segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Luigi Pirandello (A luz da outra casa)

Foi numa tarde de domingo, ao voltar de um longo passeio.

Tulio Buti alugara aquele quarto havia dois meses apenas. A dona da casa, Senhora Nini, boa velhota à antiga, e a filha, solteirona, desiludida, não o viam nunca. Ele costumava sair de casa, todos os dias, de manhã cedo, e só voltava à noite, a horas mortas. Sabiam que era funcionário do Ministério de Graça e Justiça; sabiam também que era advogado. Mais nada.

O quarto, pequeno e estreito, modestamente mobiliado, não conservava nenhum vestígio seu, como se ele, de propósito, quisesse aí permanecer ignorado, como num quarto de hotel. Uma caixa de madeira para a roupa branca; um armário para os ternos; mas nas paredes, sobre os outros móveis, nada; nem um estojo, nem um livro, nem um retrato; nada, nem nunca, sobre alguma cadeira, uma peça de roupa branca esquecida, um colete, uma gravata, nada enfim que pudesse confirmar a sua existência naquela casa.

Mãe e filha temiam que ele aí não permanecesse muito tempo. Fora tão difícil alugar aquele quarto! Vieram vê-lo muitos, mas ninguém o quis. Realmente, não era muito cômodo, nem muito alegre. Tinha só uma janela, que dava para uma ruazinha estreita, privada, e da qual não recebia luz nem ar, devido à casa fronteira, que o impedia.

Mãe e filha estudavam e preparavam atenções e cuidados para prender o inquilino tão almejado: "Faremos isto... diremos isto..." — e mais isto e mais aquilo; sobretudo a filha, Clotildinha... Quantas delicadezas, quantas finezas! Tudo, porém, desinteressadamente, sem malícia, sem segundas intenções... Mas como, se ele não aparecia nunca?

Se acaso o vissem, compreenderiam logo quanto era infundado o seu receio. Aquele quartinho triste, escuro, tapado pela casa fronteira, condizia bem com o temperamento do inquilino.

Tulio Buti andava sempre sozinho, sem mesmo os dois companheiros dos solitários mais equívocos: a bengala e o cigarro. Com as mãos enterradas nos bolsos do capote de ombros encolhidos, taciturno, dir-se-ia que incubasse o ódio mais profundo contra a vida.

Na repartição não trocava nem uma palavra com os seus colegas, os quais hesitavam entre os dois apelidos que lhe enquadrassem melhor: urso ou coruja.

Ainda ninguém o vira entrar, à tarde, num café; em compensação, muitos o tinham visto evitar, às pressas, as ruas mais frequentadas e iluminadas, para mergulhar na sombra das longas alamedas, direitas e solitárias, dos arrabaldes distantes, afastando-se dos muros, toda vez que encontrava o círculo de luz que os faróis projetam sobre a calçada.

Nem um gesto involuntário, nem mesmo a mínima contração dos músculos da face, nem um movimento dos olhos ou dos lábios traíam os pensamentos em que parecia absorto, o secreto pesar em que se fechava. Mas deste secreto pesar e dos lúgubres pensamentos que se lhe aninhavam no cérebro estava toda impregnada a sua fisionomia. A devastação, que eles deviam produzir naquela alma, estava flagrante na fixidez espasmódica dos olhos claros, agudos, na lividez do rosto desfigurado, nos precoces fios grisalhos da barba crespa e desleixada.

Tulio Buti não escrevia nem recebia cartas; não lia jornais; não parava nem se virava para ver o que quer que acontecesse pela rua e que atraísse a alheia curiosidade e, se alguma vez a chuva o colhia de improviso, continuava caminhando, no mesmo passo, como se nada tivesse acontecido.

Por que insistia em viver desse modo, era o que ninguém sabia... Nem ele mesmo, talvez. Vivia... Nem sequer suspeitava que fosse possível viver de modo diverso, ou então, que, vivendo-se diversamente, se poderia diminuir o peso da tristeza e do tédio.

Não tivera infância, não fora moço. As cenas selvagens a que assistira, no lar, desde os mais tenros anos, motivadas pela brutalidade e pela tirania feroz do pai, lhe haviam crestado no espírito todos os germes de vida.

Morta a mãe, vítima de atrozes sevícias do marido, a família se dispersara: uma irmã entrou para o convento, um irmão fugiu para a, América, ele também fugira e, errante, graças a incríveis sacrifícios, tinha conseguido alcançar a posição que hoje ocupava.

Agora, não sofria mais. Parecia que sofria, mas até o sentimento da dor se obliterara nele. Parecia que estava absorto sempre em pensamento, – engano - já nem sequer pensava. O espírito ficara-lhe como que suspenso numa espécie de atônita obscuridade, que só lhe permitia perceber um quê de amargo na garganta. À noite, passeando pelas ruas solitárias, contava, mentalmente, os lampiões, mais nada, ou olhava para a sua sombra ou escutava o som dos seus passos, ou alguma vez, parava diante dos jardins das vilas, a contemplar os ciprestes mudos e fechados como ele, mais noturnos do que a própria noite.

Naquele domingo, cansado do longo passeio pela rua Ápia antiga, e contra os seus hábitos, decidiu recolher-se. Era ainda cedo para a ceia. Ficaria esperando no quarto, que o dia acabasse de morrer.

Para as Nini, mãe e filha, foi uma surpresa bastante agradável. Clotildinha até bateu as mãos de contente. Quais dos muitos cuidados e atenções estudados e preparados, quais das muitas finezas e distinções particulares, dispensar-lhe em primeiro lugar? A mãe e a filha confabularam, e de repente, Clotildinha firmou um pé e bateu com a mão na testa. Ó, santo Deus, antes de tudo, a luz! Era preciso levar-lhe o lampião, o melhor, o que estava guardado de propósito, que tinha umas papoulas pintadas na porcelana, e era de globo esmerilhado. Acendeu-o, e foi bater discretamente à porta do inquilino. Tremia tanto, de emoção, que o globo, oscilando, batia no tubo, que ameaçava esfumaçar-se.

