sábado, 30 de março de 2013

Trova 257 - Mário de Sá-Carneiro (Lisboa/Portugal)


A. A. de Assis (Revista Virtual de Trovas “Trovia” n. 160 – Abril de 2013)


A mais triste solidão
que os seres humanos têm
é abrir o seu coração...
olhar e não ver ninguém!
Ademar Macedo – RN

Eu creio em Deus, com profundo
sentido de lucidez...
Mas, no Deus que fez o mundo,
não no Deus que o mundo fez!
Alfredo de Castro – MG

Não é quando vais embora
que tenho ciúmes assim.
É quando estás como agora,
pensativo, junto a mim...
Carolina de Castro

O livro, a cerveja ao lado,
o rádio, o abajur antigo...
Eu deixo tudo arrumado,
fingindo que estás comigo.
Maria Tereza Noronha

Foi por falta de carinho
que errei e perdi meus passos,
mas bendigo o “mau caminho”
que me levou aos teus braços...
Nádia Huguenin

Por aparências não deve
ninguém tirar conclusões:
conheço seios de neve
tendo o calor dos vulcões...
Oscar Batista

 

O velho tudo trocava
(de namorada, também).
– Como vassoura – explicava –,
a nova é que varre bem!
Adélia Woellner – PR

– Quando saiu… a maninha
foi com “mãinha” ou foi só?
– Sei não! Mas voltou “mãinha”,
quando chegou do forró!
Jaime Pina da Silveira – SP

Ao fazeres repreensão,
não te esqueças do lembrete:
melhor que "passar sabão"
será  "passar sabonete"...
José Fabiano – MG

O terapeuta sugere:
– “Apimente” a relação!
Mas a mulher interfere:
– “Tô” fora!... Pimenta, não!
Lucília Decarli – PR

Quem quer agradar a dois
e em cima do muro fica
perde o primeiro, e depois
o segundo... e se trumbica.
Osvaldo Reis – PR

Tem três fases na gaveta
da vida de um velho pai:
a de rei, a de careta,
e a de bom, quando ele vai.
Raymundo Salles Brasil – BA

Moderninha como quê,
vovó diz no "facebook":
– Quero entrar no BBB!...
Vou dar "upgrade" em meu "look"!
Renato Alves – RJ

 
Que tristeza ouvir um santo,
um sábio, um poeta, um rei,
ao peso do desencanto,
dizer ao mundo: – Cansei!
A. A. de Assis – PR

Costumo dizer que a trova
é diminuta poesia,
mas que sempre põe à prova
a nossa sabedoria.
Agostinho Rodrigues – RJ

Que a verdade não se cale
ou que sempre nos lembremos
de que nossa vida vale
pelos amigos que temos!
Aluízio Quintão – MG

Meu amor, botão ainda,
desabrochou na alvorada,
e agora é uma rosa linda,
mas de saudade orvalhada...
Amaryllis Schloenbach – SP

Enquanto o tempo ameaça
com seus bloqueios constantes,
o amor entorna uma taça
no banquete dos amantes.
Antonio Cabral Filho – RJ

Vou sem rumo, de partida,
nas águas do meu sonhar;
– a jangada é minha vida,
vou remando além do mar.
Ari Santos de Campos – SC

A praia é sempre pisada,
mas nos dá grande lição,
pois, mesmo sendo humilhada,
massageia o coração.
Arlene Lima – PR

A minha roça eu troquei
pelas luzes da cidade.
Nesse dia eu comecei
meu plantio de saudade!
Arlindo Tadeu Hagen – MG

Quando a saudade me embala,
o teu nome a repetir,
o silêncio tanto fala,
que não me deixa dormir!
Carolina Ramos – SP

Por timidez, dei as costas
ao amor que eu sempre quis...
– E a vida deu-me as respostas
às perguntas que eu não fiz!...
Clenir Neves – Austrália

No meu giro de lembranças,
as pequenas coisas tecem
doce teia de esperanças,
e as saudades se amortecem...
Clevane Pessoa – MG

Entre o sonho e a realidade,
vendo o meu filho eu pensei:
eis a mais bela verdade
de tudo quanto sonhei.
Conceição de Assis – MG

El mundo gira hechizado,
baila samba su tesoro
de Brasil su enamorado,
!No lo cambia ni por oro!
Cristina Oliveira (Colibrí) – USA

Cem vezes tu repetiste
que me amavas loucamente...
Cem vezes tu me mentiste
e cem vezes eu fui crente!
Delcy Canalles – RS

Lua, que vagas, serena,
na amplidão do azul celeste,
traz consolo à minha pena,
leva a dor que me trouxeste!
Diamantino Ferreira – RJ

A minha grande alvorada
será eterna... eu suponho:
– Se um sonho não der em nada
eu troco por outro sonho!
Dilva Moraes – RJ
 Quero ser sempre a criança
com desejo de estudar,
curiosa e na esperança
de nunca me completar...
Dinair Leite – PR

A vovó não tem memória:
perde os óculos... na testa!
Mas jamais esquece a história
da varanda... e uma seresta!...
Domitilla B. Beltrame – SP


Sou livre, sem restrição,
mas afinal, para quê?
Mil vezes a escravidão...
mas juntinho de você.
Dorothy J. Moretti – SP

Já tive família e nome,
posição...luxo também,
mas de mim fiz um pronome
indefinido: ninguém!
Élbea Priscila – SP

Urge o tempo, faz-se escasso,
e, ao sofrer na despedida,
o nosso amor, sem espaço,
mostra a vida não vivida.
Eliana Jimenez – SC

Eu não me prendo à verdade
e à razão sempre me imponho,
porque toda a realidade
antes de tudo foi sonho!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Este silêncio, tão mudo,
que o nosso olhar escondia,
nos fez sentir quase tudo
de tudo o que eu já sentia!
Eva Yanni Garcia – RN

Na ausência que não nos poupa,
saudade é formiga arisca
que fica dentro da roupa
e volta e meia belisca.
Flávio Stefani - RS


Minha renúncia...Quem sabe...
não seja a chave secreta,
de tudo quanto só cabe
na inspiração de um poeta!
Francisco Garcia – RN

Saudade é o tempo guardado
dentro do peito da gente...
Nó que se dá, no passado,
e se desfaz no presente.
Francisco Pessoa – CE

