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sábado, 18 de maio de 2024

Francisca Júlia (O Avarento)

Compareceu perante o juiz um avarento e queixou-se, com expressões de lástima, de que um homem, há muitos anos, lhe devia uma certa soma, da qual só tinha pago os juros.

— Vai chamá-lo, – disse o juiz - traze-o à minha presença. Quero saber por que é que ele não te pagou ainda, e não posso condená-lo sem ouvi-lo.

O avarento saiu e, logo depois, trouxe o devedor pelo braço, insultando-o e maltratando-o com crueldade.

— Ei-lo aqui, senhor juiz. É um homem mau, um vizinho péssimo, que não tem nenhuma compreensão do dever, que não respeita as leis e que não me pagou ainda o dinheiro que lhe emprestei generosamente.

— Fala agora tu, devedor! - ordenou o juiz. – Por que é que não pagaste a este homem o que lhe devias?

— Senhor! – balbuciou o homem humildemente. – Eu devia-lhe cem sequins* que ele me emprestou. Paguei-lhe a metade. Depois, como não lhe pudesse pagar o resto, ele cobrou por suas próprias mãos, apropriando-se das minhas terras, vendendo os meus frutos, roubando o meu camelo e despojando-me das minhas roupas. Hoje nada mais tenho, senão estes andrajos que cobrem o meu corpo e estas mãos para pedir esmolas.

Então o juiz, compadecido pela miséria daquele pobre homem e revoltado contra a avareza do credor, voltou-se para este e perguntou-lhe;

— Que mais queres deste homem? Já o reduziste à mais negra miséria. Sê um pouco piedoso, desperta na noite de tua alma algum sentimento generoso. Deixa-o ir em paz.

— Não, senhor juiz.

— Mas de que modo queres que ele te pague?

— Quero que ele venha para minha casa, para servir-me como escravo, até pagar os juros que me deve.
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* Sequins = Antigas moedas de ouro fabricadas e utilizadas na Itália

Fonte> Francisca Júlia da Silva. Livro da infância. Publicado originalmente em 1899. 
Disponível em Domínio Público.

Aluísio de Azevedo (A Serpente)

João Brás foi jantar à Santa Teresa com o seu amigo Manuel Fortuna, como costumava fazer invariavelmente todos os domingos.

Eram ambos do comércio: João guarda-livros e o outro estabelecido com uma loja de alfaiate. Grisalhando já entre os quarenta e os cinquenta, não tinham eles todavia vinte anos quando se conheceram, e essa longa amizade jamais fora perturbada pelo menor atrito de caráter.

– A paz dos anjos seja nesta casa! – exclamou João Brás, no tom risonho e tranquilo com que, ao chegar os domingos à casa do velho amigo, dizia sempre e sempre essa mesma frase.

– Bons ventos o tragam, compadre! - respondeu Manuel, estendendo-lhe a mão. – Como tem passado? E minha afilhada como vai?

– Sem novidade, graças a Deus. Lá foi mais o marido e os filhos visitar a sogra, na Piedade. Naturalmente só voltam amanhã no trem das nove e meia.

– D. Maria, já sei, está lá dentro?

– Está. Vá entrando compadre.

E o guarda-livros enfiou sem cerimônia até à cozinha para ir entregar à Dona Maria, que lá estava as voltas com o jantar e com a cozinheira, os pacotes de doces e frutas que ele trazia pendurados da mão esquerda.

Abraçaram-se formalmente, entre as palavras e os risos do costume.

João Brás era viúvo já pela segunda vez. Do primeiro matrimônio ficara-lhe uma filha, que, pelo batismo, o fizera compadre de Manuel, e depois, dezoito anos mais tarde, lhe dera um lindo casal de netos, agora constituídos no alegre enlevo da sua velhice.

Aqueles jantarzinhos domingueiros em casa do amigo tinham para ele o irresistível encanto do mais velho hábito de sua vida. Mal cumprimentava os donos da casa, trocava a sobrecasaca por um rodaque de linho branco e estendia-se numa cadeira de balanço, sob as árvores do jardim, à espera que o chamassem para a mesa. O cozido, o vinho virgem e os motivos da conversa entre os três eram quase sempre os mesmos. Depois do café, os dois compadres armavam sobre as pernas o tabuleiro do gamão e enfiavam partidas até às dez e meia da noite, enquanto D. Maria se arranchava lá fora com as famílias da vizinhança fazendo roda à porta da chácara ou passeando pelas redondezas da casa.

Manuel todavia não era casado com a sua companheira. Tendo, aos trinta anos, a recolhido como empregada para lhe tomar conta da casa, da despesa e das roupas brancas, deixou-se afinal entrar passivamente no inventário dessas coisas, e ela acabou por tomar conta também dele.

Quando deram por si, estavam unidos pela mais legítima ternura e estavam conviventes no mais perfeito pé de igualdade.

D. Maria era honesta por índole, era sadia e limpa; o negociante sentiu-se bem ao lado dela e deixou-se ficar.

Terminado o jantar, Manuel foi, como de costume, buscar o gamão, e assentados um frente ao outro, dispuseram-se os dois amigos à pachorrenta campanha, trocando logo as primeiras facécias (chacotas) e as primeiras risadas de todas as suas inumeráveis partidas.

– Mas então, compadre, i– nterrogou João, armando o jogo - afinal que me diz você do que falei outro dia a respeito de D. Maria?… Está resolvido a…

– Aí mau! Já aí vem você com a mania! Tardava-me essa cantiga! Ora para que lhe havia de dar!

– Mania não, homem de Deus! É tudo que há de mais razoável e de mais justo! D. Maria é uma senhora séria… você não tenciona separar-se dela… por que, pois não se casam logo?…  Seria mais bonito!

– Mas por que diabo hei de me casar, se somos felizes assim como vivemos há treze para quatorze anos… Nunca até hoje nenhum de nós pensou em semelhante coisa… As nossas relações de amizade não podem ser mais limitadas e modestas. Ela não tem pretensões e eu, cá pelo meu lado, nada espero nem desejo fora do meu canto, onde vivo em boa paz, graças a Deus! Quando queremos sair, saímos! Vamos ao teatro! Vamos ao Passeio Público! Vamos à toda a parte! Ninguém repara em nós! Por que então hei de eu agora tirar-me dos meus cuidados e casar?!… Não me dirá você?!…

– Seria mais bonito!…

– Ora deixe-se disso, compadre!

– É uma questão de moral!…

– Então, seu João, eu sou um homem imoral?… Por quê?

– Não digo isso, mas…

– Se tivéssemos filhos, vá! Convenho que seria de vantagem o casamento… mas, se até hoje eles não vieram, é natural que nunca mais venham.

– Não, compadre, o seu casamento com D. Maria não é só um ato de moralidade, é também um dever de gratidão e é bom cumprimento de justiça! Pois então uma mulher uma senhora, dedica-se durante quatorze anos a um homem, procedendo sempre com a mais severa honestidade, ajudando-o na vida, tratando dele, aturando-o enfim e, ao cabo de todo esse tempo, ele se não resolve a fazer por ela um pouco mais do que no primeiro dia das suas relações!… Não! não é justo, seu compadre! Tenha paciência, mas não é justo!

