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domingo, 11 de fevereiro de 2024

Mitos indígenas (Mavutsinim)

A mitologia indígena é importante para nós por estar ligada à compreensão da  cultura dos povos que habitavam nosso país, sua mística e conceitos de espiritualidade. Estamos intimamente ligados a estes nossos ancenstrais, sejam diretos ou indiretos, temos algo dos índios em nós. 

MAVUTSINIM - O PRIMEIRO HOMEM

No principio existia apenas Mavutsinim, que vivia sozinho na região do Morená. Não tendo família nem parentes, possuía apenas para si o paraíso inteiro. 

Um dia sentiu-se muito, muito só. Usou então de seus poderes sobrenaturais, transformando uma concha da lagoa em uma linda mulher e casou-se com ela. Tempos depois, nasceu seu filho. 

Mavutsinim, sem nada explicar, levou a criança à mata, de onde não mais retornaram. 

A mãe, desconsolada, voltou para a lagoa, transformando-se novamente em concha. Apesar de ninguém haver visto a criança, os índios acreditam que do filho de Mavutsinim tenham se originado todos os povos indígenas. 

Foi também Mavutsinim que criou de um tronco de árvore a mãe dos gêmeos Sol ( Kuát) e Lua ( Iaê,) responsáveis por vários acontecimentos importantes na vida dos Xinguanos, antes de se tomarem astros.

MAVUTSINIM  E O XINGU - A FORMAÇÃO DAS TRIBOS

Foi Mavutsinim quem tudo criou; fez as primeiras panelas de barro e as primeiras armas; a borduna, o arco preto, o arco branco e a espingarda. 

Tomando quatro pedaços de tronco, resolveu criar as tribos Kamayurá, Kuikuro, Waurá e Txukahamãe. 

Cada uma delas escolheu uma arma, ficando a tribo Waurá com a panela de barro. Mavutsinim pediu à Kamayurá que tomasse a espingarda, mas esta preferiu o arco preto. Os Kuikuros ficaram com o arco branco e os Txukahamães preferiram a borduna. 

A espingarda sobrou para os homens brancos. A população aumentou em demasia e Mavutsinim resolveu separar os grupos. Mandou que os Txukahamães fossem para bem longe, pois eram muito bravos. Os homens foram para as cidades, bem distantes das aldeias, pois tinham muitas doenças e com as armas de fogo viviam a ameaçar a vida dos outros grupos. Desta forma, as tribos puderam viver em paz.

MAVUTSINIM - O PRIMEIRO KUARUP, A FESTA DOS MORTOS

Mavutsinim, o grande pajé, desejava fazer com que os mortos revivessem e voltassem ao convívio de seus familiares. Cortou dois troncos e deu-lhes a forma de um homem e de uma mulher, pintando-os e adornando-os com colares, penachos e braçadeiras de plumas. Cravou-os no centro da aldeia. Preparou então uma festa e distribuiu alimentos a todos os índios, para que esta não fosse interrompida. 

Pediu aos membros da tribo que cobrissem seus corpos com uma pintura que expressasse apenas alegria, pois aquela seria uma cerimônia em que, ao som do canto dos maracá-êp (cantadores), os mortos iriam reviver: os Kuarups criariam vida. 

No outro dia a festa continuava; os índios deveriam cantar e dançar, embora proibidos pelos pajé de olharem para os troncos. Aguardariam de olhos cerrados a grande transformação. 

Naquela mesma noite, as toras começaram a mover-se, tentando sair das covas onde foram colocadas. Ao amanhecer já eram metade humanos, modificando-se constantemente. Mavutsinim pediu então aos índios que se aproximassem dos Kuarups sem parar de festejar, cantando, rindo e dançando. Apenas os que haviam passado a noite com mulheres não poderiam se integrar à cerimônia, permanecendo afastados do local. 

Um destes, porém, com irresistível curiosidade, desobedeceu às ordens do pajé e aproximou-se, quebrando o encanto do ritual. E os Kuarups voltaram à sua forma original de troncos. 

Contrariado, Mavutsinim declarou que, a partir daquele instante, os mortos não mais reviveriam no ritual do Kuarup! Haveria somente a festa. Ordenou que os troncos fossem retirados da terra e lançados ao findo das águas, onde permaneceriam para sempre.
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continua…

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Contos e Lendas Indígenas (Nação Lakota: Mulher Búfalo Branco) Parte 2, final

A Mulher Búfalo Branco mostrou ao povo o caminho certo para orar, as palavras certas e os gestos certos. Ela ensinou-os a cantar a canção de preenchimento de tubulação e como levantar o tubo do cachimbo para o céu, para o avô, e para baixo em direção a Unci, Avó Terra, e depois para as quatro direções do universo.

Com este tubo de santo”, ela disse, “você vai andar como uma oração viva”. Com os pés descansando sobre a terra e a haste do tubo alcançando para o céu, seu corpo forma uma ponte viva entre o Sagrado Abaixo e Acima. Wakan Tanka sorri sobre nós, porque agora nós somos como um: terra, céu, todas as coisas vivas, os de duas pernas, os de quatro patas, os de as asas, as árvores, as gramíneas.

Juntamente com as pessoas, eles estão todos relacionados, uma família. O tubo mantém-los todos juntos.

Olhe para este fornilho”, disse a mulher Búfalo Branco. ”Sua pedra representa o búfalo, mas também a carne e o sangue do homem vermelho”.  O búfalo representa o universo e as quatro direções, porque ele fica em quatro pernas, para as quatro idades de criação. O búfalo foi colocado no oeste por Wakan Tanka na criação do mundo, para conter as águas.

Todos os anos ele perde um fio de cabelo, e em cada uma das quatro idades ele perde uma perna. O aro sagrado vai acabar quando todo o cabelo e as pernas do grande búfalo são terem ido, e a água volta para cobrir a Mãe Terra.

A haste de madeira desta chanunpa representa tudo que cresce sobre a Terra. Doze penas penduradas na haste - a espinha dorsal - se junta a taça - o crânio - são de Wanblee Galeshka, a águia manchada, um pássaro muito sagrado que é o mensageiro do Grande Espírito e o mais sábio de todos os voadores.

Você está unido a todas as coisas do universo, por tudo o que clamam a Tunkashila. Olhe para a tigela: gravado nela são sete círculos de vários tamanhos. Eles representam as sete cerimônias sagradas você vai praticar com esta chanunpa, e para a Oceti Shakowin, as sete fogueiras sagradas de nossa nação Lakota”.

A Mulher Búfalo Branco em seguida, dirigiu-se às mulheres dizendo-lhes que era a obra das suas mãos e os frutos de seus corpos que mantiveram as pessoas vivas. "Vocês são da Mãe Terra", ela disse a elas. "O que vocês estão fazendo é tão grande quanto o que os guerreiros fazem.

E, portanto, o cachimbo sagrado também é algo que liga homens e mulheres juntos em um círculo de amor. É o santo objeto na fabricação de que homens e mulheres têm uma mão.

Os homens esculpir a taça e fazer a haste; as mulheres decorá-lo com bandas de porco-espinho coloridas. Quando um homem tomar uma mulher, ambos segurem o tubo, ao mesmo tempo e um pano de tratado vermelho é enrolado em torno de suas mãos, amarrando-os junto para a vida.

A Mulher Búfalo Branco também conversou com as crianças, porque elas têm uma compreensão além de seus anos. Disse-lhes: "Vocês são a próxima geração, é por isso que vocês são os mais importantes e preciosos. Algum dia vocês vão realizar estes ensinamentos e algum dia vocês vão rezar com ele…”.

Ela falou mais uma vez para todas as pessoas: "O tubo está vivo, é um ser vermelho mostrando-lhe uma vida vermelha e uma estrada vermelha E esta é a primeira cerimônia… A alma de uma pessoa morta, porque através dele você pode falar com Wakan Tanka, o Grande Mistério. O dia em que um ser humano morre é sempre um dia sagrado. O dia em que a alma é liberada para o Grande Espírito é outro. ”

Ela falou uma última vez para Standing Horn, o chefe, dizendo: “Lembre-se:… Este tubo é muito sagrado Respeite-o e ele irá levá-lo até o fim da estrada nas quatro idades da criação que estão chegando e eu virei vê-lo em cada ciclo de geração, vou voltar para vocês”.