Meia-noite e eu te espero...
É grande a minha ansiedade.
Vem, amor! Vem que eu te quero;
és minha felicidade!
Gislaine Canales – SC
 

Na resposta, que não veio,
certeza e desilusão;
você não quis que o correio
fosse cúmplice de um não!
Istela Marina – PR

Precisa o mundo, imperfeito,
saber o quanto é capaz
a ausência de preconceito
de ser prenúncio de paz.
Jeanette De Cnop – PR

Com meus sonhos mais singelos,
embalados na esperança,
venho erguendo meus castelos
desde os tempos de criança.
Jessé Nascimento – RJ
 

O tempo passa, não para,
mas meu amor por você
é como o canto da Iara:
um coração… à mercê.
José Feldman – PR

A preguiça dos ponteiros
de meu velho carrilhão
mostra os minutos ronceiros
das noites de solidão!
José Lucas de Barros – RN
 

Sonhei um sonho tão triste!...
Sonhei que o mundo acabou...
– Logo depois, tu partiste,
e o sonho se confirmou...
José Ouverney – SP
 

Em cada nota eu receio,
na pauta que a vida escreve,
que transformem nosso enleio
numa simples semibreve.
Luiz Carlos Abritta – MG

Trovadores... luz... ribalta!
No cenário: a poesia.
Trova nasce... verso salta...
na maior coreografia.
Mª das Graças Stinglin – PR

Em tua ausência, a esperança
põe seus véus na realidade,
mas quem vive de lembrança
morre aos poucos... de saudade!
Maria Lúcia Daloce – PR
 

Para escrever os sentidos,
companheiros de ilusão,
não servem versos contidos:
tem que abrir o coração.
Mário Zamataro – PR

Um romântico poeta
tem seu dia, sim senhor,
e por ser do amor esteta,
com certeza é um trovador!
Maurício Friedrich – PR

Lá fora nada me importa,
e esqueço da vida ingrata,
quando você fecha a porta...
e tira o nó da gravata!
Neide Rocha Portugal – PR
 

Xeroquei a sua imagem
e guardei na minha mente;
sempre na minha abordagem
é você que está presente.
Neiva Fernandes – RJ

Coragem: medo vencido...
Fé em Deus, em nós, na lida.
Nunca nada está perdido
se há amor em nossa vida.
Olga Agulhon – PR

Tua imagem refletida
no espelho do nosso quarto
mostra a saudade sentida
que só contigo reparto.
Olga Ferreira – RS
 

Entre esperas e procuras,
encontros e despedidas,
somadas, nossas loucuras
dão mais vida a nossas vidas!
Rodolpho Abbud – RJ
 

Um coração congelado
pega fogo de repente,
quando o amor, fósforo alado,
risca faíscas na gente!
Roza de Oliveira – PR

Quem dera se a vida fosse
mais simples de ser vivida:
nem todo regresso é doce,
nem sempre é amarga a partida...
Selma Patti Spinelli – SP

Nas noites frias, um drama
que a miséria perpetua:
alguns chamarem de cama
o que outros chamam de... rua !
Sérgio Ferreira da Silva – SP

Tira-me o sono um passado
não distante do presente:
– Eu tomei o “bonde errado”
do teu sorriso inocente.
Thalma Tavares – SP

Somos dois... mas  somos um!
Temos tanta afinidade
que, entre nós, tudo é comum,
até  mesmo a identidade...
Thereza Costa Val – MG
 

O peso do tempo é brando,
se carrego este preceito:
Ao poente vou chegando,
mas tenho auroras no peito.
Vanda Queiroz – PR
 

Reconheço que a razão
me exerce extremo fascínio,
mas, se acerta o coração...
perco o rumo e o raciocínio!
Vânia Ennes – PR

Partiu... nem disse o motivo,
e eu, da saudade à mercê,
estou viva, mas não vivo,
pois não vivo sem você.
Wanda Mourthé – MG
 

Felicidade é a rota
do sábio... Que vai além!...
O que possui não se esgota,
mesmo entregando o que tem!
Wagner M. Lopes – MG

O tempo passou... e agora...
já é mais que entardecer,
mas tua presença é aurora
na noite do meu viver.
Zeni de Barros Lana – MG

Fonte:
A. A. de Assis

Roseline de Jesus Pedroso (Poemas Avulsos)

CANÇÃO

Quando a noite desce
e a escuridão se esconde
no brilho das estrelas;
a lagoa dorme em seu leito de prata
e, no breu da noite se arrepia
encrespando a superfície fria
onde a lua espia e sua luz resgata.

A dor desaparece
numa paz sem nome, rústica e tranqüila...
mesmo que não se possa vê-las,
com seus olhos brilhantes, sobre a mata
as estrelas esperam vir o novo dia
e o sol esparramar sua cascata
de luz para aquecer o homem.

E Deus, que lá da imensidão
dirige os astros e equilibra o mundo,
volta seus olhos, com amor profundo,
para a lagoa, sorri e então diz
ao vento pra compor uma canção
de paz e, ao mesmo tempo, uma lição
para ensinar o homem a ser mais feliz.

NAVEGAR  É  PRECISO...
No mar desta nossa vida
existem muitos revezes,
mil perigos, vagalhões
muitos piratas, ladrões
que querem nos afogar

Choramos, sim ,muitas vezes,
quantas for preciso chorar,
muitas batalhas perdemos,
mas outras iremos ganhar.
Nem tudo é como queremos,
mas temos que navegar.

O  porto ainda está distante,
“âncora é outro falar”...
tesouros, flores, diamantes,
vamos todos encontrar
quando enfim, como sonhamos,
a nossa hora chegar.

O nosso lugar na vida
é onde devemos estar,
hoje aqui: em outro momento
haveremos de mudar,
pois  nosso devir nos ensina
que, mesmo contra o vento,
``outras velas, outros remos`´ 

É preciso navegar1

VIDA NA ROÇA

Naquele tempo de infância,
lá no meio do sertão,
vivíamos tão felizes
brincando de pé no chão:
meu  pai plantava e colhia
a cana, o milho e o feijão,
moia a cana e fazia
rapadura de montão;
mamãe era professora
na escolinha da região.

E que escolinha tão boa,
foi nela que eu aprendi
os sábios ensinamentos
que nunca mais esqueci,
que é ser honesto e sincero
pra ter paz no coração;
ler e escrever direitinho
para ser bom cidadão.