– Homem! Sabe de uma cousa? Não falemos mais nisto! Você quando mete a cabeça para um lado não há meio de tirá-la daí!

– Pois não falemos! Não falemos! O meu protesto, porém, fica de pé! Não falemos, não falemos. – mas no domingo seguinte, durante o joguinho, o compadre João Brás voltou à carga e acrescentou às novas escusas do amigo:

– É! Nas suas condições dizem os homens geralmente a mesma coisa e afinal acabam sempre casando à última hora, quando a mulher está a despedir-se da vida e já nada aproveita por conseguinte com a tardia resolução do seu ingrato companheiro; ao passo que esse mesmo ato de justiça praticada antes, em pleno gozo da existência, seria honroso motivo de verdadeira felicidade para ela!

– Ora, deixe-me em paz, compadre! Deixe-nos viver como vamos vivendo e preste mais atenção ao jogo, se não prego-lhe um gamão cantado.

– Pois vivam, continuem a viver seguros pela mão esquerda, mas eu cá ficarei com o direito de revoltar-me, se um dia, em caso extremo, resolver-se você a coonestar (dar aparência honesta) à sua união com D. Maria!

Manuel soprou com mais força e arregaçou as sobrancelhas, dando silenciosa cópia de quanto fatigava aquela torturante catequese. E continuou a jogar sem dizer palavra. 

O outro prosseguiu, distraído do jogo:

– Além disso, é que pode você morrer de um momento para outro, sem ter tido tempo de pôr em ordem os seus negócios, e a pobre senhora ficar por aí desamparada no mundo! Você tem parentes em Portugal, até irmãos se me não engano, pois saiba então que mesmo com testamento, esta casa e o que você possui no banco há de tudo parar em poder deles arriscando ficar D. Maria sem ter onde cair morta e precisando na velhice andar pelas esquinas a pedir por amor de Deus um bocado de pão para matar a fome! Vamos lá! Isto lhe parece justo, seu compadre?!

– Oh! Não diga isso, criatura, que você me aperta o coração! Ora já se viu?!

– Pois é cumprir com o seu dever, homem. Case-se por uma vez!

E, como D. Maria nesse momento entrava do passeio, o moralista levantou-se, deixando o tabuleiro do gamão sobre as pernas do parceiro, e foi ter com ela, para lhe dizer à queima roupa:

– Estive até agora conversando com o compadre a seu respeito, D. Maria! Mas isto é um cabeçudo de marca! Pergunte-lhe pelo que lhe falei e ajude-me também pelo seu lado!

Manuel soltou uma gargalhada.

– Sabes tu qual é agora a mania do João?… disse ele, voltando-se para a companheira. É casar-nos! Ora já se viu para que lhe havia de dar?… E não me larga, o teimoso! Não me fala noutra coisa!

– E não lhe parece que eu tenho razão? – perguntou João Brás, dirigindo-se por sua vez a D. Maria, que os escutava imóvel, sorrindo em silêncio.

– Ah! – respondeu ela com doçura. – Eu estimaria… isso com certeza… Para que negar?… Casada sempre é outra coisa: Pode uma mulher andar de cabeça erguida e pode mandar em voz alta, porque manda no que é seu! Mas cá por mim, em boa hora o diga! Dou-me por muito feliz em ter Deus me chegado para um homem como seu compadre, e nada exijo nem reclamo, porque muito já é o que ele faz por mim e pelos meus!

– E não dói a você a consciência, seu Manuel ? – exclamou João Brás com a voz tragicamente comovida, estendendo o braço e derreando para um lado a cabeça. – Não dói a você a consciência ao ouvir estas palavras, que são a expressão pura da virtude e da resignação?

– Pois bem! Pois bem! – rosnou Manuel, quase vencido. – Havemos de ver! Havemos de ver!

– Não! – replicou o outro energicamente –  “Havemos de ver” é uma promessa de caloteiro! Você o que não quer, já sei, é incomodar-se, pois eu me encarrego de tudo! Amanhã mesmo trato dos papéis. Está dito?

– Sim, sim! Veremos amanhã.

– Não! não! Já daqui não saio sem autorização para correr os banhos! Quando me meto numa coisa, é assim! O caso é estar convencido da justiça e da razão!

– Mas que falta de sofrimento! Que sangria desatada! – exclamou Manuel. – Irra! Parece que você vai salvar o pai da forca!

– Nada, meu amigo! O que se tem de fazer, faz-se logo. – O pão endurece de um dia para outro! E lá a senhora, D. Maria, ajude-me a arrastar este egoísta! Segure-o pelos ombros, que eu o seguro pelas pernas, e despejemos com ele do terraço abaixo, se não nos autorizar já e já a tratar amanhã mesmo dos papéis do casamento!

– Pois com um milhão de raios! vociferou afinal o perseguido, fugindo ao terrível compadre, que por pilhéria o agarrava já pelas pernas. Arranje! Arranje você lá os papéis que quiser! Arranje o diabo! Mas deixe-me em paz e nunca mais me fale em semelhante coisa! Arre! Pode gabar-se, meu caro, de que é um serrazina de primeira força! Nunca vi coisa igual!

– Ora bravo! aplaudiu João, batendo palmas. Até que enfim você provou que é um homem de bem! Venha de lá este abraço! E, quanto à senhora, os meus parabéns de amigo sincero! Amanhã mesmo trato dos papéis!

– Mas olhe lá, seu João… – atalhou o outro, segurando-lhe o braço. – Observo-lhe que não estou absolutamente disposto a prestar-me ao ridículo nesta idade! Só consinto no casamento se este for coisa muito íntima, muito em segredo, sem festas sem convites e sem nada de barulho.

– Ó homem! – volveu João Brás .–  O casamento faz-se de madrugada, um dia destes, na competente igreja sem que ninguém tenha que meter lá o nariz! E depois ficam vocês casados e dignamente unidos para sempre! Podemos é jantar, nós os três juntos esse dia; o que, para não alterar a praxe, bem pode ser num domingo. Hein? Que lhes parece?…

– Bom… Assim vá lá! – cedeu Manuel.

– Fica então marcado para o domingo que vem?…

– Pois marquem lá para domingo! Irra!

E assim foi. No domingo seguinte Manuel levou D. Maria à igreja de sua freguesia e voltaram de lá marido e mulher, graças a João Brás que tinha tudo despachado, com uma expedição capaz de envergonhar ao mais ativo agente de casamentos.

O jantar, já se vê, foi melhor nesse dia e regado mais copiosamente. D. Maria mandou matar peru e recebeu de mimo um leitão assado. Fez doces e comprou frutas e flores. Manuel, à tarde, admirou-se de ver entrarem-lhe pela sala algumas vizinhas com trajes de festa, acompanhadas pelos parentes e não se pôde furtar a parabéns e abraços, que lhe faziam torcer o nariz.

– Aquele compadre João Brás era o diabo! Afinal de contas tudo aquilo estava fora do programa!

Manuel principiava a arrepender-se do que tinha feito e parecia já menos alegre que nos outros dias.