A mulher sagrada, em seguida, despediu-se o povo, dizendo: "Toksha ake wacinyanktin ktelo - Vou vê-los novamente.

O povo viu saindo na mesma direção de onde tinha vindo recortado contra a bola vermelha do sol poente. Enquanto caminhava ela parou e rolou quatro vezes. Pela primeira vez, ela se transformou em um búfalo preto; o segundo para em um castanho; o terceiro em um vermelho e, finalmente, a quarta vez que ela rolou, ela se transformou em um bezerro de búfalo branco. Um búfalo branco é a coisa viva mais sagrada que você poderia encontrar.

A Mulher Búfalo Branco desapareceu no horizonte. Assim que ela tinha desaparecido, búfalos em grandes manadas apareceram, permitindo-se ser mortos de forma que as pessoas pudessem sobreviver. E a partir desse dia o búfalo forneceu às pessoas tudo o que precisam - carne para a sua alimentação, peles de suas roupas e tipis, e os ossos de suas muitas ferramentas.

Fonte:Curate Ipsum
https://canal-curateipsum-blog.tumblr.com/

domingo, 12 de junho de 2022

Contos e Lendas Indígenas (Nação Lakota: Mulher Búfalo Branco) Parte 1

A Mulher Búfalo Branco, na mitologia Lakota, é uma mulher sagrada de origem sobrenatural que deu aos Lakotas  "Sete ritos sagrados". Esta história da Mulher Búfalo Branco tem imensa importância para os Lakotas e muitas outras tribos.

Mais tarde, a lenda tornou-se atribuído à deusa Wohpe, também conhecido como Whope ou Wope.

Quando os missionários católicos romanos vieram pela primeira vez entre os Lakota, suas histórias da Virgem Maria e Jesus tornaram-se associada com a lenda da Mulher Búfalo Branco. A prática sincrética de identificação de Maria com PtesanWi e Jesus com o Chununpa continua entre os Lakota cristãos.

O Primeiro búfalo branco registrado no EUA foi em 1833 quando um bisonte branco foi morto por um Lakota Cheyenne durante uma chuva de meteoros chamada Chuvas Leonid. A pele deste bisonte está pendurado na parede do Old Fort de Bent no Colorado.

O búfalo americano ou Bison é um símbolo da abundância e da manifestação do sagrado. A lição aprendida pelos Lakotas é que um não tem que lutar para sobreviver. Isto é especialmente verdadeiro se a ação correta é acompanhada pela oração direita. Ao aprender a se unir de forma adequada com o divino, tudo o que será necessário será fornecido.

Como John Lame Deer, um líder espiritual diz: “Um búfalo branco é a coisa viva mais sagrada que você poderia encontrar." A cor e a idade têm um significado muito importante e que deve ser interpretado por um homem santo.

Os nativos americanos ao ver o nascimento de um bezerro de búfalo branco como o mais significativo dos sinais proféticos, equivalentes às estátuas que jorram mel ou choram sangue e as cruzes de luz que estão se tornando predominantes dentro das igrejas cristãs de hoje. Onde os fiéis que visitam estes sinais como uma renovação da relação contínua de Deus com a humanidade, por isso os nativos americanos ao ver o bezerro de búfalo branco como o sinal do sagrado da vida.

"A chegada do búfalo branco é como a segunda vinda de Cristo”, diz Floyd, um curandeiro Lakota Oglalade de Pine Ridge, Dakota do Sul. "Ele vai trazer a pureza da mente, corpo e espírito e unificar todas as nações; preto, vermelho, amarelo e branco.“ Ele vê o nascimento de um bezerro branco como um presságio porque acontecem nos lugares mais inesperados e muitas vezes entre as pessoas mais pobres do país. O nascimento do búfalo branco sagrado fornece aqueles dentro da comunidade indígena com um sentido de esperança e uma indicação de que os bons tempos estão por vir.

A narração de uma história de uma cultura para outra é complexa; sem viver na cultura, perdemos muito do significado da história. No entanto, ela ainda pode ter significado para nós se tomarmos o tempo para aprender sobre a filosofia da cultura de onde ela veio talvez meditar ou refletir sobre seu lugar em nossas próprias vidas.
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Os dois rapazes olharam para ela de boca aberta. Um deles foi intimidado pela sua presença, mas o outro a desejava e estendeu a mão para tocá-la. Esta mulher era Lila Wakan, muito sagrada, e não poderia ser tratada com desrespeito. Um relâmpago instantaneamente atingiu o jovem impetuoso, de modo que apenas uma pequena pilha de ossos enegrecidos foi deixada.

Para o outro olheiro que havia se comportado com razão, a Mulher Búfalo Branco disse: “Trago boas coisas, algo sagrado para sua nação uma mensagem que eu vou levar da nação búfalo para o seu povo. Volte para o acampamento e diga para o seu povo… para se prepararem para minha chegada. Diga ao seu chefe para colocar um Tipi (tenda) de cura com vinte e quatro polos. Que seja santificado pela minha vinda.

Este jovem caçador voltou para o acampamento. Ele disse ao chefe e às pessoas o que a mulher sagrada havia ordenado. Assim, as pessoas colocaram um grande tipi de medicina e esperou. Depois de quatro dias eles viram a Mulher Novilho Búfalo Branco se aproximando, carregando seu pacote a sua frente. Seu vestido de camurça branca maravilhoso brilhou de longe. O chefe a convidou a entrar no tipi. Ela entrou e circulou o nascer do sol no interior. O chefe se dirigiu a ela com respeito, dizendo: “Irmã, nós estamos contentes, você veio para nos instruir”.

Ela disse a ele o que ela queria que fosse feito. No centro do tipi eles tiveram que colocar um altar sagrado, feito de terra vermelha, com um crânio de búfalo e uma mesa de três pernas para uma coisa sagrada ela estava trazendo. Eles fizeram o que ela pediu e ela traçou um projeto com o dedo na terra suavizada do altar. Parou diante do chefe e abriu o pacote. A coisa sagrada que continha era o chanunpa, o cachimbo sagrado. Ela estendeu para as pessoas para deixá-los olhar para ele. Ela estava segurando a haste com a mão direita e a fornalha com a mão esquerda.

Mais uma vez o chefe falou: “Irmã, nós estamos contentes. Nós não tivemos nenhuma carne por algum tempo, tudo o que podemos dar-lhe é água.“. Eles mergulharam alguns wacanga (uma espécie de grama doce)  dentro de um saco feito de pele cheio de água e deu a ela, e até hoje as pessoas mergulham grama doce ou uma asa de águia na água e respinga a água em uma pessoa para ser purificado, como os padres fazem com a água benta.

A Mulher Búfalo Branco mostrou ao povo como usar o cachimbo. Ela encheu-o com chan-shasha , tabaco vermelho feito da casca  do salgueiro. Ela caminhou ao redor da pousada quatro vezes após o por de Anpetu-Wi, o grande sol. Isso representou o círculo sem fim, o arco sagrado, na estrada da vida. A mulher colocou uma lasca de couro de búfalo seca no fogo e acendeu o cachimbo com ele. Este foi peta-owihankeshni, o fogo sem fim, a chama para ser passado de geração em geração.

Ela disse-lhes que a fumaça subindo da fornalha era a respiração de Tunkashila (Deus), a respiração viva do grande avô misterioso.
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Continua…

domingo, 22 de dezembro de 2019

Contos e Lendas do Mundo (Tribo Taulipang: A Onça e o Raio)


Lenda dos índios taulipangs, habitantes do extremo norte do Brasil:
Certa feita, a onça passeava pela mata quando encontrou o raio a fabricar um porrete. A onça não conhecia bem o raio, pois nunca tinha visto um em terra, muito menos a fabricar porretes, e por isso imaginou que se tratava de algum animal.