Lembro a bulha do riacho,
correndo manso no chão
e o marulhar da cachoeira
cantando lá no grotão.
Eram uma festa pros olhos
os campos cheios de cores
e o pomar da minha casa
carregadinho de flores.
Os sonhos que então eu tinha
eram tão cheios de amor...
não tinha pressa nenhuma,
não tinha nenhuma dor...
De manhã, logo cedinho,
pra roça meu pai saía
e minha mãe me chamava
para ver nascer o dia.

Ela cuidava da casa,
da horta e dos animais
depois saía pra  escola
que era o que gostava mais.
À noitinha, todos juntos,
lá, em volta do fogão,
cantavam causos e lendas
e contos de assombração.

Meu pai falava de tudo
o que era sua vida então
e minha mãe estava sempre
às voltas com a correção
dos cadernos dos alunos
que eram sua paixão.

Todos os fins de semana
tinha muita diversão,
ia pousar lá no sítio
de meu avô Napoleão.
A minha avó me acarinhava
com bolinhos de polvilho,
tinha doce de caixeta
e deliciosos sequilhos,
um macarrão feito em casa
com  um pretinho feijão,
e, na chapa do fogão de lenha
era onde  assava o pinhão.

Ai. que saudades que tenho
daquele tempo de então,
do café, que a mãe torrava
e socava no pilão,
do leite tirado na hora
que eu  bebia no galpão
e, no inverno o que aquecia
era um bom fogo de chão.

A gente era muito pobre,
luz só tinha de lampião
e a cozinha lá de casa
de terra batida, o chão...
mas tenho muita saudade                 
daquela vida de então,
quando a gente era criança
e a vida era só canção
de passarinhos cantando
lá no meio do sertão.

CLASSIFICADOS

Procura-se:
O dia de ontem, o canto da  fonte,
o riso, a brisa, e a carroça velha
passando na ponte;
o chapéu de palha,
a botina gasta, a enxada,
a foice e  a capinada
e a paz perdida com o pó da estrada.

Procura-se:
O sonho, a saudade,
os causos e as modinhas
à luz do lampião;
a conversa mansa, o fogo de chão;
o prato de sopa
e a gente esperando assar o pinhão...
o som do riacho; o bater da roupa
e o frescor da água
escorrendo junto ao suor do rosto
e a paz, a paz que o cansaço traz.

O capim verdinho
e o cheiro da terra úmida de orvalho;
o feijão colhido, fruto do trabalho
sobre o assoalho de terra batida;
o fogão a lenha; o bolinho frito
na gordura quente
que juntava água na boca da gente...
E a paz, a paz, que o cansaço traz.

Procura-se:
A mão calejada no bater da enxada;
a chuva bendita renovando a vida
e o som do sino,
a reza do Divino
na velha capela na curva da estrada;
o caboclo magro fumando um palheiro
à sombra do galpão.

Procura-se:
a fonte da honestidade e da retidão;
o Norte, o horizonte guardando a esperança
e o fim da caminhada
e a paz, a paz que o cansaço traz.

PRECE  EM SONETO

Ascende aos céus a voz dos pobrezinhos
e a luz opaca, o pouco de esperança
que ainda nutre os olhos dos velhinhos
reflete-se nos olhos das crianças...

Em busca de poder, de glória e fama,
nem mesmo isso estamos conseguindo!
A insônia visitando a nossa cama,
não mostra rumo certo,  nem caminhos!

É urgente, no escuro onde hoje estamos,
que busquemos encontrar a luz perdida
para reacender aquela antiga chama...

e, nas páginas que ainda não viramos,
em um lugar qualquer de nossa vida
alguma história nova construamos..

PERENIDADE
Uma vida  só não me basta...
quero muito mais que isto:
quero ouvir velhas histórias
e encontrar velhos amigos
nas brancas casas de pedra
na beirada do horizonte.

Uma vida  só não me basta...
quero mil flores na estrada
para enfeitar o futuro.

Uma vida  é muito pouco;
preciso mais que uma vida
para subir às montanhas
nas asas das borboletas,
tomar banho de cascata;
para rir com as crianças
e falar tantas bobices
quantas me der na veneta.

Uma vida é muito pouco
para conhecer o mundo,
tão longe, infinito mundo...
Uma vida é muito pouco
para ouvir o mar batendo
na ardente franja da praia.
Para estar com quem eu amo
preciso da eternidade
e a paz do  sonho mais louco.

ABRAÇO

Não  te amei porque quis,
mas amei-te desde aquela noite
em que te vi pela primeira vez....
não te amei por seres belo
nem por seres forte...
Importa o motivo, se é que ele existe?
O que importa
é o abraço de tua presença
que me envolve sempre,
mesmo que não estejas comigo.
Teus passos ecoam
no silêncio da minha solidão.
Não te ouço a voz,
mas tua suave lembrança
é como um eco de paz em minha inspiração,

INCERTEZA

As estrelas existem  p’ra brilhar
e as flores para colorir os campos
os passarinhos vivem a cantar
e voar acima das ilusões humanas...
é o chão do homem que o prende e ancora,
o imã que o atrai à infelicidade.
É pena o homem não saber voar,
nem deixar que se espalhe sua luz
escondida sob a cama, atrás de portas fechadas...
onde as chaves?

Como abrir o coração à luz,
a essa luz perfeita que nos faz chorar?
como entender a paz que não chegou ainda;
uma promessa apenas de encontrar a luz?
Como sair à rua e gritar ao mundo,
se o mundo todo já gritando está
de dor tamanha e de tristeza tanta?

Onde a paz, onde a luz no coração humano?

Os homens humilhados,
os jovens drogados
e as crianças famintas
serão capazes de encontrar a luz?
Os anjos sabem tudo...
e as lágrimas dos anjos se derramam
nas páginas do livro onde teimo em escrever a paz.

O TEMPO

O tempo vai passando...
com seu sorriso irônico,
esgueirando-se pelos cantos
da boca da vida.
O tempo vai cansando
de olhar o passado
na ânsia de voar no presente
e de chegar ao futuro,
de esvair-se sem jeito,
sem mudança, sem brilho nenhum.

E o futuro do tempo presente
é feito um sonho ausente.

