quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Contos e Lendas do Mundo (A Menina dos Brincos de Ouro)


Conto popular na Bahia e Maranhão, trazido pelos escravos africanos. No original africano os personagens eram animais.
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Uma Mãe, que era muito má (severa e rude) para os filhos, deu de presente a sua filhinha um par de brincos de ouro. Quando a menina ia à fonte buscar água e tomar banho, costumava tirar os brincos e botá-los em cima de uma pedra. Um dia ela foi à fonte, tomou banho, encheu o pote e voltou para casa, esquecendo-se dos brincos. 

Chegando em casa, deu por falta deles e com medo da mãe brigar com ela e castigá-la correu à fonte para buscar os brincos. Chegando lá, encontrou um velho muito feio que a agarrou, botou-a nas costas e levou consigo. O velho meteu ela dentro de um surrão (um saco de couro), coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida e que, quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão senão ele bateria com o bordão (vara). 

Em todo lugar que chegava, botava o surrão no chão e dizia: 

Canta, canta meu surrão, 
Senão te meto este bordão. 

E o surrão cantava: 

Neste surrão me meteram, 
Neste surrão hei de morrer, 
Por causa de uns brincos de ouro 
Que na fonte eu deixei. 

Todo mundo ficava admirado e dava dinheiro ao velho. Quando um dia, ele chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. 

Então convidaram ele para comer e beber e, como já era tarde, insistiram muito com ele para dormir. De noite, já bêbado, ele ferrou num sono muito pesado. As moças foram, abriram o surrão e tiraram a menina que já estava muito fraca, quase para morrer. Em lugar da menina, encheram o surrão de excrementos. No dia seguinte, o velho acordou, pegou no surrão, botou às costas e foi-se embora. 

Adiante em uma casa, perguntou se queriam ouvir um surrão cantar. Botou o surrão no chão e disse: 

Canta, canta meu surrão, 
Senão te meto este bordão. 

Nada. O surrão calado. Repetiu ainda. Nada. Então o velho meteu o bordão no surrão que se arrebentou todo e lhe mostrou a peça que as moças tinham pregado. 

Fonte:

31º Jogos Florais de Ribeirão Preto (Premiados Nacional)



Tema: Âncora 

VENCEDORES:

1º lugar
Deslizando em mar suave
ou revolto, em desatino,
não tem âncora que trave
a jangada do destino.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora - MG

2º lugar
Deus sempre se põe à escuta
e nos dá perseverança;
ele é âncora absoluta
da nossa fé e esperança!
Glória Tabet Marson
São José dos Campos - SP

3º lugar
No mar revolto da vida,
onde,às vezes, perco o pé,
um farol, que me elucida,
dá-me a âncora da Fé!
Carolina Ramos
Santos - SP

4º lugar
Tanta embarcação perdida
em água profunda e escura,
por faltar, no mar da Vida,
uma  âncora segura...
Vanda Fagundes Queiroz
Curitiba - PR

5º lugar
Comparo a vida aos navios
á deriva, ante a maré...
pois, ante os meus desafios,
lanço a âncora... da fé!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo - SP

MENÇÕES HONROSAS

1º lugar
Porto seguro... não basta.
Nem o ancoradouro certo.
Até a âncora se arrasta,
Se de Deus não se anda perto.
Jaime Pina da Silveira
São Paulo - SP

2º lugar
O mar  revolto, o perigo,
com  ousadia, transponho,
pois és âncora, és abrigo,
e o porto azul de meu sonho.
Relva do Egypto Rezende Silveira
Belo Horizonte - MG

3º lugar
Tremo ao ver a natureza
pouco a pouco naufragar.
Minha âncora é a certeza
de que o amor vai nos salvar!
A. A. de Assis
Maringá - PR

4º lugar
Tua âncora do amor,
que se ancore no meu peito...
venha  comigo compor
um porto de amor perfeito!...
Roberto Tchepelentyky
São Paulo - SP

5º lugar
Vejo meu sonho menino,
no cais do tempo parado,
preso à âncora do destino,
dos erros do meu passado
Francisco Gabriel
Natal - RN

NOVOS TROVADORES

1º Lugar
Por este mar de olhar torto
meu país em vendavais,
Sem âncora e sem o porto
Lutando por novo cais.
Iria Sueli Belchior
Santos - SP

2º lugar
No oceano da vivência
sentimentos e emoções
vêem na âncora a prudência
com marolas,turbilhões.
Nadja Cristina Lenzi Gadotti
Balneário Camboriu - SC

3º lugar
Nunca temas, marinheiro
as tempestades do mar...
da âncora és companheiro
sabes bem ele domar!
Eduardo Lázaro de Barros
Bauru - SP

A âncora desse amor
vai sempre presa ficar,
sem que alguma força ou dor
faça essa amarra quebrar.
Luiz Parellada Ruiz
Londrina - PR

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Gislaine Canales (Glosas Diversas) 9



DEMOCRACIA PRAIANA...

MOTE:
Na praia afinal achei-a:
a total democracia,
tudo é de todos: a areia,
o sol, a onda, a alegria!
A. de Assis 
(Maringá/PR)

GLOSA:

Na praia afinal achei-a:
tão parelha, tão igual,
de muita alegria cheia
numa paz fenomenal!

A total felicidade!
A total democracia,
eu encontrei, é verdade,
enfeitando cada dia!

Desde o canto da sereia
até o rendado de espuma...
Tudo é de todos: a areia
e a beleza até das dunas!

Liberdade para amar,
num azul quase magia,
de mãos dadas faz ficar
o sol, a onda, a alegria!
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DESTROÇOS...

MOTE:

A naufrágios não atraias
meu coração sofredor,
pois vão dar em tuas praias
os meus destroços de amor...
Edmar Japiassú Maia 
(Nova Friburgo/RJ)

GLOSA:

A naufrágios não atraias
assim, os meus sentimentos,
eles não serão cobaias,
pois são fortes como os ventos!

Um mar de pranto inundando
meu coração sofredor,
vai a tudo transformando
de modo devastador!

Pressinto eternas tocaias,
que nada valem, enfim,
pois vão dar em tuas praias
restos que sobram de mim!

As ondas do mar, confortam
no seu modo encantador,
pois sabem que, em ti, aportam
os meus destroços de amor…
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ESTRELAS DO MAR…

MOTE:

Eu comparo o meu sonhar
com quem na praia, anda ao léu,
colhendo estrelas do mar
querendo as que estão no céu...
Gerson Cesar Souza 
(São Mateus do Sul/PR)

GLOSA:

Eu comparo o meu sonhar
que é tão lindo, tão bonito,
com uma luz a brilhar,
lá no espaço do infinito!

Eu quero andar de mãos dadas
com quem na praia, anda ao léu,
que, crendo em contos de fadas,
jamais será um incréu!

Eu sigo em meu caminhar
pelas areias bem finas,
colhendo estrelas do mar,
vendo as ondas dançarinas!

Abro meus olhos e vejo,
tirando deles , o véu,
meu verdadeiro desejo
querendo as que estão no céu…
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CASTELOS...

MOTE:
Castelos de areia erguidos
na praia do sentimento,
duram mais que os construídos
com tijolos e cimento!!!
Izo Goldman
(Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP)

GLOSA:

Castelos de areia erguidos
com alicerces de amor,
jamais serão destruídos
pelas vazantes da dor!

Quando feitos com ternura
na praia do sentimento,
trarão somente ventura
e jamais o sofrimento!

Com algas verdes, vestidos,
os castelos da emoção
duram mais que os construídos
sem alma e sem coração!

Nesses castelos da sorte,
vivamos nosso momento,
pois nenhum será mais forte
com tijolos e cimento!!!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XXII. 
In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. 
http://www.portalcen.org. novembro de 2004.

Mário Quintana em Prosa e Verso


VIDA

A vida era muito mais intensa quando não passava, na média, de 40 anos. Agora é um longo, um interminável arrastar de correntes: nós somos as almas penadas deste mundo.

"A POESIA É NECESSÁRIA"

Título de uma antiga seção do velho Braga na Manchete. Pois eu vou mais longe ainda do que ele. Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus, não tem importância. É preferível, para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética representaria, no caso, como que um esforço de auto-superação.

É fato consabido que esse refinamento do estilo acaba trazendo necessariamente o refinamento da alma. Sim, todos devem fazer versos. Contanto que não venham mostrar-me.

E QUANDO SE APROXIMOU A HORA

E quando se aproximou a hora, o Anjo da Encarnação perguntou-lhe:

- Que queres ser na face da Terra?

- Um polígono regular estrelado.

- O quê?!

Um polígono regular estrelado - repetiu imperturbavelmente a alma do nascituro.

"Mais um..." - pensou o Anjo. Mas, como os anjos e os poetas são os únicos que não riem dos loucos, limitou-se a objetar:

- E por que não um poliedro? Vais viver num mundo de três dimensões e bem sabes que um polígono apenas tem duas. Lá só existirias na face do papel, e não propriamente na face da Terra.

- Por isso mesmo.

O Anjo desta vez não compreendeu muito bem e retirou-se, dando de asas.

E foi assim que, quando chegou a hora, veio ao mundo mais um louco. E um "louco simétrico"!

Chamou-se, entre os homens, Edgar Allan Poe.

OS DANÇARINOS DO ARAME

Dentro das atuais coordenadas do espaço e do tempo, aqui nos vamos equilibrando sobre este fio de vida.

Que rede de segurança, pensamos nós, cheios de esperança e medo, que rede de segurança nos aparará?

LUZ POR DENTRO

Mas há uma beleza interior, de dentro para fora, a transluzír de certas avozinhas trêmulas, de certos velhos nodosos e graves como troncos. De que será ela feita, que nem notamos como a erosão dos anos os terá deformado.

Deviam ser caricaturas mas não fazem rir, uns aleijões mas não causam pena. O mesmo não nos acontece ante o penoso espetáculo de um animal velho. Eu gostaria de acreditar que essa inexplicável beleza dos velhos talvez fosse uma prova da existência da alma.

DEPOIS DE LER

Depois de ler, por cima de meu ombro, as linhas precedentes, observou-me o João Sabiá:

- Mas tu já não falaste na incompreendida beleza dos sapos, na beleza transcendental de um matungo de inverno? Isso é a alma deles?!

- Não, é a minha alma...

O ASSUNTO

E nunca me perguntes o assunto de um poema: um poema sempre fala de outra coisa.

A CARTA

Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida…

PROPRIEDADE

Nunca digas que um verso está de pé quebrado: ele está é de asa quebrada.

O POETA E A MENINA

Hoje ganhei o meu dia. Porque uma meninazinha me perguntou: "O senhor pode me botar uma dedicação neste livro?" Escrevi, então, sinceramente: "Para a Heloísa Maria, com toda a minha dedicação". E assinei. E datei, com tristeza.

A DATA

Sim, o mais triste das dedicatórias são as datas.

Fonte:
Mário Quintana. Caderno H. Porto Alegre/RS: Globo, 1973.

Folclore Indígena: Nação Bororó (Como Nasceram as Estrelas)


Existem muitos mitos sul-americanos que falam da maneira como as estrelas encheram o céu. 

Este mito, contado pela tribo dos Bororós, começa com uma manhã, tranquila e igual a muitas outras, passada numa povoação. Os homens da aldeia tinham partido para a caça, de modo que as mulheres pegaram nos seus cestos e foram colher milho para fazer tortilhas. O pior é que encontraram muito poucas maçarocas.

- Que safra tão pobre - comentou uma delas. - Passei a manhã toda à procura e tenho o meu cesto quase vazio.

- Vamos pedir ao pequenino - sugeriu uma idosa. - Ele tem muito jeito para encontrar as maçarocas... ainda não percebi como consegue. É tão miudinho e o milho cresce tão alto, mas o certo é que consegue dar com as maçarocas!

E foi assim que uma das mulheres voltou à aldeia para chamar o pequenino. Encontrou-o junto da avó, que tentava ensinar algumas palavras novas à arara de estimação. São aves espertas, que conseguem aprender a dizer todo o tipo de palavras.

- O pequenino pode ir conosco para nos ajudar a encontrar maçarocas? -perguntou a mulher à avó do rapaz.

- Claro que sim! - replicou a avó. - Vá, pequenino, toca a andar. 

O pequenino acompanhou a mulher até ao milharal.

- Vê o que consegues encontrar - incitou-o ela.

Como já era de imaginar e tal como a velha previra, o pequenino foi achando maçaroca atrás de maçaroca, até os cestos das mulheres ficarem a abarrotar. Estas sentaram-se então numa clareira, a tirar o milho das maçarocas. Depois arranjaram umas pedras lisas, com as quais esmagaram os bagos até os reduzirem a farinha.

- Assim teremos muitos bolos e tortilhas para dar aos nossos maridos quando eles voltarem da caçada - observou a velha. - Ficarão todos contentes!

O pequenino, porém, sempre que apanhava uma delas distraída, roubava um pouco de farinha para si, escondendo-a dentro do interior oco de talos de bambu.

 «Claro que isto não é roubar», disse de si para si. «Como fui eu quem encontrou a maioria das maçarocas de que esta farinha foi feita, tenho todo o direito de ficar com um bom bocado.»

Não tardou que o pequenino juntasse uma quantidade suficiente para fazer uma festa. Pegou nos paus de bambu e voltou para junto da avó, que ficara na aldeia a tomar conta das crianças.

- Avó! Avó! - exclamou. - Quero dar uma festa para todos os meus amigos... Aqui tem a farinha para os bolos. Importa-se de os fazer?

Sacudiu a farinha que trazia dentro dos paus de bambu, juntando uma boa quantidade num monte.

 A avó esbugalhou os olhos de surpresa.

- Onde é que arranjaste toda esta farinha, pequenino? - perguntou, espantada.

 «Pequenino», cantarolou a arara, imitando-a.

- A avó sabe que eu fui apanhar maçarocas com as mulheres - respondeu o menino. - Ajudei-as a encontrar tantas que me disseram que já tinham farinha que chegasse para os homens.

- Portanto resolveste roubar esta, não foi? - perguntou-lhe a avó.

- Claro que não! - mentiu o rapaz. - Elas é que me disseram para tirar a que fosse capaz de carregar.

«Carregar», guinchou a avó. Franziu o sobrolho mas, logo a seguir, o seu rosto abriu-se num sorriso.

- Acredito em ti - disse, deitando mãos ao trabalho na preparação dos bolos.

Não tardou que a casa da avó se enchesse com o odor delicioso dos bolos acabados de coser... e a abarrotar de crianças, pois o pequenino convidara todos os amigos para a festa.

A avó do rapaz ficou sentada a um canto, juntamente com a arara de estimação, a ver a miudagem a encher a barriga de bolos. Começava a duvidar de que o pequenino tivesse contado a verdade. Se calhar o neto não recebera a farinha mas, sim, roubara-a.

- Será que o meu pequenino é um ladrão? - murmurou. A arara ouviu a palavra «ladrão» e repetiu-a.

«Ladrão!», guinchou. Como achou a palavra agradável de pronunciar, continuou a repeti-la: «Ladrão! Ladrão!».

 As crianças calaram-se.

- Não quero que aquele pássaro maluco nos denuncie. - disse o pequenino. 

«Ladrão!», gritou a arara.

Sem parar para pensar no que estava a fazer, o rapaz agarrou na ave e cortou-lhe a língua. Alguns contam que depois chegou a fazer o mesmo à avó, para se certificar do seu silêncio. No entanto, é provável que a avó tenha ficado suficientemente assustada com o que acontecera à sua pobre ave para não dar com a língua nos dentes.

A maldade estava consumada. Não havia como voltar atrás. Então, como muitas vezes acontece, as coisas más não ficaram por ali. As crianças, com a barriga cheia como há muito não acontecia, saíram de casa atrás do pequenino e foram soltar todas as outras araras de estimação da aldeia.

Foi então que, com a mesma certeza e lentidão com que o Sol nasce pela manhã, o pequenino começou a perceber as maldades terríveis que cometera. Cortara a língua a uma ave, roubara farinha, assustara a avó... o que viria a seguir? Tinham de fugir, as crianças precisavam de se pôr a salvo antes que os pais descobrissem o que haviam feito!

Contudo, para onde poderiam escapulir-se sem serem descobertas pelos adultos?

 -Já sei - exclamou o pequenino. - Os crescidos não são bons trepadores porque pesam muito. Subamos para um sítio aonde eles não possam chegar.

- Para onde? - perguntou uma menina, ainda com a boca suja de migalhas.

- Para o céu! - exclamou o pequenino.

- Mas... como? - quis saber um rapaz mais velho.

- Há sempre uma maneira! - declarou o pequenino ao avistar, naquele preciso momento, uma trepadeira grande. Tinha o caule cheio de nós salientes; portanto, seria fácil subir por ela. Pousado na planta estava um beija-flor.

O pequenino segredou algo ao ouvido do beija-flor e logo a ave pegou numa das pontas da trepadeira e voou com ela para o céu, prendendo-a no sítio certo.

- Despachem-se! - incitou o pequenino, começando a subir pela planta, em direção ao céu. Em breve era seguido por uma fila de crianças.

Quando as mulheres regressaram à aldeia com os cestos cheios de farinha, prontas para começar a cozinhar para os seus homens, não encontraram os filhos. Correram para casa da avó do pequenino e encontraram-na a chorar pela sua pobre arara.

- Que aconteceu? - perguntou uma das mulheres.

- Onde estão as crianças todas? - inquiriu outra, aflita.

Nesse instante, uma delas ainda viu as pernas da última criança a subir pela trepadeira, antes de desaparecer no céu.

- Olhem! - gritou a mulher. - Estão ali!

Deitou a correr em direção da trepadeira, seguida pelas outras mulheres. Em breve tentavam, desesperadamente, subir pelos nós da planta, a fim de alcançar os filhos.

O pequenino, no entanto, tivera razão. Os adultos jamais conseguiriam ir atrás deles até àquele lugar. A trepadeira não aguentou o peso e desprendeu-se do sítio onde o beija-flor a prendera.

Caiu então por terra com um terrível CRAQUE!, fazendo lembrar uma corda enrolada, e as mulheres, que eram mães, tias e primas, tombaram no chão, em grande choro. Nesse dia, porém, o solo foi generoso para elas. Em vez de morrerem todas, pois tombaram de uma grande altura, ao tocar na terra seca e dura, transformaram-se em diferentes animais. Esta estranha mistura de criaturas começou então a galopar, correr, rastejar, saltar e andar por ali fora.

Nessa noite, quando os homens voltaram da caça, em vez de serem saudados pelo cheiro de petiscos e pela gritaria dos filhos, não viram ninguém, além da velha.

Com língua ou sem ela, o certo é que a avó do pequenino ficara completamente muda com o que vira, portanto, nada disse.

Viam-se alguns animais esquisitos a perambular por entre as casas, mas os homens não lhes deram atenção, tão aflitos andavam à procura das mulheres e dos filhos.

- O que lhes terá acontecido? - perguntou um dos caçadores. - Não há sinais de ataque... Deve ter havido aqui alguma bruxaria.

- E o que é aquilo? - exclamou um outro apontando, admirado, para o céu escuro.

Os homens da aldeia ficaram a olhar, espantados, para as estranhas luzes que brilhavam no meio da escuridão, luzes que hoje conhecemos como estrelas.

Depois da trepadeira cair, as crianças ficaram para sempre presas no céu. Ainda ali estão e nunca envelhecem. Às estrelas são os seus olhos a brilhar com as lágrimas que choram pelas terríveis maldades cometidas.

Fonte:

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Sarau da AVIPAF (Poemas Classificados)


AVIPAF - Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia

Sarau realizado em 24 de novembro de 2018, online

Poemas classificados, julgamento de José Feldman

3 Poemas selecionados

NEYD MONTINGELLI
Curitiba/PR

Palavras ao mundo

A palavra em rima 
é poema.
A palavra em memória,
é história.
A palavra em ternura, com afeição,
é amor, é paixão.
A palavra em solidariedade, 
é caridade.
Feliz aquele que faz da palavra
seu meio de comunicar-se com o mundo.
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DANIEL MAURICIO
Curitiba/PR

Tuas Palavras Perfumadas

Tuas palavras
Tão perfumadas 
Por certo passaram
Por entre o jardim.
Tuas palavras...
Leio e releio
Cada letra saboreio
Como rendas de sonhos
Sem pressa me enleio
E pego um pouco pra mim.
Tuas palavras
Na lembrança ficaram
Perfumes de ti.
__________________________
MARLI TEREZINHA BOLDORI
Porto União/SC

A Palavra

O livro se abriu
E deixou visível
A palavra
Envergonhada
Escondeu-se
Entre o alfabeto
Tentou sair
Não conseguiu
O alfabeto fez um círculo
Para a palavra ficar
Ganhou força
Rodopiou no ar
E muitas palavras 
Fez brotar.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Luiz Damo (Poemas Escolhidos) I


TROPEADAS

Se o gaúcho tem carências,
das tradições não carece,
cavalgando nas querências
reponta  paz sem estresse.
No lombo das tardes frias
pela invernada troteia,
do cosmo às Três-marias
lhe vem a luz que o norteia,
na relva espalha alegrias
ecos, espelhos dos dias,
onde às gerações semeia.

Poncho, capa e barbicacho,
de bombachas, bota, espora,
lenço escarlate, num facho,
se aquece no campo afora.
Laço pronto pra laçada,
lança a ponta em direção
da lembrança desgarrada
perdida na imensidão.
Retoma com seu troféu,
ora agradecendo ao céu
numa campeira oração.