Então ela começou a pisar macio e, depois de dar a volta, sem ser vista, pulou sobre o raio.

O raio, porém, escapou com um pulo veloz, sem sofrer nada.

A onça, desapontada, indagou:

– Quem é você?

– Sou o raio, não vê?

– Você é muito forte, não é?

– Está enganada, não sou nada forte.

Ao escutar isso, a onça inflou o peito e engrossou a voz.

– Pois eu sou o animal mais forte destas matas! Quando estou furiosa, não sobra nada inteiro!

Então, para demonstrar a sua força, a onça trepou numa árvore enorme e começou a devastar tudo, quebrando um por um dos galhos. Depois, desceu para o solo e começou a escavá-lo, atirando para cima tufos de relva e de terra até estar tudo revirado, como se um tatu doido tivesse passado por ali.

– Muito bem, que achou disso? – disse a onça, arfante.

O raio escutou, mas não disse nada.

– Vamos, quero vê-lo fazer algo parecido! – desafiou a onça.

– Como poderia, se não tenho a sua força? – disse o raio, afinal.

Inflada ainda mais pela confissão do raio, a onça entregou-se a nova demonstração de força, revolvendo tudo outra vez até ter aberto uma clareira na parte da mata onde estavam.

Enquanto a onça sorria, esbaforida, o raio tomou o seu porrete e começou repentinamente a vibrá-lo no chão e por tudo ao redor, fazendo a onça quicar e rebolar pelo solo como um bicho de pano. Uma verdadeira tempestade, seguida de raios e ventania, tornou tudo ainda mais sério, a ponto de a onça achar que o mundo se acabaria. Quando a tempestade finalmente cessou, a onça mal encontrou forças para pôr-se novamente em pé e ir correndo esconder-se atrás de uma rocha.

Mas o raio gostara da brincadeira e arremessou uma fagulha que fez a volta na rocha, acertando com precisão o rabo da onça. A onça deu o pulo mais alto de toda a sua vida, chamuscou a cabeça no cocar do Sol e desceu à Terra outra vez, fugindo a toda a velocidade.

O raio continuou a vibrar o seu porrete e a arremessar coriscos e fagulhas com tanta intensidade para cima da pobre bichana que ela viu-se obrigada a procurar refúgio na toca de um tatu gigante.

Tudo em vão: o raio varejou a cova do tatu e acertou em cheio, outra vez, os fundilhos da onça. Não havia jeito: onde quer que a onça buscasse refúgio, ali a alcançava o braço longo do raio.

Ao mesmo tempo, começou a soprar um vento frio e a cair uma chuva gelada, e como a onça já estava quase sem pelo algum, devido às queimaduras, pouco faltou para ela congelar-se.

– Depois do fogo, o frio! – gania ela, batendo os dentes, toda enrodilhada no solo.

Somente ao ver a rival arriada e completamente vencida foi que o raio se deu por satisfeito.

– Muito bem, agora diga quem é o mais forte por aqui!

A onça tapou a cabeça para não ter de responder, enquanto o raio partia, a gargalhar.

E aqui está, segundo os taulipangs, a razão de as onças temerem tanto os temporais.
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Tribo Taulipang ou Taurepang – se localizam tanto na Venezuela quanto no Brasil, na região norte de Roraima, área que é fronteiriça com outras nações (Venezuela e Guiana). No Brasil, notadamente se encontram na Raposa Serra do Sol, entretanto seu território vai alem desse local, há aldeias que estão no interior da terra indígena São Marcos. São cercados por outras tribos tornando o contato quase que inevitável o que eventualmente resulta na união entre as tribos. As aldeias em questão são os Makuxi, Taurepangue e os Waxpiana que se interelacionam com frequencias diferentes, sendo os intercasamentos recorrentes entre os Waxpiana e os Makuxi e os mais raros entre os Taurepang e os Makuxi, devido a uma serie de fatores, sendo o preponderante a distribuição geografica que impossibilita uma maior interação/integração. De acordo com registros escritos do século XIX os Taurepangue eram reconhecidos pelo nome "Arekuna" ou "Jarecuna". (wikipedia)

Fonte:
Mitos e Lendas

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Contos e Lendas do Mundo (Nação Tupinambá: A Vingança de Maire-Pochy)


Apesar da nobre ascendência de Monan, Maire-Pochy, por alguma desgraça do destino, nascera voltado à infelicidade. Além de servo do cacique, ele era feio e corcunda.

Maire-Pochy gostava de pescar, e certo dia trouxe do rio um belo peixe. Ao vê-lo, a filha do seu amo lambeu os lábios de apetite.

– Que beleza! Tudo faria para saboreá-lo!

Maire-Pochy correu logo a preparar, ele mesmo, o belo peixe no moquém (espécie de grelha). O peixe devia ser muito especial, pois tão logo a jovem o comeu, ficou grávida. O menino nasceu com uma rapidez inaudita, e logo o pai da jovem quis saber quem era o pai da criança.

Mas ninguém se apresentou, o que obrigou o cacique a ter uma conversa com o pajé.

– Os miseráveis estão calados, e ninguém quer assumir a paternidade! – disse o morubixaba. – Como hei de saber quem é o pai da criança?

O pajé, porém, que tinha receitas para todos os males, tinha uma também para este.

– É fácil descobrir – disse ele, com uma empáfia serena. – Reúna todos os homens da tribo e os faça desfilar diante da jovem portando seus arcos. Quando o verdadeiro pai se apresentar, a criança tocará o seu arco.

O cacique fez como o pajé dissera, e todos os homens saudáveis da tribo desfilaram diante da jovem com o bebê ao colo. Mais de cem índios, de todos os tamanhos, passaram à frente do bebê, mas ele não tocou o arco de nenhum deles.

Então, o terror cresceu na alma do cacique.

– Será Anhangá, o espírito mau, o pai da criança?

Mas, quando todos já estavam se dispersando, o pajé gritou:

– Esperem! Faltou Maire-Pochy, o corcunda!

Um coro de risos explodiu entre os índios.

– Está brincando? – exclamou o cacique ao pajé.

– Ele é um homem saudável, apesar da aparência – disse o pajé. – Que desfile também!

Então Maire-Pochy desfilou diante da índia e de seu bebê. Assim que ele passou diante dos dois, portando o seu arco, o garoto esticou o bracinho e fez vibrar a corda.

Um som parecido com o da harpa soou, fazendo calar a tribo inteira.

– Afronta e vergonha! – gritou o morubixaba, fuzilando a filha com os olhos.

No mesmo dia, o cacique ordenou que a tribo inteira partisse daquele lugar, abandonando a filha e o neto junto com Maire-Pochy.

– De hoje em diante, não tenho mais filha! – esbravejou o cacique, antes de partir.

Desde aquele dia, a taba florescente converteu-se numa taba-fantasma, habitada apenas pela mulher, a criança e Maire-Pochy. Mal sabia, porém, o cacique que, ao partir, levara consigo uma maldição, pois nas novas terras verdejantes onde a tribo se instalou não crescia mais um único talo de erva, a água havia secado e toda a criação perecera.

– Isto só pode ser uma maldição de Maire-Pochy! – disse o cacique.

Nas terras onde haviam permanecido o corcunda e a índia, tudo continuava às mil maravilhas: as plantações brotavam por si mesmas, a água corria fresca e estuante e os animais procriavam como coelhos.

Ao saber dos infortúnios do cacique, Maire-Pochy mandou dizer a ele que poderiam vir abastecer-se nas terras onde agora era o senhor.

– Maire-Pochy diz que não guarda mágoa alguma – disse o emissário ao cacique.

O morubixaba pensou um pouco e disse:

– É, não tem outro jeito, vamos ter de nos humilhar diante daquele miserável!

Então apresentaram-se diante do corcunda e da jovem.

– Abasteçam-se de tudo quanto quiserem – disse Maire-Pochy , com um ar piedoso.