Esgueira-se o tempo
Por entre as frestas do pensamento,
escorre o tempo
por entre os dedos do vento...

Voa  cantando, passa chorando,
sempre voando
e vai plantando
rugas na cara dos desatentos,
com desalento,
com estertores de grandes dores.

Como um cavalo de branca crina
passa trotando pela campina
ao sol poente...
lá vai o tempo
levando os sonhos
da gente.

Voa tempo!
Ainda há tempo para mudar
enquanto é tempo!

Fonte:
A Autora

Roseline de Jesus Pedroso

Roseline de Jesus Pedroso nasceu em Tibagi, filha de Anibal Pedroso e Leopoldina Bittencourt Pedroso.

1958 – Concluiu o ensino fundamental, em Tibagi.

Estudou o 1º ano do Curso de Magistério, em Ponta Grossa.

De 1961 a 1964, trabalhou como professora estadual.

Em 1987, concluiu o Curso de Magistério e no mesmo ano, foi contratada e começou a trabalhar na Rede Municipal de Ensino de Telêmaco Borba, como professora.

Em 1995 – concluiu o Curso de Pedagogia na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Foi docente e coordenadora do Curso de Pedagogia da FATEB e da Faculdade de Educação, Administração e Tecn Pedagoga com Especialização em Orientação Educacional e Alfabetização pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Desde 2005 –  coordenadora da Educação de Jovens e Adultos – Fase I - Secretaria Municipal de Educação de T. Borba

2012 –  Colégio Estadual Wolff  Klabin - pedagoga – tutora do Curso profuncionário

1995 - classificada em 1º lugar no Paraná e em 2º lugar no Brasil - Concurso 15 de outubro – Por uma Escola de Cidadãos com o relato de sua prática.
Título do trabalho premiado: Redimensionar a pratica pedagógica; um desafio e uma necessidade permanente.

Produções na área da Educação

O medo e as narrativas. In:  Medos, medinhos, Medonhos: como lidar com o medo infantil – vários autores. Publicado em 2004 - Editora Unijuí - R. G. do Sul.
Caderno Pedagógico da Educação de Jovens e Adultos. T. Borba: Secretaria Municipal de Educação, 2007
Histórias dentro da história : A história da educação em Telêmaco Borba – (ainda no prelo)
Questões pedagógicas que merecem ressignificação, Publicado em 2012

Desde 2006, vem desenvolvendo com os professores e os alunos da Educação de Jovens e Adultos um projeto de leitura intitulado Mala da Poesia, a partir do qual organiza e coordena os livros de textos e trabalhos dos alunos da EJA,  publicados pela Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Educação.

Livros de poemas publicados :
2001: Vida
2006: Palavras de esperança 
2007: Nossas palavras
2008: Arte e vida: experiências significativas  (
livro de poemas e desenhos) 
2009: AçãoeducAção pela arte e a palavra (livro de poemas e desenhos)
2010: A leitura da palavra nas palavras da memória (livro de poemas e desenhos) 
2010: Poemas Escolhidos
2011: Memórias de um tempo passado sempre presente.
2012: Pensamentos poéticos.
2012: Alguns Poemas

Fontes:
A Autora
http://www.telemacoborba.pr.gov.br/noticias/noticia.php?noticia=2524#.UVc-QzdvA-U

Aparecido Raimundo de Souza (Galho Torto)

O motorista estancou, obedecendo a ordem.

Entretanto, ninguém deu as caras com a intenção de ficar naquele lugar. Todos olharam para os lados, outros resmungavam. Um velhinho chamou a atenção pedindo ao engraçadinho que fosse fazer palhaçadas nos quintos do inferno:

— Se manca, pô!...

O carro voltou a se movimentar. A solicitação foi novamente acionada:

— Um minutinho, “motor”...

Em meio à multidão que mais parecia sardinhas em lata, uma jovem beirando os vinte anos, se arrastava com bastante dificuldades, pedindo licença e tentando abrir uma brecha, por menor que fosse, na confusão de braços e pernas agrupadas ao longo do corredor:

— Por favor, companheiros, só um segundinho!

Da roleta, o cobrador não avistava quem implorava por caminho. Dezenas e dezenas de braços, cabeças e costas se juntavam, desordenadamente, à frente de seus olhos. Tampouco o condutor, pelos retrovisores estrategicamente colocados, distinguia com a nitidez devida, à referida personagem:

— É pra hoje, minha filha? – indagou. – Posso fechar a traseira?

Como resposta chegou aos seus ouvidos um “por favor, senhora, um passinho à frente” e “me ajudem, por Nossa Senhora”. E nada de pintar à saída. Cheio de razão e bastante zangado o cidadão não esperou uma segunda ordem. Deu continuidade à marcha. Aos solavancos, seguiu em frente. Apavorada, sem ter alcançado seu objetivo, a garota desatou a gritar e a chorar copiosamente numa escala ascendentemente melodramática:

— Ei, me deixe aqui, pare, pare, paaaaaaaaaaare!...

Não teve conversa. Um rapaz que cochilava, confortavelmente sentado, junto a uma das janelas, resolveu tomar as dores da pobre infeliz. Levantou de seu assento e berrou:

—“Guenta aí, motor”. É uma aleijada!

— Aleijada é a senhora sua mãe...

Foi nessa hora que os ocupantes, em coro uníssono, danaram a fazer alarido, tomando, efetivamente, conhecimento do estado deplorável daquela personagem que pretendia interromper a viagem alguns pontos anteriores. Um sujeito “deste tamanho” parecia um cavalo estabanado, se dependurou no fio da sineta, ao tempo em que protestava, eufórico:

— Esse animal não respeita ninguém. Pensa que está carregando uma manada de elefantes...

Enquanto isto, a humilde e torta paralítica, apoiada num par de muletas, finalmente galgava as escadas almejadas:

— Seu desalmado. Bruto de uma figa. Cafajeste! Fazer isso logo comigo. Agora terei que voltar quase um quilômetro.

O articulado entrou no acostamento e freou estabanadamente. Houve uma enxurrada de palavrões.

Queriam bater no motorista, no cobrador e até num policial civil à paisana, que voltava para casa:

— “Filho da mãe! – esbravejou, ensandecida uma velhinha”.

— “Cachorro!” — emendou um terceiro, que aproveitou a balburdia e desceu pela frente, sem pagar.