— Com licença? O lampião...

— Não, muito obrigado. — respondeu Buti, do outro lado. — Eu saio já.

A solteirona fez uma careta, e de olhos abaixados, como se o inquilino a estivesse vendo, insistiu:

— Tenho-o aqui... É para não deixá-lo no escuro...

Buti, porém, repetiu secamente:

— Não, muito obrigado.

Estava sentado no pequeno canapé, em frente à mesa, e escancarava os olhos na sombra que, pouco a pouco se ia adensando no quartinho, enquanto nos vidros da janela tristemente desmaiava o último reflexo do crepúsculo.

Quanto tempo esteve assim, inerte, com os olhos escancarados, sem pensar, sem perceber as trevas que já o tinham envolvido?

De repente, os seus olhos viram. Olhou em torno de si, espantado. O quarto se havia realmente iluminado, de improviso, como se um sopro misterioso o tivesse enchido de um brando lume discreto.

Que era? Que acontecera?

Isto: a luz da outra casa. Acendera-se, na casa fronteira, um lampião. Era o hálito de uma vida exterior que vinha desfazer as trevas, o vácuo, o deserto de sua existência...

Ficou, longo tempo, contemplando aquele clarão, como se fosse efeito de magia, e uma angústia intensa lhe apertou a garganta ao notar com que suave carícia ele se pousava sobre o seu leito, sobre a parede, e sobre as suas mãos pálidas abandonadas sobre a mesa. Surgiu-lhe no meio daquela angústia, a lembrança do seu lar destruído, da sua infância oprimida, de sua mãe, foi como se a luz de uma alvorada, de uma alvorada distante, expirasse na noite do seu espírito.

Ergueu-se, foi à janela e, furtivamente, por trás dos vidros, olhou para a casa fronteira, para a janela de onde lhe vinha aquele raio de luz.

Viu uma família pequena reunida em torno da mesa de jantar: três meninos, o pai, que estava sentado, e a mãe que, ainda de pé, os estava servindo e procurando — segundo o que ele deduzia dos movimentos — refrear a impaciência dos dois maiores, que brandiam a colher e se sacudiam na cadeira. O último esticava o pescoço, agitava a cabecinha loira: evidentemente, lhe haviam amarrado com muita força o guardanapo, mas se a mãe se apressasse em servir-lhe a sopa, ele não mais se queixaria daquele nó muito forte. Era isso mesmo. Com que voracidade começou a comer! Enfiava a colher inteira na boca... E o pai, através do fumo que se erguia do seu prato, ria. Agora, a mãe também se havia sentado ao lado deles, ali mesmo, em frente.... Tulio Buti tentou recuar, instintivamente, vendo que ela, ao sentar-se, erguera os olhos para a janela, mas lembrou-se de que, estando no escuro, não podia ser visto, e continuou a assistir a ceia daquela pequena família, esquecendo-se prontamente da sua.

Desse dia em diante, todas as tardes, saindo da repartição, ao invés de se dirigir para os seus habituais passeios solitários, enveredava pelo caminho da sua casa, esperava, todas as tardes, que as trevas do seu quarto se desfizessem, suavemente, sob a luz da outra casa, e aí ficava, atrás dos vidros, como um mendigo, a saborear, com angústia infinita, aquela doce e amorável intimidade, de que os outros gozavam e de que ele, em criança, numa ou noutra rara tarde de paz, gozara também, quando a mãe... a sua mãe... como aquela... e chorava.

Sim. A luz da outra casa operou este prodígio. A obscuridade atônita em que seu espírito permanecera suspenso durante tantos anos, se dissolveu sob o influxo daquela luz suave. Entretanto, Tulio Buti não pensou em todas as suposições estranhas que a sua atitude devia fazer nascer na dona da casa e na filha.

Por mais duas vezes, Clotildinha tentara oferecer-lhe o lampião. Tivesse, ao menos, acendido a vela! Não, nem isso. Porventura, sentia-se mal? 0usara perguntar-lhe Clotildinha, com voz meiga, na segunda vez que lhe fora bater à porta. Ele lhe havia respondido:

— Não! Estou bem assim...

Mas, santo Deus! Não precisava realmente de luz... Clotildinha espiava pelo buraco da fechadura e vira, maravilhada, no quarto do inquilino, a luz difusa da outra casa, exatamente da casa da família Masci, e o que é pior, vira ele, por trás dos vidros da janela preocupado em contemplar a casa da família Masci... E Clotildinha correra toda sobressaltada, a anunciar à mãe a grande descoberta:

— Ele está enamorado de Margarida! De Margarida Masci!

Poucos dias depois, uma tarde, enquanto estava a contemplar, Tulio Buti viu, com surpresa, naquela sala fronteira, onde a pequena família habitualmente — (naquela tarde faltava o pai) — se reunia ao jantar, viu entrar a velhinha, sua dona de casa e a filha, que foram acolhidas como amigas de longa data.

Num dado instante, Tulio Buti recuou, de um salto, ansioso, perturbado. A mãezinha e os três pequenos tinham erguido os olhos, na direção da sua janela. Sem dúvida, aquelas duas estavam falando dele.

E agora? Agora, talvez tudo estivesse acabado!

Na tarde seguinte, aquela mãezinha ou o marido, sabendo que no quartinho em frente havia um homem que misteriosamente os espiava na escuridão, fechariam as janelas, e assim daí por diante não lhe viria mais aquela luz de que vivia, aquela luz que era o seu gozo inocente, o seu consolo...

Mas não foi o que aconteceu.

Naquela mesma noite, assim que a luz da outra casa se apagou, e ele mergulhado na treva, depois de ter esperado ainda um pouco que a família se recolhesse, foi abrir cautelosamente a janela para renovar o ar, viu que a janela de lá estava também aberta, viu pouco depois (e, mesmo no escuro, teve um estremecimento de espanto), viu assomar àquela janela a mulher, talvez curiosa de tudo quanto lhe haviam contado dele as Nini, mãe e filha.

Aquelas duas casas muito altas, que abriam, tão perto um do outro, os olhos das suas janelas, não deixavam ver em cima a faixa clara do céu, nem embaixo a faixa escura da terra, fechada numa das extremidades por um portão, não deixavam penetrar jamais nem um raio de sol, nem um raio de lua.

Ela, portanto, não podia ter assomado à janela senão por causa dele e, naturalmente, porque percebera que ele também se achava debruçado na sua janela apagada.

Na escuridão, mal se podiam distinguir. Ele, porém, sabia desde algum tempo que ela era formosa; já lhe conhecia todo o encanto dos seus movimentos, os lampejos dos seus olhos pretos, os sorrisos dos seus lábios vermelhos...

Antes de tudo, porém, naquela primeira vez, devido à surpresa que o revolvia todo e lhe tolhia a respiração, num frêmito de inquietude, ele teve pena; foi preciso fazer um esforço violento sobre si mesmo para não recuar, para esperar que ela se retirasse antes dele.

Aquele sonho de paz, de amor, de suave e doce intimidade, que ele imaginara reinar sobre aquela pequena família e de que ele também, por reflexo, tinha até gozado, se desmanchava todo, se aquela mulher às escondidas, no escuro, vinha à janela por causa de um estranho... Mas este estranho não era ele? E antes de se retirar, antes de fechar a vidraça, ela lhe sussurrou:

— Boa-noite!

Que coisas haviam fantasiado a seu respeito as duas mulheres que o hospedavam, e que excitaram e acenderam tanto a curiosidade daquela mulher? Que atração estranha, poderosa, operava sobre ela o mistério daquela sua vida enclausurada, se desde a primeira vez ela, deixando de lado os seus filhinhos, viera a ele, como que para fazer-lhe companhia?

Sim, um em frente ao outro, ainda que ambos tivessem evitado olhar-se e tivessem quase fingido, reciprocamente, que estavam à janela sem nenhuma intenção, ambos  sim, ambos — ele estava certo disso — tinham vibrado pelo mesmo frêmito de expectativa, ignorada, espantados da atração que, tão de perto, os envolvia no escuro.

Quando, muito tarde, ele fechou a janela, teve a certeza de que na tarde seguinte, depois de apagada a luz, ela voltaria por causa dele. E foi de fato assim.

Daí por diante, Tulio Buti não esperou mais no seu quarto a luz da outra casa; ao contrário esperou com impaciência que a luz se apagasse.

A paixão do amor, ainda não experimentada, irrompeu, devoradora, tremenda, no coração daquele homem que estivera por tantos anos fora da vida, e investiu, absorveu, arrastou, como num turbilhão, aquela mulher.

No mesmo dia em que ele se retirou do quartinho da casa das Nini, explodiu como uma bomba a notícia de que a senhora do terceiro andar, ao lado, a Masci, tinha abandonado o marido e os três filhos.

Ficou vazio o quartinho que hospedara, durante quase quatro meses, ao Buti; ficou apagada, por algumas semanas, a sala da frente, onde a pequena família costumava reunir-se à hora do jantar.

Depois, acendeu-se de novo a luz sobre aquela mesa triste em torno da qual um pai apalermado pela desgraça contemplava os rostos espantados de três crianças, que não ousavam volver os olhos para a porta, por onde a mãe costumava entrar todas as noites, com a sopeira fumegante.

Aquela luz reacendida sobre a mesa triste tornou, então, a clarear suavemente o quartinho fronteiro, vazio.

Lembraram-se dela, alguns meses após a sua cruel loucura, Tulio Buti e a amante?

Uma noite as Nini, espantadas, viram aparecer diante delas, desfigurado e convulso, o seu estranho inquilino, que queria o quarto, se ainda estivesse desalugado!

Não, não para si, não para morar! Mas poder ficar aí, todas as tardes, uma hora apenas, às escondidas! Ah, por piedade, por piedade daquela pobre mãe que desejava rever, de longe, sem ser vista, os seus filhinhos! Tomariam todas as precauções necessárias, se fosse preciso, se mascarariam, aproveitariam todas as tardes o momento em que não houvesse ninguém pelas escadas; ele pagaria o dobro, o triplo pelo aluguel, só para aquele minuto breve...

— Não. As Nini não quiseram consentir. Apenas enquanto o quartinho estivesse desalugado, consentiram que algumas vezes, muito raras...— Oh, mas pelo amor de Deus! Com a condição de que ninguém os descobrisse!... Algumas raras vezes...

Na tarde seguinte, eles vieram, como dois ladrões. Entraram, quase cambaleando, no quartinho às escuras, e esperaram, e esperaram que ele alvorecesse de novo sob a luz da outra casa.

Dessa luz deviam viver eles, assim, de longe.

E a luz apareceu!

Tulio Buti, a princípio, não pôde suportá-la. Como lhe pareceu gelada agora, ríspida, cruel, espectral, criminosa! Ela, porém, com os soluços que lhe borbulhavam na garganta, teve sede daquela luz, bebeu-a de um hausto, precipitou-se para os vidros da janela, apertando o lenço contra a boca. Os seus filhinhos... os seus filhinhos... os seus filhinhos estavam lá... à mesa, inocentes...

Ele correu a ampará-la nos braços, e ambos ficaram ali, estreitamente unidos, como que pregados, espiando.

Fonte: Luigi Pirandello. A luz da outra casa: novelas escolhidas. Publicado em 1932. 
Disponível em Domínio Público 

Como Escrever Ficção Científica – parte 3

III – Criando personagens memoráveis

1) Dê defeitos ao protagonista

Embora os protagonistas sejam “quase perfeitos”, isso é ruim para a caracterização e a identificação dos leitores. Pode ser que o personagem principal faça tudo para salvar a própria vida, mesmo que tenha que matar alguém ou pareça egoísta. 

Pense em defeitos comuns e escolha alguns para ele.

Por exemplo: o defeito do Super-Homem é que ele faz tudo para salvar o mundo, menos matar. Quando ele se encontra em situações em que é forçado a fazer algo dramático do tipo, o leitor fica roendo as unhas de ansiedade e curiosidade.

2) Dê algumas qualidades ao antagonista

Assim como o herói não pode ser de todo bom, o vilão não deve ser totalmente mau. 

Esse tipo de antagonista não é interessante e nem chama a atenção. Dê uma qualidade a ele, como fazer o necessário para salvar o próprio filho, para que o leitor tenha empatia e se identifique com o que está acontecendo.

Por exemplo: HAL, de 2001: Uma Odisseia no Espaço, acredita que a tripulação humana está colocando a missão em risco e decide matar todos.

Lembre-se de que o vilão geralmente é o herói da própria história. Se o vilão é um monstro, ele não precisa de uma qualidade; contudo, ainda seria interessante pensar em uma. 

Por exemplo: imagine que ele quer cuidar dos filhos, em vez de caçar as presas por diversão.

3) Dê trejeitos típicos aos personagens. 

Esses trejeitos são ações que os personagens realizam que parecem estranhas de início, mas que têm um propósito que facilita a compreensão do leitor. Por exemplo: talvez o protagonista fique mexendo na sua arma o tempo todo porque está apreensivo ou porque está perdido no passado. Mesmo que você não explique isso com toda as letras, essas ações deixam o universo mais verossímil.

Se o personagem tem um trejeito muito peculiar, como ter que despejar água na própria cabeça para ficar hidratado, você pode explicar tudo ao leitor para ele não ficar perplexo.

4) Dê objetivos e motivações compreensíveis aos personagens. 

As motivações dos personagens são a força motriz por trás da história e aproximam o leitor da trama. Pense nos objetivos deles e no que eles fazem para alcançá-los. Imagine também como eles agiriam em determinada situação de forma realista.

Por exemplo: um personagem pode ser motivado a viajar pelo universo para encontrar a cura para uma doença rara no seu planeta.

5) Escreva as histórias dos personagens para entender melhor quem eles são. 

Você não precisa incluir essas histórias em todo texto, mas elas ajudam a dar mais profundidade aos personagens. Anote o nome, a idade, de onde eles vêm, como foi a infância deles e o que eles viveram de importante em alguns parágrafos.

Pense na aparência física dos personagens, ainda mais se eles são alienígenas ou estranhos para o público geral.
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continua…

Fonte: Wikihow

domingo, 10 de dezembro de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 33

 

Mensagem na Garrafa – 52 –


Veronica Shoffstall
(Estados Unidos)

UM DIA VOCÊ APRENDE

Depois de algum tempo, você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.

E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão. Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la, por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobre que se levam anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante das quais se arrependerá pelo resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.

Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto. Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve. Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as consequências. Aprende que paciência requer muita prática. Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.

Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou. Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha. Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.

Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama, com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo. Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado. Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não para para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.

Portanto... plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe, depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor, e que você tem valor diante da vida.
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Nota: Trecho adaptado do poema escrito por Veronica Shoffstall em seu livro de formatura, sendo conhecido como "Comes the Dawn" ou "After a While". A versão original foi registrada em 1971. Aparece erroneamente atribuído a William Shakespeare.

Lêdo Ivo (A resposta)

Seu nome era Serafim Costa. Mas nome de quem, ou de que? Na cidade pequena , decerto a sua figura deveria ter se cruzado, muitas vezes, com a do menino fardado, de camisa branca e curtas calças azuis extraídas das velhas casimiras paternas. Ele, o comerciante abastado, talvez comendador, não conhecia o garoto. E este jamais poderia ligar o nome à pessoa. Assim, Serafim Costa era apenas um nome — a belíssima sonoridade de um estilhaço de mitologia, uma flor aérea que, em vez de pétalas, possuía sílabas.

Ele morava no Farol, exatamente onde o bonde fazia a última curva. Os muros brancos, que cercavam o quarteirão, semi-escondiam a casa, também branca, além do jardim que aparecia entre as grades, e em cujos canteiros florejavam espessuras e certas musguentas flores amarelas, e um imenso besouro zoava. A casa era um palacete de dois andares, crivado de sacadas e cegas janelas, e que parecia desabitada. Possivelmente essa incorrigível falsária, a Memória, a pintou, sem tirar-te nem guardar-te, com a sua branca tinta adúltera, substituindo a verdade nativa, feita de alvacentos pintalgados de azul, por alguma caprichosa arquitetura rococó. De qualquer modo, de outro lado do muro reto, sem dúvida encimado por afiados cacos de garrafas para impedir o salto dos ladrões, a gente via as copas das mangueiras, cajueiros, palmeiras e outras árvores sob as quais alguns cães esperavam, impacientes, que a rotina bocejante do dia se esfarelasse para que eles pudessem latir, na noite raiada de estrelas, como que lembrando a Serafim Costa — que interromperia por meio minuto o seu sono tranquilo e patriarcal — as suas presenças vigilantes.

— Aqui mora Serafim Costa, devia ter-me dito meu pai, num daqueles crepúsculos em que, de bonde, voltávamos para casa; ele com a sua velha pasta que inexplicavelmente não o acompanhou ao túmulo (o que talvez não o fizesse ser de pronto reconhecido no Paraíso), e nós ainda guardando nos ouvidos o bulício vesperal do instante em que, aberta a porta do grupo escolar, as crianças escoavam para a praça e se perdiam nas escurentas ruas tortuosas.

O palacete branco vulgava riqueza, luxo, secreto esplendor. Além das portas fechadas, das presumíveis estatuetas de mármore, do aroma das dálias, do fino palor dos azulejos, das mudas venezianas, havia decerto um universo de opulência, que a nossa fantasia de meninos pobres mal podia imaginar. A tarde obscurecia; o portão fechado validava-se como o brasão de uma existência que, terminados os diálogos inevitáveis de seu ofício de grande comerciante sempre atarefado e vigilante, suspendia qualquer tráfico com as mesquinharias diurnas, igual a um navio que, após todo o baixo ritual da estiva, readquire a sua dignidade perdida sulcando o mar sem amarras.

Era o palácio de Serafim Costa. E o nome, a magia desse nome que ocupou toda a minha infância, e era o preâmbulo mágico das encantações, demorava-se em mim, solfejando-se no ar eternamente perfumado pelo Oceano. 

Meu pai, então guarda-livros de um armazém de tecidos, conhecia Serafim Costa, e nos mostrava a sua residência. "Aqui mora Serafim Costa." Não nos nomeava uma forma definida de casa (sobrado, bangalô, palacete); e certo aquela moradia, uma das mais luxuosas da pequena cidade, refugia às denominações irreversíveis. Ignoro se Serafim Costa era alagoano ou um dos muitos imigrantes portugueses que, estabelecidos em Maceió, enriqueceram em tecidos ou em secos e molhados e terminaram comendadores — mas em seu palacete, na exuberância do jardim equatorial, no chão assombrado de árvores enlanguescidas pelo mormaço, havia algo que era a fusão improfundável dos mais faustosos elementos nativos com uma substância remota e avoengueira, como que a reprodução de antiga planta deixada do outro lado do mar e tacitamente reconstruída pela poupança e ambição do imigrante afortunado. 

Por isso, meu pai dizia aqui, querendo assim significar tudo o que era o império de Serafim Costa: as grades do jardim, os sinuosos canteiros colmeados de folhas e flores, os calangros e insetos, a água espatifada de uma fonte, os familiares que não apareciam às janelas, talvez para não confundir a visão de todos os que, como eu, o imaginavam reinando solitário em sua mansão, sem quinhoar ostensivamente com ninguém o resultado, de sua vida vitoriosa, feita de zelo e siso.

Embora eu não tivesse conhecido Serafim Costa, tornou-se-me familiar aos olhos um dos empregados de seu armazém. Era um velho corcunda, de fiapos brancos na cabeça calva, e devoto. Alguns anos depois, quando já tínhamos deixado de morar no sítio e passáramos a habitar numa rua do centro da cidade, estávamos todos, no sótão, assistindo à passagem de uma procissão que enchia a monotonia da tarde de domingo. Súbito, identifiquei na multidão o corcunda velho e devoto, e exclamei:

— Olhe o Serafim Costa!

A exclamação fez espécie a meu pai, que se virou para mim, surpreendido com a notícia. Seu ar era mais do que de dúvida — decerto eu dissera uma heresia, que reclamava pronta corrigenda ou a aura de uma prova irretocável. Com o dedo, apontei o velho corcunda que, de casimira preta na tarde de sol fugidiço, vencia, na aglomeração, os. paralelepípedos da rua. Meu pai reconheceu o empregado de Serafim Costa e exclamou, de bom rosto:

— Não é o Serafim Costa. — e achou engraçado que eu confundisse o empregado humilde e devoto com o poderoso e mitológico patrão.

E assim ele ficou sendo, para mim, sempre e eternamente, um nome, inatingível figura do ar. Muitas vezes, passeando sozinho pelo sítio ou junto ao mar lampejante, eu repetia esse nome, despetalava-o na brisa como se ele fosse um malmequer, juntava de novo as pétalas das sílabas que cantavam mesmo momentaneamente esquartejadas. Serafim Costa! dizia eu bem alto para que os costados dos navios pudessem devolver-me, em forma de eco, essa primeira lição de poesia, essa infindável soletração do absoluto.

Muitos anos depois, desintegrada a infância, e já envolto numa névoa de estrangeiro, voltei à curva do bonde. Era ali que morava Serafim Costa — o portão fechado era sinal de que ele estava lá dentro, movendo-se possivelmente entre frutas maduras, gatos sonolentos e bojudas porcelanas azuis. Trinta anos se tinham passado desde os dias em que o bonde, na volta da escola, nos fazia ver a misteriosa morada, o universo branco e verde estriado de agudas grades negras e manchas róseas. O invisível Serafim Costa já deveria estar morando, e de há muito, em outra alvacenta morada... Mas parei diante do portão cerrado, espiei o jardim silencioso, os vasos de azulejos, as escadarias de mármore, as altas janelas que pareciam soteias (terraços). E chamei: Serafim Costa!

Chamei a quem, a que? E ocorreu o milagre. O nome ficou suspenso no jardim onde se ocultava uma cobra papa-ovo, depois voou pelos ares, como um pássaro; chocou-se contra os costados dos cargueiros que, no destempo hirto, desembarcavam em Maceió os caixotes das mercadorias encomendadas, do outro lado do Oceano, pelo valimento comercial de Serafim Costa; e, metamorfoseado em eco, voltou de novo aos meus ouvidos, já agora na soberba hierarquia de um nome que não precisa mais de figura ou de anedota; e se tornou para sempre algo sonoro e puro, deslumbrante e enxuto.

E, assim, obtive a resposta.

Fonte: revista "Ficção" nº 06, Rio de Janeiro, junho/1976, pág. 46.

Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa – 9 -


Antero de Quental
Ponta Delgada/Portugal, 1842 – 1891

INTIMIDADE

Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobiçosa,
És bela - e se te não comparo à rosa,
É que a rosa, bem vês, passou de moda...

Anda-me às vezes a cabeça à roda,
Atrás de ti também, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidão ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.

Mas é na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!

E não te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo,
Juras - mentindo - que me tens amor…
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Camilo Pessanha
Coimbra, 1867 – 1926, Macau

CAMINHO I

Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
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Fernando Pessoa
Lisboa, 1888 – 1935

AH UM SONETO!!!

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?…
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Pero de Andrade Caminha
Porto, 1520 – 1589, Vila Viçosa

Soneto I

De Amor escrevo, de Amor falo e canto;
E se minha voz fosse igual ao que amo,
Esperara eu sentir na que em vão chamo
Piedade, e na gente dor e espanto.

Mas não há pena, ou língua, ou voz, ou canto
Que mostre o amor por que eu tudo desamo,
Nem o vivo fogo em que me sempre inflamo,
Nem de meus olhos o contínuo pranto.

Assim me vou morrendo, sem ser crida
A causa por que em vão mouro contente,
Nem sei se isto que passo é vida ou morte.

Mas inda da que eu amo fosse ouvida
E crida minha voz, e da vã gente
Nunca entendida fosse minha sorte!
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Sá de Miranda
Coimbra, 1481 – 1558, Amares

SONETO

Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvariando, como em sonho.

Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assí,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.

Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando me era mister tanta outra ajuda,
de que me valerei, se alma não val'*?

Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al**,
afronta o coração, a língua é muda.
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* val’: vale
** al: algo, outra coisa
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Vasco Mouzinho de Quevedo
Setúbal, 1570 – 1650

SONETO XXV

Do bravo mar onde às voltas ando
Ora temendo as ondas, ora o vento,
Na esperança maior de salvamento,
A minha barca vai à costa dando.

Pus os olhos na costa, imaginando
Achar remanso de perigo isento,
Vendo, porém, frustrado o pensamento,
Louvo o mar já demais seguro e brando.

Ai fementido amor, amor tirano,
Que onde minha esperança tinha posta
Me trouxeste a fazer naufrágio amargo.

Porém ainda comigo foste humano,
Que mais quero perder-me dando à costa,
Que andar com mil temores em mar largo.

Hans Christian Andersen (Só a pura verdade)

Que coisa horrível! - disse uma Galinha, no outro extremo da cidade, bem longe do bairro onde a história se passara - é horrível o que houve no galinheiro! Nem arrisco a dormir sozinha esta noite. Ainda bem que somos muitas no poleiro.

E passou a contar o ocorrido, fazendo arrepiar as penas das outras galinhas, a cair a crista do Galo. E era tudo verdade, só a pura verdade.

Mas vamos começar do começo, que ocorreu no extremo oposto da cidade. O Sol desceu e as galinhas subiram. Uma delas, de penas brancas, e pernas curtas, punha os ovos regularmente e, como galinha, era respeitável em todos os sentidos. 

Chegada ao poleiro, começou a catar-se com o bico. Caiu ao chão uma peninha.

- Lá se foi uma pena! - disse ela - parece que, quanto mais me cato, tanto mais bonita vou ficando - acrescentou, por brincadeira, pois era ela o espírito mais alegre da galinhada, embora fosse, conforme já foi dito, criatura de todo o respeito. E logo adormeceu.

Era escuro ao redor. As galinhas estavam enfileiradas, lado a lado, e a que lhe estava mais próxima não dormia. Ela ouviu, e ao mesmo tempo não ouviu, como convém, para se viver em paz neste mundo. Mas teve, assim mesmo, de confiar à outra vizinha o que ouvira.

- Ouviste o que foi dito aqui? - cochichou - Não vou dizer o nome de ninguém, mas há aqui uma Galinha que quer arrancar as próprias penas para ficar bonita. Se eu fosse Galo, a desprezaria.

Logo adiante, pouco acima das galinhas, estava pousada a Coruja, com o Corujão e as corujinhas. Naquela família, sim, todos tinham bons ouvidos. Ouviram cada palavra dita pela Galinha. Viraram os olhos e dona Coruja abanou-se com as asas.

- É feio escutar o que dizem os outros! - começou ela - Mas, naturalmente, todos ouviram o que disse a Galinha. Eu o ouvi com os meus próprios ouvidos, e deve-se escutar, antes que caiam as orelhas. Uma das galinhas esqueceu a tal ponto a decência, que está tirando todas as penas e deixa o Galo ver tudo.

- Prenez garde aux enfants! - disse papai Corujão - isso não é conversa para crianças ouvirem.

- Preciso contar o caso à coruja vizinha, senhora séria e respeitável.

Dona Coruja saiu voando.

- Hu-hu! Uhu-uhu-uhu! - riram as duas, juntas, pouco depois.

Achavam-se um pouco acima do pombal do vizinho, e as pombas ouviram-nas comentar o caso:

- Ouviram esta? Ouçam, que esta é muito boa! Há aí uma Galinha que arrancou todas as penas por causa do Galo! Vai morrer de frio, se é que já não morreu. Huuu - huuuu!

- Onde? Onde? Onde? - arrulharam as pombas.

- No galinheiro do vizinho. É como se eu mesma o tivesse visto. É coisa que quase nem se devia contar, pois é um tanto indecente. Mas é a pura verdade!

- Ora, ora, ora! - arrulharam de novo as pombas.

E passaram a história adiante.

- Há uma Galinha - há quem diga que são duas - que arrancou todas as penas para não ser igual às outras e chamar a atenção do Galo. É uma brincadeira arriscada, pois apanhar um resfriado é o que há de mais fácil, e morrer de febre é o que menos custa. De fato, já morreram, as duas...

- Acordem! Acordem! cantou o Galo, voando para o alto do cercado.

O sono ainda lhe pesa nos olhos, mas apesar disso ele cantava:

- Morreram três galinhas, de infeliz paixão por um Galo. Elas arrancaram todas as penas. É uma história muito feia, não quero guardá-la comigo. Que vá adiante!

- Deixa que vá adiante! - piaram os morcegos.

- Deixa que vá! Deixa que vá! - cacarejaram as outras galinhas.

A história foi assim circulando, de galinheiro em galinheiro, e, por fim, voltou ao local de onde viera.

- São cinco galinhas, - contavam - todas arrancaram as penas para mostrar qual delas tinha emagrecido mais de paixão pelo Galo. Depois brigaram, de tirar sangue, e se mataram de bicadas. Ficaram mortas no terreiro. Foi uma ignomínia para a família delas, e um grande prejuízo para o dono do galinheiro.

Então, a galinha que perdera uma única peninha, ao catar-se não reconheceu a sua própria história, e como fosse uma galinha respeitável, disse lá com os seus botões:

- Desprezo as galinhas como essas. Mas não serão as últimas. Há muitas mais dessa marca. Não se deve silenciar sobre tais coisas. Farei o que eu puder para que essa história saia nos jornais e corra o país todo. É o que merecem essas galinhas e também a família delas.

E a história saiu nos jornais, foi impressa, e uma coisa é verdadeira: uma única peninha pode facilmente transformar-se em cinco galinhas.

Fonte: Hans Christian Andersen. Contos de Andersen. Publicado em 1835. Disponível em Domínio Público.

Luís da Câmara Cascudo (Casas encantadas)

O velho João Tibau, que muito bem conheci na praia de Areia Preta, Natal, homem baixo e robusto, de força gigantesca, lenhador, pescador quando nada tinha a fazer, bebedor emérito, contou-me esta história:

Acordou pensando ser madrugada e saiu para fazer lenha e como andasse depressa chegou ao mato verificando ser noite alta, tudo escuro de meter o dedo no olho. Nem mesmo enxergava os paus. Foi indo, bangolando, fazendo tempo, quando ouviu uma música muito bonita e foi indo na direção do som. Era, com certeza, algum baile nas redondezas. 

Andou e andou e foi parar perto da praia do Flamengo, além de Ponta Negra, avistando, da ribanceira que descortina o mar, um clarão. Desceu a barreira e empurrou-se para lá. Encontrou um grupo de cavaleiros, com grandes capas compridas, muito bem vestidos, nuns cavalos de raça, lustrosos e gordos, mas João Tibau não identificou ninguém. 

Quis acompanhar o grupo e acabou correndo quanto podia, mas tinha a impressão de apenas andar, pois não vencia o terreno. O grupo desapareceu adiante como se fosse fumaça. 

A praia estava clara pelas estrelas e o mar muito calmo. Tibau chegou perto da última curva e viu um palácio que era uma Babilônia, várias carreiras de janelas, todas iluminadas com uma luz azul que doía na vista. Chegando mais para perto ouviu as rabecas e as sanfonas, o vozerio do povo se divertindo, e mesmo a bulha compassada dos dançarinos. 

Apressou mais o passo e ficou diante do palácio deslumbrante, todo cheio de luzes e músicas, de vozes e de cantigas mas não via vivalma.

Aí, arrepiou-se todo, pensando que fosse coisa encantada e benzeu-se. Deu-lhe um passamento pelo corpo, escureceu-lhe a vista e só recobrou-se pela madrugada, já o céu todo claro, as barras do sol do mar. Viu então que estava diante das Barreiras Roxas.

As Barreiras Roxas são um revestimento de rocha que a erosão deu forma caprichosa e variada de monumento, com salas, antecâmaras e um labirinto de recantos e furnas que o Atlântico escava e bate, mugindo como bicho feroz no preamar. Fica à pique da praia, recobrindo a barreira e dando de longe, a visão confusa de imensas ruínas medievais.

Paulo Martins da Silva, funcionário do Banco do Brasil, narrou-me em 4 de abril de 1938 este episódio, subsídio para as casas encantadas:

Entre Pititinga e Rio do Fogo, na barreira do Zumbi, existe um palácio encantado. Há anos passados um pescador chegando no Tourinho, barreiras que estão entre Touros e o Rio do Fogo, encontrou outro palácio, iluminado, e ali um homem lhe entregou uma carta para a barreira do Zumbi, a duas léguas e meia de distância. O pescador foi entregar a carta e encontrou o palácio em festa, com muita gente, música, rumores de dança. Deu a carta. Deram-lhe de comer e beber. Pela manhã encontrou-se na praia nua. Tudo tinha desaparecido.

No Morro Branco, perto do Natal, na encosta leste, os lenhadores e caçadores viam, outrora, uma casa branca, brilhante de luzes e sonora de vozes festivas, orquestra tocando, gente bebendo e cantando. Quem tinha coragem de se aproximar via a casa sumir no ar e ficar apenas o mato bruto, cheio de sombras, com o murmúrio do vento na folhagem.

No rio Potengi, entre Natal e Guararapes, há um camboa que, nas enchentes, forma uma ilha, coberta de mangues. Esta ilha é assombrada ou mal-assombrada. Aparece uma grande residência, habitada, com vozes humanas que cantam, gritos de alegria, som de vidros entrechocados, rumores dentro e ao redor da morada. Pela madrugada desaparece e fica o mangue verde como habitante único na ilhota misteriosa.

O coronel Quincó (Joaquim Anselmo Pinheiro Filho, 1869-1950) que tantos anos comandou a Polícia Militar do Rio Grande do Norte, comunicou-me este acontecido em dias de sua mocidade na cidade do Natal nos primeiros anos da República:

Vinha da Ribeira para a Cidade-Alta pela Subida-da-Ladeira quando ouviu para o lado da rua São Tomé, paralela, uma valsa linda. Distinguia o fraseado solista das clarinetas e o contracanto dos bombardinos. Apressou-se e, no começo da São Tomé, com raros e espaçados moradores, havia um grupo de árvores maciças. A música cessara e Joaquim Anselmo encontrou apenas uma mulher alta, magra, com um xale. Onde é a festa? perguntou. A mulher indicou o bosque com um estender de lábio, sem palavra. Quincó deu alguns passos e nada vendo, voltou-se. A mulher desaparecera. Músicas, luzes, vozes, dissiparam-se para sempre.
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Estas histórias são incontáveis por todo Brasil. Há pelas províncias, cidades e vilas, povoados e aldeias menores. Toda gente aponta os lugares onde há uma casa misteriosa que aparece e desaparece em determinadas ocasiões. Há mesmo testemunhas, como o velho João Tibau e o coronel Joaquim Anselmo. Em que ponto da Europa estas histórias não existem? vivem em todos os países e regiões, raças e estados de cultura.

O dominicano Etienne de Bourdon, que vivia no tempo do rei Luis IX de França (1215-1270), reuniu muitas histórias da tradição oral francesa do século XIII e outras de fontes impressas, denominando sua coleção Tractatus de diversis materiis predicabilibus. M. Lecoy de la Marche publicou em 1877 um volume contendo os "exemplos" de Etienne de Bourbon, Anecdote historiques, légendes et apologues tirés du recueil inédit D´Etienne de Bourbon. Um destes exemplos, o sob o número 565, fixa muitos elementos das versões brasileiras do Rio Grande do Norte.

Na França estão eles ligados ao ciclo da caça fantástica. Este mito também existe por todo o Brasil mas reduzido aos rumores de uma matilha de cães e caçadores que passam sem vestígios.

Etienne de Bourbon conta que um lenhador de Mont-du-Chat (Mons Cati) ia uma tarde levando sua carga de lenha, ao luar, quando viu um grupo de caçadores a pé e a cavalo, cercados de cães esplêndidos. Perguntando a identidade dos fidalgos, responderam ser cavaleiros do rei Artur e que voltavam para o seu palácio, convidando-o a acompanhar a comitiva. O lenhador seguiu-os e encontrou-se num castelo suntuoso, com damas e cavaleiros ricamente vestidos, comendo e bebendo. O lenhador comeu, bebeu, levaram-no para um leito de príncipe, onde se encontrava uma dama linda. O lenhador deitou-se e adormeceu. Acordou na floresta, em cima do seu feixe de lenha...

Fonte: Luís da Câmara Cascudo. "Casas encantadas". O Estado de São Paulo. São Paulo, 01.06.1958.

Como Escrever Ficção Científica – parte 2

II – Construindo uma ambientação de ficção científica

1) Escolha um período de tempo para a sua história. 

Embora a maioria das histórias de ficção científica aconteça no futuro, é possível usar qualquer época. Por exemplo: você pode pensar em uma trama na qual uma raça alienígena invade uma cidadezinha de interior na década de 1950 ou pensar em um enredo no qual os personagens viajam para o passado. 

Pense no que é mais adequado para a sua história. Você vai ter mais liberdade para explorar ideias se usar o futuro do que se usar o passado.

Se você usar o passado, pesquise bastante sobre a época em questão para saber mais sobre as tecnologias, os eventos e a forma de as pessoas falarem. Estude as roupas típicas e os costumes da época.

2) Faça pesquisas sobre lugares e histórias reais para incorporar tudo ao seu mundo. 

Mesmo que o enredo aconteça em um planeta distante, busque inspiração em culturas e eventos da Terra para deixar a história um pouco mais pé no chão.
Por exemplo: O Conto da Aia acontece no futuro próximo, mas os temas de tratamento às mulheres e escravidão são pertinentes à nossa cultura. 

Incorpore práticas culturais diferentes ao criar uma raça alienígena. 
Por exemplo: você pode misturar uma cultura nômade e o estilo de vestimenta dos vikings.

3) Incorpore a ciência de verdade à forma de o mundo funcionar. 

Mesmo que você queira personagens que voem, explique por que e como eles conseguem. Baseie-se na realidade para que os leitores se familiarizem um pouco com a história e não se percam no seu universo. 

Se você for apresentar uma tecnologia totalmente nova aos leitores, descreva-a em detalhes para que eles entendam tudo. 
Por exemplo: Perdido em Marte usa a ciência real para enviar um homem a Marte e explicar como ele consegue sobreviver no planeta.

4) Pense nos cinco sentidos para descrever o ambiente da história.

Imagine como os personagens da história usariam a visão, a audição, o tato, o paladar e o olfato. Assim, você vai criar uma ambientação mais vívida e que facilite a imersão dos leitores.

Descreva as experiências dos personagens quando eles chegarem ao ambiente onde a história acontece. O que eles veriam? Quem estaria ali?
Por exemplo: se a história acontece em um mundo em que os oceanos secaram, você pode descrever o calor, o sabor e o cheiro do sal no ar e os grandes depósitos salinos que restaram no lugar dos mares.

5) Escreva descrições para cada detalhe da trama para entendê-los melhor. 

Escreva alguns parágrafos breves sobre o cenário, as pessoas, a cultura e os animais de cada local da história. Pense nesses cenários e em como os personagens interagem com eles. Se você precisar de algo mais detalhado ou específico, faça uma pesquisa mais aprofundada.
Por exemplo: se você fosse descrever Pandora, do filme Avatar, seria legal imaginar algo como “Pandora é um planeta coberto por florestas e habitados pelos Na’vi, uma raça de humanoides azuis que vivem em sociedades tribais, com chefes e líderes espirituais como guias. Eles têm um laço especial com a fauna e a flora à sua volta”.
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continua…
Fonte: Wikihow