D. Maria, essa pelo contrário, estava radiante e mostrava-se mais empertigada mais dona de casa. À mesa falou aos convivas com um ar empantufado e senhoril, que ninguém, ainda menos Manuel, até aí lhe conhecera.

Contudo, o bom homem, apesar de deveras contrariado por sair dos seus velhos hábitos, não se queixou; e, mal terminados os fervorosos brindes da sobremesa, foi pachorrentamente buscar o tabuleiro do gamão e armou-o sobre os joelhos, no lugar do costume, assentado defronte do vitorioso compadre.

D. Maria acabava nesse instante de assomar à porta da sala, palitando os dentes. Ao ver o marido, que armava a primeira partida, exclamou:

– Também vocês são terríveis com esse infernal gamão! Oh! nem mesmo no dia de meu casamento e com visitas aqui deixam o diabo do jogo!

E arrebatou das pernas dos dois parceiros o tabuleiro, com os dados, as pedras e os copos de couro, que se espalharam pelo chão.

João Brás soltou uma risada supondo que aquilo era simples gracejo. 

– Mas, D. Maria! acrescentou de cara fechada e com voz dura: – Ó senhores! Que diabo, deixem-se dessa sensaboria (contratempo) uma vez ao menos! Tenham um pouco em conta o dia de hoje!

E afastou-se, muito escamada, sacudindo os quadris e abanando-se com o leque.

Os dois compadres, assentados um frente do outro, como se fossem agora jogar o sisudo, olharam-se sem ânimo de proferir palavra.

E assim que se pilharam a sós, Manuel segredou ao amigo:

– Você viu, compadre? Você viu o pano da amostra?

João não respondeu e Manuel murmurou, sacudindo a cabeça:

– Pode ser que me engane, e Deus o queira! Mas suponho que para sempre me fugiu de casa a tranquilidade!…

E tinha razão o pobre homem: tais coisas se foram sucedendo em casa dele que Manuel, meses depois, surgiu um dia no escritório do amigo, e atirou-se numa cadeira esbaforido de cólera.

– Que houve de novo, compadre? Que mais lhe aconteceu? – perguntou o guarda-livros.

– Foi você quem se encarregou dos papéis para casar-nos, não é verdade? – bramiu o negociante. – Pois, meu amigo, trate agora dos papéis do divórcio, porque este que aqui está nunca mais porá os pés na casa em que estiver aquela fúria! Nunca mais, ouviu!?

E aquele homem, até aí tão pachorrento, tinha agora uma catadura (feição) de tigre assanhado e dardejava ferozmente o guarda-chuva, ameaçando quebrar os globos das arandelas do gás.

– Arre! arre! – berrava ele –  Vá para o inferno e o diabo que a ature!

– Mas, compadre, reconsidere, escute! Você está fora de si, homem!

– Não! – berrou Manuel, esbugalhando os olhos e rilhando os queixais. – Não, com mil raios! Se me aproximar daquele demônio é para estrangulá-lo! Não volto a casa! Não quero ser assassino!

– Mas o que mais houve, compadre?

– Que houve?! – E o infeliz soltou uma gargalhada satânica. – Que houve?! Vá lá à casa e veja o estado em que deixamos tudo! Vá ver!

Fonte: Aluísio de Azevedo. Contos. Publicado originalmente em 1893. Disponível em Domínio Público 

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Arthur Thomaz (No Tribunal)

Não tenho a mínima noção de onde me encontro. Pareço estar acordando de um sono pro fundo povoado de pesadelos. 

Esfrego os olhos na vã tentativa de afastar essas incômodas imagens. Vozes misturavam-se, até que consegui desembaraçá-las, e pude identificar iradas frases que vinham de uma figura com toga preta nos ombros e que parecia dirigir essas ásperas palavras a mim.

Desligo-me momentaneamente desse inóspito ambiente e tento lembrar de meus momentos anteriores a esse cataclisma. Recordo, imediatamente, das carícias suaves da minha Tereza no leito do motel, em que íamos uma vez ao ano para reacender o relacionamento que já perdurava há uma década.

Ou seriam os deliciosos carinhos da proibida Raquel, amante há algum tempo?

Eu pensei naquele dia em dizer a Raquel que o motel que ela escolhera era o mesmo em que eu ia com Teresa, mas, prudente, calei-me.

Embaralhando meus pensamentos, já não os distinguia neste momento, ainda mais com aquela voz irritante do togado citando insistentemente meu nome.

Culpado, premeditado, má conduta, falsidade, encontrado com a faca nas mãos. Cruéis palavras que me torturavam, explodindo em meu confuso cérebro. Será que fechando novamente os olhos, trocaria esse pesadelo por um sonho mais leve?

Novamente, gritos acusando-me de estar dormindo em pleno julgamento. Essa palavra soou como um míssil tentando explodir minha cabeça. 

Percebi, então, que algo grave estava acontecendo. Que estranho!. Deitado, eu dizia a Raquel para pararmos de beber, mas ela teimosamente pedia mais dois drinques.

De repente, uma estridente e raivosa voz adentra. Um barulho, um grito abafado e algo é colocado em minhas mãos.

Bêbado, deixei para ver depois o que era esse frio objeto. 

Em seguida, sirenes, gritos e algo gelado prendendo meus punhos. Estranhamente, minha doce Raquel nada dizia nessa hora.

Abro os olhos e vejo aquelas sete pessoas e seus 14 olhos perscrutando minha alma.

Parecendo dissecar meus pensamentos e com desejos de arrancar meu coração. Seria aquilo um júri?

Eu só queria voltar a dormir nos braços de uma delas.

Aquela toga levanta-se e pronuncia algo que foi comemorado por uma multidão, que só agora vejo sentada atrás de mim.

Gritos, novos empurrões, algo gelado volta apertando os meus punhos e sirenes. Enfim, me levam ao sossego de um local acolhedor, longe daquela incômoda balbúrdia.

Muitos anos depois, alguém de visível má vontade, escancara aquela porta gradeada e finalmente me encontro na rua.

Agora posso voltar aos braços da proibida Raquel. Em vão, eu a procuro. Aquela voz que algo fez para separá-la de mim continua tonitruante em meus ouvidos.

Repentinamente, reconheço a voz raivosa daquele dia.

Era a de Tereza. Grito desesperado e tardiamente que não fui eu. E nessa hora, nem os paralelepípedos da rua me escutam.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Humberto de Campos (O furto)

(Conto Amazônico)

A floresta imensa, de árvores augustas e seculares, chegava até à margem do rio quando os primeiros colonizadores, fazendo ressoar o machado nos troncos enormes, ergueram aí a primeira barraca de seringueiro. E pouco a pouco, investindo contra a selva soturna e impenetrável, foi o homem avançando contra a muralha verde, até fixar naquelas brenhas o marco da primeira cidade.

Agora, não era mais o casebre isolado. Alinhados à beira do rio largo e profundo, as casas de negócios e de moradia, comprimidas entre a floresta e a água, eram como ovelhas escuras de um pequeno rebanho, trazidas a beber na torrente por uma legião de gigantes desgrenhados. E entre essas casas, humilde no meio das mais humildes, estava a do Zeferino, caboclo de trabalho, que passara seis meses na pesca do pirarucu e outros seis no alto sertão, na faina dos castanhais.