Por derradeiro, a deficiente saltou. Saiu aos prantos, lamentando sua desdita. Depois de quase um “bafafá” os ânimos se acalmaram. Na segurança da calçada, a irrequieta mutilada, com uma das pernas do bastão de encosto apontada para o céu, prometia, solenemente, quebrar a cara do sujeito que pilotava a condução. Seu gesto, contudo, permaneceu na vontade. Logo que o transporte se afastou, a moça tirou de dentro da bolsa um enorme saco de pano e, nele guardou os paus de arrimo. Ato contínuo se empertigou e sorriu, com deboche e cinismo. Sem olhar para os lados, atravessou, correndo, a pista movimentada, em direção ao outro lado. Tudo em questão de segundos, sob os olhares incrédulos dos transeuntes que, movidos pela curiosidade, começavam a se agrupar em seu derredor.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Refúgio para Cornos Avariados. SP: Ed. Sucesso, 2011

Pedro Du Bois (Poemas Inéditos)

CIÚME

O sucesso o aplauso o cumprimento
no reconhecer a raiva entranhada

ciúme

nada mais querem de você
nessa hora de glória
em que o mundo vem abaixo
e você somente agradece.

CONSTRUIR

O homem destrói
a casa
e a refaz
em prédios
maiores

a magnitude da obra
indica o poder
a fortuna
a capacidade
a determinação
o descaso com o que está feito

o terreno ao lado
permanece vazio
vago
desocupado.

ESCREVER

Sobre o que escrevo a terra liberta
o texto indigesto e acrobático. Conheço
no espaço a treva na extensão afoita
das respostas - amanhã será a véspera
da repetição. A inocência em olhos
sobrestados no contínuo linguajar:
a estrada em acordes de sentenças
que no dizer o gesto contemporiza
a estátua imobilizada ao talhe. Escrevo
o detalhe afirmado em sugestão
e ordem.

FACES

Sob a face
há outra face
e outra face
se sucede
na face
anterior

todas as faces olham
o mesmo lado

todos os lados
estão do lado de fora

sobre a primeira face
irreconhecível
se sustentam faces
sucessivas

você me vê na face
externa de onde olha
minha face infinita.

LUZES

O fulgor
refulge
- significa
estar avivado
no extremo

enuviado no espaço
descalço sobre a grama
lavado em corpo ácido -

o dourado poente
aponta vésper
e a noite antecede
o amanhecer

no globo
que se repete.

NADA

Velhas construções
e o badalar dos sinos
próximos

(pessoas se recolhem incólumes
em mais um dia de passagem)

estabeleço as regras
e retenho na velocidade
o corpo que se desloca

a vila se fecha em sonhos
de épocas anteriores: pássaros
adormecidos em árvores.

Estabeleço as regras
e as deposito
sobre o nada.

NORMAL

A normalidade
busca na igualdade:

crescer
estudar
arrumar emprego
casar
ter filhos: descender
ascender
ao cargo maior

descansar
envelhecer
perder

desesperar os filhos
na frustração da vida
igualada na normalidade.

RISOS

O riso
adulto
repassa
a criança
em vida

o velho sorri
sua estrada
em repouso

longe
o vulto
próximo
ao contato

o riso permanente
na razão que completa
as horas de espera.

SILÊNCIO
não há quem converse
que a rua fechada
escurece a hora
do recolhimento

onde estão as respostas
do ano findo?

onde faço do futuro
a ponte inferior
das respostas?

debruçado sobre a amurada
aterriso o corpo no desgosto
da rua fechada: não me responde
o escuro sobre a descendência
vinda no sabor do calor
que me desmancha

sei do horror que se aproxima
em lágrimas de chuva

Fonte:
O Autor

Carlos Leite Ribeiro (A Maçã)

Imagem por Iara Melo
E eu aqui metida nesta ambulância, cheia de dores.

Nunca mais chegamos ao hospital ! e tudo começou por causa de uma maçã!...

Era eu pequenita e andava na escola primária, e, no trajecto de regresso à minha pobre casa, passava sempre pela frutaria do pai do Artur.

Naquele dia, num dos expositores que ficavam em cima do passeio, estavam em exposição uma belas e lustrosas maçãs. Os meus pais eram pobres e eu já há muito que não comia fruta.

Parei extasiada a admirar as maçãs. Tive a tentação de roubar uma, mas hesitei. Foi quando atrás de mim apareceu o Artur, que me disse:

"Ana, estas maçãs devem ser muito saborosas!...".

"Sim ! devem ser uma delícia, Artur ..." - respondi eu ao meu colega de escola.

"Porque não compras uma ?!" - perguntou-me o Artur.

"Olha, porque não tenho dinheiro. Bem sabes que os meus pais são muito pobres" - disse-lhe já quando me afastava.

No outro dia, na hora do recreio, o Artur abeirou-se de mim, e, timidamente, entregou-me um saco de papel, dizendo:

"Toma, isto é para ti, Ana".

Curiosamente, rasguei o saco e, lá dentro estava uma bela e lustrosa maçã!

As lágrimas saltaram-me e tive vontade de o abraçar.

Mas o Artur já se tinha retirado ...

Durante anos, o Artur sempre me presenteou com saquinhos de papel, tendo lá dentro sempre uma maçã.

E, por causa da maçã, um belo dia casamos; e, também por causa da maçã, vou aqui dentro desta ambulância a caminho do hospital, onde conto dar à luz o nosso primeiro filho.

Uma maçã dada pela Eva, dizem que atrapalhou o Adão; e uma maçã dada pelo Artur, está a atrapalhar-me e dar-me muitas dores.

Mas dentro em pouco o fruto do nosso grande amor nascerá, e, tudo voltará à normalidade.

E tudo isto por causa de uma maçã !!!

Fonte:
O Autor

Ernâni Rosas (Sonetos Escolhidos)

SALOMÉ

Ó Bailarina, oh! mariposa inquieta!
Aljofrada da gema de uma tarde.
És nume, Salomé, ágil goleta...
dentre o incenso da sombra que oura e arde...

Espectro errante de um cometa absorto
após a bacanal "saturniana"!...
(onde os nardos têm ócio do "Mar-Morto"!)
e ergue-se a lua irial, sibariana...

Chovem do céu os raios da nova aurora
sobre seu corpo d'âmbar colmado
da via Láctea que su'alma olora...

