no rito de iniciação para a vida adulta. Além disso, ainda não aprendera a “jexeyxey”. (14) Como dar conta de tamanha responsabilidade?

Finalmente, o sonho

Pensando nisso, o pequeno pajé adormeceu e sonhou. Seu padrinho o guiou pelos caminhos do sonho. Kaxi entrou no espírito de uma “jakora”, (15) felino comum na floresta amazônica. Percorreu grande extensão de mata e viu homens e máquinas destruindo árvores; em seguida transformou-se em águia, sobrevoou os rios e inquietou-se. Foi cobra, entrou no espírito das árvores e ouviu sua dor. Transformou-se em “idibi” para sentir a dor dos rios, encharcados de detritos. Kaxi inquietou-se, mas não deixou de ver a inquietude de seus irmãos. Muitos usavam “doti” (16) para cobrir o corpo, envergonhados de andarem harmonizados com a mãe Terra; outros, fascinados pela tecnologia do homem branco, ouviram a caixa que fala e engana. Viu a luta de um irmão com outro por causa do papel pesado; viu seu povo com vergonha de acreditar no Grande Espírito; viu seus irmãos com medo de morrer porque se sentiam culpados de terem nascido "selvagens".

O pequeno pajé viu muitos guerreiros fortes atirados pelo chão por uma água de fogo que os deixava fora de si. Viu homens brancos que traziam essa água e negociavam para comprar suas terras. Kaxi voltou para o seu corpo e ao despertar chorou muito. Em seguida sentiu-se fraco e abatido, como se muitos dias houvessem passado. Sentia, porém, que agora estava mais preparado.

Nesse momento Kaxi viu um grande clarão na floresta. Em torno dele pairavam luzes maravilhosas. Notou um rosto conhecido a sorrir-lhe. Era Karu Bempô. Diante de tanta felicidade por se saber detentor de um conhecimento secular, Kaxi sentiu as pernas enfraquecerem e desfaleceu.

Acordou depois de algumas horas. O cansaço havia desaparecido, a fome não. Sabia que tinha uma grande missão a cumprir junto a seu povo. Sentou-se à beira da rede e ficou pensando em tudo o que tinha visto e sentido, e percebeu que era uma sensação muito agradável poder visualizar o futuro e ver com clareza os pontos que deveria atacar. Sentia-se harmonizado, completo e unido ao espírito do velho pajé que havia lhe passado todo o conhecimento que agora possuía.

Com esse espírito de gratidão Kaxi percebeu que estava na hora de retornar para o seio de sua gente. O ritual tinha sido um sucesso, pois descobrira sua verdadeira vocação. Mas ainda era preciso encontrar uma caça grande para servir à comunidade como pagamento. Ali perto encontrou uma manada de “bio”; (17) caprichou na pontaria, ferindo uma delas bem no coração. No entanto, ainda sentia fome. A uns cem metros viu uma pequena cutia à procura de alimento. Desferiu uma mortal flechada sobre o animal, que caiu desfalecido. Acendeu o fogo, assou a carne e comeu, tranqüilo. Em seguida se pôs a caminho da aldeia.

Estava cumprida uma missão: o aprendizado com seu querido padrinho Karu Bempô... Teria que iniciar outra bem mais difícil, a de conduzir seu povo rumo ao futuro e à sobrevivência...
============
Nota:
(1) Uk'a é uma palavra munduruku que significa "casa".
(2) Homem branco (não índio).
(3) Água, rios.
(4) Mãe.
(5) Mandioca.
(6) Batata-doce.
(7) Banana.
(8) Cana.
(9) Roça.
(10) Parentes.
(11) Pássaros
(12) Macacos.
(13) Feitiço.
(14) Sonhar.
(15) Onça.
(16) Roupas.
(17) Anta.


Fonte:
Conta que eu conto (Ana Maria Machado, Angela-Lago, Daniel Munduruku, Heloisa Prieto, Roger Mello ; apresentação de Tatiana Belinky ; ilustrações de Mariana Massarani. - 1a. ed. - São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002. (Coleção Literatura em minha casa ; v. 2)