A cidade pequena ressonava, quieta, naquela noite sem lua, quando o caboclo, descalço, torcendo as mãos vigorosas e ásperas, apareceu à porta escura do casebre. Era um homem baixo, grosso, de tez cobreada cabelos lisos e bigode ralo, tipo inconfundível do índio domesticado. Os olhos, vivos e pequenos, luziam-lhe nas órbitas como vagalumes escondidos nas folhas. Vestia camisa grosseira, de algodão, encardida pelo tempo, a qual lhe descia, até, quase, ao joelho, cobrindo, em parte, a ceroula do mesmo pano. Diante dele, o rio, silencioso, multiplicava-se em claridades, refletindo a abóbada inteira em cada escama do dorso. E, em cima, na altura, O espaço picado de estrelas era uma enorme orgia de luz, como se os anjos tivessem acendido naquela hora, num impiedoso desafio à sua miséria, as mais remotas lâmpadas do firmamento. Na margem, beirando o mistério das águas, velavam, como ciclopes, com o seu olho fixo, os lampiões da iluminação pública. Enfileirados ao longo da primeira rua do lugar, as suas gotas de luz, tristes, mortiças, imóveis, faziam pensar em pequenos astros cristalizados na terra, ou em grandes lágrimas de titãs tombadas soturnamente do céu.

Na quietude daquela hora de assombros, afugentando ou convocando os demônios da treva, coaxavam os sapos, martelando, monótonos, na bigorna do silêncio. Nas moitas úmidas, de onde partiam, confundindo-se tantas vozes anônimas, os pirilampos eram como as centelhas dessa oficina monstruosa, onde os batráquios batiam, talvez, a couraça de ouro do sol.

A noite corria, assim, profunda e calma, suando orvalho pelos poros da terra, na dor ignorada do seu parto, quando a figura do caboclo se desenhou, como uma grande mancha cinzenta, na mancha escura da porta. Desenrolava-se no seu espírito, naquele momento, uma das grandes tragédias da consciência. É que, dentro, na casa modesta, no refúgio doloroso da sua miséria, agonizava o seu filho pequeno, o qual ia morrer, talvez, com sacrifício da sua alma inocente, no horror da escuridão!

Ao regressar do trabalho nos castanhais, onde passara quatro meses, encontrara-o só, entregue aos vizinhos. A mãe, a Rosa, sua companheira de cinco anos, tinha-o abandonado na sua ausência, fugindo para Breves com um turco, negociante de "regatão". Informado de tudo, pensara em sair em perseguição da adúltera, e matá-la, e ao amante. O menino já estava, porém, com a maleita impiedosa, e como não tivesse quem dele tomasse conta, ficara ao seu lado, tratando-o na enfermidade com desvelos de mãe.

O dinheiro trazido do trabalho na castanha tinha-se-lhe ido, todo, nos remédios para o pequeno. Não podendo afastar-se dele para ir à pesca, ou a qualquer outro meio de vida, não tivera um níquel, sequer, na véspera, para comprar uma vela ou um pouco de querosene. E agora, dentro, no quarto, a candeia que lhe iluminava a agonia começava a esmorecer, como um símbolo mesmo daquela vida periclitante, e, em pouco, a Morte entraria, de certo, ali, arrebatando aquele pedaço do seu coração!

No seu pavor, adivinhando o rio e olhando o céu, o caboclo via, já, o seu filho estendendo os bracinhos mirrados, estertorando no escuro, e confundindo, de olhos entreabertos, as trevas passageiras da noite com as trevas eternas do túmulo. Duas vezes chegou à porta e duas vezes entrou, de novo, impelido por um triste pressentimento. Da última vez, encontrou, já, o quarto afogado em escuridão. A lamparina, sem querosene, apagara-se. Tateando nas paredes familiares, fora até à rede onde estava o doentinho apalpando-lhe o corpinho magro, quase um esqueleto, pondo toda a delicadeza nas mãos pesadas. O menino queimava, de febre. Um grunhido estertorante subia-lhe do peito ansiado. A respiração era agitada, pela boca escaldante, que, ao tato, verificara que estava aberta.

- João?... Joãozinho?... meu filho?... - chamou, adoçando a voz.

O mesmo grunhido angustiado, surdo, foi a resposta. O caboclo chegou-lhe a coberta remendada para o peito magro, beijou-o num grande carinho, e saiu, de novo. À porta, estacou, outra vez. Que fazer àquela hora, entre o esquecimento de Deus e o sono dos homens? Onde conseguir, em hora tão avançada, uma vela ou um pouco de azeite, com que alumiasse a agonia daquele inocente, se ninguém o atenderia noite tão alta, e não havia na casa, para bater a uma venda, a moeda mais miserável?

O primeiro galo cantara, longe, perto do rio. Outro respondera mais próximo. A quietude era tamanha que se lhes ouvia o bater pesado das asas. Menos numerosos, os sapos. se acomodavam.

A alma em desespero, o caboclo passeava os olhos pela mudez misteriosa das coisas, interrogando o céu e a noite sobre o destino do seu filho e o remédio do seu sofrimento, quando teve aquela ideia, que os demônios apiedados lhe sopraram. Reentrando no casebre, tomou da lamparina vazia, apalpou ainda uma vez o esqueleto ardente do filho, e desceu à rua, rumo do rio. Ao longe, um lampião, perdido na noite, chorava, triste, o seu pranto de claridade solitária. Encaminhou-se para ele. Ao chegar-lhe junto, mediu a altura do poste esguio, e, tomando nos dentes a lamparina de folha, começou a subi-lo. Ao alto, segurando-se com as pernas, retirou o bocal do candeeiro, e principiava a passar para a sua candeia algumas gotas de querosene, quando ouviu um grito, a dois passos.

- Ladrão!... - bradaram.

Era o fiscal, o rondante (vigia) da iluminação. Atirando-se do poste, o caboclo confessou o seu crime, e pediu misericórdia.

- É para o meu filho!... - gemeu.

- Marche! Vamos!... foi a resposta do guarda, que, impelindo-o para a frente com um repelão, se mostrou inexorável.

- Eu vou, - replicou o desgraçado; - mas pelo amor de Deus, deixe-me ir em casa primeiro, acender a lamparina junto ao meu filho!... Deixe!... tenha piedade!...

- Marche!... - bradou-lhe, imperioso, com outro safanão, o homem da ronda.

Cabeça baixa, o desespero na alma, com uma vontade doida de romper em soluços, o caboclo pôs-se a caminho da cadeia, custodiado pelo guarda. A situação em que fora preso, amesquinhava-o, enfraquecia-o, acovardava-o. Sentia vergonha e raiva, arrependimento e indignação.

Pela cidade adormecida os galos amiudavam. Os sapos calavam-se. As estrelas, piscavam menos. Uma brisa fresca, embalando os ramos, trazia o cheiro da floresta... A chave da cadeia estalou, seca, na fechadura, e rolou, lá dentro, um corpo, impelido por um empurrão.

Já ao entardecer, quase noite, soltaram-no, de ordem do delegado. O caboclo correu à casa, para ver o seu filho.