Os esfomeados se lançaram à comida farta, espalhada por dúzias de moquéns. Ao experimentarem os pitéus, no entanto, sobreveio imediatamente a desgraça, pois tudo não passava de uma armadilha. Logo todos começaram a se converter em porcos, em grilos e em maracanãs (espécie de arara menor, de plumagem verde). O cacique se converteu num jacaré, enquanto sua esposa virou uma tartaruga.

Cumprida a vingança, Maire-Pochy fez como o seu antepassado Monan e subiu às nuvens, para nunca mais retornar à Terra.

Fonte:
Mitos e Lendas Sul Americanas

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Contos e Lendas do Mundo (Nação Tupinambá: Terra, Fogo e Água)


Existem, espalhados por esse mundo, muitos mitos e histórias que falam de grandes cheias que representam uma segunda oportunidade para a humanidade. Este mito dos Tupinambás é uma história que fala da Terra, do fogo e da água.

No tempo em que o planeta era completamente plano, sem a menor colina, vale ou montanha à vista, a terra estendia-se a perder de vista. Não havia mares nem oceanos, apenas o número suficiente de lagos para fornecer a água de que as pessoas necessitavam para beber e as árvores para crescer.

Esse mundo, assim como o seu povo, fora criado e cuidado por alguém chamado Monan, que existia antes do princípio de si mesmo, portanto não tinha começo nem fim. Era, é e será sempre.

Monan tratava os humanos como crianças mimadas e deixava-os fazer o que queriam, desde que o respeitassem como seu criador, assim como à Terra, que fizera para nela viverem.

No começo, tratava-se de uma situação satisfatória. Todos os dias eram dias de descanso e prazer para o seu povo que, no entanto, à medida que o tempo ia passando, se foi tornando ingrato.

- Para que precisamos nós de Monan? - perguntou um, levando um fruto à boca e saboreando a sua doçura pegajosa. - Quem me dera que nos deixasse em paz.

- Temos tudo o que queremos - acrescentou um outro. - Monan não nos serve para nada.

A certa altura, as pessoas começaram a falar mal do seu criador e a criticar o mundo que este fizera para eles.

- Seria melhor que tornasse os dias mais ensolarados - queixou-se um.

- Cá por mim, não eram tão brilhantes - resmungou outro.

- Porque terá o céu este azul tão enfastiante? - lamuriou-se um outro. E o que ainda era pior, houve quem começasse a falar da Terra como se esta tivesse aparecido por acaso... esquecendo-se completamente de Monan.

No início, Monan não ligou importância ao fato. Achava que as ideias disparatadas do seu povo acabariam por passar e que, em breve, todos voltariam a sentir-se gratos como no passado. No entanto, enganava-se.

Monan, preocupado com o rumo seguido por aqueles que criara com tanto carinho, voltou as costas à Terra e aos seus habitantes, deixando-os entregues à vida sem ele. Mas quando o seu comportamento começou a tomar proporções graves, achou que lhe competia pôr termo a tal situação.

Enviou um fogo terrível do céu. Este fogo, chamado Tatá, era tão quente e violento que não só destruiu tudo o que era vivo como também fez com que a Terra se enrugasse e encarquilhasse, dando origem ao que hoje são os montes, vales e montanhas que conhecemos.

Este acontecimento teria representado o fim da humanidade, se Monan não tivesse salvo uma pessoa antes de enviar o fogo. Era-lhe muito penoso destruir todas as suas criações, daí que tenha preservado um homem chamado Irin-Mage.

Irin-Mage olhou para a Terra e viu as chamas subirem cada vez mais alto.

- Quereis que as chamas também destruam o céu e as estrelas? perguntou ao seu criador. - Se não fizerdes nada para as suster, em breve este fogo devastador chegará aqui acima e consumirá o vosso próprio lar!

Monan fez então cair do céu uma chuva abundante como nunca se vira até então nem nunca mais se voltou a ver. A água brotou das alturas em vastas cascatas, extinguindo o fogo de Tatá.

As cinzas do incêndio foram varridas para longe e surgiram então os mares e os oceanos que hoje existem. As águas, ao misturarem-se com as cinzas, tornaram-se salgadas, razão pela qual diferem das dos rios, lagos e ribeiros, alimentados por chuvadas vindas mais tarde.

A Terra, com os seus montes, vales, montanhas, oceanos e mares, parecia até mais bela do que antes.

- Irei pôr-te ali, Irin-Mage - disse Monan. - O teu lugar não é no céu.

- Fico-vos grato - retorquiu o único ser humano que sobrevivera. Além de me salvardes a vida, colocais-me num mundo maravilhoso... apesar de saber que a solidão me será muito pesada por não ter alguém com quem o partilhar.

Monan fitou-o com bondade.

- És um homem bom - disse -, o que me faz feliz por te ter escolhido. Arranjar-te-ei uma esposa com a qual possas partilhar este mundo novo. Tende muitos filhos, pois será de vós que todas as pessoas virão.

Dito isto, Monan colocou Irin-Mage na Terra, juntamente com a sua nova esposa.

O tempo foi passando e Irin-Mage gerou muitos filhos na sua esposa, porém nenhum era tão poderoso como Maira-Monan, assim chamado para homenagear o criador que dera uma segunda oportunidade à humanidade.

Maira-Monan era um feiticeiro poderoso e conhecia todos os segredos da Natureza. Gostava de viver longe de todos; no entanto, partilhava muitos dos seus segredos com os outros, tornando assim mais fácil a vida na Terra. Transmitiu às pessoas o segredo do fogo e ensinou-as a cultivar as suas próprias safras.

Os poderes de Maira-Monan eram, no entanto, muito superiores. Foi ele que transformou os animais em todas as diferentes espécies que hoje conhecemos. Quando Monan colocou os pais de Maira-Monan na Terra, depois do fogo e da cheia, forneceu-lhes muitos tipos diferentes de árvores e plantas; porém, os animais eram todos iguais. Foi Maira-Monan que, servindo-se das suas artes, os tornou diferentes uns dos outros, criando tatus, garças, piranhas, abutres, entre uma miríade de outros. Encheu a terra, a água e o ar de vida.

Algumas pessoas - naquela altura já eram muitas - tinham medo de Maira-Monan.

- Que ele queira criar todos esses tipos diferentes de animais não tem importância - comentou uma mulher. - O pior é se ele decide focar a sua atenção em nós. E se resolve achar que devemos ter uma forma diferente?...

- Ou outra cor, ou tamanho? - concordou o marido.

- E se ele achar que devemos viver no oceano como se fôssemos peixes? Quem é que irá fazer-lhe frente? - perguntou a mulher. É demasiado poderoso.

- Temos de o impedir que o faça! - exclamou o vizinho.

- Sim - entoaram em coro. - Sim!

Finalmente, traçaram um plano e chamaram Maira-Monan a uma aldeia próxima.

- Ficamo-vos gratos por terdes vindo, grande sábio - saudou o chefe da aldeia. - Temos um pedido a fazer-vos, mas antes disso gostaríamos que demonstrásseis os poderes de que tanto temos ouvido falar.

- Se assim o desejais - acedeu Maira-Monan, filho de Irin-Mage, ignorando a armadilha que lhe preparavam e divertido com a ideia de ter de provar o seu poder. - Que quereis que eu faça?

- Apenas que atravesseis três fogueiras que acendemos para esse fim disse o chefe da aldeia.

- Se isso vos der prazer - aquiesceu Maira-Monan, sendo, então, conduzido até à primeira fogueira.

Caminhou lentamente por entre as labaredas, pisando as brasas incandescentes com as solas nuas dos pés como se não fossem mais do que pedrinhas de arestas afiadas. Saiu do outro lado sem a menor chamuscadela.

- Não sei o que isso poderá provar - observou o grande feiticeiro -, mas estou pronto para a segunda fogueira.

Os aldeãos levaram-no então até à segunda fogueira. Esta continha um feitiço com o qual Maira-Monan não contava. Mal entrara no meio da chamas, vacilou e caiu sobre os joelhos, perante as exclamações de quem assistia. Tê-lo-iam realmente derrotado?