Numa auréola de Luz e alegoria
Esvaindo-Te em Sonho musicado,
para a glória do "Mal" que a irradia...

HORA DA INSÔNIA
Noite sem termo! A Lua erra em delírio,
Balbucío palavras sem querer...
Cismo no olor vernal d'alma de um lírio,
E sou memória d'algo a transcender...

Sofro-lhe a ausência. A carne é meu martírio,
Ressurjo... Amo a visão do meu Não-Ser!
Todo meu corpo é amorfa névoa--círio...
Volúpia de um perfume a se perder.

Cismo na errante estrela, que deslumbra
O vaso de teu ser dentre o relento
Num murmúrio de fonte que ressumbra!

Sou o olfato! Amo as horas de um jardim...
Sou uma vaga sonora em pensamento:
Eflúvio lirial que vens a mim!...

 RIMAS À LUA:

Dorme em lascivo leito, reclinada...
Repontando de Astros e fogueiras,
Ateias a coivara prateada
Dos caminhos desertos, pegureira...

Lua! Da meia noite, solitária,
Urna errante p'la nave do infinito...
Cravas o lácteo incêndio funerária,
Às montanhas geladas de granito...

Peregrinando em tua marcha hiante
E exausta de fadiga em água amara
Buscas o mar, o oceano o teu amante...

Artista, cuja tela, ao ver-Te aclara!
N'esse sonambulismo inebriante...
Em suas vagas verdes Te enlaçara...

LÚCIFER

No espelho encantado do destino
Mais de uma vez me vi transfigurado:
As horas tinham timbre cristalino
E erravam opalizadas no passado...

Não me fato de olha-las, no mistério
Tênues e loiras como a corda flébil
Do violino outonal do poente aéreo,
Que amortece em lilás num corpo débil...

Não me farto de olhar, erro inconsciente...
O solo é de diamante e o espaço um astro...
Vivem mármores d’alma no poente!

Foge-me a luz e se antecipam as horas,
No lago azul há cisnes de alabastro,
E o espelho em que me vi é tudo auroras!...

PERDI-ME... TODA UMA ÂNSIA...

"Perdi-me... toda uma ânsia me revela
sombra de Luz em corpo de olor vago,
a saudade é um passado que cinzela
em presente, a legenda desse orago".

"Errasse em densa noite de beleza,
pisasse incerto, um falso solo de umbra...
sonho-me Orfeu... o Luar, que me deslumbra...
é marulho de luz na profundeza!..."

Toda a alma do azul esvai-se em lua...
nimba-lhe a face um crepe de Elegia...
É alvor do dia numa rosa nua,

que as minhas mãos cruéis sonham colher...
mas ao tocar desfolha-se mais fria,
que a sombra de meus dedos a tremer...

O SONHO-INTERIOR

O Sonho-Interior que renasceste
era o Poema dum Lírio do Deserto,
o vinho de Outras-Almas que bebeste
fatalizou o meu destino incerto...

Depois por Ti em Sombras de degredo
encerrei a minha alma desolada,
tive a tua visão crepusculada
na Beleza fugaz do meu segredo...

Perdeu-se-me ao Sol-Pôr teu rastro amado!
qual Cipreste, no Poente agonizado, —
na demência autunal duma Alameda...

Velaram-se Sudários teus Espelhos...
ante o cerrar do teu Olhar de seda,
que era um descer de lua em cedros velhos

DEPOIS DE TE SONHAR...

Depois de Te sonhar Mistério ido
e .seguir-Te e ouvir-Te em Hora leda,
de vesti teu Ser a raios de Astro e Olvido,
de Antigüidade o teu perfil de Moeda.

Parei depois de haver corrido tanto
e amado e urdido Horas de Sonho-Asa?
constelada de azul fulgor de brasa
por Tardes enlaivadas de quebranto...

Sonho em Cristal teu corpo de Champagne?
mansa luz que morrendo sem alarde,
não há sol de crepúsculo, que a estranhe...

Acordas do teu Sono, para Mim!
nos meus olhos à sombra, para a Tarde...
por que surges em Sonhos num jardim?

NOITE DE VALPURGIS

Náufrago brigue do Éter e do Sonho,
Derramando um clarão tíbio e suicida...
O sol acena um áureo Adeus à Vida
E doura a imensa estrada ante-sonho!

Âmbito argivo em mármore de estranha
Visão de torres e cruzes brancas,
Onde passaram adejos de asas francas
Das aves, se o Luar neva à montanha...

Gotas nitentes pela luz douradas
São pérolas que um mar verteu um dia,
Junto às areias gris das alvoradas!

Exaurindo-se à Luz dentre a agonia,
Difunde-se qual tule em nuvem alada...
Para voar a tua fantasia!...

PENUMBRA DO LUAR

Noite de lua e noveiro, argente
Difunde-se o luar pela folhagem...
Com a mesma languidez vaga e dormente
Da chuva, quando cai sobre a ramagem...

Como a música ao longe e som dolente
Recorda todo esse abandono... E a aragem
Que passa, agita o olor suave e florente
Vindo das messes, da vernal paisagem...

E o luar cresce através de ermo arvoredo,
Noite chuvosa e triste a Lua ateia...
Fluida névoa de luz... Sonho... Segredo...

Ao ressurgir das coisas na saudade
Que o silêncio evocou... E à luz ondeia
Erra na morta e fria claridade...

SONETO

Vai alta a lua lírica e silente,
Toda paisagem em sonho se embebeu!
Narra a si-mesmo o eco, vagamente...
Paira a auréola da luz dentre os céus...

Parece madrugada! Um galo canta...
Uivam de tédio os cães, não chega o dia!
[pois] se o Luar turvou minha alegria...
E a noite toda de uma mágoa santa!

Outono! Vão-se as horas... E lacrimosa
É tão triste a vereda e a própria casa...
Traz saudades da vida religiosa!

Cada vez mais o luar neva e cintila...
Seixos em pranto à flux o areal abrasa,
E a água por ser ceguinha erra e vacila...

CREPÚSCULO

 Toda existência, é ocasional regresso...
Ali, a sombra do homem é grave e austera,
recai a tarde em cisma, à noute o espera
sossega a ceifa célere dos músculos...

É efêmero o viver do caminheiro
falsa visão do sonho p´la atmosfera
na demência da enxada do coveiro
que enterra as ruínas, mais as primaveras!...

Vida e ânsia vibrando num só verso
no transporte da serra ao éter puro,
é contato genial com o Universo...

Bruxuleia a minguar em céu escuro,
porque não crê, ficando submerso...
entre o oceano e o Nirvana do futuro!...

CONVALESCENTE

Convalesço dos males da Quimera
partindo sempre de um desejo rude,
a malograda sorte da galera
que aportar com delírio nunca pude...

Do amor, nada pretendo com veemência
pela vida misérrima que arrasto!
Eu sinto o frágil coração tão gasto
às futuras e rudes penitências...

Desconheço o rigor dessa ironia
Quando o sol tomba na água e eril centelha
sem n´a apagar em fulva alegoria...

Amo a noute, amo o espelho do Universo
nunca a chaga de um Deus que se avermelha
no sangue que palpita no meu verso!...

VISÃO

Agoirenta visão da luz gelada!
Que mistério possui tua Presença?
Quando desces à terra anuviada,
Vais a Jesus, a Deus pedir licença!...

E arrebatas as almas desgraçadas
às geenas do Mal, como sentença!
e a mim, me levarás pela alvorada
de tuas vestes lúgubres – e descrença!...

Louca hiena da fé bebes-me a vida,
na fria tentação do teu segredo!
no Tântalo falaz, como bebida...

Cerras-me os olhos, gelam-me teus dedos...
arrebatas-me o corpo a vão degredo
num só beijo de morte apetecida!...

A MORTE

 Sou dos ventres a lúbrica bacante,
a pantera em meus ócios de veludo:
fascino os corações, que enervante,
no languir dos aromas, sobretudo...

Serei do teu Amor, homem, o quebranto,
talvez, a morte em minha garra adunca,
sou bizarra no amor, não vejo nunca:
o que possa na dor causar espanto!

Venho meu corpo à alambra do oriente,
Lascivo riso exóticos perfumes...
Encarno a mancenilha em forma ingente!

Sou a sombra do Amor luxuriante.,
Inebrio as cabeças dos amantes...
Nunca amei, nem de mim não tive ciúmes!

Fontes:
Apostila 7 de Simbolismo - Literatura Brasileira, in www.jayrus.art.br
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/ernani_rosas.html

Ernâni Rosas (1886 – 1954)

Ernâni Salomão Rosas Ribeiro de Almeida nasceu no Desterro (Florianópolis) em 31 de março de 1886. Filho do também poeta Oscar Rosas.

Trabalhou em cargos modestos e variadas e humildes atividades profissionais.

Viveu no Rio de Janeiro desde os 3 anos de idade. Chegou a entrevistar-se com poetas como Luiz de Montalvo, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, mas sua poesia é considerada simbolista, tardia. Viveu em Nova Iguaçu, onde morreu em condições difíceis, com o agravante da discriminação por ser gago e homossexual. Poeta em certo sentido hermético, de inspiração mallarmáica.

Dentre suas principais influências estão Eugênio de Castro e Cruz e Sousa.

Como observa Andrade Muricy: "O fato de ter ficado quase completamente desconhecido e não haver, por isso, tido influência histórica, não lhe invalida a precedência".

O poeta faleceu em 1954.

Fontes:
Apostila 7 de Simbolismo - Literatura Brasileira, in www.jayrus.art.br
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/ernani_rosas.html

Alexandre Dumas (Caçada Russa)

O príncipe Troubetzkoi aproximou-se e deu-me a mão. Ele não vinha só para isso, mas também para me convidar a uma caça ao lobo no bosque de Gatchina, onde se diz que os lobos são tão abundantes como as lebres na floresta de Saint-Germain.

A caça aos lobos, juntamente com a caça ao urso, é uma das diversões favoritas dos russos. Apenas que, como os descendentes de Rourik gostam do perigo enquanto perigo, inventaram uma caçada que oferece dois perigos ao mesmo tempo: primeiro, o de ser devorado pelos lobos, como Balduíno I, imperador de Constantinopla; segundo, o de espatifar-se junto com o carro, como Hipólito, filho de Teseu.

Essa engenhosa invenção se realiza no inverno, é claro, época em que a falta de alimento torna os lobos ferozes. Entram numa troika três ou quatro caçadores, cada um com um fuzil de dois tiros. A troika é um carro qualquer (drojky, kibitk, caleça ou tarantass) com três cavalos atrelados. O nome lhe vem da atrelagem, e não da forma.

 O cavalo do meio não deve em nenhum momento deixar o trote, enquanto o da direita e o da esquerda não devem em nenhum momento deixar o galope. O do meio trota com a cabeça baixa, e é chamado comedor de neve. Seus dois parceiros, que não têm mais que uma rédea, são atrelados pelo meio do corpo ao varal do carro e galopam com a cabeça virada, um para a direita e o outro para a esquerda. São chamados furiosos. Assim conduzida, a atrelagem toma o aspecto de um leque.

 Um cocheiro que tenha segurança — se é que há no mundo um cocheiro seguro — conduz a troika. Detrás do carro, com uma corda ou uma corrente de uns dez metros, amarra-se um leitão. Inicialmente o leitão é cuidadosamente transportado dentro do carro, até a entrada do local onde se conta começar a caçada. Ali é descido, e o cocheiro solta os cavalos, que avançam, sendo o do meio trotando e os das alas a galope.

 O leitão, pouco habituado a essa marcha, lança queixas que degeneram logo em lamentações. A essas lamentações, um primeiro lobo mostra seu focinho e começa a ir ao encalço do porco, depois dois lobos, depois três, dez, cinqüenta lobos. Todos disputam o leitão e brigam entre si para se aproximar, um dando-lhe uma patada, outro uma dentada. Das lamentações o pobre animal passa aos gritos desesperados. Esses gritos vão despertar os lobos nas profundezas mais recônditas da floresta.

 Tudo o que há de lobo em três léguas ao redor acorre, e a troika vê-se perseguida por uma matilha de lobos. Nessa hora é importante ter-se um bom cocheiro. Os cavalos, que têm pelos lobos um horror instintivo, tornam-se aloucados. O que trota quereria galopar, os que galopam quereriam desembestar.

 Durante todo esse tempo os caçadores atiram ao léu. Nem há necessidade de apontar. O porco grita, os cavalos relincham, os lobos uivam, os fuzis troam. É um concerto que daria inveja a Mefistófeles no “sabbat”. Coche, caçadores, porco, matilha de lobos, são um turbilhão levado pelo vento. A neve voa em torno, como uma nuvem de tormenta deslizando no ar, lançando relâmpagos e raios.

 Enquanto o cocheiro é senhor de seus cavalos, por mais precipitados que sejam, tudo vai bem. Mas se ele perde o controle, se a atrelagem se detém, se a troika vira, então tudo acaba. No dia seguinte, no outro, ou oito dias depois, encontram-se os restos do carro, os canos dos fuzis, as carcaças dos cavalos e os ossos maiores dos caçadores e do cocheiro.

 No último inverno, o príncipe Repnin fez uma dessas caçadas, e pouco lhe faltou para que não fosse a última. Estava com dois de seus amigos, numa propriedade que limita com a estepe. Resolveram caçar lobos, ou melhor, fazer-se caçar pelos lobos. Preparou-se um amplo trenó, onde duas ou três pessoas podiam mover-se à vontade. Atrelaram-se três robustos cavalos, que foram confiados a um cocheiro nascido na região e muito experiente. Cada caçador tinha um par de fuzis duplos e cento e cinqüenta cartuchos.

 Os lugares foram distribuídos assim: o príncipe Repnin voltado para trás, e cada um de seus amigos voltado para um dos lados. Chegaram à estepe, ou seja, a um imenso deserto coberto de neve. Era uma caçada noturna. A lua, no seu pleno, reluzia com o mais vivo brilho, e seus raios, refletidos pela neve, difundiam uma claridade que podia rivalizar com a do dia.

 O porco foi baixado e o trenó partiu. Sentindo-se puxado contra sua vontade, o porco gritou. Alguns lobos apareceram, mas de início pouco numerosos, medrosos, conservando-se a uma grande distância. Pouco a pouco seu número aumentou, e à medida que aumentavam, aproximavam-se dos caçadores, que para iniciar não comunicaram à sua troika mais que uma marcha comum, apesar da impaciência medrosa dos cavalos. Eram vinte lobos, mais ou menos, quando se encontraram bastante próximos para começar o massacre.

 Um tiro de fuzil partiu, um lobo caiu. Um grande tumulto se fez, e pareceu aos caçadores que o bando ficara reduzido pela metade. Com efeito, contrariamente ao provérbio que diz que os lobos não se comem entre si, sete ou oito esfomeados ficaram atrás, para devorar o morto. Mas logo os vazios foram preenchidos. De todos os lados ouviam-se uivos respondendo a uivos; de todos os lados viam-se aparecer focinhos pontudos e faiscar olhos semelhantes a carvões acesos.

 Os lobos estavam ao alcance, e os caçadores faziam fogo continuamente. Mas por mais que os tiros acertassem, o bando ia sempre aumentando, em vez de diminuir. Em breve não foi mais um bando, foi uma matilha cujas fileiras cerradas seguiam os caçadores. Sua corrida era tão rápida que pareciam voar sobre a neve, tão ligeira que não fazia o menor ruído. A onda de lobos se aproximava sem cessar, como uma maré muda, e não recuava perante o fogo dos três caçadores, por mais nutrido que fosse. Formavam atrás da troika um enorme crescente, cujas duas pontas começavam a ultrapassar a linha dos cavalos.

 O número de lobos aumentou com tal rapidez, que se diria que saíam de debaixo da terra. Havia qualquer coisa de fantástico em sua aparição. Não se podia, com efeito, entender a presença de dois a três mil lobos no meio de um deserto onde, em toda uma jornada de viagem, descobrir-se-iam apenas dois ou três.

 Fizeram o porco cessar de gritar, puxando-o para dentro do trenó, uma vez que seus gritos redobravam a audácia dos perseguidores. O tiroteio não cessava, e já tinham usado mais da metade da munição. Restavam uns duzentos tiros, e estavam rodeados ainda por dois ou três mil lobos. Os dois cornos do crescente avançavam mais e mais, e ameaçavam fechar-se, formando um círculo do qual o trenó, os cavalos e os caçadores tornar-se-iam o centro.

 Se um dos cavalos caísse, tudo acabaria. Os cavalos, espantados, bufavam e davam saltos terríveis.

 — O que pensas disto, Ivan? — perguntou o príncipe ao seu cocheiro.

 — Penso que não está bem, meu príncipe.

 — Temes alguma coisa?

 — Os demônios provaram sangue, e quanto mais vós atirardes, mais seu número aumentará.

 — Qual é teu parecer?

 — Se vós permitirdes, meu príncipe, vou soltar rédeas aos meus cavalos.

 — Estás seguro deles?

 — Eu respondo por eles.

 — E de nós, tu respondes?

 O cocheiro não disse palavra. Era evidente que não queria se comprometer. Ele soltou rédea aos cavalos, em direção ao castelo. Lançados com todo fôlego, aguilhoados pelo terror, os cavalos dobraram a velocidade. A distância era literalmente devorada por seus ímpetos desesperados. O cocheiro os excitava ainda por um assobio agudo, ao mesmo tempo que faziam uma curva que devia cortar uma das pontas da meia-lua. Os lobos afastaram-se, para abrir passagem aos cavalos. Os caçadores iam disparar, mas o cocheiro gritou:

 — Por vossa vida, não atireis mais!

 Obedeceu-se ao cocheiro.

 Aturdidos com aquela manobra inopinada, os lobos permaneceram um instante indecisos. Durante esse instante a troika percorreu um quilômetro, e quando os lobos voltaram a persegui-la, já era demasiado tarde. Não a puderam alcançar.

 Um quarto de hora depois, estava-se à vista do castelo. O príncipe calculou que durante esse tempo os cavalos percorreram mais de duas léguas. No dia seguinte, visitou a cavalo o campo de batalha e encontrou as ossadas de mais de duzentos lobos.

 Como se vê, não faltam emoções nesse tipo de caçada.

Fonte:
Alexandre Dumas. En Russie: Impressions de voyage. Paris/France: Calmann-Lévy. Disponível em http://contosbemcontados.blogspot.com.br/search/label/ALEXANDRE%20DUMAS%20-%20Caçada%20russa