Pelo punho da rede, tomando conta do cadáver, e entrando-lhe pela boca, pelo nariz, pelos ouvidos, desciam em fileira, em longos rosários fervilhantes, as primeiras formigas…

Fonte: Humberto de Campos. O monstro e outros contos. Publicado originalmente em 1932. Disponível em Domínio Público  

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Artur de Azevedo (Uma amiga)

Dona Ritinha Torres, a mais ingênua e a mais virtuosa das esposas, adquiriu há tempos a dolorosa certeza de que seu marido namorava escandalosamente uma senhora, vizinha deles, que exercia, ou fingia exercer, a profissão de modista.

Havia muitas manhãs que Venâncio Torres - assim se chamava o pérfido - acordava muito cedo, tomava o seu banho frio, saboreava a sua xícara de café, acendia o seu cigarro e ia ler a Gazeta de Noticias debruçado a uma das janelas da sala de visitas.

Como Dona Ritinha estranhasse o fato, porque havia já quatro anos que estava casada com Venâncio, e sempre o conhecera pouco madrugador, uma bela manhã levantou-se da cama, envolveu-se numa colcha, e foi, pé ante pé, sem ser pressentida, dar com ele a namorar a modista, que o namorava também.

A pobre senhora não disse nada; voltou para o seu quarto, deitou-se de novo, e à hora de costume simulou que só então despertava.

Tivera até aquela data, o marido na conta de um irrepreensível modelo de todas as virtudes conjugais; todavia, soube aparar o golpe: não deu a perceber o seu desgosto, não articulou uma queixa, não deixou escapar um suspiro.

Mas às dez horas, quando Venâncio Torres, perfeitamente almoçado, tomou o caminho da repartição, ela vestiu-se, saiu também, e foi bater à porta da sua melhor amiga, D. Umbelina de Melo, que se mostrou admiradíssima.

- Que é isto?! Tu aqui a estas horas! Temos novidade?

- Temos... temos uma grande novidade; meu marido engana-me!

E deixando-se cair numa cadeira, D. Ritinha prorrompeu em soluços.

- Engana-te? perguntou a outra, que empalidecera de súbito.

- E adivinha com quem?... Com aquela modista... aquela sujeita que mora defronte de nossa casa!...

- Oh, Ritinha! Isso é lá possível!...

- Não me disseram; vi, vi com estes olhos que a terra há de comer! Um namoro desbragado, escandaloso, de janela para janela!

- Olha que as aparências enganam...

- E os homens ainda mais que as aparências. – o pranto recrudescia. – E eu que tinha tanta confian... an... ça naquele ingra... a ..to!...

- Que queres tu que te faça? – perguntou D. Umbelina, quando a amiga lhe pareceu mais serenada.

- Vim consultar-te... peço-te que me aconselhes... que me digas o que devo fazer... Não tenho cabeça para tomar uma resolução qualquer!

- Disseste-lhe alguma coisa?

- A quem?

- A teu marido.

- Não; não lhe disse nada, absolutamente nada. Contive-me quanto pude. Não quis decidir coisa alguma antes de te falar, antes de ouvir a minha melhor amiga.

D. Umbelina sentou-se ao lado dela, agradeceu com um beijo prolongado e sonoro essa prova decisiva de confiança e amizade, e, tomando-lhe as mãos, assim falou:

- Ritinha, o casamento é uma cruz que é mister saber carregar. Teu marido engana-te... se é que te engana...

- Engana-me!..

— Pois bem, engana-te, sim, mas... com quem? Reflete um pouco, e vê que esse ridículo namoro de janela, que o obriga a madrugar, sair dos seus hábitos, é uma fantasia passageira, um divertimento efêmero que não vale a pena tomar a sério.

— Achas então quê?...

— Filha, não há no mundo marido algum que seja absolutamente fiel. Faze como eu, que fecho os olhos às bilontrices (pilantragens) do Melo, e digo como dizia a outra: — Enquanto andar lá fora, passeie o coração à vontade, contanto que me o restitua quando se recolher ao lar doméstico.

— Filosofia no caso!

— Vejo que não sentes por teu marido o mesmo que sinto pelo meu...

A filósofa conservou-se calada alguns segundos, e, dando em D. Ritinha outro beijo, ainda mais prolongado e sonoro que o primeiro, prosseguiu assim:

— Se fizeres cenas de ciúmes a teu marido, apenas conseguirás que ele se afeiçoe deveras à tal modista; o que por enquanto não passa, felizmente, de um namoro sem consequências, poderá um dia transformar-se em paixão desordenada e furiosa!

— Mas...

— Não há mas nem meio mas! Cala-te, resigna-te, devora em silêncio tuas lágrimas, e observa. Se daqui a oito ou dez dias durar ainda esse pequeno escândalo, vem de novo ter comigo, e juntas combinaremos então o que deverás fazer.

— Aceito de bom grado os conselhos, minha boa amiga, mas não sei se terei forças para sofrear a minha indignação e os meus ciúmes.

— Faze o possível por sofreares. Lembra-te que és mãe. Quando um casal não vive na mais perfeita harmonia, a educação dos filhos torna-se extremamente difícil.

Alentada por esses conselhos amistosos e sensatos, D. Ritinha Torres despediu-se da sua melhor amiga, e foi para casa muito disposta a carregar com resignação a cruz do casamento.
***

Logo que ficou sozinha, D. Umbelina que até então a custo se contivera, teve também uma longa crise de lágrimas.

Mas, serenada que foi essa violenta exacerbação dos nervos, a moça correu ao telefone, e pediu que a comunicasse com a repartição onde Venâncio Torres era empregado.

— Alô! Alô!

— Quem fala?

— O Sr. Venâncio está?

— Está. Vou chamá-lo.

Três minutos depois D. Umbelina telefonava ao marido de D. Ritinha que precisava falar-lhe com toda urgência.

Ele correu imediatamente à casa dela, onde foi recebido com uma explosão de lágrimas e imprecações.

— Que é isto?! Que é isto?! – perguntou atônito.

— Sei tudo! – bradou ela. – Tua mulher esteve aqui e contou-me o teu namoro com a modista de defronte!

Venâncio ficou alterado.

— A idiota veio perguntar-me, a mim, que sou tua amante, o que devia fazer! Eu disse-lhe que fechasse os olhos, que se resignasse...

E agarrando-o com impetuosidade:

— Ah! Mas eu é que me não resigno, sabes? Eu não sou tua mulher, sabes? Eu amo-te, sabes?...

— Isso é uma invenção tola... Eu não namoro modistas.

— Olha, Venâncio, se continuares, tudo saberei, porque incumbi a tua própria mulher de me pôr ao fato de tudo quanto se passar! Se persistires em namorar essa costureira, darei um escândalo descomunal, tremendo, nunca visto... — Afianço-te que te arrependerás amargamente! Tu ainda não me conheces!...

Venâncio tinha lábias: desfez-se em desculpas e explicou, o melhor que pôde, as suas madrugadas.

D. Umbelina, que ardia em desejo de perdoar, aceitou a explicação. Entretanto, ameaçava-o sempre:

— Olha que se me constar que... Não te digo mais nada!...

E os dois amantes celebraram as pazes do modo mais definitivo possível.

Pouco antes da hora em que devia chegar o dono da casa com o seu coração intacto, Venâncio, que descia a escada, parou, e retrocedeu três ou quatro degraus para dizer a D. Umbelina:

– Queres saber de uma coisa? Essa história da modista é bem boa: serve perfeitamente para desviar qualquer suspeita que minha mulher possa ter da sua melhor amiga...

E desceu.
***

Oito dias depois, D. Umbelina de Melo recebia um bilhete concebido nos seguintes termos:

"Minha boa amiga. — Parece que tudo acabou, felizmente. Depois que estive contigo, nunca mais Venâncio se levantou cedo, nem foi à janela. Deus queira que isto dure! Como sou feliz!
—  Tua do coração, Ritinha Torres.”

Fonte: Artur de Azevedo. Contos efêmeros. Publicado em 1897. Disponível em Domínio Público

Aparecido Raimundo de Souza (O labirinto de espelhos e o reencantamento do cotidiano)

 
EM UMA CIDADEZINHA nos cafundós do interior de São Paulo, cujas paredes se faziam altas, tipo as de um presídio de segurança máxima, uma centena de casas antigas se estendia por várias ruas de terra batida que começavam na pracinha em frente à estação de trem da antiga “Estrada de Ferro Sorocabana” e terminavam nas margens do Rio Iperozinho, importante afluente do Rio Sorocaba. Cada uma dessas casas, ostentava uma janela estreita sinalizando que no interior daquelas moradias se acumulava ao sabor do tempo inexorável várias doenças consideradas incuráveis. Na casa de número cinquenta e oito, por exemplo, abrigava uma jovem simpática, mas que todos consideravam uma “mala”. Não outra, senão a jovem e linda Loucura. Além de doente, “essa beldade” se diferenciava das outras moradoras das alvenarias próximas. A casa de número um, por exemplo, abrigava a insuportável Tristeza. A casa de número dez, se via às voltas com a ignominiosa (aterrorizante) Solidão. Na casa treze, a proprietária se fazia conhecida pela senhora Desgraça.  E assim, sucessivamente. 

A casa de número cinquenta e oito, a sua inquilina, a esfuziante Loucura, não tinha ouvidos, nem rosto, tampouco voz. No geral, seu quadro esquizofrênico se formava por conta de uma sombra negra que vagava à esmo, todas às noites. A famigerada saía a caminhar sozinha e se arrastava pelas vielas e becos, produzindo um sussurro estapafúrdico entre os lábios cerrados o que fazia crescer, e muito, o medo tétrico dos demais convizinhos. Diziam, à língua solta, que a criatura além de se chamar Loucura, cometia no decorrer do dia a dia, as piores barbaridades. Por conta, todos comungavam que essa “cidadã” se consubstanciava num mal incurável e pior, difícil de ser contido. No geral, uma enfermidade ingrata e impossível de ser arrochada. Para completar seu quadro tempestuoso, a sirigaita carregava um segredo escondido. Todos que paravam para dialogarem com ela, acabavam alienados e paranoicos. No coração da cidade, colada à igreja matriz, havia um casarão enorme do “tempo em que Judas ainda não havia perdido as botas.” 

Dentro dele, um grandioso labirinto de espelhos se fazia coerente e verossímil. Exatamente nele, a bendita Loucura, numa de suas caminhadas, para tranquilidade dos demais, ou melhor, de todos os radicados, a estrangeira se viu, por puro azar, encarcerada. Foi descuido. Com isso, o tal entrave dos espelhos que até então se mostrava austero aos menos desavisados, e claro, aos não curiosos, em face de se fazer alheio e indiferente à população aparentando um lugar de portas trancadas e venezianas intransponíveis, atapetados de grades circunspectas e cadeados de rostos solenes, passou a ser, de repente, uma válvula de escape —, ou melhor dito —, um remédio de bula benfazeja. O heteróclito, a bem da verdade, literalmente, não ia além de um lugar tranquilo e propício às reflexões. Quem entrava ali, diziam à boca miúda, jamais encontrava a saída. Pelo menos por algum tempo se fazia atarantado entre as versões distorcidas de si mesmo. 

Foi o caso da senhorita Loucura. É bom que se diga, nessa combinação intrincada, havia um homem. O nome dele, Emanuel.  Esse mancebo, ao contrário dos demais que não se aventuraram a entrar, se deu conta, que o tal emaranhado de espelhos dava a impressão de um cárcere. Negativo! Para ele, os cristais mostravam não o que todos pensavam ser o fim do mundo, ou o inferno encapetado, mas, seguramente, a liberdade verdadeira. Aquela que toda a cidade, por algum motivo injustificável se recusava a enxergar. Emanuel, por sua bisbilhotice, também se viu meio fora de foco e sem chão. Caminhava pelos vários corredores tomados por uma cadeia de substâncias inorgânicas falando com as imagens que replicavam seus trejeitos e caretas, contudo, nunca assinalavam a sua alma. Insatisfeito, ele sempre indagava, numa espécie de fobia incurável:

— Por que vocês não me apontam o umbral da serventia dessa droga para eu dar o fora?

Os espelhos seguiam silenciosos e não respondiam. No fundo, Emanuel, tinha plena consciência que a Loucura (a jovem recém-chegada e alguns passos atrás dele), não representava um monstro a ser trancafiado e, sim, uma parte da humanidade que clamava por compreensão. Ele via nos bugalhos duplicados da novata, a dor atribulada da rejeição flagelada, o peso desinquietante do receio suplicante  e a ansiedade desolada e apertada. Por outro prisma, descerrava também o alívio envolvente da beleza, e o encanto terno da diferença. Com o tempo, Emanuel se tornou parte integrante do dédalo (labirinto), tipo um guardião de todos os espelhos. Ele acolhia aqueles que a sociedade excluía mostrando que a Loucura, que chegara alguns dias depois dele, não se consubstanciava numa prisão. Ela se abria inteira num caminho novo. Se fundia numa estrada propícia para a liberdade. Em sua presença, todos que ingressavam no labirinto, encontraram não o fim, mas o início de uma jornada nova para aceitar a si mesmos. 

Com o passar do tempo, a cidade toda (lenta e gradativamente), aprendeu que o encarceramento da pobre e dócil Loucura não estava sustentado pelo atravanco (estorvo) da janela da sua casa de número cinquenta e oito. Menos ainda nos espelhos do labirinto. Tampouco nas barreiras que se erguiam dentro dele. A raia miúda, em sólido compacto, com o decorrer de um certo tempo, descobriu que a verdadeira liberdade, ou a genuína e real Felicidade, vinha não de se curar ou se esconder. Simplesmente a magia se agigantava e se expandia no cândido e bucólico “entender e aceitar.”  Muitos e muitos janeiros se passaram até que os espelhos se tornaram um símbolo de altivez e da esperança. Hoje é um lembrete brando de que a moça Loucura, quando abraçada, acarinhada, e amada, pode ser (e de fato é) a chave para desvendar os mistérios mais profundos da alma humana. Nesse tom de cores, as mais diversificadas, a cidadezinha nos cafundós do interior de São Paulo, outrora muda e monocromática, se tornou um mosaico de vozes e visões, onde a doce e amada senhorita Loucura não é mais uma prisioneira. Ao invés disso, uma excelente e exímia pintora das coisas boas da vida.
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Fonte> Texto enviado pelo autor

domingo, 12 de maio de 2024

Eduardo Affonso (Féchion quae sera tamen)

Eu sabia que um dia estaria na moda. Nem que demorasse meio século, mas estaria.

É que minha mãe era costureira e avessa a desperdício. Costurava no capricho, mas aproveitando cada centímetro quadrado de tecido.  Seus bolsos eram invisíveis – melhor dizendo, camuflados, seguindo o mesmo alinhamento da estampa do resto da camisa.  E olha que os anos 60 e 70 foram pródigos em estamparias lisérgicas. Pois minha mãe ia lá e fazia os bolsos, as palas, os punhos em perfeita sincronia com o resto.

Claro que sobrava pano. Se fosse pouquíssimo, servia para forrar botões (tínhamos uma máquina de forrar botão que também servia para esmagar dedo de irmão mais novo). Se fosse pouco pano, virava colcha de retalho. Uma sobra maior virava camisa pros filhos, vestido pra filha.

Nem sempre o que sobrava era suficiente para uma camisa inteira. Mas – e aí é que entra o primeiro parágrafo – nada que não pudesse ser resolvido com duas ou três sobras diferentes.

Felizmente minha mãe tinha bom gosto, e me fazia camisas com as costas lisas e a frente estampada. Toda lisa, com bolsos, mangas e colarinho em composê. Inventava modelos, cortes, recortes e firulas que, quem visse, jamais diria (pelo menos não na frente dela) que aquilo era a própria sustentabilidade aplicada à costura, muito antes de a sustentabilidade vir ao mundo.

A partir de certa idade passei a ter vergonha das minhas camisas-colagens. Queria camisas sem liberdades poéticas, camisas puro sangue, monocromáticas, homogêneas. Não adiantava virem me dizer que a gola combinava com o bolso: eu queria tudo chapado, azul de fio a pavio, verde de cabo a rabo, sem o risco de, na missa, minha manga reconhecer sua família biológica no vestido da senhora do banco à frente.

Nas fotos da minha infância, vejo hoje uma pobreza que então eu não percebia: uma parede descascada, uma cerca de bambu meio descaída, um móvel velho, uma telha vã. Não éramos pobres – ou melhor, até éramos, mas não a ponto de não poder comprar um corte de fazenda. Mas por que desperdiçar retalhos?

Quando nasci, meu pai não trabalhava:  era estudante secundarista. Meu avô bancava filho, nora e neto. Melhor dizer netos, no plural, porque logo em seguida veio o segundo, quando meu pai ainda não trabalhava: estudava para o vestibular. E veio o terceiro– uma menina – e meu pai continuava não trabalhando: era universitário. Veio o quarto, com meu pai finalmente indo botar a mão na massa, ao se formar em Direito. Durante todo esse tempo, meu avô proveu casa e comida. Mas minha mãe pagava, com a costura, todas as outras contas. Não eram tempos de se jogar nada fora.

(Parênteses para uma madeleine: nossa melhor comida de domingo era uma travessa de macarronada decorada com ovos em rodelas e sardinhas. Minha mãe distribuía simetricamente as rodelas maiores e menores, e mesmo as das pontas, só claras, entremeando-as com metades de sardinha. Mas estas não iam diretamente da lata para a mesa: minha mãe as descamava com o dorso da faca, abria, retirava as vísceras, a espinha, a barbatana, e a sardinha seguia limpinha e faceira para a mesa.  Meu avô resmungava: “Pobre e limpando sardinha!” e eu não entendia. Hoje entendo: éramos pobres, e nem por isso deixávamos de ter o refinamento possível do bolso na diagonal, caso não houvesse tecido para o bolso alinhado; não íamos além do macarrão aos domingos, mas nem por isso comeríamos escamas e vértebras de sardinhas. Fecham-se os parênteses).

Enquanto minha irmã crescia, seu vestido ganhava novas barras, quem sabe um babado, um artifício qualquer que o fizesse crescer junto.  Nossas calças, quando passamos a ter calças compridas, ganhavam novas bainhas.  O irmão nascido logo depois de mim herdou todas as minhas roupas – usava não só retalhos, mas retalhos de segunda mão.

Hoje vi o anúncio com essas camisas meio mussarela meio calabresa. Minha mãe jamais faria isso, porque tudo tem limite. Mas era mais ou menos isso o que ela fazia: inventava moda. Uma moda que levaria décadas para ser reconhecida: a do listrado combinando com bolinha, do xadrez dialogando com o grafismo, do floral de florzona harmonizando com o floral de florzinha.

Deu vergonha de ter tido vergonha das minhas camisas Frankenstein. Se eu as tivesse guardado – e não tivesse crescido nem engordado nos últimos 50 anos – estaria na última moda.

Hans Christian Andersen (Como encontrar o que está escondido!?)

Era uma vez um estudante, sabem o que ele queria ser? Escritor, poeta, imaginem! Ele queria ler onde nada estava escrito e queria compreender onde tudo parecia confuso. Ele queria ler entre as linhas, além das linhas, isto é, aquilo que estava escondido. Como ele era muito confiante nele mesmo, tinha certeza de que antes mesmo que chegasse a Páscoa, ele já seria um escritor, um poeta talvez! O passo seguinte seria casar-se e viver de seus proventos como escritor. Mas, o nosso grande-futuro-escritor estava sem ideias. Para quem queria ser um escritor esse era um grande problema. Quanto mais ele pensava, menos ideias lhe viam à cabeça. Chegou mesmo a pensar que nasceu depois das ideias, ou seja, tudo que poderia ser usado por ele já havia sido usado por outros.

Entristecido pensou que seria muito bom ter nascido há mil anos, cem anos, somente assim poderia ter tido boas ideias, nada havia sobrado para o grande-futuro-escritor, sem ideias. De tanto pensar ficou doente. Logo os médicos disseram que seu problema era encontrar respostas para o que não sabia. Os médicos não sabiam como poderiam tratá-lo. Alguém que ele conhecia sugeriu que ele procurasse uma velha senhora, que segundo os moradores do lugar era muito sábia. Ela morava nos limites da cidade, em uma casinha muito pequena. Era ela quem abria e fechava a cancela para que as pessoas pudessem entrar na cidade. Apesar de sua aparência, ela era muito sábia, as pessoas vinham procurá-la quando os médicos já não tinham mais o que fazer. Vinham pessoas de todos os tipos, até mesmo os ricos e os da nobreza. Foi assim que o nosso futuro-grande-escritor resolveu também, procurar os conselhos da velha senhora sábia.

Como era de se esperar, a pequena casa era muito simples, mas muito bem cuidada. Nada havia dentro da casa para deixá-la, mais bonita, nenhuma flor, nada, porém, perto da porta de entrada havia uma colmeia de abelha, com certeza algo muito útil, e no quintal um canteiro de batatas, também algo muito útil. Fora da casa havia uma parte escavada onde havia um arbusto, o abrunheiro, ou ameixa selvagem, com umas flores brancas e cujas frutinhas são muito boas para a saúde, mas antes de um rigoroso inverno, com noites muito frias elas são muito amargas. O que vejo à minha frente e um retrato vivo dos nossos tempos.

Pensando assim, bateu a porta:

Ao abrir a porta a velha senhora foi logo falando:

– Porque não escreve sobre o que você pensa ou sobre suas dúvidas, incertezas... Sei que veio me procurar porque quer tornar-se um escritor antes da Páscoa, mas nada parece bom para começar seus escritos. Estou dizendo a verdade, não é mesmo?

Muito feliz, porque achou tudo muito mais fácil do que havia imaginado, concordou com a senhora e disse: – Infelizmente vivemos em épocas de grande pobreza criativa, nada de novo surge, tudo já foi dito, copiado e recopiado, não sobrou nada para mim. Tempos difíceis esses!

– Vou concordar com você, mas gostaria que você acompanhasse meu raciocínio: Nos velhos tempos, velhas como eu, não poderiam estar conversando com você pois eram chamadas de bruxas e queimadas em enormes fogueiras. Era uma época em que o estomago do poeta era mais vazio do que seu próprio bolso. Seu problema é de cegueira, não de falta de ideia. Olhe à sua volta, tanta coisa você tem para agradecer que nos são dadas pelo nosso Deus, a natureza, as flores, o cantar dos pássaros, o barulho das águas correndo nos riachos, há uma linguagem sem voz, tente ouvi-las, olhe à sua volta, tudo compactua para inspirar você, o problema é que você não quer se dar ao trabalho de experimentar as verdadeiras maravilhas que estão no mundo pronta para serem descritas, recitadas em verso e prosa. Vou ajudar você, vou emprestar-lhe meu aparelho de surdez e meus óculos. Você deverá observar a natureza através dessas lentes e escutar o som da vida com esse aparelho. O mais importante de tudo, no entanto, é parar de pensar em você, em primeiro lugar.

Caro leitor, você há de concordar comigo que essa é a tarefa mais difícil para esse rapaz.

Nosso futuro-grande-escritor/poeta colocou os óculos e o aparelho nos ouvidos. Agora eles estavam em pé, perto do canteiro das batatas, a velha senhora colheu uma e deu a ele. Imediatamente ele começou a ouvir a batata e ela narrava fatos sobre sua história.

- O que o nosso amigo não sabia era que a batata havia chegado à Europa como imigrante. Foi de pronto rejeitada, somente depois de muito tempo foi aceita e se transformou no alimento cotidiano principal de todas as refeições. Naquela época, os reis mandavam seus emissários entregarem batatas em todas as cidades incentivando seu cultivo para que o povo pudesse ser alimentado. Fomos cultivadas das formas mais erradas desde pensar que cresceríamos como árvores, até nos amontoar a um canto e deixar ali para ver o que aconteceria, até chegarem ao ponto de perceberem que a melhor parte estava debaixo da terra e não em cima dela. Essa parte é suculenta e saborosa. Nossos antepassados sofreram muito, já pensou se fosse com os seus antepassados?

- Agora chega, a conversa com a batata já se estendeu por muito tempo. Vamos ouvir um pouco o abrunheiro. Voltando-se para o jovem ele disse:  

- Aqui a conversa é outra, as batatas vêm do Sul, enquanto nós, do Norte. Fomos trazidos pelos guerreiros vikings em uma de suas muitas viagens pelo mundo. Em uma delas foram parar em uma terra muito gelada, onde encontraram esses frutos. Antes do frio intenso suas frutinhas eram muito amargas, mas depois, quando o frio e a neve chegavam, elas ficavam doces como um mel. Lembravam até uvas muito doces. Nosso nome foi dado pelos vikings em terras muito distantes hoje conhecidas por nós como a Groenlândia.

- Que beleza de história, disse o futuro-grande-escritor/poeta.

- Tenho razão ou não? - disse a velha senhora – Agora vamos visitar a colmeia.

Ao colocar os óculos ele conseguiu ver o que jamais poderia imaginar. Dentro da colmeia, um grande movimento, um trabalho incessante era realizado por todas aquelas abelhas. Os corredores e galerias eram visitados pelas abelhas que, com suas asas abertas procuravam renovar o ar do ambiente. As abelhas chegavam ali aos milhares vindas do lado de fora de onde colhiam material para a produção do mel. Suas pernas tinham cestinhas, quase invisíveis, dentro delas era coletado o pólen e, ao esvaziar as cestinhas ele era separado para a produção do mel ou da cera. Tendo esvaziado as cestinhas, elas voltavam para o exterior para colher mais material. A abelha rainha queria fazer o mesmo, mas não podia porque se ela saísse a voar as outras abelhas a seguiriam e ainda não era chegado o tempo para criar uma outra colmeia, para conter a rainha as abelhas cortaram-lhe as asas.

- Vamos agora visitar outro mundo, veja, você já ouviu histórias das batatas, do abrunheiro, já observou a vida em uma colmeia, agora vamos para a frente da casa observar as pessoas que passam pela estrada.

Lá estavam eles ao pé da estrada.

O rapaz ficou admirado com a quantidade de pessoas que passava por ali. Aprendeu muito bem que cada uma delas deveria ter sua própria história, mas disse que não tinha tempo para escutá-las e que iria embora.

– Não foi essa minha intenção ao trazê-lo aqui. Você vai caminhar entre eles e ouvir o que eles estão dizendo, tenho certeza de que muitas ideias brotarão em você. No entanto, antes de ir, devolva-me meus óculos e meu aparelho de audição.

Muito a contragosto, o rapaz entregou à velha senhora ambos os aparelhos e disse: – E agora, o que faço? Não enxergo mais nada e nem ouço mais nada interessante.

- Sem “ver” e sem “ouvir” você jamais será um futuro-grande-escritor/poeta nem antes e nem depois da Páscoa.

– O que fazer então?

– Não tenho resposta, imaginação é algo que você tem ou não tem. Não posso ensinar você a ter imaginação.

– O que fazer então? Desistir de meu sonho?

– Ah! Isso era um sonho para você? Estou mais aliviada, há outras coisas a fazer quando não se tem imaginação e não precisa esperar a Páscoa, aproveite o Carnaval, compre algumas máscara e vá assustar os poetas, finja que não compreende o que eles dizem, faça por isso muitas críticas, seja duro, amargo, acabe com eles sem dó nem piedade, certamente você ganhará muito dinheiro com isso e poderá formar a família que tanto deseja.

– Não acho isso muito interessante, mas porque não tentar?

Assim um novo crítico literário estava na praça atacando sem piedade os que tinham talento já que ele próprio não conseguia escrever, dava um jeito de destruir a carreira de quem o fazia. Ele tinha um prazer especial de criticar os poetas.

É claro. Que eu não inventei essa história, ela me foi contada pela velha senhora sábia. Ela tem muita imaginação, não somente para ela, mas para quem quiser comprar ou até mesmo receber dela, no entanto, poucos são os interessados nesse tipo de sabedoria. De dom? De experiência? De sensibilidade.

Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público