As chamas envolveram Maira-Monan, que desapareceu numa explosão de luz brilhante, à qual se seguiu um estrondo tão violento que chegou aos céus.

Aqueles que o tinham enganado fugiram em pânico, aterrorizados com o que tinham feito, sem saberem se haviam de tapar os olhos ou os ouvidos.

No alto, a explosão chegou a um espírito chamado Tupan, que apanhou o feixe de luz cegante e transformou-o em raios. Quanto ao barulhento PUM, fez dele um trovão. Desse dia em diante, Tupan passou a ser o espírito dos trovões e dos raios.

Portanto, sempre que surge uma tempestade acompanhada de raios e trovões, é em memória de Maira-Monan. Também nos faz recordar a maior de todas as borrascas que o mundo já conheceu, quando o Criador inundou a Terra e deu aos humanos uma segunda oportunidade.

Fonte:
Mitos e Lendas Sul Americanas

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Lenda Guarani (Erva Mate)

Há muitos e muitos anos, uma grande tribo guarani, por se nômade precisavam encontrar um outro lugar para morar onde a caça fosse farta e a terra fértil. Lentamente os índios foram deixando a aldeia onde haviam vivido tantos anos.

O povo migrou, mas sem que ninguém soubesse um velho índio que dormira tapado por couros ao acordar se viu só, sem seus descendentes para cuida-lo.

É obrigado a levantar-se e agarrando-se as árvores se põem a caminhar, nisto surge uma bela e jovem índia que se coloca atrás dele.

Ela chamava-se Yari e era sua filha mais nova, que não teve coragem de abandonar seu velho pai, que sozinho iria morrer.

Numa triste tarde de inverno, o velho entretido colhendo algumas frutas, assustou-se quando viu mexer-se uma folhagem próxima. Pensou que fosse uma onça, mas eis que surge um homem branco muito forte, de olhos cor do céu e vestido com roupas coloridas.

Aproximou-se e disse-lhe:

- Venho de muito longe e há dias ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer?

- Sim, respondeu o velho índio, mesmo sabendo que sua comida era muito escassa.

Quando chegaram à sua cabana, ele apresentou ao visitante a sua filha.

Yari acendeu o fogo e preparou algo para o moço comer. O estranho comeu com muito apetite. O velho e a filha emprestaram a cabana e foram dormir em uma das outras abandonadas.

Ao amanhecer o velho índio encontrou o homem branco, pediu que ele descansasse um pouco mais. Porem, respondeu-lhe que tinha percebido a necessidade dos dois, ninguém o tinha ajudado e acolhido tanto então. 

Embrenhou-se em direção à floresta. Depois de algum tempo retornou com várias caças.

- Vocês merecem muito mais! explicou o homem – me darem o que não tinham e foram de grande bondade. Tupã está preocupado com a saúde de vocês e por isto me enviou. E em gratidão a tanta bondade lhe concedo um pedido.

O pobre velho queria um amigo que lhe fizesse companhia até o findar de seus dias, para que pudesse deixar de ser um fardo para sua doce e jovem filha. O estranho levou-lhe então até uma erva mais estranha ainda dizendo:

- Esta é a erva-mate. Plante-a e deixa que ela cresça e faça-a multiplicar-se. Deve arrancar-lhe as folhas, fervê-las e tomar como chá. Suas forças se renovarão e poderá voltar a caçar e fazer o que quiser. Sua filha poderá então retornar a sua tribo. 

Yari resolveu que de qualquer jeito jamais deixaria de fazer companhia ao pai. Pela sua dedicação e zelo, o enviado do tupã sorriu emocionado e disse:

- Por ser tão boa filha, a partir deste momento passará a ser conhecida como Caá-Yari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam a fim de serem fortes e felizes.

Logo depois o estranho partiu, mas deixou na cabeça de Yari uma grande dúvida: como poderia ela, vivendo afastada das demais tribos divulgar o uso da tal erva? E o tempo foi passando...

Em uma tribo não muito distante dali, os índios estavam contentes com a fartura das caçadas.  Organizaram uma grande festa para comemorar, não faltava comida e muita bebida. Mas a bebida demais levou dois jovens índios a começaram a discutir e brigar. Tratava-se de Piraúna e Jaguaretê.

No furor da briga Jaguaretê empunha um tacape e bate na cabeça de Piraúna, matando-o. Jaguaretê foi então detido e amarrado ao poste das torturas. Pelas leis da tribo, os parentes do morto deveriam executar o assassino. Trouxeram imediatamente o pai de Piraúna para que ordenasse a execução. Muito consciente que a tragédia só aconteceu por estarem os jovens sob o efeito da bebida, liberou o Jaguaretê, que foi então expulso da tribo e foi buscar sua sorte na floresta e quem sabe nos braços de Anhangá, espírito mau da mata. Conforme caminhava e o efeito do álcool era amenizado, mais se arrependia do mal que fizera.

Passadas muitas décadas, alguns índios daquela tribo, aventuravam-se na mata fechada em busca caça que já estava rara no local em que viviam. Entrando no sertão, no meio da floresta, encontraram uma cabana e foram aproximando-se com cuidado, mas mesmo assim foram pressentidos e saiu da cabana um homem muito forte e sorridente. Muito embora seus cabelos fossem totalmente brancos, sua fisionomia era de um jovem e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. Identificou-se então como sendo Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo e que a bebida desconhecida era o mate.

Contou que quando foi abandonado a sua sorte, muito andou e quando estava apertado de cansaço e remorso, jogou-se ao chão e pediu para morrer. Acordou-se com a visão de uma índia de rara beleza que apiedando-se dele disse-lhe:

- Meu nome é Caá-Yari e sou a deusa dos ervais. Tenho pena de você, pois não matou por gosto e agora arrepende-se amargamente pelo que fez. Para suportar seu exílio, eis aqui uma bebida que o deixará forte e lhe esclarecerá as ideias. 

Levou-o até uma estranha planta e voltou a dizer:

- Esta é a erva-mate. Cultive-a e a faça multiplicar. Depois prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo permanecerá forte e sua mente clara por muitos anos. Não deixe de transmitir a quem encontrar o que aprendeu com o mate.

- Por tanto, jovens guerreiros, quero que leve alguns pés da erva-mate para a sua tribo e que nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam.

Aqueles índios voltaram e contaram aos outros os que haviam ouvido. O mate foi plantado e multiplicou-se. Outras tribos apreenderam e foi desta forma que seu uso chegou até nós.

Fonte:
Imagem = http://www.gazetainformativa.com.br 

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Folclore Indígena: Nação Bororó (Como Nasceram as Estrelas)


Existem muitos mitos sul-americanos que falam da maneira como as estrelas encheram o céu. 

Este mito, contado pela tribo dos Bororós, começa com uma manhã, tranquila e igual a muitas outras, passada numa povoação. Os homens da aldeia tinham partido para a caça, de modo que as mulheres pegaram nos seus cestos e foram colher milho para fazer tortilhas. O pior é que encontraram muito poucas maçarocas.

- Que safra tão pobre - comentou uma delas. - Passei a manhã toda à procura e tenho o meu cesto quase vazio.

- Vamos pedir ao pequenino - sugeriu uma idosa. - Ele tem muito jeito para encontrar as maçarocas... ainda não percebi como consegue. É tão miudinho e o milho cresce tão alto, mas o certo é que consegue dar com as maçarocas!

E foi assim que uma das mulheres voltou à aldeia para chamar o pequenino. Encontrou-o junto da avó, que tentava ensinar algumas palavras novas à arara de estimação. São aves espertas, que conseguem aprender a dizer todo o tipo de palavras.

- O pequenino pode ir conosco para nos ajudar a encontrar maçarocas? -perguntou a mulher à avó do rapaz.

- Claro que sim! - replicou a avó. - Vá, pequenino, toca a andar. 

O pequenino acompanhou a mulher até ao milharal.

- Vê o que consegues encontrar - incitou-o ela.

Como já era de imaginar e tal como a velha previra, o pequenino foi achando maçaroca atrás de maçaroca, até os cestos das mulheres ficarem a abarrotar. Estas sentaram-se então numa clareira, a tirar o milho das maçarocas. Depois arranjaram umas pedras lisas, com as quais esmagaram os bagos até os reduzirem a farinha.

- Assim teremos muitos bolos e tortilhas para dar aos nossos maridos quando eles voltarem da caçada - observou a velha. - Ficarão todos contentes!

O pequenino, porém, sempre que apanhava uma delas distraída, roubava um pouco de farinha para si, escondendo-a dentro do interior oco de talos de bambu.

 «Claro que isto não é roubar», disse de si para si. «Como fui eu quem encontrou a maioria das maçarocas de que esta farinha foi feita, tenho todo o direito de ficar com um bom bocado.»

Não tardou que o pequenino juntasse uma quantidade suficiente para fazer uma festa. Pegou nos paus de bambu e voltou para junto da avó, que ficara na aldeia a tomar conta das crianças.

- Avó! Avó! - exclamou. - Quero dar uma festa para todos os meus amigos... Aqui tem a farinha para os bolos. Importa-se de os fazer?

Sacudiu a farinha que trazia dentro dos paus de bambu, juntando uma boa quantidade num monte.

 A avó esbugalhou os olhos de surpresa.

- Onde é que arranjaste toda esta farinha, pequenino? - perguntou, espantada.

 «Pequenino», cantarolou a arara, imitando-a.

- A avó sabe que eu fui apanhar maçarocas com as mulheres - respondeu o menino. - Ajudei-as a encontrar tantas que me disseram que já tinham farinha que chegasse para os homens.

- Portanto resolveste roubar esta, não foi? - perguntou-lhe a avó.

- Claro que não! - mentiu o rapaz. - Elas é que me disseram para tirar a que fosse capaz de carregar.

«Carregar», guinchou a avó. Franziu o sobrolho mas, logo a seguir, o seu rosto abriu-se num sorriso.

- Acredito em ti - disse, deitando mãos ao trabalho na preparação dos bolos.

Não tardou que a casa da avó se enchesse com o odor delicioso dos bolos acabados de coser... e a abarrotar de crianças, pois o pequenino convidara todos os amigos para a festa.

A avó do rapaz ficou sentada a um canto, juntamente com a arara de estimação, a ver a miudagem a encher a barriga de bolos. Começava a duvidar de que o pequenino tivesse contado a verdade. Se calhar o neto não recebera a farinha mas, sim, roubara-a.

- Será que o meu pequenino é um ladrão? - murmurou. A arara ouviu a palavra «ladrão» e repetiu-a.

«Ladrão!», guinchou. Como achou a palavra agradável de pronunciar, continuou a repeti-la: «Ladrão! Ladrão!».

 As crianças calaram-se.

- Não quero que aquele pássaro maluco nos denuncie. - disse o pequenino. 

«Ladrão!», gritou a arara.

Sem parar para pensar no que estava a fazer, o rapaz agarrou na ave e cortou-lhe a língua. Alguns contam que depois chegou a fazer o mesmo à avó, para se certificar do seu silêncio. No entanto, é provável que a avó tenha ficado suficientemente assustada com o que acontecera à sua pobre ave para não dar com a língua nos dentes.

A maldade estava consumada. Não havia como voltar atrás. Então, como muitas vezes acontece, as coisas más não ficaram por ali. As crianças, com a barriga cheia como há muito não acontecia, saíram de casa atrás do pequenino e foram soltar todas as outras araras de estimação da aldeia.

Foi então que, com a mesma certeza e lentidão com que o Sol nasce pela manhã, o pequenino começou a perceber as maldades terríveis que cometera. Cortara a língua a uma ave, roubara farinha, assustara a avó... o que viria a seguir? Tinham de fugir, as crianças precisavam de se pôr a salvo antes que os pais descobrissem o que haviam feito!

Contudo, para onde poderiam escapulir-se sem serem descobertas pelos adultos?

 -Já sei - exclamou o pequenino. - Os crescidos não são bons trepadores porque pesam muito. Subamos para um sítio aonde eles não possam chegar.

- Para onde? - perguntou uma menina, ainda com a boca suja de migalhas.

- Para o céu! - exclamou o pequenino.

- Mas... como? - quis saber um rapaz mais velho.

- Há sempre uma maneira! - declarou o pequenino ao avistar, naquele preciso momento, uma trepadeira grande. Tinha o caule cheio de nós salientes; portanto, seria fácil subir por ela. Pousado na planta estava um beija-flor.

O pequenino segredou algo ao ouvido do beija-flor e logo a ave pegou numa das pontas da trepadeira e voou com ela para o céu, prendendo-a no sítio certo.

- Despachem-se! - incitou o pequenino, começando a subir pela planta, em direção ao céu. Em breve era seguido por uma fila de crianças.

Quando as mulheres regressaram à aldeia com os cestos cheios de farinha, prontas para começar a cozinhar para os seus homens, não encontraram os filhos. Correram para casa da avó do pequenino e encontraram-na a chorar pela sua pobre arara.

- Que aconteceu? - perguntou uma das mulheres.

- Onde estão as crianças todas? - inquiriu outra, aflita.

Nesse instante, uma delas ainda viu as pernas da última criança a subir pela trepadeira, antes de desaparecer no céu.

- Olhem! - gritou a mulher. - Estão ali!

Deitou a correr em direção da trepadeira, seguida pelas outras mulheres. Em breve tentavam, desesperadamente, subir pelos nós da planta, a fim de alcançar os filhos.

O pequenino, no entanto, tivera razão. Os adultos jamais conseguiriam ir atrás deles até àquele lugar. A trepadeira não aguentou o peso e desprendeu-se do sítio onde o beija-flor a prendera.

Caiu então por terra com um terrível CRAQUE!, fazendo lembrar uma corda enrolada, e as mulheres, que eram mães, tias e primas, tombaram no chão, em grande choro. Nesse dia, porém, o solo foi generoso para elas. Em vez de morrerem todas, pois tombaram de uma grande altura, ao tocar na terra seca e dura, transformaram-se em diferentes animais. Esta estranha mistura de criaturas começou então a galopar, correr, rastejar, saltar e andar por ali fora.

Nessa noite, quando os homens voltaram da caça, em vez de serem saudados pelo cheiro de petiscos e pela gritaria dos filhos, não viram ninguém, além da velha.

Com língua ou sem ela, o certo é que a avó do pequenino ficara completamente muda com o que vira, portanto, nada disse.

Viam-se alguns animais esquisitos a perambular por entre as casas, mas os homens não lhes deram atenção, tão aflitos andavam à procura das mulheres e dos filhos.

- O que lhes terá acontecido? - perguntou um dos caçadores. - Não há sinais de ataque... Deve ter havido aqui alguma bruxaria.

- E o que é aquilo? - exclamou um outro apontando, admirado, para o céu escuro.

Os homens da aldeia ficaram a olhar, espantados, para as estranhas luzes que brilhavam no meio da escuridão, luzes que hoje conhecemos como estrelas.

Depois da trepadeira cair, as crianças ficaram para sempre presas no céu. Ainda ali estão e nunca envelhecem. Às estrelas são os seus olhos a brilhar com as lágrimas que choram pelas terríveis maldades cometidas.

Fonte:

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Contos e Lendas do Mundo (Nação Algonquina: O Choro que Derrotou um Deus)

Para as tribos algonquinas, Glooscap era um deus poderoso e sagaz. Não tinha medo de ninguém, e acreditava que não havia nada nem ninguém que não conseguisse conquistar.

Glooscap estivera longe do seu povo durante muito tempo. Enfrentara inimigos e derrotara-os com a sua bravura, a sua astúcia e a sua perspicácia. Quando regressou a uma das suas tribos, Glooscap gabou-se da sua grandeza.

- Não há ninguém que não me receie ou que não me obedeça.

- Estais assim tão seguro disso, senhor? - perguntou uma mulher. Conheço alguém que não vos obedecerá.

Surpreso com a novidade, mas excitado com o desafio, Glooscap pediu para saber o nome deste ser.

- Chama-se Wasis - disse a mulher.

- E não tem medo de mim? - perguntou Glooscap.

- Não - disse a mulher. - Ele faz sempre aquilo que quer. Ele não vos obedecerá, senhor.

- Então esse Wasis tem de ser muito poderoso - disse Glooscap.

- À sua maneira - concordou a mulher.

- É tão alto como os Kewawkqu? - indagou Glooscap. Os Kewawkqu eram uma raça de gigantes e feiticeiros.

- Não - disse a mulher. - É mais pequeno do que um diabrete.

- A sua magia é maior do que a dos Medecolin? - perguntou Glooscap. Os Medecolin eram feiticeiros perspicazes.

- Não - disse a mulher. - Ele não sabe nada de magia.

- É tão mau como Pamola? - indagou Glooscap. Pamola era um espírito maligno da Noite.

- Não - disse a mulher. - Wasis não é nada dessas coisas. Não é gigante. Não é feiticeiro e não há nada de maligno nele.

- No entanto, ele não me receia e não me obedecerá! - vociferou Glooscap, que estava desconcertado com a ideia do poderoso Wasis. Levas-me até ele?

- Se quiserdes, senhor - disse a mulher. - Wasis vive perto. Venha.

Com aquilo, ela conduziu Glooscap até uma tenda vulgar. A tenda, em forma de abóbada, tinha uma estrutura de madeira e estava coberta de pedaços de casca de vidoeiro.

- Wasis vive aqui na vila? - perguntou Glooscap. Por que razão é que nunca ouvira falar dele? E porque é que alguém tão poderoso como ele não vivia numa tenda mais imponente, com peles de animais em vez de casca de vidoeiro como cobertura?

- Sim - disse a mulher. - É esta a tenda dele.

Entraram na tenda e o deus olhou em redor. Parecia-lhe familiar.

- Esta não é a tua tenda? - perguntou.

A mulher fez um sinal afirmativo com a cabeça.

- Sim, senhor, mas agora é também a tenda de Wasis.

- Onde é que ele está então? - indagou Glooscap.

A mulher apontou para um bebê que estava sentado em cima de um tapete, a chupar um pedaço de açúcar de bordo.

- Aquele é Wasis - disse ela.

- Mas ele não passa de um bebê! - disse Glooscap, e soltou uma sonora gargalhada.

- Nem mais nem menos, senhor - concordou a mulher. - É meu filho. 

Ela sabia que Glooscap andava sempre em viagem, embrenhado nas suas aventuras, e nunca tivera de tratar de um filho durante toda a sua vida. Ele não conhecia a diferença entre as crianças e os outros seres humanos!

Glooscap resolveu usar o seu amuleto para fazer com que Wasis lhe obedecesse. Sorriu para o bebê.

- Vem cá - disse.

Wasis sorriu-lhe, mas não se mexeu. Ficou sentado no centro do tapete, a balbuciar.

Glooscap pôs então as mãos na boca e imitou o pio de uma ave. Era uma melodia bonita, e a mãe de Wasis estava encantada com ela. Mas não era a ela que a melodia se destinava. Destinava-se a atrair a atenção de Wasis, mas ele não estava minimamente interessado. Demonstrava muito mais interesse no bocado de açúcar de bordo que estava a chupar.

 Furioso por alguém se atrever a ignorá-lo, a ele, um deus poderoso, Glooscap ficou fora de si.

- Vem cá imediatamente! - berrou ele a Wasis, mas não surtiu qualquer efeito.

Incomodado por este estranho que entrara em sua casa e estava agora a gritar e esbravejar, Wasis recusou-se a obedecer ao deus. E desatou a chorar. Quanto mais aumentava a fúria de Glooscap, mais alto Wasis berrava... e continuava sem sair do seu lugar no tapete.

Finalmente, Glooscap passou para a magia. Começou a cantar uma canção tão poderosa que seria suficiente para ressuscitar os mortos. Há quem diga que era uma canção tão imbuída de magia que afugentou os espíritos malignos para as profundezas da Mãe Terra.

Wasis parou de chorar, a melodia pareceu acalmá-lo. Mas não tardou a ficar aborrecido - soltou um sonoro bocejo e as pestanas começaram a fechar-se.

Totalmente derrotado, Glooscap escapuliu-se da tenda, a tremer de raiva. A mulher pegou em Wasis ao colo e apertou-o contra si. Saiu da tenda e ficou a observar o deus enraivecido a atravessar com passo pesado o acampamento. Não haveria mais gabarolices da parte dele nesse dia!

O bebê sentiu o cheiro familiar da sua mãe e sentiu o calor dela contra o seu corpo. Sorriu, olhando-a com ar afável. Já não chorava.

- Penso que Glooscap aprendeu uma importante lição hoje, Wasis - disse ela.

- Gu! - fez Wasis, e voltaram para dentro da tenda.

E foi assim que o maior dos deuses foi derrotado pela mais pequena das crianças, e é por isso que sempre que um bebê diz «Gu!» nos lembramos do dia em que Wasis pôs Glooscap no seu lugar.

Fonte:

domingo, 24 de junho de 2018

Contos e Lendas do Mundo (Nação Iroquês: A Busca da Cura)


Nekumonta, o guerreiro iroquês, nunca matou um animal por desporto e adorava as plantas e as árvores à sua volta. 


Quando uma terrível praga caiu sobre a sua aldeia, a sua bondade para com a Natureza foi recompensada.

O Inverno chegara à aldeia de Nekumonta e a neve era muita. Mas algo pior do que a neve viera visitar a aldeia nesse ano: uma praga terrível. Ninguém parecia imune - homens, mulheres e crianças tinham morrido por causa dela. Aqueles que ainda não haviam sido apanhados pela praga estavam cansados de cuidar dos doentes e de se despedir dos mortos.

Nunca houvera tal tristeza na aldeia. Maridos que perderam as mulheres. Mães que perderam os filhos. Irmãos que perderam as irmãs. Famílias inteiras arrasadas. Com a neve veio a praga... e com a praga veio a tristeza e o desespero.

Nekumonta perdera toda a sua família com esta doença terrível - toda, isto é, menos a sua bonita mulher, Shanewis. Mas agora ela apanhara a doença e os seus dias entre os vivos estavam contados. Ela chamou Nekumonta e insistiu para que ele a levasse para fora da aldeia.

Quando ele protestou, ela disse:

- Marido, sabemos que a morte virá, quer eu esteja agasalhada quer esteja ao ar livre num lugar onde possa ouvir os espíritos dos meus queridos mortos a chamar por mim. Por favor, por favor, faz o que te estou a pedir.

Assim, Nekumonta enrolou a sua amada em peles e levou-a para o ar livre, pousando-a num lugar limpo de neve. O céu cinzento encheu-se dos espíritos daqueles que haviam partido desta vida, e chamaram por Shanewis.

- Junta-te a nós! - gritaram. - Livra-te da dor e do sofrimento trazidos pela praga.

Mas Nekumonta não queria saber daquilo para nada.

- Não dê ouvidos aos chamamentos deles até eu voltar da minha busca - pediu à esposa moribunda. - Vê depois se a única alternativa é juntar-te a eles.

- Que busca? - perguntou Shanewis, a testa alagada em suor.

- Sabemos que Manitu plantou ervas medicinais - disse ele. - Vou procurá-las e trazê-las para ti e para o nosso povo.

- Vou ficar à espera, marido - disse Shanewis -, porque só tu conseguirás levar a cabo tal tarefa.

Para muitas tribos, Manitu significa o espírito que está em tudo desde as rochas e as plantas aos humanos. Para os Iroqueses, Manitu é o nome dado ao maior e mais poderoso de todos os deuses. As suas ervas medicinais curariam Shanewis... se o marido as conseguisse encontrar.

Com a mulher fora do calor do lar, Nekumonta partiu em busca das ervas medicinais.

Teria sido uma tarefa difícil no melhor dos tempos, mas tornou-se ainda mais difícil pela neve que cobria a maior parte das terras. Nekumonta teve de escavar na neve para tentar encontrar as ervas e nem sequer sabia onde é que elas estavam plantadas. Com os conhecimentos que tinha da Natureza, só conseguia imaginar onde é que elas provavelmente cresceriam.

No fim do primeiro dia, um coelho passou a saltitar por Nekumonta, enquanto ele, de joelhos, escavava a neve com as mãos.

- Sabes onde é que Manitu plantou as ervas que ajudarão a curar o meu povo? - perguntou Nekumonta, mas o coelho não sabia e continuou o seu caminho, deixando o seu rasto na neve.

Mais tarde, quando a escuridão surgiu no fim do curto dia de Inverno, o guerreiro iroquês avistou um urso-pardo a olhá-lo das profundezas da floresta. Nekumonta perguntou ao urso pelas ervas, mas o urso não sabia de nada, e desapareceu pesadamente por entre as árvores.

Na tarde seguinte, após uma longa caminhada, Nekumonta viu uma coelha a roer os rebentos de uma planta que despontava da neve. A coelha reconheceu-o e, sabendo que ele era amigo dos animais e não lhe iria fazer mal, não fugiu nem se escondeu.

Nekumonta afagou-a carinhosamente e disse:

- Todos na minha aldeia estão a morrer, e a minha mulher, Shanewis, está entre eles. Se sabes onde é que Manitu plantou as ervas medicinais, leva-me, por favor, até elas. São a nossa única esperança.

Mas a coelha não sabia onde é que Manitu plantara as ervas, de modo que arrebitou as orelhas e desapareceu na floresta. A história repetiu-se com todos os animais que encontrou. Ninguém o conseguia ajudar.

À terceira noite, Nekumonta estava prestes a desistir. Fraco e exausto, enrolou-se no seu cobertor e adormeceu.

Enquanto dormia, os animais da floresta reuniram-se.

- Nekumonta é um bom homem - disse o urso-pardo. - Só mata quando tem de ser, tal como os animais.

- E também trata das nossas terras com respeito - disse o coelho. Cuida das árvores e das plantas à volta dele.

- Acham que o devemos ajudar? - perguntou a coelha.

- Sim - disse o coelho. - Mas como?

- Talvez possamos pedir ajuda ao grande Manitu - sugeriu o urso-pardo. - Ele compreenderá que todos os seres vivos querem que Nekumonta seja bem sucedido na sua busca.

Assim, o coelho, o urso-pardo, a coelha e todos os outros animais juntaram-se numa clareira da floresta e pediram a Manitu para salvar Shanewis da praga. Manitu ouviu as suas preces e, sensibilizado pela lealdade dos animais para com um humano, decidiu ajudar Nekumonta.

Nessa noite, Shanewis apareceu em sonhos a Nekumonta - pálida e muito magra. Começou a cantar-lhe uma estranha e bonita cantiga, mas ele não conseguiu entender as palavras, que se transformaram de imediato no som de uma cascata.

Quando acordou, o som da cascata ainda lá estava com o seu coro de vozes cintilantes - tão pura e cristalina como a água da Primavera.

- Encontra-nos... Liberta-nos... Shanewis e o teu povo serão então salvos.

Mas apesar do som maravilhoso, não havia nenhuma cascata - nem sequer um pequeno riacho.

- Quem és tu? - gritou Nekumonta.

- Somos as Águas Medicinais - disse o coro. - Liberta-nos.

- Onde estás? - gritou Nekumonta, desesperado, pois o coro de vozes cintilantes ouvia-se muito perto, embora não o conseguisse ver.

- Liberta-nos - cantou o coro uma vez mais.

Com novo alento, Nekumonta procurou por todo o lado, mas não conseguiu descobrir as Águas Medicinais em lado nenhum... embora a voz do coro se mantivesse forte. Percebeu então porquê. As Águas Medicinais corriam mesmo por baixo dos seus pés. Eram uma nascente subterrânea!

Observado pelos animais da floresta, Nekumonta afastou a neve para o lado e golpeou o duro solo com uma pederneira, até que um jato de água se elevou no ar e começou a correr pela encosta abaixo. Descobrira as Águas Medicinais!

Esgotado, Nekumonta saltou para as águas geladas e banhou-se nelas. Os poderes mágicos das águas deram-lhe força, e o cansaço desapareceu subitamente. Sentia-se mais forte que nunca.

Encheu um odre de Águas Medicinais e correu pela encosta abaixo até à aldeia. Os outros aldeões saíram a correr das suas tendas para o cumprimentar.

- Estamos salvos! - gritou. - Estamos salvos!

Em breve, toda a gente da aldeia tinha bebido e se tinha banhado nas águas e estava de novo de boa saúde, inclusive Shanewis. Agradeceram a Nekumonta do fundo dos seus corações.

Quando soube do papel que os animais tinham desempenhado, Nekumonta agradeceu-lhes a sua bondade. Em troca, os animais deram graças ao grande Manitu, que é, afinal de contas, senhor de tudo. Nekumonta e Shanewis viveram muitos Verões e tiveram muitos filhos.
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NOTA:

Iroqueses (em inglês e francês: Iroquois, pronunciado irocuá) ou Haudenosaunee 

Os iroqueses de antigamente eram primariamente nômades. Até o século XVII, formavam o que é atualmente chamado de nação iroquesa. Atualmente, esta nação indígena é composta pelos povos Seneca, Cayuga, Onondaga, Oneida, Mohawk e Tuscarora, formando uma confederação distribuída entre o Canadá e os Estados Unidos (principalmente no Estado de Nova Iorque e na província de Quebec). Esses grupos falavam línguas semelhantes e viviam perto uns dos outros. Algumas pessoas dizem que, pelo fato de ter durado centenas de anos, a Nação Iroquesa foi um dos exemplos que inspirou os fundadores dos Estados Unidos em sua organização política. Uma sexta tribo, a dos tuscaroras, se juntou à confederação em 1722.

Os iroqueses foram estudados, no século XVIII, pelo missionário jesuíta Joseph François Lafitau, que chegou a conviver com eles. Sua obra, Mœures des Sauvages américains comparées aux mœurs des premiers temps, publicada em 1724, descreve os princípios básicos da sociedade iroquesa, principalmente em relação a sua matriarcalidade e matrilinearidade. Lafitau abordou também os ritos de casamento, os jogos, lazer, doenças, enterros, língua, caça, educação e a divisão de trabalho entre os iroqueses, enfocando seus estudos na religião. Para ele, os iroqueses possuíam a sua religião (diferentemente de pensadores anteriores, que afirmavam que os índios não tinham religião alguma), embora esta não fosse tão organizada quanto a católica. Diz que os iroqueses, embora possuíssem religião, eram desprovidos de leis e política.

Ao estudar os iroqueses, Lafitau distinguiu características positivas (como a coragem) e negativas (como vingança e cobiça), inovando ao utilizar o método comparativo (embora não o tenha inventado) ao comparar os iroqueses aos heróis de Homero (na comunidade científica europeia da época, se idealizavam os gregos e romanos). Nesse sentido, Lafitau enaltecia os iroqueses, ao dizer que as construções náuticas desses povos eram parecidas, mas também os denegria, afirmando que a brutalidade dos heróis de Homero não se distinguia da ferocidade dos iroqueses, ferocidade esta que ele considerava como sendo inata. Mesmo assim, a importância se deu pelo fato de que Lafitau deixou os nativos mais humanos, diferentemente de pensadores anteriores (como Mandeville) que assemelhavam os nativos a monstros.

A Economia dos iroqueses se focaliza na produção comunal e ao sistema combinado de horticultura e de caçador-recolector. As tribos da Nação Iroquesa e outras do norte do continente americano que compartilhavam idioma (iroquês), como o povo hurón, viviam na região que hoje é o Estado de Nova York e a Região dos Grandes Lagos. Compunha-se de seis tribos de antes da colonização europeia da América. Mesmo não sendo iroquês, o povo hurón entrava no mesmo grupo linguístico e compartilhava economia com os iroqueses.

Fontes: