segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Caldeirão Poético LX


Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ

A IMAGEM DO TEMPO

O olhar é opaco, a face contraída,
há flacidez nas pálpebras cansadas,
a boca é seca, a tez esmaecida,
encimada por mechas desgrenhadas...

Todo o peso das culpas desta vida
repousa sobre as costas encurvadas.
O farto ventre, a carga mais sentida,
castiga as frágeis pernas arqueadas...

De confidentes restam a bengala
e uma imagem sagrada, lá na sala:
- Fiéis acompanhantes da velhice!

Velhice de incertezas e mistério,
que o tempo vai legando a seu critério...
e a mim agora impôs... sem que eu pedisse!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = 

Edy Soares
Vila Velha/ES

FAZENDA VELHA

Há um silencio estranho no caminho
que nos leva ao monjolo, hoje envergado,
e o farto rego d’água, ora minguado,
nem roda mais a pedra do moinho.

Na trave do paiol abandonado,
dois enxadões, as foices e um ancinho;
os mourões da porteira em desalinho…
Tudo parece sombras do passado…

E qual um quadro torto e envelhecido,
a nossa velha casa há resistido
feito um guerreiro prestes a tombar...

São picumãs, fuligens de uma história,
um resto quase morto de memória
que o tempo não deu conta de apagar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = 

Janete Sales
Campos do Jordão/SP

QUEM EU SOU

Eu sou simplicidade e cortesia
Essência de artesã e só sorriso
A fé no amor de Deus, a Luz me guia...
Assim, afirmo a paz no chão que piso

Adoro o amanhecer e amar o dia,
acordo poesia, o dom preciso...
Já fui arteira, fiz o que queria,
em Campos do Jordão, o paraíso!

E agora mais madura a mente sente...
O ser, melhor que ter, isso é verdade
E vou expor o impulso que me invade:

Retrato a confiança transcendente
Na cena, Santa Sara comparece...
Revela o quanto vale a minha prece!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = 

Luiz Antonio Cardoso
Taubaté/SP

NOVA ESTRELA
(In Memorian de Sâmara R. Miranda)

Sonhou toda uma vida de esplendor!
Amou e foi amada em demasia.
Manteve seus amigos com dulçor.
Alicerçou a fé que contagia!

Restavam gerações para compor,
Ah! Mas esse destino em rebeldia,
Roubou de nosso mundo a bela flor,
Mudando de endereço a sua magia!

Incrédulos, ficamos a pensar...
Revemos os conceitos... tudo em vão!
A vida nos parece uma ilusão.

Na mais tristonha noite há o cintilar
Dos astros que iluminam nossos breus...
A nova estrela brilha junto a Deus!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = 

Sérgio Bernardo
Rio de Janeiro/RJ

ÊXODO

Ir-me de mim, mas ir com desapego
de tudo quanto sou ou tenha sido
- eu, que imagem me fiz de um mito grego,
no espelho de outros olhos refletido.

Partir... Mas quando? Se ainda agora chego
de algum lugar onde vaguei perdido,
trazendo, para meu desassossego,
a inconsciência total de haver partido.

Ir louco, a deflorar os horizontes,
o espírito andarilho, a carne errante,
na fome, as árvores; na sede, as fontes.

Venha junto o que igual absurdo enfrente,
de partir para longe a cada instante
e ficar em si mesmo eternamente.

Fontes:
Boletins enviados por Luiz Antonio Cardoso
Taubaté Trova – Ano I – Número 4  – 21 de janeiro de 2022
Taubaté Trova – Ano I – Número 8  – 22 de janeiro de 2022
Taubaté Trova – Ano I – Número 59  – 7 de fevereiro de 2022

Figueiredo Pimentel (O companheiro de viagem)

André, o bom Andrezinho, menino querido e estimado por todos que o conheciam, achava-se desesperado, banhado em lágrimas, aflito, porque sabia que o seu extremoso pai estava nos paroxismos finais da vida. Só ele velava no pequeno e desguarnecido aposento onde jazia o moribundo. A lamparina acesa derramava amortecida claridade. Era noite alta. 

De súbito, o velho, quebrando o silêncio, falou:

– Sempre foste bom filho, André, e, por isso Deus te ajudará na tua peregrinação pela terra.

Depois, olhou tristemente o filho, pela última vez; fechou os olhos para sempre e expirou. Estava morto, mas parecia dormir apenas um sono doce, calmo, tranquilo, porque morrera serenamente, como um justo, que sempre fora.

André, compreendendo a terrível realidade, chorava amargamente. Ajoelhado junto à cama, tendo entre as suas as mãos do seu amado pai morto, beijando-as com todo respeito, deixou-se ficar na mesma posição, sempre a chorar, até que, vencido pelo sono, exausto de fadiga, adormeceu.

Sonhou. Viu o Sol e a Lua inclinarem-se diante dele. Viu o velho, de perfeita saúde, sorrindo-se, alegre como outrora, nos seus dias de bom humor. Uma encantadora mocinha, tendo uma coroa de ouro sobre a bela cabeça ornada de louros cabelos, estendia-lhe a mão, enquanto seu pai lhe dizia: “Eis tua noiva, André. É a moça mais formosa do mundo inteiro”.

O menino despertou.

A agradável e radiante visão havia desaparecido. Ninguém se achava a seu lado: no quarto, só estavam ele e o cadáver.

No dia seguinte enterraram o morto. André acompanhou tristemente o enterro, lembrando-se que nunca mais havia de ver aquele a quem ele tanto amara, e por quem tanto fora amado. Ouviu o som da terra caindo sobre o caixão; ouviu os cantos suavíssimos das preces rezadas. E chorou. As lágrimas fizera-lhe bem, aliviando-o. Olhou em torno de si. O sol brilhava majestosamente, dourando as árvores verdejantes, como se quisesse dizer-lhe: “Consola-te, Andrezinho, contempla este céu, tão azul, tão sereno! É nele que está teu pai rogando a Deus para que sejas eternamente feliz.”

E, ali mesmo, no cemitério, o mocinho protestou consigo mesmo:

– Prometo que serei sempre bom, porque quero reunir-me, um dia, a meu pai, que está no céu.

Em seguida, tendo ajoelhado e rezado mais uma vez, no sepulcro do seu querido pai morto, retirou-se para casa, ainda triste, porém, resignado, consolado.
***

Alguns dias mais tarde, André resolveu abandonar a sua aldeia natal, para correr mundo em busca de trabalho. Firmemente resolvido a executar esse projeto, arrumou a sua trouxa, vendeu as poucas coisas que o velho deixara, conseguindo reunir apenas cinquenta mil réis, e pôs-se a caminho, tendo ido primeiro ao cemitério despedir-se do seu pai morto.

Por muitos e muitos dias caminhou ele, sempre em frente, atravessando planícies, montes, vales, florestas e aldeias.

Por toda a parte, onde quer que chegasse, todos o acolhiam efusivamente, simpatizando à primeira vista com a sua fisionomia expansiva, leal, franca, honesta. E ninguém lhe recusava hospedagem.

Outras vezes, porém, longe dos povoados, quando a noite baixava, dormia ao Deus-dará, quer em pleno campo, ao relento, quer abrigado em algum velho tronco de árvore anosa. Não receava as feras, os animais, os bichos venenosos, acolhendo-se sob a proteção de Deus.

Um dia jornadeava ele por uma extensa campina. Ao cair da tarde o tempo mudou bruscamente; enfarruscou-se (enegreceu) o céu, coberto de grossas nuvens negras. Ameaçava chuva. Trovões ribombavam. Relâmpagos cruzavam-se nos ares.

Ao longe, muito longe, erguida sobre um pequeno outeiro, alvejava uma capelinha. André correu para ela; e, vendo a porta aberta, entrou, para fugir ao temporal, que acabava de desabar. Ajoelhou-se a um canto, fez a sua oração e adormeceu.

Pelo meio da noite, despertou. A tempestade cessara. A noite tornara-se calma. Pela porta aberta, o luar entrava, iluminando a igrejinha. Foi só então que o rapaz reparou: no centro da nave estava um esquife aberto, com um cadáver, que não haviam tido tempo de inumar. Não teve medo porém, pois sabia que os mortos não voltam; e que só os vivos fazem mal, quando são maus. 

Depois de fazer uma breve oração, por alma daquele finado, ia de novo adormecer, quando ouviu barulho de passos. Ato contínuo, entraram dois homens: dirigiram-se para o caixão, e fizeram menção de carregar o corpo.

– Que querem os senhores com esse morto? perguntou o mocinho, intervindo. Deixem-no em paz, pelo amor de Deus!...

– Não, respondeu um dos dois malfeitores: Vamos atirá-lo fora, para servir de pasto aos urubus, porque ele nos devia dinheiro e morreu sem nos pagar.

– Ignoro a quanto montava a dívida, disse o moço. Toda a minha fortuna é cinquenta mil réis. De bom grado lhos darei, se os senhores prometerem que não exercerão tão mesquinha vingança.

– Pois sim, concordaram os dois perversos. Já que o senhor paga por ele, deixa-lo-emos apodrecer sossegadamente.

André deu-lhe o dinheiro, e os malvados retiraram-se.

Ao amanhecer, o generoso mocinho saiu da igreja, e prosseguiu na jornada, embrenhando-se numa floresta que viu em frente. Tendo-a atravessado, ao cabo de alguns minutos encontrou um rapaz, pouco mais ou menos de sua idade, que lhe perguntou:

– Para onde se dirige você, camarada?

– Vou por esse mundo em fora, até encontrar trabalho, respondeu Andrezinho.

– Então vamos juntos, que eu sigo o mesmo destino, disse o outro. E perguntou sem seguida: como te chamas?

– André... e tu?

– Miguel.

Os dois moços caminharam lado a lado, ambos alegres, ora rindo, ora cantando, conversando, despreocupados dos prazeres da vida e das fadigas da jornada. Era dia alto, quando pararam para almoçar, à sombra de uma frondosa árvore, dividindo irmanamente o farnel que cada um trazia. Pouco depois viram passar, a alguma distância do lugar em que se achavam, uma velhinha, muito velha, encarquilhada e trêmula, carregando um molho de lenha que havia catado na floresta. Curvada àquele peso, a custo caminhava a pobrezinha.

De súbito, a velha escorregou, e caiu no chão, soltando gritos lamentosos. Os dois companheiros correram prontamente em seu socorro, tentando levantá-la. Viram porém, que a infeliz havia fraturado uma das pernas. André propôs carregá-la até a casa, mas Miguel sossegou-o. Tirou do bolso uma pomada, esfregou no lugar fraturado, e a velhinha depressa ficou curada, como se nada houvesse sofrido.

Querendo pagar o relevante serviço que Miguel acabava de lhe prestar, a velha presenteou-o com três varinhas verdes que colhera, dizendo-lhe que eram preciosíssimas.

Sorriu André, vendo a insignificância do presente, mas Miguel guardou-as com o máximo cuidado, pois sabia que virtude continham, e de que maneira se serviria delas.

Os dois amigos caminharam o dia inteiro; e quando a noite desceu, repousaram ao luar, sem cama, nem travesseiros, ao ar livre, mas assim mesmo satisfeitos. Rompeu a aurora. Pelo meio-dia, seguindo por extenso campo a perder de vista, sob um sol causticante, os dois companheiros encontraram um soldado caído, sem fala, exausto de forças, semimorto.

Miguel tirou do seu saco de viagem um vidrinho, abriu com uma faca os dentes cerrados do soldado, e fê-lo engolir algumas gotas do líquido – uma água vermelha, que o frasco continha. Imediatamente o militar voltou à vida: comeu um pedaço de pão e queijo, que lhe ofereceu André; e pode marchar. Querendo testemunhar ao generoso Miguel o seu reconhecimento, obrigou-o a aceitar a espada que trazia; e despediu-se deles.

À tarde jornadeavam ainda os rapazes, quando ouviram nos ares os sons deliciosos de uma doce música. Levantaram a cabeça, e viram um grande cisne branco, que cantava...cantava...enfraquecendo gradualmente a voz... voando cada vez menos...descendo...descendo... até cair morto, junto aos dois companheiros de viagem.

Miguel, vendo-o morto, servindo-se da espada que lhe dera o soldado a quem socorrera, cortou-lhe as asas, dizendo para o seu camarada:

– Estas asas valem ouro, meu amigo. Vou levá-las.

E meteu-as no saco, em companhia das três varinhas da velha e do sabre do soldado.
***

Passados dois dias mais, chegaram finalmente a uma grande e populosa cidade, que souberam ser a capital do reino de Mogador. Pernoitando numa hospedaria, informaram-se com o hoteleiro dos usos e costumes da terra. Souberam que o rei Iris IV era excelente príncipe, dotado de bom coração, o que não sucedia, porém, com a princesa Lucília. Essa moça, extraordinariamente formosa, causando pasmo a todas as pessoas que a viam, um só minuto que fosse, era cruel, era má, era perversa. O rei querendo casá-la, ela permitiu a todo mundo pretender-lhe a mão, quer fosse fidalgo ou plebeu, milionário ou mendigo, sob a condição de adivinhar, em três dias consecutivos, no que estaria ela pensando no momento de falar ao pretendente. Se a pessoa adivinhasse, desposa-la-ia, vindo a reinar por morte do pai; se não adivinhasse, morreria enforcada na praça pública.

Mais de dois mil rapazes, de todas as classes, de todas as partes do globo, haviam se sujeitado a tais condições, mas nem um só conseguira adivinhar-lhe os três pensamentos. E Lucília, bárbara, impiedosa, sem coração, não tivera pena de um só, mandando enforcá-los todos. Iria IV afligia-se com aquilo, mas nada podia fazer. O povo também sofria.

André ficou horrorizado, ouvindo a narração daquelas atrocidades: e amaldiçoava a princesa, opinando que devia ser açoitada, para castigo da sua maldade. Ainda estava sob tão desagradável impressão, quando ouviu na rua grande rumor de gritos, exclamações, hurras e vivas. Correu à janela. Era a princesa Lucília, que passava montada a cavalo, e o povo aplaudiu-a, subjugado pela sua extrema beleza, todas as vezes que a avistava.

Mal a viu, André empalideceu. Era a visão, que vira em sonhos, no dia da morte de seu pai. Ficou alucinado. Esqueceu tudo quanto acabavam de lhe contar, para amá-la, amá-la doidamente, apaixonadamente. Desde esse momento, tomou a resolução inabalável de se apresentar candidato à sua mão. Debalde o hoteleiro, que logo com ele simpatizara, lhe repetiu que a princesinha, por demais perversa, não tinha coração, espalhando-se mesmo a lenda de que era uma feiticeira, auxiliada pelo Diabo. Entretanto o seu companheiro de viagem tentou dissuadi-lo daquela terrível ideia.

André não os atendeu. Na manhã seguinte, vestiu-se o melhor que pôde, e encaminhou-se para o paço, pedindo uma audiência ao rei. Assim que o soberano viu aquele moço, formoso, simpático, alegre, atraente, e soube que se apresentava como candidato à mão de sua filha, ficou desesperado. Contou-lhe com a máxima franqueza qual era o caráter da maldosa princesinha, e mostrou-lhe num dos jardins reais, esqueletos sem conta dos pretendentes. Não conseguiu, porém, fazê-lo mudar de resolução.

Então, o velho monarca mandou chamar Lucília, apresentou-lhe André, que ao vê-la mais apaixonado ficou. Marcou o dia seguinte para a primeira prova de adivinhação.
***

Na cidade, a consternação era geral. Lastimavam todos a sorte do belo e amável estrangeiro, pois ninguém duvidava que havia de ser fatalmente vítima da maldade de Lucília. Fizeram-se preces públicas. Fecharam-se os teatros: nem um só divertimento público funcionou. Toda a gente trajava luto.

Ele era o único que se conservava calmo, contando que Deus o auxiliaria no momento da adivinhação. À noite deitou-se tranquilo, como costumava, depois de ter feito as suas orações, e não tardou em adormecer. Miguel, também, deitou-se em outra cama, no mesmo quarto da estalagem, e fingiu que dormia. Assim, porém, que viu o companheiro ferrado no sono, levantou-se sorrateiramente. Abriu o seu saco de viagem, apanhou as duas asas do cisne que matara, e colocou-as nas espáduas, bem grudadas, muniu-se de uma das três varinhas que lhe  dera a velha da floresta; e, tornando-se invisível, voou pelos ares, em direção ao palácio de sua majestade rei Iris IV, soberano de todo o vastíssimo país de Mogador e terras circunvizinhas.

Aí esperou algum tempo. Pouco depois, viu abrir-se uma das janelas dos aposentos da princesa, e ela aparecer, voando com asas pretas, envolta num grande véu de filó alvíssimo. Miguel, sempre invisível, voou acompanhando-a, mas a fustigá-la com a varinha, sem piedade.

Longa foi a viagem pelos ares, até que finalmente chegaram a uma gruta que havia no meio da mata. Morava aí o horrível feiticeiro Barraguzão, que era o padrinho de Lucília. A moça, tendo entrado, contou-lhe o que se havia passado: a chegada do novo pretendente, a vinda dela pelos ares, sentindo, entretanto, que a açoitavam. Pediu-lhe conselho como responderia no outro dia, por ocasião da audiência. 

O infame bruxo explicou-lhe que as pancadas que ela sentira eram da neve, caindo; e recomendou-lhe que, no momento em que André se apresentasse para lhe adivinhar o pensamento, pensasse numa coisa muito simples. E combinaram que seria nas botinas dela.

Lucília despediu-se; e voltou, voando pelos espaços, sempre seguida de Miguel, que invisivelmente, não cessou de chicoteá-la, até chegarem ao palácio. 

O misterioso companheiro, deixando a moça entrar, voltou para a hospedaria; desgrudou as asas, que guardou cuidadosamente, e deitou-se, sem que Andrezinho houvesse dado por falta dele.

Este acordou cedo, e começou a vestir-se, sem se preocupar sequer com a sorte que lhe estaria reservada se não adivinhasse o pensamento da princesa. Todo entregue à sua paixão, só pensava em Lucília, amando-a cada vez mais. Quando ia saindo para o palácio, para se submeter à primeira prova, ainda não havia decidido como responder.

Então, Miguel chamou-o e aconselhou-o:

– Olha, André, naturalmente a princesa para te desnortear, há de pensar numa coisa muito simples. Assim, acho que deves lembrar de um dos objetos de seu vestuário: nas botinas, por exemplo.

– Pois sim, respondeu ele. Direi que é nas botinas que ela está pensando.

No momento solene da audiência, perante a corte reunida, em presença do rei e dos grandes dignatários do reino, André compareceu. Lucília, lá estava, deslumbrante de beleza, mocidade e graça, sentada num trono de ouro e marfim.

– Então, em que estou pensando?

– Nas botinas de vossa alteza, respondeu o moço.

A princesa ficou desapontada, mas não teve remédio senão confessar que era verdade. Entretanto não desanimou, recordando-se que ainda faltavam duas provas, não sendo provável que o pretendente se saísse tão bem em ambas.
***

André passou o dia inteiro satisfeitíssimo, e assim todo o povo. Já tinham alguma esperança que o jovem estrangeiro pudesse adivinhar os outros dois pensamentos.

À noite, o rapaz deitou-se calmamente, confiando em Deus. Logo que o viu adormecido, Miguel levantou-se devagarinho, como fizera na véspera, apanhou outra vez as asas do cisne e a segunda das três varas que lhe dera a velhinha da floresta. Repetiu-se ponto por ponto a cena da noite anterior. O misterioso companheiro de viagem, voando invisivelmente pelos espaços, acompanhou Lucília, fustigando-a sempre, até a caverna do horrível bruxo. Aí, narrou Lucília o que se tinha passado, e Barragazão, o feiticeiro, aconselhou-a a que se pensasse nas luvas.

Miguel o que tudo ouvira, ao despertar disse a André que havia sonhado toda a noite com a princesinha e suas luvas, e pois aconselhava-o a que se referisse a elas, quando lhe perguntasse em que estava pensando.

O moço obedeceu, e Lucília quase morreu de dor, vendo-o adivinhar pela segunda vez o seu pensamento.

A população estava em delírio, sabendo que havia sido coroada de bom êxito a segunda prova. Fizeram-se deslumbrantes festas, para comemorar o acontecimento.
***

 Na terceira noite, André dormiu calmo e sereno, como nas precedentes, e Miguel levantou-se sem barulho. Abriu o seu saco de viagem; grudou nas omoplatas as duas asas brancas do cisne; muniu-se da terceira e última varinha com que o brindara a velha da floresta; pôs à cinta a espada do soldado que socorrera; e, descerrando a janela, voou em direção ao palácio real.

Pouco depois, do mesmo modo que nas noites anteriores, apareceu Lucília, e ambos, Miguel – sempre invisível, açoitando-a sem cessar – voaram para a caverna do feiticeiro.

Longa foi a confabulação. A princesa estava desesperada, porque André já tinha adivinhado duas vezes seguidas, e podia sair-se bem da terceira. O bruxo, porém, sossegou-a:

– Não! Ele tem acertado porque tens pensado em coisas simples. Amanhã pensarás em minha cabeça. O estrangeiro não me conhece, naturalmente não sabe sequer que existo, e assim perderá.

Lucília, muito satisfeita, aceitou o conselho: e partiu para o palácio. Miguel deixou-a sair; e, vendo-se só com Barraguzão, puxou da espada, e, de um golpe, lhe decepou a cabeça. Embrulhou-a num lençol, e voou para a estalagem.

À hora da audiência, André pediu-lhe conselho como deveria responder, vendo o bom êxito das duas primeiras vezes. Então Miguel deu-lhe o embrulho, contendo a cabeça do feiticeiro, recomendando que só o abrisse no instante em que a princesa lhe perguntasse no que estava ela pensando.

O moço executou fielmente o que mandara o seu misterioso amigo. Lucília, mal avistou a cabeça do bruxo, compreendeu tudo, mas não teve remédio senão receber o estrangeiro como esposo.

Celebraram-se imponentíssimos festejos para a realização do casamento. O povo inteiro exultou de alegria. Entretanto a formosa princesa, perversa como era, não amava o noivo. 

Foi ainda Miguel que o socorreu. Deu-lhe um frasquinho contendo um precioso líquido cor de ouro, recomendando-lhe que o misturasse no chá de Lucília, na noite do casamento. A moça, ao bebê-lo, sentiu uma grande dor no peito, mas ao mesmo tempo olhou terna e amorosa para o esposo. Lucília amava pela primeira vez na vida, e continuou a amar. Estava quebrado o encanto.

No dia seguinte, Miguel apareceu ao companheiro, e disse-lhe:

– Eu sou a alma daquele morto, a quem não consentiste que dois perversos atirassem no campo para servir de pasto aos urubus. Com o único dinheiro que possuías, compraste a minha tranquilidade no túmulo. Porque foste bom, Deus te protegeu. Agora minha missão está finda. Sê feliz!

Acabando de pronunciar tais palavras, transformou-se em luminosa nuvenzinha, e desapareceu nos ares.

Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.
Livro em domínio público

Christopher Taylor, PhD (Como Escrever uma História Comovente) – 2

Escrevendo a sua história

1. Sinta-se confortável para escrever.

Muitas vezes você não sabe como ficar confortável para escrever até se sentar e começar, de fato, a escrever. Pode ser que uma caneta e um papel funcionem  melhor para você, ou digitar em um computador seja mais a sua praia.

Você também pode acabar descobrindo que um quarto particular na sua casa, sentar-se na varanda ou trabalhar em um café pode ser melhor para a sua criatividade. Algumas pesquisas indicam que nossa escrita melhora quando feita à mão, pois, por essa ser mais devagar, temos mais tempo para pensar à medida que escrevemos.

2. Não dê muita atenção aos detalhes.

Resista à tentação de nomear personagens, lugares e até mesmo o título da história, pelo menos no início. Às vezes, ao escrever, as pessoas gastam tempo demais decidindo nomes, em vez de dar mais atenção à caracterização das personagens, aos detalhes da trama e a outros elementos vitais.

Você pode (e deve) revisar a sua história depois e nomear as personagens. Embora você já conheça bem as suas personagens a essa altura – depois de tê-las imaginado, escrito observações sobre elas e mapeado suas posições na história - não se preocupe em detalhes como nomes por agora. Nessa etapa, o mais importante é a essência da trama, ou seja, garantir que você esteja se concentrando em escrever uma história envolvente e comovente, e não uma trama clichê e sem sal.

3. Crie conexões emocionais.

O que torna as histórias comoventes poderosas é o fato do leitor poder se conectar e se identificar emocionalmente com o enredo, com as personagens, com o contexto e as nuances. Essa conexão emocional é normalmente baseada em algo bastante simples, como compaixão ou amor, então lembre-se de não exagerar na complicação e no sentimentalismo da sua história.

Por exemplo, a maioria dos leitores não vai se conectar emocionalmente com uma protagonista que tenha experiências incomuns (como ser forçada a guiar um trem carregado de dinamite enquanto tenta salvar a pessoa amada).

Esqueça os excessos, deixe as personagens e o andamento da narrativa brilharem por conta própria.

4. Evite ser excessivamente sentimental.

É possível escrever uma história profundamente comovente que cative os seus leitores sem ser excessivamente sentimental. De fato, você deve evitar sentimentalismo, reconhecendo, em vez disso, que pode transmitir pensamentos, emoções, dificuldades e experiências sem ser exacerbadamente emotivo. Não é preciso evitar as emoções na sua história, basta evitar excessos.

Você pode contar ao seu leitor de forma bastante direta o que uma personagem está sentindo: basta escrevê-lo. 

Por exemplo, “Pedro sentia-se ansioso parado no jardim em frente à casa, encarando a porta que ele não via há 27 anos.”

Ou você pode dizer isso de forma mais indireta, ao usar um adjetivo para descrever uma pessoa ou um objeto (um substantivo), que diz ao leitor os sentimentos da personagem em relação ao objeto, expondo em um lampejo indireto como ela se sente. 

Por exemplo, “Cláudia abriu caminho na rua lotada, na esperança de conseguir encontrar Samanta antes que a sua horrível chefe a fizesse voltar ao trabalho.”

5. Não seja melodramático.

Lembre-se: você quer que os seus leitores se identifiquem, se conectem e se envolvam emocionalmente com a sua história, então conduza bem e dê sentido ao seu enredo, às ações e às personagens, para que você não acabe escrevendo uma história melodramática ou sensacionalista.

Em uma história comovente, menos é mais. Soe verossímil e realista e será mais fácil de se identificar com a trama.

Uma personagem pode ter um pai doente e não ter condições financeiras de tomar conta dele, o que é uma situação verossímil e algumas pessoas podem se identificar com a circunstância.

Mas seria melodramático dizer que a personagem também tem um filho doente, um cachorro perdido e foi demitida.

Com qual aspecto comovente da sua história você acha que os leitores podem se conectar?

6. Lembre-se das técnicas para escrever uma história comovente.

Você vai usar estilo, tons e vocabulário para manipular a sua escrita, de forma que a sua história soe tocante, autêntica e verossímil. Leve em consideração também se a sua audiência ou o meio de publicação da sua história vai afetar as suas técnicas de escrita. Seu tom, estilo e até mesmo as suas escolhas de palavras serão diferentes dependendo de quem será o seu público-alvo.

Suas escolhas de palavras vão impactar o ânimo, o tom e as ações da sua história e determinar como o leitor vai reagir à sua trama.

Se quer adotar um tom mais positivo, por exemplo, você pode descrever a personagem protagonista como modesta, grata, alegre ou benevolente.

Por outro lado, é possível descrever os sentimentos frenéticos, de terror e desespero da sua protagonista enquanto ela procura por seu velho cão labrador na floresta.

7. Crie personagens simpáticas.

Leitores se conectam emocionalmente com personagens simpáticas, o que torna fácil gostar delas e se identificar com as mesmas, ambos efeitos essenciais para uma história comovente. 

Assim como antes, lembre-se que, aqui, menos é mais. Não sobrecarregue o leitor com traços excessivos da personalidade das personagens; em vez disso, seja criterioso ao descrevê-las, dando mais significado àquilo que mais importa.

Normalmente, uma personagem simpática vai enfrentar um obstáculo, ou perseguir uma causa nobre, uma paixão ou um amor. Esses aspectos humanizam as suas personagens e dão ao leitor um motivo para torcer por elas.

8. Tenha consciência do envolvimento emocional.

Você quer que o leitor sinta o que está acontecendo em sua obra, e você atingirá isso se der vida às suas personagens e contar uma história verossímil. 

Outro truque é tornar a sua história emocionalmente envolvente, o que ajuda seus leitores a sentir o que sentem as personagens. Em vez de contar ao leitor como se sente a sua personagem, relate ocasionalmente como a personagem reage a uma situação. Que coisas ela faz devido ao que ela está sentindo?

Por exemplo, em vez de dizer, “José ficou devastado quando soube que Ana havia se casado com Saulo na sua ausência,” relate ao leitor o que José fez. “José afundou sua cara no travesseiro e gritou depois que soube que Ana havia se casado com Saulo enquanto ele estava fora da cidade. Ele chorou e gritou no travesseiro até exaurir suas forças, finalmente caindo num sono perturbado e inquieto.”

9. Escreva agora e deixe para editar depois.

Escreva uma primeira versão ciente de que ainda precisará trabalhar muito no texto depois. Consulte o mapa da sua história frequentemente à medida que escreve, mas ainda não se preocupe com a edição. Dedique o seu tempo e a sua energia criando esse primeiro rascunho da sua trama, concentrando-se em desenvolver o enredo e as personagens. A edição é outra etapa no processo de escrita.

10. Lembre-se das histórias de fundo.

Histórias de fundo nunca são demais, mesmo aquelas sobre as personagens menos importantes. Autores como Shakespeare, Charles Dickens, Tolkien e J.K. Rowling sempre prestaram atenção às histórias secundárias e à caracterização, até mesmo dos coadjuvantes.

Lembre-se, porém, de não sobrecarregar o leitor com histórias de fundo demais de uma vez só. Pode ser necessário espalhar por vários capítulos as partes das histórias secundárias para que essas não afetem a fluidez do enredo.

Caso esteja escrevendo uma história mais curta, pode ser que você não tenha espaço suficiente para relatar histórias de fundo. Nesse caso, escolha os detalhes mais importantes que vão ajudar o leitor a se envolver emocionalmente com as personagens e a trama.
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Continua… Revisando e publicando a sua história
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Christopher Taylor é professor assistente adjunto de inglês no Austin Community College, no Texas. Ele recebeu seu PhD em Literatura Inglesa e Estudos Medievais pela Universidade do Texas, em Austin, em 2014.

Fonte:
Do original inglês, Christopher Taylor, PhD. How to Write a Touching Story.
Disponível no Wikihow https://www.wikihow.com/Write-a-Touching-Story

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 22

 

Aparecido Raimundo de Souza (Nossa Intimidade)

QUANDO VENHO de fora e me deito com você em nossa cama, sinto que algo de bom dentro de mim parece renascer com mais vigor e esperança, robustez e dinamismo. Seu abraço me sufoca, me asfixia, e, no calor ardoroso e intenso de seu corpo, me transporto para um sonho que muitos anos me custou realizar. Da mesma forma, quando lhe procuro para matar o meu desejo de homem, você se entrega impetuosa e inflamada, exaltada e impulsiva, como uma deusa prometida. Na verdade, seu “eu” se abre por inteiro num ímpeto angelical e puro, tipo um arroubo que na verdade, não teria palavras nem capacidade para sequer tentar descrevê-lo.

Mesmo que nessa hora pudesse buscar a luz incandescente das estrelas, o perfume hipnótico e inebriante da noite ou o silêncio misterioso e resguardado das horas, ainda assim, não conseguiria transpor para o papel a sutileza, a galanteria, a finura, ou a rima poética e candente do seu amor e o que ele, como um todo representa dentro do amor do amor da minha vida. Com você, me satisfaço interiormente, me encho, me transbordo, me realizo, me alinho, me regozijo, me concretizo e me abandono. Enfim, me basto. Depois da posse, cansada, fatigada, esbaforida e ofegante, seu calor em pingos, seu suor, seu esforço, seu estertor e efervescência, vêm se deitar em meus braços, e, como um ser divinizado, imergida em mansa quietude, ficamos a ouvir o bater de nossos corações.

Horas depois, o sono se aproxima de mansinho e nos vence. Nos flagra desprevenidos, imprevidentes, desajuizados, despidos... e como num passe de mágica adormecemos embalados pelo acalanto calmo da noite amena e sorrateira. Bem cedo, ainda não manhã, envergonhada, você se levanta e procura ocultar os seus pudores do meu olhar malicioso. A passos não ensaiados, você foge ligeira se metendo, meio sem jeito, numa camisola transparente jogada ao lado da cama. Nela você se sente dona da situação, protegida, escondida, recatada, tímida, como se na realidade, aquele fino pano de nylon representasse, para mim, ou para minhas mãos, algo intransponível e invencível...

Talvez, para você (às vezes penso com meus porquês) eu não tenha sido aquele homem que na adolescência povoou seus caminhos de menina moça, ou que lhe encheu os olhos de promessas e o porvir de um amor que parecia impossível, invencível, longe de acontecer. Fico imaginando, lado idêntico, que roubei de você o instante mágico, ou talvez, o mais sublime de sua existência, qual seja, o de vê-la, ou de fazê-la feliz, ao lado de alguém mais abastado, que pudesse lhe dar melhores dias e proporcionar ao seu futuro uma realidade que realmente tivesse tudo aquilo que, de fato, eu não lhe pude dar. Contudo, apesar de carregar essa mágoa dentro de mim, me resta uma última e derradeira esperança. 

E creia, minha princesa, é nessa esperança que me agarro de unhas e dentes (como um náufrago à tábua de salvação) para tentar fazer de você a mulher mais feliz na face da terra. Quero ver seus olhos banhados sempre pelo sorriso da felicidade e o seu sorriso alegre ao se encontrar com a minha solidão. Em você, no seu mais íntimo, na sua vida, no seu hoje-agora, me perco, me esqueço, me confundo como menino sem mãe, abandonado pela vida ao sofrimento das calçadas descalças de aconchegos e carinhos. Em você... e somente no agasalho do seu refúgio, consigo encontrar guarida, asilo, amparo, proteção para me esconder do mundo mau que parece querer me sufocar um grito lancinante dentro da garganta. 

Com você, minha querida, com você eu perco a noção do tempo. Esqueço as coisas do mundo, me desligo das pessoas, me desamarro de mim mesmo... ao seu lado, pareço estar numa concepção de existência divina, onde a vida só consegue descortinar diante de meus olhos o seu lado bom, a sua banda humana e o flanco real. Ao seu lado, o sofrimento e a dor não existem. Simplesmente deixam de ser fatos baldios e precisados de maiores cuidados. Como diria o poeta: — "Nosso futuro começou ontem... nosso amor se fez nas asas de um pássaro ligeiro. Voou para um agora insuperável que não vai terminar jamais". E eu creio, não vai.

NÃO VAI TERMINAR JAMAIS...

NÃO VAI TERMINAR...

NÃO VAI...

NÃO...

J... A... M... A... I... S!...

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) – 11 -

AFETOS DE MENINO

Em todas vezes que eu vivi... eu fui criança...
sobrevivi... e sobrevivo... até então,
do mesmo amor que reconstrói meu coração,
quando ele teima em se perder da esperança.

Lembranças boas são saudades... a constância
que me desvia da aspereza desse mundo
o faz com que eu voe na ternura de um segundo
para bem longe da mentira e da arrogância.

Ingenuidade, inocência, sonhos, risos
afetuosos para quem sequer merece
são minhas marcas indeléveis... pueris...

... e embora diante dos que não mostrem seus guizos...
sempre propenso a crer no amor que me apetece,
construo afetos... de menino... e sou feliz.
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CARICATURARTE

Perdoa, amigo, mas... enquanto eu me voltava
para os encantos que movem a poesia,
não reparei o teu olhar que captava
alguns detalhes da minha fisionomia:

Nariz adunco, riso sério... um violão,
olhos puxados, uma boina italiana,
camisa simples, velha barba... um bigodão...
Como Camões, fui muito além da Taprobana.

Fiquei, confesso, tão feliz, pus na moldura
A tua arte espontânea, amiga e pura,
Para que todos possam ver que a amizade

Pode mostrar, numa bela caricatura,
O quanto a vida que às vezes é tão dura,
Faz da ternura, a luz da fraternidade
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DOCE FANTASIA

Quando toco tuas mãos... que não mais vejo
... e as beijo com meu pranto mais sentido,
Meu olhar... que sempre foi tão colorido,
Redescobre o quanto é vão o meu desejo.

Entretanto, cada lágrima vertida
Dá mais vida ao meu jardim de abstrações
E, assim, cultivo flores e emoções,
Celebrando a minha dor mais... colorida.

Não te foste e nem te vais... eu te eternizo...
Sem aviso tu retornas quando queres
E eu apenas te recebo no impreciso,

Tomo um drinque... um brinde à tua companhia!
... volta sempre, meu amor, quando puderes
Despertar minha mais doce fantasia.
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EU TE DIRIA TANTO...

São tantas as palavras que eu diria...
poesia não se faz sem que ela diga
o que o encantamento fantasia,
e eu te diria tanto... minha amiga.

O amor nasce da dor... que ironia...
mas ele tem o dom da eternidade,
amar é celebrar a alegria...
... lembrar com alegria é ter saudade.

Não posso te abraçar fisicamente...
abraço a solidão e não reclamo,
porque, quando a saudade está presente

até a minha dor torna-se escassa
e então volto a sonhar e, enfim, te amo
e a dor brinca de amar... mas logo passa.
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GRÃOS

A palavra tem o poder da semente,
Que às vezes não tem outra alternativa
A não ser tornar-se forte e resistente,
Para que seu conteúdo sobreviva.

Vejo plantas, que já foram frágeis grãos,
Germinarem, comprovando as escrituras,
Procurando esgueirar-se pelos vãos
Do concreto, sem nem ter semeadura...

Solos férteis são corações preparados
Para o fado de abrigar tantas sementes...
Quando os caules já não são fragilizados,

Às raízes se espalham pelo chão...
É assim com as palavras envolventes
Que alicerçam-se, criando novos grãos.

Fonte:
Luiz Poeta. Nuvens de versos. Campo Mourão/PR: Ed. J. Feldman, 2020.

Jaqueline Machado (Tapete de rosas)

ALGUÉM DISSE-ME: - Moça, o teu tapete de rosas está pronto. Pode caminhar... 

Achei isso tão bonito, olhei para o infinito e agradeci. Sorri a sonhar... 

Finalmente, pensei. A espera foi longa. Durou o tempo de uma eternidade. Chega de saudade do que ainda nem pude tocar... 

Consegui me erguer. Agora vou florescer, e sobre a maciez desse tapete, elegantemente desfilar. Poetizar. 

O tapete é de pétalas vermelhas. Da cor da paixão que sinto em acordar, respirar, existir... Pois o meu jeito de amar é assim, intenso. Imenso feito o mar que em mim habita. 

Apesar da intensidade que resume todo o meu inquietante ser, meus pés tocarão as pétalas com cuidado... Quase sem querer... 

Não quero ressecá-las. Nem delas roubar o perfume. Vermelho é ciúme, mas eu sou o amor ao luar... 

Achei minha passarela. E a quem busco, vai assistir o meu desfilar e vir até mim, sem que eu precise chamar. 

Fonte:
Texto enviado pela autora.

Christopher Taylor (Como Escrever uma História Comovente) – 1

Histórias comoventes são bastante populares pois permitem ao leitor experimentar sentimentos e situações que este normalmente não viveria em seu cotidiano. O leitor se identifica com o relato mesmo que jamais tenha vivido as circunstâncias descritas. Há alguns elementos-chave necessários para tornar uma história bem escrita e verdadeiramente comovente, sem que essa soe excessivamente melodramática. Embora possa parecer difícil escrever uma história comovente no início, quanto mais você pratica, mais você desenvolve o seu repertório e mais fácil fica escrevê-las.

Planejando a sua história

1. Tente se lembrar de histórias que você já leu.

Ao planejar a sua própria narrativa, pode ser de grande ajuda pensar em outras histórias lidas, lembrando do que você gostou e do que você não gostou nelas, e o que você teria escrito de forma diferente. 

Sem copiar outros autores, você pode escolher elementos específicos de várias histórias diferentes para ajudar a criar o seu próprio relato.

Talvez você goste de histórias que tenham muitos diálogos e gostaria de incorporar essa característica à sua obra. Ou, talvez, você não goste muito de longas descrições e prefira escrever descrições mais curtas.

Pode ser que você realmente goste de ler histórias comoventes nas quais o amor prevalece. Essa é uma maravilhosa reflexão, já que dá a você uma possível ideia inicial para escrever a sua própria história comovente.

2. Escreva uma história com que os leitores possam se identificar.

Uma característica envolvente de uma boa história é que leitores podem sentir e imaginar o que se passa pela cabeça das personagens; você deve, então, pensar em situações com as quais muitas pessoas possam se identificar.

Isso ajuda a garantir que o máximo número de leitores vá imergir, de fato, na sua comovente narrativa. 

Seja criativo e não escreva histórias muito comuns, já que ninguém aguenta ficar lendo variações de uma história muito parecida com outras já lidas. Alguns exemplos incluem:

– O falecimento de alguém amado ou de um animal de estimação;
– Situações relacionadas a casamento;
– Uma grande mudança; 
– Encontrando o amor;
– Perdão;
– Indo para a universidade;
– Começando um novo emprego;
– Iniciando uma jornada de autoconhecimento;
– Um gesto bonito respondido com outra gentileza.

3. Desenvolva as personagens.

As personagens mais importantes são a protagonista (“herói”) e a antagonista (“vilão”). No entanto, é bom adicionar alguns coadjuvantes à trama, do contrário sua história não será tão interessante.

Quando estiver criando as personagens, escreva pelo menos uma história de fundo para cada uma delas. Mesmo que você não as insira na sua obra, é bom tê-las em mente para que as suas personagens sempre ajam de acordo com as suas histórias pessoais e personalidades.

Descubra qual papel cada personagem tem na sua trama.

Ter um caderno exclusivo para o desenvolvimento das personagens, no qual você faz anotações sobre elas e dedica uma página para cada uma delas pode ser uma boa opção. Você não precisa usar todas as notas e observações sobre as personagens na sua história. É sempre melhor sobrar detalhes do que faltar, já que você pode sempre revisar e cortar partes do
texto depois.

É a partir daqui que você começa a dar vida às suas personagens.

Imagine a protagonista da sua história. Ela vem de uma cidade pequena? Como ela foi parar em uma cidade grande? Onde ela conheceu o amor da sua vida, com quem ela se conectará mais à frente na história? Qual é a banda favorita dela? Sua comida preferida, seu autor favorito?

4. Mapeie a sua história comovente.

Muitos autores iniciantes querem pular de cabeça e começar a escrever; no entanto, é melhor planejar um pouco antes de começar. Criar um esboço das personagens, histórias de fundo, conflitos e cenários ajuda a garantir que a história seja consistente e que o enredo faça sentido. Isso também permite que você preencha as falhas ou lacunas na sua história e faça mudanças quando necessário.

Talvez o exemplo mais famoso de planejamento de uma história seja a tabela criada por J.K. Rowling para a série de livros de Harry Potter. Observe como ela presta atenção nos detalhes, planejando as ações para cada mês da história, assim como os enredos e subenredos. Tudo é pensado e planejado por ela em sua folha escrita à mão.

Você deve consultar as páginas sobre a sua personagem enquanto escreve o enredo para manter a consistência.

5. Desenvolva o contexto da sua história.

O contexto de uma história essencial, é comovente funcionando como mais do que um mero pano de fundo. Em boas histórias, as personagens interagem com o cenário, e o contexto pode, às vezes, oferecer um tipo de movimento que faz a sua história fluir melhor. Os contextos podem ser uma maneira de fazer o leitor se identificar com a história, tornando-a ainda mais robusta.

Pense no lugar em que a história se desenrolará. Imagine a casa, a loja, a escola, a cidade, o estado, o país, e escreva os detalhes sobre esses lugares no seu caderno. Pense também na época em que a história se desenrolará. Determine em que parte do ano sua história vai acontecer. Por acaso ela vai se passar durante um feriado?

Você imagina a trama se desenrolando em apenas um lugar, como num cais, com as pessoas acenando adeus às outras nas embarcações? Ou você vê a sua história englobando tanto o nascer do sol quanto o pôr do sol, tanto no cais quanto numa partida de futebol do colegial?

6. Escolha o seu ponto de vista.

O ponto de vista também é importante para uma história comovente, já que você quer que os leitores simpatizem com as personagens. Você deseja contar a sua trama do ponto de vista de uma personagem em especial para que os leitores se foquem principalmente nela, ou prefere narrar em terceira pessoa para que o leitor preste atenção igualmente em todas as suas personagens?

A primeira pessoa é útil quando você quer dar aos seus leitores acesso aos pensamentos íntimos, sentimentos, reações e histórias da personagem, à medida que ela vai vivenciando o enredo. Essa perspectiva interior é útil porque os leitores se engajam mais com a personagem central.

Por outro lado, se você usa um narrador na terceira pessoa -– mais distante e que relata a história aos leitores -- é possível descrever mais personagens, porém com menos profundidade emocional. Você também pode usar o discurso indireto livre, que permite aos leitores um acesso parcial aos pensamentos de uma personagem mesmo mantendo um narrador na terceira pessoa.
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Continua… Escrevendo a sua história
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Christopher Taylor é professor assistente adjunto de inglês no Austin Community College, no Texas. Ele recebeu seu PhD em Literatura Inglesa e Estudos Medievais pela Universidade do Texas, em Austin, em 2014.

Fonte:
Do original inglês, Christopher Taylor, PhD. How to Write a Touching Story.
Disponível no Wikihow https://www.wikihow.com/Write-a-Touching-Story