MINUANO

Chora triste o minuano
como se fosse seu fim,
rasga o solo pampeano
no lombo da noite vagueia,
estrelada ou lua cheia
tal um potro sem a cilha,
faz tremer toma a coxilha
sem cabresto, sem selim.

Forte arauto das coxilhas
não tem rumo, nem destino,
imbatível dançarino
quando não corre, vagueia,
desenleia sua presilha,
anda solto na colina,
pé no estribo galopeia,
vendo tudo lá de cima
sente o quanto a terra brilha.

Dança lento sobre o feno,
some o eco na vacuidade,
rompe fronteiras, mananciais,
amargos passos, cruciais,
sulca a alma campesina
fere o coração pequeno
soprando com lealdade.

Cansado da cavalgada,
que longas horas durou
deixa a bota, o barbicacho
e a velha capa rasgada
rente o cedro no riacho,
pobre herança que restou
nas barrancas da ousadia,
dorme nos braços do dia
no berço da liberdade.

GAÚCHO

Sou gaúcho e sinto o brilho
do Rio Grande em ação,
tenho orgulho de ser filho
deste pedaço de chão.
Ao Brasil, de pé agradeço,
pela evolução notória,
a ele o meu braço ofereço
para escrever sua história.
Conclamo os concidadãos
que também doem as mãos
pra cantar grande vitória.

Ninguém, sem um paradigma,
consegue os passos seguir,
inerte estagna e no estigma
falta um sonho a perseguir.
Não chore a chance perdida,
outras hão de aparecer,
fosse a morte o fim da vida,
não vale a pena viver…
Desperte e mude o cenário,
desentranhe o relicário
dos valores sem temer.

Fonte:
Luiz Damo. Pétalas do Quotidiano.
Caxias do SUL/RS: Lorigraf, 2012.

Arthur de Azevedo (A Água de Janos)



I
O Tenente de Cavalaria Remígio Soares teve a infelicidade de ver uma noite dona Andréa num camarote do Teatro Lucinda, ao lado de seu legítimo esposo, e pecou, infringindo impiamente o nono mandamento da lei de Deus.

A "mulher do próximo", notando que a "desejavam", deixou-se impressionar por aquela farda, por aqueles bigodes e por aqueles belos olhos negros e rasgados.

Ao marido, interessado pelo enredo do dramalhão que se representava, passou completamente despercebido o namoro aceso entre o camarote e a platéia.

Premiada a virtude e castigado o vício, isto é, terminado o espetáculo, o tenente Soares acompanhou a certa distância o casal até o largo de São Francisco e tomou o mesmo bonde que ele – um bonde do Bispo, – sentando-se, como por acaso, ao lado de dona Andréa.

Dizer que no bonde o pé do tenente e o pezinho da moça não continuaram a obra encetada no Lucinda – seria faltar à verdade que devo aos meus leitores. Acrescentarei até que, ao sair do bonde, na pitoresca rua Malvino Reis, dona Andréa, com rápido e furtivo aperto de mão, fez ao seu namorado as mais concludentes e escandalosas promessas.

Ele ficou sabendo onde ela morava…

II

O Tenente Remígio Soares foi para casa, em São Cristóvão, e passou o resto da noite agitadíssimo, – pudera! Às dez horas da manhã atravessava já o Rio Comprido ao trote do seu cavalo!

Mas – que contrariedade! – as janelas de dona Andréa estavam fechadas…

O cavaleiro foi até a rua de Santa Alexandrina e voltou – patati, patatá, patati, patatá! – e as janelas não se tinham aberto…

O passeio foi renovado à tarde – o tenente passou, tornou a passar, – continuavam fechadas as janelas…

Malditas janelas!

Durante quatro dias o namorado foi e veio a cavalo, a pé, de bonde, fardado, à paisana: nada! Aquilo não era uma casa: era um convento!

Mas ao quinto dia – oh, ventura! – ele viu sair do convento um molecote que se dirigia para a venda próxima. Não refletiu: chamou-o de parte, untou-lhe as unhas e interpelou-o.

Soube nessa ocasião que ela se chamava Andréa. Soube mais que o marido era empregado público e muito ciumento! Proibia expressamente a senhora sair sozinha e até chegar à janela quando ele estivesse na rua. Soube, finalmente, que havia em casa dois Cérberos: uma tia do marido e um jardineiro muito dedicado ao patrão.

Mas o providencial moleque nesse mesmo dia se encarregou de entregar a dona Andréa uma cartinha do inflamado tenente, e a resposta – diga-mo-lo para vergonha daquela formosa desmiolada – a resposta não se fez esperar por muito tempo:

"Pede-me uma entrevista, e não imagina como desejo satisfazer a esse pedido, porque também o amo. Mas uma entrevista como?… onde?…  quando?… Saiba que sou guardada à vista por uma senhora de idade, tia dele, e por um jardineiro que lhe é muito dedicado. Pode ser que um dia as circunstâncias se combinem de modo que nos possamos encontrar a sós… Como há um Deus para os que se amam, esperemos que chegue esse dia: até lá, tenhamos um pouco de paciência. Mande-me dizer onde de pronto o poderei encontrar no caso de ter que preveni-lo de repente. O moleque é de confiança."

Na esperança de que o grande dia chegasse, o Tenente Remígio Soares mudou-se imediatamente para perto da casa de dona Andréa: procurou e achou um cômodo de onde se via, meio encoberta pelo arvoredo, a porta da cozinha do objeto amado. Dessa porta dona Andréa fazia-lhe um sinal convencionado todas as vezes que desejava enviar-lhe uma cartinha.

III

Diz a clássica sabedoria das nações que o melhor da festa é esperar por ela.

Não era dessa opinião o tenente, que há dezoito meses suspirava noite e dia pela mulher mais bonita de todo aquele bairro do Rio Comprido, sem conseguir trocar uma palavra com ela!

O namorados, graças ao molecote, correspondiam-se epistolarmente, é verdade, mas essa correspondência, violenta e fogosa, contribuía para mais atiçar a luta entre aqueles dois desejos e aumentar o tormento daquelas duas almas.

IV

Os leitores – e principalmente as leitoras – me desculparão de não pôr no final deste conto um grão de poesia; tenho de conclui-lo um pouco à Armand Silvestre. Em todo caso, verão que a moral não é sacrificada.

O meu herói andava já obcecado, menos pelo que acreditava ser o seu amor, que pelos dezoito meses de longa expectativa e lento desespero.

Um dia, o Barroso, seu amigo íntimo, seu confidente, foi encontrá-lo muito abatido, sem animo de se erguer da cama.

– Que tens tu?

– Ainda mo perguntas…

– Tem paciência: Jacob esperou quatorze anos.

– Esta coisa tem-me posto doente. Bem sabes que eu gozava uma saúde de ferro… Pois bem, neste momento a cabeça pesa-me uma arroba… tenho tonteiras!…

– Isso é calor: a tua Andréa não tem absolutamente nada que ver com esses fenômenos patológicos. Queres um conselho? Manda buscar ali à botica uma garrafinha de água de Janos. É o melhor remédio que conheço para aliviar a cabeça.

O tenente aceitou o conselho, e o Barroso despediu-se dele depois que o viu esvaziar um bom copo da benemérita água.

Vinte minutos depois dessa libação desagradável, Remígio Soares viu assomar ao longe, na porta da cozinha, o vulto airoso de dona Andréa, anunciando-lhe uma carta.

Pouco depois entrava o molecote, entregava-lhe um bilhete escrito às pressas.

"A velha amanheceu hoje com febre e não sai do quarto. O jardineiro foi à cidade chamar um médico de confiança dela. Vem depressa, mal recebas este bilhete: há de ser já, ou nunca o será talvez."

O tenente soltou um grito de raiva: a água de Janos começava a produzir os seus efeitos fatais; era impossível acudir ao doce chamado de dona Andréa!

Era impossível também confessar-lhe a causa real do não comparecimento: nenhum namorado faria confissões dessa ordem…

O mísero pegou na pena, e escreveu, contendo-se para não fazer outra coisa:

"Que fatalidade! Um motivo poderosíssimo constrange-me a não ir… Quando algum dia haja certa intimidade entre nós, dir-te-ei qual foi esse motivo, e tenho certeza de que me perdoarás."

Dona Andréa não perdoou. O Tenente Remígio Soares nunca mais a viu.

V

Quando, no dia seguinte, ele contou ao Barroso a desgraça de que este fora o causador involuntário, o confidente sorriu, e obtemperou:

– Vê tu que grande remédio é a água de Janos: um só copo bastou para aliviar três cabeças!

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos